Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04A1323
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
CESSAÇÃO
Nº do Documento: SJ200405130013236
Data do Acordão: 05/13/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 8811/03
Data: 11/27/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - A prescrição da obrigação de pagamento do preço da prestação de serviço telefónico é uma prescrição de curto prazo, destinada essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência do seu crédito tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor, e não uma prescrição presuntiva, sujeita ao regime especial dos art.ºs 312º e segs. do Cód. Civil.
II - Embora em princípio não baste o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição, sendo necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, dêem a conhecer ao devedor a intenção do credor de exigir a satisfação do seu direito, a partir da entrada em vigor do Dec. - Lei n.º 381-A/97, de 30/12, a simples apresentação a pagamento da factura respeitante à prestação de serviço telefónico interrompe o decurso do prazo de prescrição, sem necessidade para tal de exercício judicial do direito de exigir o pagamento.
III - Não sendo a citação da ré feita dentro dos cinco dias posteriores à entrada da petição inicial em Juízo por a autora ter indicado como sede desta um local diferente daquele que já então sabia ser a verdadeira sede da mesma, tem de se entender que tal falta de citação teve lugar por facto imputável à autora, pelo que a prescrição não se interrompe findos aqueles cinco dias.
IV - A cessação antecipada da providência de gestão controlada implica que os credores possam passar a exercer os seus direitos de crédito no seu perfil originário, sem as limitações que resultavam daquela providência.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 11 de Abril de 1997, Portugal Telecom, S.A., instaurou contra A - Televisão Independente, S.A., acção com processo ordinário, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia ainda não paga de 112.013.175$00, referente a mensalidades de assinatura de postos telefónicos requisitados pela ré à autora e a preços de chamadas telefónicas feitas dos mesmos postos, acrescida dos juros de mora respectivos até integral pagamento, somando os vencidos em 10/4/97 o montante de 16.802.055$00.
A ré contestou invocando prescrição e falta de dedução de 30% do valor total da facturação posterior a Janeiro de 1995, que seriam levados a permuta por publicidade na antena da ré em conformidade com o acordo realizado entre a autora e a Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social.
Em réplica, a autora rebateu a matéria de excepção.
Tendo sido comprovada nos autos a pendência no Tribunal Judicial de Oeiras de um processo de recuperação de empresa relativo à ora ré, veio ainda a autora apresentar requerimento superveniente de ampliação do pedido, a que a ré se opôs, pretendendo aquela, em moldes subsidiários, que, caso a ré venha a provar que os seus accionistas não subscrevam os 12 milhões de acções que ali descreve, deverá esta ser condenada a entregar à autora acções suas no montante do capital em dívida acrescido de juros contados até 9/11/98.
Após realização de uma audiência preliminar em que não se obteve conciliação, foi proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias nem nulidades secundárias e que não admitiu aquela ampliação do pedido, relegando o conhecimento das excepções deduzidas para decisão final, após o que foi enumerada a matéria de facto desde logo considerada assente e elaborada a base instrutória.
Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto sujeita a instrução, após o que foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a ré do pedido.
Apelou a autora, tendo a Relação proferido acórdão que concedeu provimento á apelação, condenando a ré a pagar à autora a importância em euros correspondente à quantia de 112.013.175$00, acrescida dos juros vencidos e vincendos, sem prejuízo do que haja sido acordado no processo de recuperação da empresa ora ré.
É deste acórdão que vem interposta a presente revista, por ambas as partes, que, em alegações, formularam as seguintes conclusões:
I - A autora:
1ª - Dão-se como integralmente reproduzidos os factos considerados provados;
2ª - No Tribunal de Oeiras, 2º Juízo Cível, correm termos, desde 30/6/97, com o n.º 872/97, uns autos de acção especial de recuperação de empresas, em que é requerente a aqui ré;
3ª - Em 1 de Junho de 1998 realizou-se a assembleia de credores, naqueles Juízo e processo, que aprovou a proposta de gestão controlada da ré, pelo prazo de doze meses, e em 4 de Junho de 1998 foi homologada a proposta de gestão controlada;
4ª - Na decisão que homologou a proposta de gestão controlada consta que a gestão controlada é "... pelo prazo de um ano, sendo o conselho de administração constituído pelas pessoas identificadas a fls. 4403, exercendo as funções de presidente B e sendo a comissão de fiscalização constituída pela C";
5ª - Em conformidade com a certidão emitida pelo Registo Comercial de Cascais, em 7 de Março de 2002, certificada pela Sr.a Dr.a Helena Serrão em 10 de Outubro e 2002 e junta aos autos em 17 de Outubro de 2002, constam diversos registos que documentam a evolução dos órgãos sociais da ré;
6ª - A certidão acima referida e junta aos autos faz prova plena de que:
a partir de 9 de Julho de 1998 passou a existir uma nova administração e uma nova comissão de fiscalização, nomeadas pela assembleia de credores e homologadas pelo Mer.mo Juiz, no âmbito da gestão controlada;
todos os actos posteriores (nomeação de outros membros do conselho de administração, designação de outras comissões de fiscalização, reduções e aumentos de capital social) não foram decididos pela assembleia de credores, nem homologados pelo Tribunal;
em 23 de Outubro de 1998, alguns dos membros da referida administração renunciaram aos cargos e foram nomeados outros e outra comissão de fiscalização;
em 18 de Dezembro de 1998 houve "cessação de funções de todos os membros do conselho de administração e comissão de fiscalização";
também com data de 18 de Dezembro de 1998 foi registada a "eleição dos órgãos sociais - conselho de administração e comissão de fiscalização";
7ª - A eleição dos órgãos sociais da ré foi efectivada pela assembleia geral da ré, que se auto nomeou, não tendo havido qualquer deliberação da assembleia de credores, quando tinham decorrido apenas cerca de seis meses após o início do período de um ano de gestão controlada;
8ª - Quaisquer providências ou correspondentes alterações, no âmbito da medida de gestão controlada, deve ser deliberada pela assembleia de credores, homologada e registada na correspondente Conservatória do Registo Comercial; ao decidir-se de outro modo foram violados os art.ºs 59º, 60º e 61º do Dec. - Lei n.º 132/93, de 23/4, que aprovou o Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e de Falência;
9ª - O primeiro registo relacionado com o processo de recuperação de empresa tem a data de 17 de Julho de 1997;
10ª - O último registo relacionado com o processo de recuperação de empresa tem a data de 9 de Julho de 1998, referindo-se à designação dos conselho de administração e comissão de fiscalização no âmbito da gestão controlada;
11ª - O terceiro registo, com data de 18 de Dezembro de 1998 (existem mais dois com a mesma data), refere-se à "eleição dos órgãos sociais" (pela assembleia geral da ré), e não por deliberação da comissão de credores;
12ª - O último registo que consta da certidão tem a data de 4 de Janeiro de 2001;
13ª - Os registos posteriores referem-se a decisões ou outras situações anódinas, não se referem a qualquer acto relacionado com o processo de recuperação de empresa;
14ª - Ao ser decidido de outro modo, foram violados os art.ºs 369º, 370º e 371º do Cód. Civil;
15ª - A medida de gestão controlada teve início em 4 de Junho de 1998, com a prolação do despacho de homologação da deliberação da assembleia de credores que aprovou as medidas para recuperação da ré;
16ª - O prazo para a duração da gestão controlada foi de um ano; terminaria em 5 de Junho de 1999;
17ª - Em 23 de Outubro de 1998, três membros do conselho de administração da ré, nomeados por deliberação da assembleia de credores, cessaram as respectivas funções, por renúncia;
18ª - Na mesma data foram nomeados outros três membros e outra comissão de fiscalização, sem qualquer deliberação da assembleia de credores e sem a necessária homologação judicial;
19ª - Em 18 de Dezembro de 1998 cessou definitivamente, por via extrajudicial, a gestão controlada da ré, com a tomada de posse de nova administração e nova comissão de fiscalização, nomeadas pelos accionistas;
20ª - Desde a homologação da medida de gestão controlada da ré que não é conhecida qualquer deliberação da comissão de credores, nem qualquer acto processual relacionado com as medidas de recuperação da ré, estando o processo parado desde 4 de Junho de 1998 e sendo certo que o poder jurisdicional se havia esgotado com a prolação do despacho de homologação;
21ª - Nos termos do n.º 2 do art.º 116º do Dec. - Lei n.º 132/93, de 23/4, "a cessação antecipada da gestão controlada equivale ao reconhecimento do não cumprimento das obrigações assumidas pela empresa e pode ser invocada como causa de vencimento antecipado das obrigações ainda não exigíveis"; ao decidir-se de outro modo, foi violada a referida disposição legal;
22ª - Donde, tudo se passa como se não tivesse existido qualquer medida de recuperação da ré (conforme acórdão deste S.T.J. de 28/5/02 que cita a fls. 1816);
23ª - O processo de recuperação da ré está parado desde a data da homologação da providência de gestão controlada desta, ou seja, desde 4 de Junho de 1998, pelo que se verificou interrupção da instância em 5 de Junho de 1999;
24ª - A interrupção da instância opera automaticamente, sem necessidade de qualquer despacho judicial, pelo que, decidindo-se de outro modo, foi violado o art.º 285º do Cód. Proc. Civil (conforme acórdão da Relação do Porto de 16/1/96, que cita a fls. 1817);
25ª - O poder jurisdicional extingue-se "... logo que a decisão foi exarada no processo ...", não podendo ser proferida nova decisão sobre actos cobertos pela decisão antes proferida;
26ª - Nos termos do n.º 1 do art.º 291º do Cód. Proc. Civil, "considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos";
27ª - A deserção da instância ocorre automaticamente, estando a mesma interrompida durante dois anos; ao decidir-se de outro modo foi violado o n.º 1 daquele art.º 291º;
28ª - A interrupção da instância relativa ao processo de recuperação de empresa n.º 871/97 pendente no 2º Juízo Cível de Oeiras, respeitante à ré, ocorreu em 5 de Junho de 1999, e a deserção da instância verificou-se em 6 de Junho de 2001, ou seja, dois anos após a interrupção da instância;
29ª - Deste modo, o processo de recuperação de empresa relativo à ré não tem qualquer influência nos presentes autos, não podendo ser invocado, seja a que título for, para os condicionar;
30ª - Conforme se colhe da decisão que revogou o benefício de apoio judiciário que fôra concedido à ré, "no exercício de 1999, a ré A, S.A., teve um lucro tributável (declarado) de esc. 2.186.017.495$00"; "por seu turno, no exercício de 2000 a ré teve um lucro tributável (declarado) de esc. 3.289.363.005$00"; "a mesma ré tem assumido nestes últimos dois anos a liderança das audiências no âmbito dos canais generalistas e de sinal aberto";
31ª - Donde, a ré tem uma situação económica desafogada, superior à média do sector em que actua, tendo havido uma alteração das circunstâncias, não previsível, quando foi acordado o plano de recuperação da ré.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido na parte em que fixou uma limitação ou restrição à condenação da ré no pedido com referência ao processo de recuperação de empresa, mantendo-se tal condenação mas sem essa restrição.
II - A ré:
1ª - O acórdão recorrido não fez a mais correcta aplicação e interpretação do Direito aplicável na situação sub judice, bem como não considerou adequadamente a matéria de facto dada como provada;
2ª - Com efeito, cita o n.º 4 do art.º 14º do RSTP, aprovado pelo Dec. - Lei n.º 199/87, de 30/4, e o n.º 6 do art.º 16º do Dec. - Lei n.º 240/97, de 18/9, para fundamentar que as notificações feitas ao assinante do serviço fixo de telefone "são efectuadas para o domicílio que para o efeito for indicado no respectivo contrato", o que não teria sucedido na situação sub judice, por razões exclusivamente imputáveis à ora recorrente;
3ª - Contudo, da matéria de facto provada, designadamente das als. C), H), M), BB) e CC), resulta precisamente o contrário, sendo que a morada constante dos contratos em causa era a Rua Mário Castelhano, ... Queluz de Baixo, a qual a ora recorrida não usou logo de início para citação da ora recorrente;
4ª - A matéria de facto dada como provada inviabiliza, assim, totalmente, as conclusões do acórdão recorrido, resultando evidente dos autos que a ora recorrida dispunha dos elementos suficientes para, com mais diligência da sua parte, viabilizar a citação atempada da ora recorrente;
5ª - O n.º 2 do art.º 323º do Cód. Civil dispõe que "se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias";
6ª - Foi a incorrecta identificação da recorrente pela recorrida na petição inicial que motivou o atraso na citação daquela, sendo a culpa da demora, portanto, unicamente imputável á esfera da recorrida, não podendo assim esta beneficiar da eficácia interruptiva estabelecida pelo n.º 2 do art.º 323º do Cód. Civil;
7ª - A interrupção da prescrição só ocorre nos termos expressamente previstos na lei, ou seja, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 323º do Cód. Civil, que dispõe que "a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente";
8ª - Conforme dizem Pires de Lima e Antunes Varela, "decorre claramente deste preceito que não basta o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição: é necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, dêem a conhecer ao devedor a intenção de o credor exercer a sua pretensão";
9ª - As facturas não integram, pois, a previsão do n.º 1 do art.º 323º, não constituindo consequentemente um meio idóneo para interromper o prazo da prescrição, o que só sucede com a prática de actos de natureza judicial;
10ª - As facturas servem apenas como interpelação extrajudicial para cumprir, para o devedor pagar as importâncias discriminadas até à data limite nelas fixada, mas a apresentação da factura não interrompe nem tampouco suspende a prescrição;
11ª - Entendimento diferente deste, que parece ser o do acórdão recorrido, levaria a que considerássemos um duplo prazo de prescrição, o que é inaceitável face ao espírito do legislador subjacente à Lei n.º 23/96, estando-se a alongar aquilo que o legislador pretendeu encurtar;
12ª - Quando muito, poder-se-ia admitir, sem conceder, que, após a apresentação da factura, começaria a contar novo prazo de seis meses, nos termos do disposto no art.º 326º do Cód. Civil;
13ª - A Lei n.º 23/96 visou criar alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, impondo ao fornecedor dos bens e serviços considerados pela lei como essenciais a obrigação de agir rápida e atempadamente na cobrança dos seus direitos, e para atingir tal desiderato o seu art.º 10º, n.º 1, estabeleceu que o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação;
14ª - Onde se diz, no n.º 5 do art.º 9º do Dec. - Lei n.º 381-A/97, de 30/12, "... tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura", deve entender-se como "ter-se interpelado o assinante para cumprir", com relevo apenas para a sua constituição em mora, isto porque o legislador quis efectivamente um prazo novo e mais curto do que o estabelecido na al. g) do art.º 310º do Cód. Civil, sentido pelo qual o direito de exigir judicialmente o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a prestação (mensal) e não após a facturação;
15ª - É manifesto que a pretensão da recorrida é improcedente, pois os seus créditos encontram-se prescritos, devendo assim ser mantida na íntegra a decisão da 1ª instância.
Só a Portugal Telecom contra alegou, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela A.
Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes são os como tais declarados no acórdão recorrido, para o qual nessa parte se remete ao abrigo do disposto nos art.ºs 726º e 713º, n.º 6, do Cód. Proc. Civil, uma vez que não há impugnação da matéria de facto nem fundamento para a sua alteração.
Antes de mais, há que decidir, por uma razão lógica, do recurso interposto pela ré, uma vez que, se for de concluir pela prescrição dos créditos da autora sobre ela, ficará prejudicado o conhecimento do recurso interposto pela autora.
A única questão suscitada pela ré nas conclusões das suas alegações é efectivamente apenas a de saber se ocorreu prescrição daqueles créditos resultantes de falta de pagamento, pela ré, dos preços provenientes da execução do contrato em vigor entre ela e a autora, contrato esse que o próprio legislador qualificava e qualifica como contrato de prestação de serviços (art.º 13º, n.º 1, do Regulamento do Serviço Telefónico Público - R.S.T.P. -, anexo ao Dec. - Lei n.º 199/87, de 30/4, entretanto revogado pelo art.º 3º do Dec. - Lei n.º 240/97, de 18/9, cujo anexo consistente no Regulamento de Exploração do Serviço Fixo de Telefone - R.E.S.F.T. -, porém, manteve aquela qualificação, como se vê entre outros no respectivo art.º 23º, n.º 1, embora designando o contrato mais precisamente por contrato de prestação de serviço telefónico).
Nos termos do art.º 310º, al. g), do Cód. Civil, prescrevem no prazo de cinco anos "quaisquer outras prestações periodicamente renováveis". Trata-se, nos casos incluídos neste artigo, como esclarece Manuel de Andrade in Teoria Geral, II, 1966, pg. 452, não de prescrições presuntivas sujeitas ao regime especial estabelecido nos art.ºs 312º e segs., mas de prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor.
O prazo prescricional respectivo, por outro lado, começa a contar-se, nos termos do art.º 306º do mesmo Código, a partir do momento em que o cumprimento da obrigação possa ser exigido.
Na hipótese daquela al. g) deviam considerar-se abrangidos, entre outros, como nomeadamente entendiam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 1987, pg. 280), os créditos por fornecimento de energia eléctrica, água ou aquecimento, por utilização de aparelhos de rádio, televisão ou telefones, ou relativos a prémios de seguros.
Além disso, como se vê do disposto no art.º 323º, n.º 1, do Cód. Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente; e (n.º 4) é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido. Acresce que, segundo se dispõe no n.º 2 do mesmo artigo, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
Decorre claramente deste dispositivo que não basta o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição, sendo necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, dêem a conhecer ao devedor a intenção do credor de exigir a satisfação do seu direito. Mas isto, presentemente, apenas em princípio, pois a partir da entrada em vigor do Dec. - Lei n.º 381-A/97, de 30/12, que regula o regime de acesso á actividade de operador de redes públicas de telecomunicações e de prestador de serviços de telecomunicações de uso público, se encontra consagrada a excepção prevista no seu art.º 9º, n.ºs 4 e 5, segundo os quais "o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação", e "para os efeitos do número anterior, tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura". Ou seja, a simples apresentação da factura a pagamento antes de terminado o prazo de seis meses contado desde a prestação do serviço interrompe o decurso do prazo de prescrição, sem necessidade para tal de exercício judicial do direito de exigir o pagamento, pois a expressão contida naquele n.º 5, equiparando a apresentação da factura à exigência do pagamento "para os efeitos do número anterior", não pode senão ser interpretada como significando "para os efeitos de evitar a prescrição" a que o n.º 4 se refere, e não simplesmente para efeitos de constituição em mora.
Trata-se, porém, de uma norma não interpretativa, mas inovadora, como se vê do preâmbulo do mesmo Dec. - Lei, que expressamente refere que se destina a desenvolver os princípios da denominada Lei de Bases das Telecomunicações (Lei n.º 91/97, de 1/8), acolhendo as regras comunitárias constantes de diversas directivas que dizem particularmente respeito às formas de acesso ao mercado das entidades que pretendam prestar serviços de telecomunicações e que estabelecem os correspondentes direitos e obrigações, procedendo-se por via dele ao estabelecimento do regime de acesso à actividade de operador de redes públicas de telecomunicações e prestador de serviços de telecomunicações de uso público, reorganizando a (então) actual disciplina jurídica inerente ao acesso ao mercado de operadores de serviços de telecomunicações. Donde que, como é evidente, só produza efeitos para futuro (art.º 12º do Cód. Civil), portanto para hipóteses em que a prescrição ainda não se tenha verificado, caso contrário não tem a eficácia de fazer ressuscitar o direito extinto por prescrição.
Para além disso, apenas um outro fundamento de interrupção da prescrição é consagrado no mesmo Código, no art. 325º, consistindo no reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular, por aquele contra quem o direito pode ser exercido.
Em 26 de Julho de 1996, porém, foi publicada a Lei n.º 23/96, que, depois de esclarecer no seu art.º 1º, n.ºs 1 e 2, que consagrava diversas regras a que devia obedecer a prestação de serviços públicos que considerava essenciais ( referindo taxativamente como abrangidos na sua estatuição os serviços de fornecimento de água, energia eléctrica e gás, e o serviço de telefone), em ordem à protecção do utente, definia este (n.º 3), para os efeitos previstos no mesmo diploma, como sendo a pessoa singular ou colectiva a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo, não o confundindo consequentemente com o consumidor, que, logo cinco dias depois, viria a definir, no art.º 2º da Lei com o número seguinte (Lei n.º 24/96, de 31/7), como todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.
E acrescenta aquela anterior Lei n.º 23/96, no seu art.º 10º, n.º 1, que o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação, - assim reduzindo substancialmente o prazo da prescrição em causa, não presuntiva mas de curto prazo como se referiu -, disposição esta aplicável, nos termos do seu art.º 13º, n.º 1, às relações que subsistam à data da sua entrada em vigor, que, como resulta do disposto no seu art.º 14º, ocorreu em 24 de Outubro de 1996.
Ora, visando aquela Lei n.º 24/96, - cinco dias depois da anterior -, como o refere expressamente, a defesa dos consumidores assim definidos mediante a concessão dos direitos que consagra no seu art.º 3º, incompreensível seria a inclusão do dispositivo daquele art.º 10º na Lei n.º 23/96, e não na Lei n.º 24/96, se com esse dispositivo pretendesse proteger apenas o consumidor que define, e não qualquer utente em geral, pessoa singular ou colectiva, para uso profissional ou não, contra o sobreendividamento resultante do excessivo montante a que poderiam ascender as suas dívidas se não fossem diligente e oportunamente exigidas pelo credor, como poderia acontecer mesmo sem incúria do devedor por ser perfeitamente admissível que este desconheça o montante que, em cada período, corresponde ao valor dos bens ou serviços que utilizou.
E não se vê, por outro lado, que o disposto naquele art.º 13º, n.º 1, afaste a aplicação do disposto no art.º 297º, n.º 1 do Cód. Civil, respeitante à alteração de prazos legais, segundo o qual a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Tem, assim, de se entender que o prazo prescricional de seis meses é susceptível de aproveitar à ora ré, havendo por outro lado que tomar em conta que, como se encontra dado por assente, os períodos de assinatura e prestação de serviços a que respeitam os preços integrados no pedido da autora vão de Novembro de 1993 a Novembro de 1996 e que a presente acção, como se disse, deu entrada em Juízo em 11/4/97, indicando a autora, na petição inicial, a ré como tendo a sua sede na Rua Ivens, n.º .., 1200 Lisboa, mas só tendo a ré sido citada para a presente acção em 20/5/97 na Rua Mário Castelhano, n.º ...., Queluz de Baixo, 2745 Barcarena, por a sua sede ser esta e não a primeiro indicada, o que aliás a autora tinha de saber já em Julho de 1996 por isso mesmo constar do escrito de fls. 128 (impresso dela própria), conforme facto assente sob n.º 3.
É certo que, segundo se dispunha no citado R.S.T.P. (art.º 14º, n.º 4), agora revogado como se disse mas em vigor à data da propositura da acção, as notificações ao assinante pelas empresas operadoras seriam efectuadas para o domicílio indicado no respectivo contrato, o mesmo dispondo no respectivo art.º 16º, n.º 6, o mencionado R.E.S.F.T., cujo Dec.- Lei que o aprovou revogou aquele; mas isto apenas, como nesses mesmos dispositivos explicitamente se consagra, "para efeitos de aplicação do presente Regulamento", e portanto no domínio das relações contratuais extrajudiciais entre autora e ré, e não para efeitos processuais, para além do que não se mostra que a sede da ré referida no contrato seja a indicada pela autora na petição inicial.
Nestas condições, tem de se entender que a citação da ré não foi feita dentro dos cinco dias posteriores à entrada da petição inicial em Juízo por facto imputável à própria autora, ao indicar como sede da ré local diferente daquele que já sabia ser, então, a verdadeira sede desta.
Em contrário não se pode sequer argumentar com o contrato quadro referido na al. N) dos factos assentes na sentença da 1ª instância e no n.º 15º da descrição desses factos no acórdão recorrido, pois tal contrato - quadro foi celebrado entre a autora e "Nova - Federação dos meios de Comunicação Social de Inspiração Cristã", esta em representação dos seus associados, em que se inclui a ré, apenas em 31/10/97, muito depois da propositura da presente acção, não sendo consequentemente um elemento de que a autora então dispusesse para indicar a sede da ré. De todo o modo, nem nesse contrato - quadro se indica a sede da ré, mas da Nova, como sendo na Rua Ivens, referindo claramente o instrumento de adesão da ré a esse contrato que a sede da mesma ré era na Rua Mário Castelhano.
Tal impede que se considere a prescrição interrompida quando decorreram aqueles cinco dias nos termos do mencionado art.º 323º, n.º 2, pelo que, se à indicada data da citação - 20/5/97 -, ainda não terminara o prazo da prescrição, só nessa data ela se interrompeu, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, e, se terminara, o direito nessa data já estava extinto. Não podendo por outro lado sustentar-se que tenha havido renúncia, expressa ou tácita, à prescrição, nos termos do art.º 302º do Cód. Civil: o instrumento de adesão da ré ao aludido contrato - quadro refere claramente que a dita adesão só produzia efeitos a partir da data da sua recepção pelos serviços da autora (19 de Dezembro de 1997), em parte alguma referindo o crédito que a autora invoca nestes autos, e a declaração do responsável da contabilidade da ré incluída na al. W) da descrição dos factos assentes feita na sentença da 1ª instância e no n.º 23º de igual descrição feita no acórdão recorrido não esclarece se o crédito da autora sobre a ora ré, que aí refere, abrange o que se encontra em causa nestes autos, para além de não ser susceptível de integrar renúncia tácita por tal renúncia ser incompatível com a invocação da prescrição feita nos presentes autos, o que implica que àquela declaração não se possa atribuir senão um significado condicional ou provisório até à decisão judicial sobre a questão da prescrição.
Quer isto dizer que os créditos da autora sobre a ré respeitantes aos períodos decorridos até 24 de Outubro, inclusive, de 1996, prescreveram pelo menos em 24 de Abril de 1997, encontrando-se extintos (art.º 304º, n.º 1, do Cód. Civil) naquela data de 20/5/97, em que ainda não fôra publicado o dito Dec. - Lei n.º 381-A/97, - que por isso não se lhes aplica -, por já terem então decorrido seis meses sobre a prestação dos respectivos serviços, não tendo sido ainda instaurado nessa data o aludido processo de recuperação de empresa, iniciado apenas em 30/6/97 e em que a reclamação e aprovação de créditos apenas tinha efeitos relativamente à constituição definitiva da assembleia de credores, à determinação das pessoas que nela podem participar, e não à determinação da existência efectiva dos créditos (art.ºs 44º e 48º, n.º 8, do C.P.E.R.E.F.), que por isso não se podem considerar renascidos.
Quanto ao crédito pelos serviços facturados em Dezembro de 1996, respeitantes, como também está assente, ao mês anterior, ou seja, a Novembro de 1996, ficou prescrita na véspera da citação (19/5/97) a parte respeitante aos serviços prestados até 19 desse mês, o que conduz a que também se considerem prescritos os créditos pelos montantes indicados nas facturas que referem um período de contagem até 19/11/96; já não foi provada a data exacta da prestação dos demais serviços desse mês por as demais facturas donde constam só se encontrarem discriminadas através do número, mês de vencimento e valor, indicando um período de contagem com termo posterior a 19/11/96, ignorando-se por isso se foram prestados antes ou depois de 20 desse mês. Como só se o tivessem sido antes teria havido prescrição em relação a tal crédito e o ónus da prova dos factos integrantes de prescrição recaía sobre a ré (art.º 342º, n.º 2, do Cód. Civil), não pode esse crédito, no montante de 4.785.853$00, correspondente a 23.871 euros, ser considerado prescrito.
Só em relação a este montante há, pois, que conhecer do recurso instaurado pela autora, que, como se vê das conclusões das suas alegações, suscita apenas a questão de, perante a cessação da providência da gestão controlada da ré, saber se pode pedir, desde já, o montante total que esta lhe deve.
E, quanto ao montante em relação ao qual não ocorreu prescrição, tem de se lhe reconhecer razão.
Isto porque a deliberação que aprovou a proposta de gestão controlada da ré foi homologada por sentença de 4/6/98, transitada em julgado, que fixou o prazo de duração dessa providência em um ano, o que implica que terminaria, em princípio, em 4/6/99.
Como o acórdão declarou, porém, sem impugnação, a cessação da providência ocorreu definitivamente em 18/12/98, por via extrajudicial, com a tomada de posse da nova administração e de nova comissão de fiscalização, nomeadas pelos accionistas, tendo assim havido cessação antecipada da mesma providência.
Ora, se bem que, face ao disposto no art.º 62º do C.P.E.R.E.F., ainda em vigor, a autora estivesse sujeita à redução e diferimento do vencimento do seu crédito sobre a ré nos termos da providência aprovada, o n.º 2 do art.º 116º do mesmo diploma estatui que a cessação antecipada da gestão controlada equivale ao reconhecimento do não cumprimento das obrigações assumidas pela empresa e pode ser invocada como causa de vencimento antecipado das obrigações ainda não exigíveis. E, cessando a gestão controlada por incumprimento do plano aprovado, os credores podem passar a exercer os seus direitos de crédito no seu perfil originário, por causa da caducidade das alterações que o processo de recuperação lhes havia introduzido, deixando de estar vinculados à alteração deliberada em assembleia de credores e homologada pelo juiz (acórdãos deste S.T.J. de 3/12/98 e de 28/5/02, respectivamente in B.M.J. 482º-257 e na Internet com o n.º de processo 02B1041). Isto tanto mais que, segundo naquele primeiro acórdão se refere, não existe nenhuma norma legal que expressamente indique o destino das modificações operadas pela assembleia de credores nos débitos da empresa quando a medida de gestão controlada não chega ao fim, porque, na economia do C.P.E.R.E.F., tal norma seria uma inutilidade, pois, ou a medida de gestão controlada é integralmente cumprida, caso em que as modificações dos débitos da empresa têm de ser consideradas definitivas, ou cessa prematuramente, e então, cessando a medida, cessam naturalmente, sem necessidade de norma expressa, as ditas modificações dos débitos, que e porque fazem parte do acervo das providências que constituem justamente a base do plano sobre que assenta a gestão controlada.
Tanto basta para se concluir que a autora tem o direito de exigir desde já o pagamento pela ré da parte do seu crédito em relação à qual não se verificou a prescrição, no montante acima indicado, acrescida dos juros respectivos calculados nos termos do art.º 102º, § 3º, do Cód. Comercial, a contar da data aposta em cada uma das facturas de fls. 93 a 127, inclusive, como sendo a data limite de pagamento, e sobre os respectivos montantes, salvo quanto aos montantes parcelares de 419.470$00, 246.900$00, e 227.562$00 (três últimas quantias referidas a fls. 42-43), em que a contagem dos juros se inicia na data da citação, por nessas datas ter a ré ficado constituída em mora (art.ºs 804º e 805º do Cód. Civil).
Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente ambas as revistas, revogando-se o acórdão recorrido e julgando-se procedente a excepção de prescrição salvo quanto ao montante de 23. 871 euros, que se condena a ré a pagar à autora, acrescido de juros contados nos termos imediatamente acima indicados, e absolvendo-se a ré do pedido quanto ao demais.
Custas por ambas as partes, na proporção em que respectivamente decaíram.

Lisboa, 13 de Maio de 2004
Silva Salazar
Ponce de Leão
Afonso Correia