Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A955
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AFONSO CORREIA
Descritores: EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: SJ200304290009551
Data do Acordão: 04/29/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 212/02
Data: 10/30/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Em 7 de Novembro de 1996 a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Ílhavo instaurou execução com processo comum e forma ordinária, para pagamento de quantia certa, contra A e mulher B, alegados avalistas de livrança subscrita por outros dois executados, emitida em 18.9.95 e vencida em 18.10.95, sem que qualquer dos obrigados haja procedido ao respectivo pagamento.
A executada B deduziu embargos em 10 de Dezembro de 1996, mas o A não chegou a ser citado, como da certidão negativa de fs. 97 se vê, pois havia falecido em 17 de Junho de 1995 - certidão do assento de óbito, a fs. 89.
Em 6 de Janeiro de 1997 foi proferido despacho a declarar suspensa a instância, por então estar documentalmente provado o óbito do co-executado A, despacho notificado aos Ex.mos Mandatários em 8 de Janeiro de 1997.
Em 14 de Setembro de 2001 a Caixa requereu a habilitação dos herdeiros do falecido A.
Os requeridos C e D, filhos do falecido, deduziram oposição, defendendo que a instância executiva estava deserta e, por isso, extinta, que o direito exercido pela Exequente nos autos principais estava extinto por prescrição e que a Requerente não tem título executivo relativamente aos oponentes.
Ouvida, a Caixa pronunciou-se pela improcedência da oposição porque a citação dos subscritores da livrança importa a interrupção da prescrição em relação aos avalistas e porque, não tendo sido proferido qualquer despacho a declarar interrompida a instância, nem sequer se iniciou o prazo de deserção.

O Ex.mo Juiz, considerando que tem que haver uma declaração jurisdicional para que se verifique a interrupção da instância; não basta o simples decorrer do prazo; será necessário um juízo sobre a diligência das partes no andamento do processo, e da sua eventual negligência como causa da paragem na tramitação do processo;
mas que tal despacho, ainda que proferido só agora, deve ser entendido como valendo desde que se perfez o prazo de 1 ano e 1 dia - isto é, o mais tardar em 7.1.98, tanto mais que os beneficiários do decurso do prazo, os requeridos, se não conformaram com o tardio impulso do processo,
concluiu que não obstante não ter sido proferido despacho a declarar interrompida a instância, a mesma ocorreu logo que decorrido o prazo de 1 ano e 1 dia sem que as partes tivessem suprido o obstáculo ao prosseguimento da instância executiva - a habilitação dos herdeiros do co-executado A.
E decidiu, em consequência, que a interrupção operou, pelo menos, em 7.1.98, e a deserção ocorreu em 7.1.2000. Entrado em 14.9.2001, é extemporâneo o incidente de habilitação. Pelo que foi indeferido.

Agravou a Caixa, mas a Relação de Coimbra negou-lhe razão porque estatui o art. 285º do Código de Processo Civil que "a instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento".
Da análise do citado preceito legal conclui-se que o mesmo não condiciona os seus efeitos à prolação de qualquer despacho; a notificação da interrupção da instância às partes não tem efeito constitutivo, não marcando o prazo a partir do qual se verifica o efeito interruptivo, antes se limitando a declarar uma situação que se verificou decorrido um ano após o inicio da suspensão da instância; verificada pelo Juiz negligência da parte na promoção dos termos processuais, o início da interrupção da instância reporta-se ao dia seguinte ao decurso do prazo da suspensão da instância quando decorreu o prazo de um ano após aquela ter sido declarada; no caso vertente a 7 de Janeiro de 1998. Por outro lado, considerando o art. 291º n.º 1, deserta a instância independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos, essa deserção verificou-se no caso sub iudice a 7 de Janeiro de 2000. Assim quando em 14 de Setembro de 2001 o incidente de habilitação deu entrada em Juízo mostrava-se decorrido o aludido prazo.

Ainda inconformada, agrava a Caixa a pedir a revogação do decidido que teria violado o disposto nos art. 285º, 291º e 371º e ss. Como se vê da alegação que coroou com as seguintes
Conclusões

A) - encontra-se documental e plenamente provada nos autos a qualidade de herdeiros de A atribuída à sua viúva e co-executada (para além de embargante) B e aos seus filhos C e D - os quais, aliás, aceitaram esta sua qualidade de herdeiros;
B) - não foi proferido nos autos de execução qualquer despacho declarando interrompida a instância;
C) - a interrupção da instância não ocorre nem opera automaticamente pelo simples decurso do prazo, mas tão-só através de despacho que a decrete e da respectiva notificação às partes;
D) - somente após a notificação às partes do despacho que declare a interrupção da instância se inicia a contarem do prazo de dois anos para que, uma vez decorrido e "independentemente de qualquer decisão judicial", ocorra a deserção da instância;
E) - a habilitação de herdeiros requerida pela recorrente não é extemporânea;
F) - o acórdão recorrido viola, nomeadamente, o correcto entendimento e aplicação do disposto nos artigos 285º, 291º, 371º e seguintes do Cód. Proc. Civil.

Não houve resposta.
Colhidos os vistos de lei e nada obstando, cumpre decidir a questão submetida à nossa apreciação, a de saber se a interrupção da instância (executiva) depende de despacho que a declare, só se iniciando a contagem do respectivo prazo com a notificação às Partes de tal despacho - como quer a Exequente ora Agravante - se, sendo embora necessário tal despacho, ele produz efeitos desde a data em que se completou um ano e um dia sobre o despacho de suspensão - como decidiu a 1ª Instância - ou se nem necessário é despacho a declarar a interrupção, como decidiu a Relação.
Para tanto veremos que as Instâncias tiveram por assentes os seguintes Factos:

a) - Em 17/06/95, faleceu o co-executado A, conforme decorre da certidão de óbito junta a fs. 16 dos autos de embargos de executado;
b) - Em 26/11/96, foi elaborada certidão negativa de citação de tal co-executado, tendo sido junta em sede dos autos de embargo, em 6/12/96, certidão de óbito do mesmo;
c) - nos autos de execução foi, por despacho datado de 6/01/97, declarada a suspensão da instância nos termos do artigo 277°, n° 2, do Código de Processo Civil, uma vez que se encontrava provada documental mente o óbito do co-executado A (cfr. fls. 20, dos autos principais);
d) - tal despacho foi notificado às partes por carta registada expedida em 8/01/97 (cfr. fs. 20);
e) - em 14/09/01 foi requerida pela exequente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Ílhavo, CRL, a habilitação dos herdeiros do co-executado A (cfr. carimbo de entrada a fs. 2).

Analisando o aplicável Direito

Dispõe o art. 276º, n.º 1, al. a), do CPC, que a instância suspende-se, além do mais, quando falecer alguma das Partes.
Em directa correspondência com o assim determinado, manda o n.º 1 do art. 277º que, junto ao processo documento que prove o falecimento de qualquer das Partes, suspende-se imediatamente a instância.
A suspensão assim decretada só cessa quando for notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida - art. 284º, n.º 1, a) - habilitação que pode ser promovida tanto pela parte sobreviva como por qualquer dos sucessores - art. 371º, n.º 1 - ainda que o óbito seja anterior à proposição da acção - art. 371º, n.º 2, sempre do CPC.
Estando o processo parado por mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento, a instância interrompe-se - art. 285º - interrupção que cessa quando o Autor requerer algum acto do incidente de que dependa o andamento do processo - art. 286º, ambos do CPC.
Dado o seu carácter genérico, estes art. 285º e 286º são aplicáveis à acção executiva (1).
Interrompida durante dois anos, considera-se a instância deserta, independentemente de qualquer decisão judicial - art. 291º, n.º 1 - e, como tal, extinta, nos termos da al. c) do art. 287º do CPC.

Não sofre dúvida que a suspensão deve ser declarada por despacho do Juiz, embora se reporte ao momento em que foi feita a prova, no processo, do falecimento da parte. É quanto resulta do n.º 3 do art. 277º, na redacção actual, e do n.º 2 da mesma norma, na redacção anterior.
É, ainda, certo que a interrupção só tem como causa a negligência da parte em promover os termos do processo, que pode ter lugar, mesmo estando a instância suspensa, sempre que o obstáculo que determinou a suspensão deva ser removido por acto de qualquer das partes, nomeadamente com a dedução do incidente de habilitação, e que a negligência a que se refere a lei há-de caracterizar-se pela omissão de um acto que é necessário ao prosseguimento do processo e que lhe pertença praticar (2).

Embora a lei - art. 291º CPC - considere deserta a instância, independentemente de decisão judicial, ou seja, a deserção é mero efeito do escoamento do prazo de dois anos sobre a interrupção da instância, já se entendeu que a apreciação da inércia da Parte, o julgamento da omissão que configura a negligência determinante da interrupção, há-de fazer-se por imprescindível despacho judicial.
Não se vê, porém, que a omissão de tal despacho evite o decurso do prazo e consequente interrupção (e posterior deserção) da instância.
A Parte foi alertada para a suspensão da instância, decretada na sequência do falecimento de outra Parte, e sabe que, naquela circunstância, só a dedução do incidente de habilitação fará cessar a suspensão. Não se vê a que título há-de ser relembrada de disposição expressa (art. 284º, n.º 1, al. a), do CPC) da lei.
Nem se diga (3), em abono da tese contrária, que a constatação da negligência característica da interrupção compete ao Juiz ou que a interrupção pode ter efeitos nos termos do art. 332º do CC.
É que a negligência será apreciada quando e se for suscitada a questão, tão simples quanto a de saber se a Parte esteve, sem culpa sua, impedida de requerer a habilitação dos sucessores do falecido, assim fazendo cessar a suspensão; o comportamento processual do titular do direito, os efeitos da absolvição da instância na prescrição ou caducidade do direito substantivo, nos termos dos art. 327º, n.º 3 e 332º, n.º 2, do CC, serão apreciados quando e se a parte invocar aquelas excepções peremptórias que não são de conhecimento oficioso - art. 303º e 333º, n.º 2, do CC. Nanja aqui, quando apenas se cura de saber se o incidente foi requerido na pendência da instância.

Mas ainda que se entenda necessário despacho judicial a declarar a interrupção da instância, não pode acompanhar-se anterior decisão (4) que atribui natureza constitutiva a tal despacho.
Como decidiu este Supremo Tribunal (5), deve reconhecer-se a esse «despacho uma função meramente declarativa, por constatar que houve uma interrupção devida a inércia negligente por mais de um ano, ou seja, logo que se mostre ultrapassado o prazo de um ano.
Os efeitos desta inércia não podem ficar dependentes da maior ou menor celeridade da tramitação processual a que haja lugar.
A interrupção não nasce com o despacho que a declare; se outro juízo não for formulado - e poderá sê-lo, visto que os autos podem estar parados há mais tempo do que aquele durante o qual se registou inércia das partes -, a declaração de interrupção deve ser entendida como valendo desde que se perfez aquele tempo de paragem da marcha do processo».
Em suma:
- ainda que julgado necessário, o ulteriormente proferido despacho judicial que declarou a interrupção da instância retrotrai os seus efeitos à data em que se completou um ano e um dia sobre a suspensão da instância decretada na sequência da morte do co-executado;
- decorridos dois anos sobre a data em que ocorreu a interrupção, a instância ficou deserta, independentemente de qualquer decisão judicial nesse sentido;
- decretada a suspensão da instância por morte do executado em 6.1.97, verificou-se a interrupção em 7.1.98 e a deserção em 7 de Janeiro de 2000;
- Pelo que o incidente de habilitação dos sucessores do finado, requerido pela Exequente em 14 de Setembro de 2001, quando a instância há muito estava deserta, foi bem indeferido, por tardio.


Decisão
Termos em que se nega provimento ao agravo e se condena a Agravante nas custas, por vencida - art. 446º, n.os 1 e 2, do CPC.

Lisboa, 29 de Abril de 2003
Afonso Correia
Ribeiro de Almeida
Nuno Cameira
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(1) R. Bastos, Notas ao CPC, II, nota 4 ao art. 285º.
(2) Ibidem, 52.
(3) Acórdãos a seguir referidos.
(4) Da Relação de Évora, de 17.11.98, na Col. Jur. 1998-V-263 a 266.
(5) Ac. do STJ (Ribeiro Coelho), 12.2.99, no BMJ 493-171.