Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | AZEVEDO RAMOS | ||
Descritores: | ASSUNÇÃO DE DÍVIDA NATUREZA REQUESITOS FORMA | ||
Nº do Documento: | SJ200809230021716 | ||
Data do Acordão: | 09/23/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Sumário : | I – A assunção da dívida é a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem – art. 595 do C.C. II – A assunção de dívida, liberatória do antigo devedor, só tem lugar havendo expressa declaração do credor nesse sentido . III – A assunção cumulativa da dívida, nos termos do art. 595, nº2, do C.C., acontece nos casos em que a assunção da dívida coloca o assuntor ao lado do primitivo devedor, mas sem exonerar este, dando assim ao credor, não o direito a uma dupla prestação, mas o direito de obter a prestação devida através de dois vínculos, à semelhança das obrigações com os devedores solidários . IV – Ao contrário do contrato de mútuo, para o qual o art. 1143 do C.C. estabeleceu uma foram específica, que é pressuposto da sua validade, a assunção de dívida não se encontra sujeita a forma especial, como decorre do art. 595, nº1, do C.C. V- A assunção da dívida é um acto abstracto, subsistindo independentemente da existência ou validade da sua fonte . | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : D... K... k... instaurou a presente acção ordinária contra os réus AA e mulher BB, CC e DD, pedindo a declaração de nulidade do contrato de mútuo que foi celebrado entre as partes em 29-7-98, por falta de forma legalmente exigida, e a condenação dos réus a restituírem, solidariamente, ao autor a quantia de 100.000.000$00, acrescida de juros de mora, vincendos, calculados à taxa legal, até final e integral pagamento. Para tanto, alega, resumidamente o seguinte : Em 29 de Julho de 1998, por acordo escrito de fls 6, o 1º réu entregou ao autor um cheque, no valor de 100.000.000$00, sendo 70.000.000$00 para pagamento da quantia entregue, naquela data, pelo autor ao 1º réu, e 30.000.000$00 para pagamento da quantia anteriormente emprestada pelo mesmo autor ao 1º réu . O cheque emitido e entregue pelo 1º réu foi datado para o dia 30-1-99, em que o autor apresentaria o mesmo cheque a pagamento, efectivando-se assim a devolução das referidas quantias . Os 3º e 4ºs réus assumiram, conjuntamente com o primeiro réu, a responsabilidade pelo bom pagamento do cheque em causa . No dia 28 -1-99, o 1º réu dirigiu-se ao autor, rogando-lhe que não apresentasse o cheque a pagamento, porque a conta não estava devidamente provisionada . Tendo em conta a relação comercial que o unia aos réus, o autor absteve-se de apresentar o cheque ao banco . Desde 1-4-99, o autor tem vindo a interpelar os réus para lhe devolverem as quantias mutuadas, mas estes recusam-se a fazê-lo . Os réus, contestaram, dizendo, além do mais, nada deverem ao autor, por já ter sido paga a importância mutuada . Houve réplica . * Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que, julgando procedente a acção, declarou nulo, por falta de forma, o contrato de mútuo celebrado entre o autor e os réus, e, consequentemente condenou os réus, solidariamente, a restituírem ao autor a quantia de 498.797,90 euros, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento . * Inconformado, apelou o réu AA . A Relação de Lisboa, através do seu Acórdão de 12-2-08, decidiu: - conceder parcial provimento à apelação e revogar a sentença recorrida na parte em que tinha condenado os réus BB, CC e DD, absolvendo-os do pedido; - manter a sentença recorrida quanto ao demais, ou seja, relativamente à declaração da nulidade, por falta de forma, do contrato de mútuo celebrado entre o autor e os réus e à consequente condenação do réu AA a restituir ao autor a quantia de 498.797,90 euros, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação, até efectivo e integral pagamento . * Agora, é o autor que pede revista, onde resumidamente conclui : 1- A nulidade do contrato de mútuo não implica a nulidade da assunção de dívida estabelecida pelos restantes réus a favor do réu AA e do próprio autor . 2 – A assunção de dívida não se encontra sujeita a forma especial, conforme decorre do art. 595, nº1, do C. C. 3 –O contrato tem-se como perfeito, independentemente da forma, sendo esta mera formalidade ad probationem . 4 – Isto deverá implicar, face à existência do contrato em que os réus BB, CC e DD expressamente assumiram a sua responsabilidade pelo pagamento da dívida contraída pelo réu AA, a validade da assunção da obrigação de restituição do valor em causa ao autor . 5 – A assunção da dívida feita pelos restantes réus foi cumulativa, mantendo-se por isso, a solidariedade entre todos os réus quanto à obrigação de restituição ao autor da quantia em causa, conforme decorre do art. 595, nº2, do C.C. 6 – A nulidade do mútuo não afecta a validade da obrigação que se impõe ao réu AA e, por efeito da assunção, aos restantes réus. 7 – Nos termos do art. 598 do C.C., não podem os assuntores ( os réus BB, CC e DD ) opor ao credor a nulidade do contrato de mútuo, que serviu de fundamento à assunção . 8 – Deve julgar-se válida a assunção da dívida feita pelos indicados réus a favor do réu AA e do autor, revogando-se o Acórdão recorrido e julgando-se pela condenação dos réus BB, CC e DD na restituição ao autor da quantia de 498.797,90 euros, acrescida de juros . * O réu AA contra-alegou em defesa do julgado . * Corridos os vistos, cumpre decidir . * Estão provados os factos seguintes : 1- Em documento datado de 29-7-98, que constitui fls 6, denominado “Contrato Promessa de Mútuo”, celebrado entre o autor e os réus AA, CC e DD, que também se encontra assinado pela ré BB, mulher do AA, consta o seguinte, além do mais : “Primeiro Nesta data o primeiro ( o autor ) empresta ao segundo ( o réu AA” a quantia de 70.000.000$00, titulado pelo cheque ... Segundo Neste mesmo acto, o segundo entrega ao primeiro o cheque nº ..... sobre o Banco F... e B..., na quantia de 100.000.000$00 para : a) – pagamento de 70.000.000$00 referidos no artigo primeiro; b) – pagamento de 30.000.000$00 que o primeiro lhe havia emprestado em data anterior “ . 2 – Nessa data, o autor entregou ao réu AA a quantia de 70.000.000$00, através de cheque sacado sobre conta do BPI, da agência de Portimão, de que aquele era titular . 3 – Com o referido acordo, o réu AA entregou ao autor o cheque nº ....., datado de 29-7-98, sendo 70.000.000$00 referentes ao pagamento da quantia entregue, naquela data, pelo autor ao 1º réu, e 30.000.000$00, para pagamento da quantia já anteriormente entregue, a título de empréstimo, pelo autor ao mesmo réu . 4 – O cheque referido no ponto 3 seria para apresentar a pagamento no dia 30-1-99, efectuando-se assim a devolução das mencionadas quantias de 70.000.000$00 e 30.000.000$00. 5 – Da cláusula quarta do referido documento consta que “os terceiro e quarto réus se responsabilizam, juntamente com o segundo, pelo bom pagamento do cheque nº ....., sacado sobre o Banco F..... e B....” . 6 – O autor era fornecedor de mercadorias dos réus AA e CC, mantendo com estes relações comerciais e pessoais desde há vários anos . 7 – No dia 28 de Janeiro de 1999, o réu AA dirigiu-se ao autor, rogando-lhe que não apresentasse o cheque a pagamento, porque a conta não estava devidamente provisionada . 8 – O autor absteve-se de apresentar o cheque ao banco . 9 – Desde 1 de Abril de 1999, o autor tem vindo a interpelar, por diversas vezes, pessoal e telefonicamente, os réus para estes lhe devolverem as quantias mutuadas . 10 – Os réus recusam-se sistematicamente, até hoje, a proceder ao pagamento daquelas quantias, alegando terem créditos sobre o autor, provenientes de contrato . 11 – Os réus sempre se furtaram à celebração da escritura pública prevista na cláusula quinta, para a formalização do contrato . 12 – O cheque nº ...., datado de 14-8-98, no valor de 3.690.000$00, foi passado à ordem de H....., que é uma empresa holandesa gerida por um cidadão holandês, de nome EE . 13 – Os cheques cujas cópias se encontram juntas aos autos a fls 48 a 51, 53 a 58 e 60 foram depositados numa conta da empresa holandesa “V.....”. * Vejamos agora o mérito do recurso : O Acórdão recorrido entendeu que, em face da nulidade do contrato de mútuo, por falta de forma legal, o único obrigado à restituição do valor entregue pelo autor, ora recorrente, seria o réu AA e que, por isso, os restantes réus deveriam ser absolvidos de tal pedido, pois a nulidade do contrato de mútuo implica a nulidade da assunção de responsabilidade que estes estabeleceram com o autor . Ora, na revista, o recorrente não discute a nulidade do contrato de mútuo – arts 220 e 1143 do C.C. Por força dessa nulidade, é incontroverso que impende sobre o réu AA a obrigação de restituição da quantia mutuada de 498.797,90 euros – art. 289, nº1, do C.C. No entanto, o recorrente entende que a nulidade do contrato de mútuo não implica a nulidade da assunção de dívida, estabelecida pelos restantes réus a favor do autor, ao responsabilizarem-se, juntamente com o réu AA, “pelo bom pagamento” do cheque nº ..... . Que dizer ? Como o próprio nome indica, a assunção de dívida é a operação pela qual um terceiro ( assuntor ) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem – art. 595 do C.C. A assunção opera uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo, nem da identidade da obrigação . O termo transmissão da dívida que figura na epígrafe da secção em que o Código Civil regula a matéria, inculca a ideia de que a obrigação se transfere, sem perda da sua identidade, do primitivo devedor para o assuntor, ficando aquele exonerado a partir do momento em que este se vincula perante o credor . Todavia, a assunção de dívida, liberatória do antigo devedor, só tem lugar havendo expressa declaração do credor nesse sentido, o que não foi o caso. Mas há outras situações com uma fisionomia diferente, como expressamente se afirma no art. 595, nº2, do C.C. São aquelas “em que a assunção da dívida coloca o assuntor ao lado do primitivo devedor, mas sem exonerar este, dando assim ao credor, não o direito a uma dupla prestação, mas o direito de obter a prestação devida através de dois vínculos, à semelhança das obrigações com os devedores solidários “ ( Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 5ª ed., pág. 359/360) . O citado art. 595, nº2, considera mesmo o assuntor e o primitivo obrigado, nos casos do tipo visado, como devedores solidários . Aos casos em que o compromisso assumido pelo novo devedor envolve a exoneração do primitivo obrigado dá-se o nome de assunção liberatória, exclusiva ou privativa da dívida . Àqueles em que o terceiro faz sua a obrigação do primitivo devedor, mas este continua vinculado ao lado dele, dá-se a designação de assunção cumulativa da dívida, acessão ou adjunção à dívida, assunção multiplicadora ou reforçativa da dívida. Pois bem . No caso concreto, estamos em presença de uma assunção cumulativa da dívida, por parte dos réus BB, CC e DD, a favor do autor, juntamente com o réu AA, quanto à obrigação de pagamento ou de restituição da quantia em questão . Ao contrário do contrato de mútuo, para o qual o art. 1143 do C.C. estabeleceu uma forma específica, que é pressuposto da sua validade, a assunção de dívida não se encontra sujeita a forma especial, como decorre do art. 595, nº1, do mesmo diploma . O respectivo contrato de assunção cumulativa de dívida tem-se por perfeito, independentemente da forma. Isto deverá implicar a validade da assunção cumulativa de dívida, face à existência de contrato em que os réus BB, CC e DD assumiram a sua responsabilidade pelo pagamento da dívida contraída pelo réu AA, mantendo-se a solidariedade entre todos os réus (incluindo o AA) quanto à obrigação de restituição ao autor da importância em causa – art. 595, nº2, do C.C. Como escreve Menezes Cordeiro ( Direito das Obrigações, 1ª ed. (reimpressão), pág. 114/115, “a existência normal de uma fonte originante da assunção não é necessária para a subsistência desta . Entende o Direito que, uma vez celebrada a transmissão da dívida, não seria justo sujeitar o credor que, fiado nas aparências, deu o seu assentimento, às vicissitudes possíveis na relacionação verificada entre os devedores inicial e posterior “ . A assunção da dívida é assim um acto abstracto, subsistindo independentemente da existência ou validade da sua fonte ( Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 2002, Vol. II, págs 64/65 ; Ac. S.T.J. de 22-2-05, Proc. 04A3894, publicado em www.dgsi.pt. E, como a nulidade do mútuo não afecta a validade da obrigação de restituição que se impõe ao réu AA e, por efeito da assunção cumulativa da dívida, aos restantes réus, impõe-se que todos eles sejam solidariamente condenados a restituir ao autor a pedida quantia, acrescida de juros . * Termos em que, concedendo provimento ao recurso, revogam, na parte impugnada, o Acórdão recorrido e condenam, solidariamente, todos os réus AA e mulher BB, CC e DD a restituírem ao autor a quantia de 498.797,90 euros, acrescida de juros, desde a citação e até efectivo e integral pagamento . Custas pelos recorridos . Lisboa, 23 de Setembro de 2008 Azevedo Ramos Silva Salazar Nuno Cameira |