Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A1994
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PODERES DA RELAÇÃO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
GRAVAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: SJ200609120019941
Data do Acordão: 09/12/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
I - Estando a Relação de posse dos mesmos elementos probatórios de que dispunha a 1.ª instância para se poder substituir a esta e proceder à reapreciação completa da decisão da matéria de facto impugnada, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito probatório material, como permitido pelo art. 712.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CPC, nada impedia a Relação de extrair ilações a partir dos factos provados, quer essas ilações assentassem factos base já anteriormente provados, quer se viessem a apoiar em factos resultantes da modificação de respostas em consequência de diferentes valorações da prova documental ou testemunhal.
II - O que nunca poderia acontecer, sob pena de erro de julgamento, por uso indevido do art. 712.º, seria uma alteração da factualidade anteriormente provada por via de presunções dela retiradas, através da introdução de factos por via ilativa, pois que, nesse caso, já haveria afastamento da correspondência a deduções lógica e racionalmente fundamentadas que, enquanto matéria de facto, os arts. 349.º e 351.º do CC, consentem, bem como adição de matéria fáctica a contrariar os factos provados que teria de respeitar, justamente por servirem de base à presunção.
III - Não há nulidade da sentença ou do acórdão quando se omite a justificação ou motivação dos fundamentos de facto em que assenta a decisão. Tão pouco se sanciona com a nulidade a deficiência ou erro de motivação da decisão de facto da sentença ou da sua reapreciação pelo acórdão da Relação.
IV - É o que resulta do regime consagrado no art. 712.º, n.º 5, do CPC. Com efeito, a falta de fundamentação da decisão de facto tem como consequência, apenas, que a Relação, a requerimento da parte, possa determinar que o julgador da 1.ª instância a fundamente, se possível for. Tal disposição não encontra correspondência quando a Relação, por sua vez, reapreciando a matéria de facto, não indique os fundamentos da alteração ou da manutenção do decidido pela 1.ª instância.
V - A diferença de regimes compreende-se pela razão de que a Relação é chamada a controlar a decisão sobre a matéria de facto, reapreciando o julgado da instância recorrida e substituindose- lhe na fixação do quadro factual, necessitando de conhecer os fundamentos da decisão que reaprecia. O mesmo não sucede com o julgamento de reapreciação, ao abrigo do disposto no art. 712.º do CPC, em que a motivação já não se destina a qualquer controlo de tribunal superior (no caso o STJ), pois a decisão que modifique ou mantenha a decisão de facto, em consequência da valoração de depoimento ou outros elementos de prova sujeitos à livre apreciação, não pode ser objecto de recurso.
VI - Não significa isto que não se entenda que a motivação do julgamento de reapreciação não se impõe também à Relação. Apenas se constata que a lei processual não prevê qualquer sanção para a eventual omissão de motivação pela Relação e, por outro lado, não se vê que da irregularidade decorram quaisquer efeitos práticos úteis, designadamente à luz da norma geral do art. 201.º do CPC.
VII - A exigência de fundamentação constante dos preceitos da lei de processo e decorrente do princípio consagrado no art. 208.º da CRP fica satisfeita com a expressa invocação do preceito, a indicação dos concretos documentos utilizados na formação da nova convicção e a indicação de ter sido ouvida a prova gravada.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - “AA, S.A.”, ora “BB (Portugal), S.A.”, intentou acção declarativa contra CC e marido, DD; EE e marido, FF; GG e marido, HH; II; JJ e marido, KK; e LL e mulher, MM, pedindo a declaração de nulidade, por simulação, dos contratos de compra e venda e cessões que tiveram por objecto os prédios identificados nos artigos 59º a 63º da petição inicial e, subsidiariamente, o reconhecimento do direito de impugnar a doação e vendas dos prédios e cessões de quotas para garantia patrimonial do seu crédito, no valor de esc. 33 204 243$00 e juros, podendo executar os direitos, prédios e quotas no património dos RR. adquirentes.
Alegou, em síntese, que os RR., com excepção do DD e da II, avalizaram várias letras de câmbio a favor da Autora, que está impossibilitada de obter a satisfação do seu crédito devido aos actos dos RR. de disposição dos seus bens, sem recebimento do preço e com intuito de prejudicar a Demandante, e gratuitos.
A acção foi contestada e teve lugar a intervenção de NN e “OO, Lda.”.
A final, procedeu apenas o pedido de impugnação da doação, outorgada em Loulé, dos RR. GG e marido à sua filha II, da fracção autónoma descrita na C. Reg. Predial de Vale de Cambra sob o n.º ….
Apelou a Autora, que, na parcial procedência do recurso, viu a Relação estender a procedência do pedido subsidiário aos negócios jurídicos mencionados nas alíneas J), N), O), R), S) e T) dos factos assentes.
Interpuseram recurso de revista os RR. que, para pedirem a revogação ou a anulação do acórdão, levaram às conclusões:
1. 1. - O acórdão da Relação, invocando o «uso da faculdade que nos é concedida pelo art. 712, n.º 1, al. a) do CPC» (sic), modificou um grande conjunto de respostas a quesitos da base instrutória, com base no que julgou procedente a acção;
1. 2. - Ao decidir assim, porém, violou de maneira flagrante o art. 712º-1-a) e 2, que expressamente invocou;
1. 3. - O acórdão limitou-se a proclamar que procedia à modificação das respostas aos quesitos «tendo em conta (…), em conjugação com o essencial – a que se adere – das correspondentes considerações tecidas, a propósito, pela apelante (…)», considerações que, como resulta do art. 690º-A CPC, só poderão ser as que se enquadrem na sua obrigatoriedade de “especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou da gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos impugnados diversa da recorrida”, mas que a apelante não logrou, de modo algum, «especificar», mantendo-se ao nível da argumentação, das meras presunções judiciais, o que não podia caber na sua impugnação;
1. 4. - O que a Relação acabou por fazer mais não foi que pautar-se, se bem que por interposta mera argumentação da apelante, por modificação das respostas aos quesitos apenas com base em meras presunções judiciais, isto é, jamais pela existência nos autos dos demais meios probatórios a que se exige referência no art. 690º-A-1-b), pois que não fez qualquer motivação autónoma;
1. 5. - A Relação não pode ater-se, e muito menos em exclusivo, como em pleno procedeu, ao uso de presunções judiciais;
- Violou, assim, os poderes concedidos pelo art. 712º, devendo manter-se a matéria de facto fixada pela 1ª Instância e confirmada a sentença.
Subsidiariamente,
2. 1. - O acórdão não fundamentou as novas respostas;
2. 2. - Não é suficiente a fundamentação por remissão, para adesão, aos argumentos usados pela apelante, sendo indispensável que se fizesse uma menção sintética do sentido e conteúdo dos depoimentos gravados, acompanhada da análise crítica que se mostrar possível;
- Foi violado o art. 653º-2 CPC, pelo que deverá ser anulado.
A Recorrida apresentou resposta em defesa do julgado.
2. - Tal como emergem do conteúdo das conclusões dos Recorrentes, colocam-se, como objecto do recurso, duas questões:
- Uma, principal, que é a de saber se deve manter-se a decisão de facto da 1ª Instância e, consequentemente, a sentença, por a Relação ter modificado as respostas aos quesitos apenas com base em presunções judiciais, em violação dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712º CPC;
- A outra, subsidiária, que incide sobre a arguição da nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamento da alteração das respostas.
3. - Mérito do recurso.
3. 1. - Violação do art. 712º CPC. - Reposição da matéria de facto nos termos anteriores à sua modificação pela Relação:
Segundo os Recorrentes, a Recorrida, enquanto Apelante, “não logrou «especificar os concretos meios de prova, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida», pois que, apesar de ter invocado documentos, respostas dadas a outros quesitos e depoimentos gravados, nem nenhum daqueles prova, por si, o facto quesitado, nem os últimos representam a afirmação constante da pergunta de cada quesito, mantendo-se ao nível da argumentação e do uso de meras presunções judiciais, do mesmo passo que a Relação, pautando-se por essa argumentação da Apelante, ao “proclamar que procedia à modificação das respostas «tendo em conta (…), em conjugação com o essencial – a que se adere – das correspondentes considerações tecidas, a propósito, pela apelante (…)», acabou por modificar as respostas apenas com base em tais presunções.
No acórdão impugnado, depois de «preliminarmente» se ter escrito que mereciam integral concordância as considerações feitas pela apelante, com apoio no Prof. Vaz Serra, relativamente à especial delicadeza e dificuldade da prova da factualidade destas acções, sendo que a Apelante referira que “a prova da má fé será na maior parte das vezes tirada de ELEMENTOS PRESUNTIVOS”, reportou-se ao caso concreto para referir a sua pertinência e adequação «se se tiver em atenção a conduta processual da R. EE (…) e, bem assim, quanto decorre da prova documental junta aos autos pela A., em 29/11/04».
E acrescentou-se:
«Tendo em conta o exposto, em conjugação com o essencial – a que se adere – das correspondentes considerações tecidas, a propósito, pela apelante e com a audição da prova que foi objecto de gravação áudio, entendemos, no uso da faculdade que nos é concedida pelo art. 712º, n.º 1, al. a) do CPC, dever alterar as respostas dadas aos arts. da base instrutória postas em crise, da forma seguinte (…)».
A Relação procedeu à alteração das respostas a vários quesitos de “não provado” para “provado”, em apreciação da pretensão nesse sentido formulada pela Apelante que, para o efeito, invocou a existência de prova documental e testemunhal gravada, cuja reapreciação pediu, nos termos previstos no art. 690º-A CPC, e ainda as respostas a outros quesitos que, na sua perspectiva, induziriam respostas afirmativas aos outros.
Invocou, para o efeito, o disposto na al. a) do n.º 1 do art. 712º.
Quando tal suceda, isto é, quando a Relação tenha procedido a alteração da matéria de facto, o Supremo não está impedido de apreciar o uso que a 2.ª Instância fez dos seus poderes nesse campo, pois que, como dito, em causa está averiguar se houve violação da lei, designadamente dos critérios legais fixados no art. 712.º-1 CPC e dos preceitos substantivos relativos ao regime probatório. Trata-se, então, de "verificar da correcção do método discursivo de raciocínio" e, em geral, saber se esses critérios se mostram respeitados, produzindo alteração factual, examinando a questão estritamente do ponto de vista da legalidade, tudo aquém do campo da apreciação das questões de facto que os arts. 721º-2 e 722º-2 vedam ao recurso de revista (cfr. acs. de 31/3/93, CJSTJ, I-II-54; de 20/1/99, Rev. 1003/98-1; 18/1/01, Rev. 3516/00-2; de 13/3/01, Rev. 278/01, in "Sumários", 20, 42 e 95).
Ora, face ao mencionado objecto do recurso, impunha-se à Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, procedendo à audição ou visualização dos depoimentos indicados pelas partes (arts. 712º-2 e 690º-A - 5).
Dada a amplitude com que a lei os prevê, os poderes de reapreciação contidos no preceito traduzem-se num verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição sobre a apreciação do conteúdo da prova produzida. À Relação impõe-se declarar se os pontos de facto impugnados foram bem ou mal julgados e, em conformidade com esse julgamento, manter ou alterar a decisão proferida sobre os mesmos.
Nessa medida, pode mesmo dizer-se que o tribunal de recurso actua como tribunal de substituição relativamente ao tribunal recorrido, regime que se revela aceitável como decorrência do concurso dos pressupostos a que alude o n.º 1 do art. 712º, a colocar a 2ª instância de posse dos mesmos elementos probatórios de que dispunha a 1ª.
Na 1ª instância ou na Relação, a questão é sempre de valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação.
Em ambos os casos vigoram para os julgadores de ambos os Tribunais as mesma regras e princípios, dos quais avulta o da livre apreciação da prova ou sistema da prova livre (por contraposição ao regime da prova legal), consagrado no art. 655º-1.
Quer isto dizer que a prova há-de ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formação de juízos e raciocínios que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão dos pontos de facto sob avaliação. Deve, ela, ainda ser considerada globalmente, conjugando todos os elementos disponíveis e atendíveis (art. 515º CPC).
Finalmente, não pode esquecer-se que, no âmbito dessa valoração das provas no seu conjunto, poderão os julgadores lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais, isto é, os juízes, no seu prudente arbítrio, poderão deduzir (designadamente quando confrontados com a formulação de um juízo de valor sobre a globalidade da matéria factual) de certos factos conhecidos um facto desconhecido, porque a experiência ensina que aquele são normalmente indícios seguros deste – art. 351º C. Civil.
Em síntese, a Relação deverá “formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª Instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova” (ac. de 15/11/05, proc. n. 3153/05, desta 1ª Secção).

Como corolário da sujeição das provas à regra da livre apreciação, deve o julgador indicar os fundamentos da sua convicção por forma a permitir o controlo da razoabilidade da decisão mediante a intervenção das mesmas regras da ciência, lógica e experiência, tudo tendente a dotá-la de força persuasiva e a convencer da bondade do acerto do decidido.
Ora, como se viu, no acórdão impugnado alude-se expressamente à prova documental junta em 29/11/04, à audição da prova que foi objecto de gravação áudio e às considerações tecidas pela Apelante como fundamentos da impugnação, como sustentáculos da modificação operada.
Estava, sem dúvida, a Relação, de posse dos mesmos elementos probatórios de que dispunha a 1ª Instância para se poder substituir a esta e proceder à reapreciação completa da decisão da matéria de facto impugnada, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito probatório material, como permitido pelo art. 712º-1-a) e 2 CPC.
Por isso, e dentro desse alargado âmbito de actuação, colocada na mesma posição do julgador da 1ª Instância, nada podia impedir a Relação, também como tribunal de instância, de extrair ilações a partir dos factos provados, quer essas ilações assentassem em factos base já anteriormente provados, quer se viessem a apoiar em factos já resultantes da modificação de respostas em consequência de diferentes valorações da prova documental ou testemunhal.
O que não poderia nunca seria resultar uma alteração da factualidade anteriormente provada por via de presunções dela retiradas, através da introdução de factos por via ilativa, pois que, nesse caso sim, já haveria afastamento da correspondência a deduções lógica e racionalmente fundamentadas que, enquanto matéria de facto, os arts. 349º e 351º C. Civil consentem, bem como adição de matéria fáctica a contrariar os factos provados que teria de respeitar, justamente por servirem de base à presunção. Numa palavra, haveria, então, erro de julgamento, por uso indevido do art. 712º, tudo a determinar a necessária eliminação de tais presunções.
No caso, insiste-se, nada disso sucedeu, pois que não só nenhum facto foi considerado para além das estritas respostas aos quesitos como nenhuma das respostas modificadas tem conteúdo que altere o sentido ou colida com o conteúdo de qualquer das respostas mantidas, tudo tendo, diversamente, ocorrido no declarado uso da faculdade de substituição total consignada na al. a) do art. 712º-1.
Resta referir que eventuais deficiências ou imperfeições respeitantes ao cumprimento do ónus de identificação do objecto de impugnação, nos termos exigidos pelo art. 690º-A CPC, carecem aqui de qualquer relevância ou efeito, pois que, enquanto matéria atinente ao concurso dos pressupostos de admissibilidade do recurso de apelação, só aí tinham o respectivo campo de incidência e eventual repercussão.


Conclui-se, pois, que, no âmbito da reapreciação das provas em sede de modificação da matéria de facto em aplicação das normas do art. 712º-1-a) e 2 nenhum vício de ilegalidade se detecta.
A matéria de facto fixada pela Relação é, deste modo, intocável por este Tribunal.
Mantida ela, manter-se-á também a decisão sobre o mérito da causa como admitem e pressupõem os Recorrentes.
3. 2. - Nulidade do acórdão.
Os Recorrentes argúem de nulo o acórdão a pretexto de não ter fundamentado as alterações das respostas a que procedeu, “analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”, como estabelece o art. 653º-2 CPC, norma que se impõe também à Relação.
3. 2. 1. - O que os Recorrentes perseguem é, ao fim e ao cabo, uma reposição da matéria de facto tal como foi objecto de decisão na 1ª Instância, o que vale por dizer que consideram errada a apreciação da prova e a decisão da matéria de facto feitas pela Relação.
Está, afinal, em causa a valoração das provas, matéria da exclusiva competência das instâncias e, por isso, subtraída aos poderes de cognição deste Tribunal, que não pode imiscuir-se na apreciação dos meios de prova e na fixação dos factos materiais da causa para além dos apertados limites estabelecidos nos arts. 722º-2 e 729º-2 e 3 CPC.
Concordante e convergentemente, o n.º 6 do art. 712º veda o recurso das decisões da Relação sobre as matérias nele previstas, preceito que vem sendo interpretado como abrangente apenas das ditas questões de apreciação e valoração das provas e fixação dos factos delas emergentes.
Do referido se vê que a nulidade que vem arguida, por via recursiva, respeita a decisão, ela mesma, irrecorrível.
Consequentemente, assim encarada a arguição colocada no recurso, há--de convir-se que o seu objecto não poderia ser conhecido, por a respectiva competência só poder estar cometida à conferência, como previsto nos arts. 716º-1 e 2 e 668º-3 CPC.
3. 2. 2. - Acontece, porém, que os Recorrentes qualificam o vício como nulidade do acórdão.
Nessa medida, importa apreciar a questão.
A nulidade da sentença (ou do acórdão) ocorre, como prescreve a al. b) do art. 668º-1, quando há omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão e não, quanto ao julgamento e fixação da matéria de facto, quando se omite a justificação ou motivação dos respectivos fundamentos, relativamente ao rol de factos que constituem os “fundamentos de facto” a que se alude na dita al. b)
A omissão de fundamentação corresponde, aqui, à falta de uma ou de ambas as premissas em que, no silogismo judiciário que a sentença ou o acórdão devem reflectir, assenta a conclusão/decisão.
Não se trata, assim, no caso sob apreciação, de sancionar com a nulidade da sentença ou do acórdão a omissão, deficiência ou erro de motivação da decisão de facto ou da sua reapreciação.
Que assim é mostra-o o regime consagrado no n.º 5 do art. 712º CPC.
Com efeito, a falta de fundamentação da decisão de facto tem como consequência, apenas, que a Relação, a requerimento da parte, possa determinar que o julgador da 1.ª Instância a fundamente, se possível for.
Tal disposição não encontra correspondência quando a Relação, por sua vez, reapreciando a matéria de facto não indique os fundamentos da alteração ou da manutenção do decidido pela 1ª instância.
Porém, a diferença de regimes compreende-se pela clara razão, já apontada, de que a Relação é chamada a controlar a decisão sobre a matéria de facto, reapreciando o julgado da Instância recorrida e substituindo-se-lhe na fixação do quadro factual, actividade em que reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, devendo atender aos elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão – art. 712º-2 CPC –, donde a necessidade de conhecer esses fundamentos para se colocar em posição tão próxima quanto possível da do tribunal recorrido.
O mesmo não sucede com o julgamento de reapreciação, ao abrigo do disposto no art. 712º, em que a motivação já não se destina a qualquer controlo de tribunal superior (no caso o STJ), pela óbvia razão de a decisão que modifique ou mantenha a matéria de facto, em consequência da valoração de depoimentos ou outros elementos de prova sujeitos à livre apreciação, não poder ser objecto e recurso ou censura.
É o que acontece, paralelamente, com as decisões da 1ª Instância de que não seja admissível recurso. Também neste caso da eventual ausência ou insuficiência de motivação da decisão de facto não decorrerão quaisquer consequências, por nunca ser caso de aplicação do art. 712º-3.
Não que se entenda que a motivação não se imponha também à Relação, como já acima se deixou dito.
Acontece é que, certamente por a ter considerado desnecessária, a lei processual não prevê qualquer sanção para a eventual omissão de motivação pela Relação e, por outro lado, não se vê que da irregularidade decorram quaisquer efeitos práticos úteis, designadamente à luz da previsão da norma geral do art. 201º CPC, vício que, fora do objecto do recurso, aqui não cabe considerar.

Não há, assim, seguramente, nulidade do acórdão, na previsão do art. 668º-1 CPC.
3. 2. 3. - De qualquer modo, quanto ao cumprimento do dever de motivação, princípio também consagrado no art. 208º-1 da Constituição da República, crê-se que o uso dos poderes de alteração feito pela Relação se apresenta, apesar da porventura excessiva parcimónia argumentativa, minimamente fundamentado, seja pela expressa invocação do preceito legal, seja pela indicação dos documentos que lhe serviram de base, seja pela notícia de ter sido ouvida a prova gravada. Se a alusão à prova gravada é, efectivamente, genérica, já se alude aos concretos documentos utilizados na formação da nova convicção e se refere o específico comportamento de uma das Rés, aliás interveniente em grande parte dos actos impugnados.
Julga-se, pois, estar satisfeita, ao menos no seu núcleo essencial ou mínimo, a exigência de fundamentação constante dos preceitos da lei do processo e da Lei Fundamental (cf. ac. TC n.º 310/94, DR n.º 199, II, de 29/8/94).
Improcede, assim, também a segunda e subsidiária questão.
4. - Decisão.
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se:
- Negar a revista;
- Manter o acórdão impugnado; e,
- Condenar os Recorrentes nas custas.
Lisboa, 12 de Setembro de 2006

Alves Velho (Relator)
Moreira Camilo
Urbano Dias