Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
776/22.4PGPDL.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 04/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I. No artigo 25.º (tráfico de menor gravidade) do DL 15/93, de 22.01, prevê-se uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, «por referência à ilicitude pressuposta no art. 21.º, exemplificando aquela norma circunstâncias factuais com suscetibilidade de influírem no preenchimento valorativo da cláusula geral aí formulada.»

II. No art. 21.º (tráfico e outras atividades ilícitas) do cit. DL 15/93, tanto se pode incluir o grande, como o médio, tal como o pequeno tráfico de estupefacientes, desde que, neste último caso, não exista um quadro de acentuada diminuição da ilicitude e, portanto, não esteja abrangido no art. 25.º do mesmo diploma legal.

III. Perante a factualidade apurada (olhando para a imagem global dos factos apurados, as circunstâncias em que cometeu o crime em questão, natureza e quantidade de substância estupefaciente vendida e cedida - bem como a detida, que lhe foi apreendido em seu poder, ainda que esta fosse de reduzido valor, mas que não pode deixar de ser adicionada à restante -, lucros e favores sexuais obtidos com as ditas vendas e cedências do referido estupefaciente, modo de atuação e meios utilizados nessa atividade, que já revelam uma certa organização, período de tempo da sua atividade) é manifesto que não se pode concluir que exista uma acentuada diminuição da ilicitude, mostrando-se adequado o enquadramento no tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93.

IV. A medida da pena é determinada a partir do que resulta dos factos provados (e do que deles se pode deduzir) em relação a cada arguido que tenha cometido um ilícito penal e não a partir de considerações feitas pelo recorrente que não se extraem ou que não encontrem apoio nesses mesmos factos dados como provados.

V. O facto de o tribunal não dar a mesma relevância que cada um dos arguidos pretendia quanto às circunstâncias que se apuraram, não significa que tivesse feito uma avaliação errada ou incorreta ou que tivesse cometido qualquer nulidade. O que se passou é que os arguidos/recorrentes partem de pressupostos errados, inclusive de factos não apurados e sobrevalorizam circunstâncias a seu favor indevidamente e de forma subjetiva, portanto, sem razão, esquecendo parte dos factos apurados e que relevam, tendo em atenção as finalidades das penas.

Decisão Texto Integral:
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Proc. n.º 776/22.4PGPDL.S1

Recurso

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

I. No processo comum (tribunal coletivo) n.º 776/22.4PGPDL do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada, ..., comarca dos Açores, por acórdão de ........2023, além do mais (no que aqui interessa) foram condenados:

- o arguido AA pela prática de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela II-A anexa, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº1, alínea d) da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 250 dias de multa, à razão diária de 6,00€, perfazendo o total de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros);

- o arguido BB pela prática de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de ..., com referência à Tabela I-C e II-A anexas, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão; pela prática de um crime de evasão, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 352º do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão.

II. Inconformados com o acórdão da 1ª instância, recorreram os arguidos para este Supremo Tribunal de Justiça.

A. Assim, o arguido AA apresentou as seguintes conclusões1:

1) O recorrente é primário, confessou os factos, que praticou, e colaborou deste modo, para a descoberta da verdade material dos mesmos.

2) O douto acórdão ora recorrido, em qualquer caso não fez, salvo melhor opinião, a mais acertada integração do direito penal substantivo, na situação sub judice, fazendo uma incorreta aplicação do preceituado no Art.º 71.º n.º 1, do Código Penal,

3) Ao aplicar ao recorrente uma pena privativa de liberdade pelo período de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão, viola o douto acórdão o disposto nos Art.º s 70.º, 75.º a contrario e 50.º do Código Penal

4) Salvo o devido respeito, que é muito, o recorrente discorda da qualificação jurídica dos factos dados como provados, uma vez que a prática de tais factos, conforme se já referiu, integra o crime de tráfico na sua forma privilegiada, isto é, Tráfico de Menor Gravidade p.p. no Art.º n.º 25.º do DL 15/93, de ....

5) Dispõe este preceito normativo que, se nos casos dos Art.º s 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de um a cinco anos de prisão.

6) É a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade

7) Para além das circunstâncias atinentes aos fatores de aferição da ilicitude elencados, a título meramente exemplificativo, naquele artigo, haverá que ter em todas as outras circunstâncias suscetíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, há que fazer uma valorização global do mesmo, por forma a permitir a subsunção da conduta ao tipo privilegiado, valorização esta que pode decorrer não só da verificação de circunstâncias que diminuem a ilicitude do facto, como, também, da não ocorrência daquelas circunstâncias contempladas no crime-tipo, isto é, do Art.21.º.

8) No caso do recorrente, constata-se que o desvalor da sua conduta, atenta a modalidade da ação (venda, de pequenas quantidades, a consumidores iguais a ele, para custear o seu próprio consumo); quantidade da droga (diminuta, quando comparada com outras apreensões que diariamente se fazem e se julgam nos nossos tribunais, para além da ausência de quaisquer drogas apreendidas na busca domiciliária-; a ausência de apreensão de valores monetários ou outros sinais exteriores de riqueza, que façam dele um grande traficante que visa a obtenção de lucro fácil e rápido; os meios utilizados, que são os mais simples droga era cedida aos outros consumidores à vista de todos, nomeadamente, à porta da casa recorrente e, não se ter apurado que a mesma foi vendida a um número elevado de consumidores,( ficou provado que o tivesse feito a pouco mais 4 consumidores e num hiato temporal bastante reduzido), enquadra-se no tipo menos grave, isto é, Art.º 25.º do DL 15/93, de ....

9) Aliás, da visão global dos factos verifica-se que, o produto estupefaciente que o recorrente terá vendido fê-lo sempre num contexto de custear a sua toxicodependência.

10) Assim ao provar-se, apenas, a conduta do recorrente nos termos acima explanados, não poderá nem deverá a mesma ser valorada na dimensão mais gravosa para o recorrente neste sentido AC. Do STJ de 24/10/2007- n.º Convencional JST000;

11) E a circunstância de tais factos terem sido praticados num contexto de dependência causada pelo consumo do recorrente, parece-nos estarmos, pois, perante o pequeno tráfico.

12) Pelo que, o recorrente terá incorrido na prática do crime previsto no Art.º 25.º do DL. 15/93 de 22 de janeiro, isto é, Tráfico de Menor Gravidade;

13) E nesta medida a pena deverá ser-lhe substancialmente reduzida, para além de suspensa, como adiante se verá, na sua execução. Por todo o exposto: Da Pena e da Medida da Pena,

14) Impõe a lei substantiva penal que, quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, dever-se-á dar preferência à aplicação da pena não privativa da liberdade, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição Art.º 70.º Código Penal.

15) E manda suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição -Art.º 50.º, n.º 1 do CP.

16) São, pois, considerações de natureza exclusivamente preventiva, de prevenção geral e de prevenção especial, que justificam e impõem a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação.

17) O ponto de partida e o enquadramento geral da tarefa de determinação da pena concreta é o Art.º 40.º do CP, nos termos do qual, toda a pena tem como finalidade «a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».

18) Culpa e prevenção constituem o binómio que o julgador tem de utilizar na determinação da medida da pena Art.º 71º, n.º 1, do CP.

19)Por sua vez, o Art.º 71.º, n.º 1, do CP, vem-nos dizer que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção», acrescentando o n.º 2 que o tribunal deve atender «a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele», enumerando a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.

20) Quanto à função e ao papel a desempenhar por aquelas exigências preventivas, há que atribuir prevalência às considerações de prevenção especial, por serem sobretudo elas que justificam, em perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.

21) Ora no caso do recorrente, o seu comportamento tem consequências nefastas para sociedade em geral, pelo que se criou, nesta mesma sociedade, a expectativa da punição de tais condutas, em termos que o Tribunal não pode evidentemente ignorar.

22) E como todos sabemos o caminho para melhorar a situação passa também pela repressão que a lei prevê. Contudo, não podemos deixar de ter presente aquilo a que Sousa Brito (estudo citado, 587) chama “a inconstitucional instrumentalização do individuo criminoso como meio de atemorizar os outros.”

23) No entanto, quanto à prevenção especial, o recorrente não regista quaisquer antecedentes criminais, isto é, nos mais de 50 anos de vida com que já conta, não lhe são conhecidos comportamentos desviantes ao direito, bem como, em meio prisional, quaisquer infrações.

24) Razão pela qual, entendemos que as necessidades a nível prevenção especial, não se façam sentir assim tanto, pelo menos, nos termos que impeçam, ainda assim, formular um juízo de prognose favorável de ressocialização do recorrente em liberdade.

25) No caso vertente, é por demais evidente a falta de necessidade de o recorrente cumprir uma pena tão elevada e em reclusão.

26) Assim se pugna, por se entender como justa, adequada e proporcional uma pena próxima dos limites mínimos, mas, nunca superior 2,5 anos ou 4 anos, respetivamente em caso de alteração, ou não, da qualificação jurídica do Art.21.º para o tipo privilegiado.

27) Estamos, pois, certos que uma pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão, não cumprirá os seus propósitos nem as finalidades de prevenção e punição, porque injusta, desproporcional e desadequada.

28) Ao invés, entendemos que servirá para criar no Recorrente um sentimento de revolta por ver mais de cinco anos da sua vida inutilizados. Por outro lado

29) Caso se entenda que de facto, o recorrente, cometeu o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no Art.º 21º do DL 15/93, conforme consta do Acórdão condenatório, e atendendo, a todas as circunstâncias supra relatadas, reforçando-as, nomeadamente, a quantidade de produto apreendido; hiato temporal; não ter obtido, nem lhe serem conhecidos, quaisquer lucros ou ganhos; o ter agido motivado pela sua toxicodependência, cujo único objetivo, do tráfico, foi arranjar meios para sustentar o seu consumo; a circunstância de ser primário e em meio prisional “…apresentar um comportamento adequado e cumpridor das regras internas, estando laboralmente ocupado desde junho de 2023”

30) E bem assim aos meios empregues na traficância, os mais rudimentares possíveis, à vista de todos e sem qualquer cuidado em esconder o que fazia,

31) Deverá a medida da pena ser claramente reduzida e fixar-se próximo dos 4 anos.

32) Por via do Art.º 50.º do Código Penal Suspensão da Pena-, impende, sobre o tribunal, um poder dever na aplicação desta espécie de pena, preenchidos os respetivos pressupostos.

33) Constitui pressuposto material de suspensão da execução da pena de prisão a existência de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido.

34) E, são finalidades de prevenção especial de socialização, que estão na base de suspensão da execução da pena na prisão, isto é,

35) A finalidade político criminal que a lei visa alcançar com o instituto da suspensão consiste no “… afastamento do delinquente, no futuro da prática de novos crimes e não qualquer correção”; “… decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência”, tal como refere o Professor Figueiredos Dias ( in Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, pág. 343 e segs).

36) E a existência de condenações anteriores, como é o caso do recorrente, não é impeditiva da concessão da suspensão, embora, nesta situação, o prognóstico favorável relativamente ao comportamento do recorrente se torne mais exigente.

37) De todo o modo, o que aqui está em causa não é uma qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda,

38) Deve o Tribunal, encontra-se disposto a correr um certo risco fundado e calculado - sobre a manutenção do agente em liberdade. (Figueiredo Dias in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime” Notícias Editorial. 1993. Pág. 344).

39) Ora, nos presentes autos pretende-se obter o afastamento do recorrente, no futuro, da prática de novos crimes e a consciencialização por partes dos mesmos, da necessidade de inverter o rumo para que se dirige a sua vida.

40) O facto de já se encontrar em prisão preventiva, fê-lo assumir e interiorizar o desvalor da sua conduta;

41) Pelo que se nos afigura, salvo o devido respeito, que ainda não está afastada a possibilidade de a simples censura do facto e a ameaça de prisão afastar o recorrente definitivamente deste género de criminalidade:

42) Entende-se assim, como mais adequada, justa e proporcional a aplicação de uma pena, nunca superior a cinco anos, suspensa na sua execução, sujeita a um rigoroso regime de prova que ateste a desvinculação ao consumo de estupefacientes, fator que esteve na base do crime cometido, por a simples censura do facto e a ameaça de prisão, realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

43) Desta feita a finalidade última de recuperação do recorrente, será atingida,

44) Afastando-o, assim, da criminalidade sem, contudo, descurar as finalidades da punição.

45) Nunca esquecendo, que o que está em causa é a esperança fundada de que a socialização em liberdade, do recorrente, possa ser alcançada.

46) Pelo que se entende, e salvo o devido respeito, que deverá ser requalificando os factos e condenando o recorrente como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punível pelo Art.º 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

47) E bem assim, reapreciada a pena e a medida da pena em função do atrás exposto.

48) A não consideração das circunstâncias supra explanadas e existentes nos autos, as quais beneficiariam a medida da pena aplicável em concreto, viola o disposto no n.º 2 do Art.70º e 71.º, 75.º a contrário do Código Penal e Art.º 25.º alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

49) Não o tendo feito o douto Acórdão violou, entre outros, o disposto nos Art.ºs. 70.º, 71.º e 50.º do Código Penal;

50) E, nessa medida, a decisão ora recorrida é nula e impõe-se a sua alteração.

Termina pedindo a revogação do Acórdão recorrido, devendo ser substituido por outro que respeite o preceituado no Art.º 25. ° do Decreto-Lei 15/93, de 22/01 e Art.º 50.º do Código Penal, fixando uma pena próxima dos limites mínimos legais e não privativa da liberdade,

B. Por sua vez, o arguido apresentou as seguintes BB apresentou as seguintes conclusões2:

I) As medidas concretas das penas aplicadas ao recorrente são exageradas face aos factos dados como provados e ao grau de culpa do agente.

II) Salvo melhor opinião, o douto Acórdão violou o art. 40° do Código Penal.

III) Penas tão elevadas em nada beneficiarão a reintegração do agente na sociedade.

IV) Por outro lado, entende o recorrente que as penas que lhe foram aplicadas ultrapassam a medida da sua culpa, sendo também desproporcionadas à gravidade dos factos, bem como à perigosidade do agente.

V) Entende também o recorrente ter sido violado o art. 71°, n° 1 do Código Penal, já que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, entendendo também não terem sido plenamente salvaguardadas as alíneas a) a e) do n.° 2 do art. 71°.

VI) Valendo-se assim dos critérios prescritos no art. 71° do Código Penal, entende o recorrente, salvo melhor opinião que se respeita, que seja condenado:

- pelo crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto no artigo 21°, n° 1 do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C e II-A anexas, cuja moldura penal vai de 4 a 12 anos de prisão, lhe seja aplicada uma pena de 4 anos e 4 meses de prisão.

- e pelo o crime de evasão, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 352° do Código Penal, cuja moldura penal vai até dois anos de prisão, em virtude de todas as vezes que saiu da habitação o fez para adquirir produto para o seu consumo e sempre regressou pelos seus próprios pés a casa, lhe seja aplicada uma pena de 6 meses de prisão.

VII) Sendo-lhe consequentemente aplicada, em cúmulo jurídico (numa moldura abstrata que vai de 4 anos e 4 meses de prisão a 4 anos e 10 meses de prisão), a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

Termina a pedir a revogação do Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que, aplique corretamente o Direito aos factos e condene o recorrente conforme supra peticionado.

III. O Ministério Público respondeu aos recursos apresentando as seguintes conclusões:

A. Em relação ao recurso ao arguido AA:

1ª. 0 arguido foi condenado na pena de 5 anos e 3 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo disposto no art° 21°, n° 1, do Decreto-Lei n° 15/93.;

2ª. O arguido ao longo de pelo menos dois anos efetuou vendas diárias pequenas quantidades de estupefacientes aos consumidores, como sempre acontece quando se trata de venda direta aos consumidores por duas ordens de razões: a circunstância de os consumidores na sua esmagadora maioria, não possuírem liquidez suficiente para comprar senão a dose seguinte e o facto de por se encontrarem na linha da frente estes vendedores estarem mais visíveis, mais sujeitos a fiscalizações e consequentemente terem os maiores cuidados com as quantias que detêm em cada momento a fim de, em caso de fiscalização, poderem alegar que as quantidades que detêm são para consumo;

3ª. A circunstância de o arguido vender quase exclusivamente para custear o seu próprio consumo não determina por si só que o tráfico seja de menor gravidade pois que como é sabido alguns indivíduos consomem quantidades consideráveis de estupefacientes diariamente, em valores na ordem das várias dezenas de euros, pelo que, não obstante a grande margem de lucro, para custear a sua própria dependência a veda terá de ser na ordem das centenas de euros.

4ª. Por outro lado, não eram só as necessidades com os consumos que o arguido pagava com a cessão de estupefacientes, eram também as suas necessidades sexuais, o que fazia com pelo menos 3 consumidoras, a quem cedia estupefacientes diariamente a troco de relações sexuais.

5ª. O arguido transacionava - "..." - é uma substância de enorme danosidade pessoal e social. Conforme referido na Portaria 154/2013 de ... as Novas Substância Psicoativas (onde se inclui a ...) são "substâncias não especificamente enquadradas e controladas ao abrigo de legislação própria que, em estado puro ou numa preparação, podem constituir uma ameaça para a saúde pública comparável à das substâncias previstas naquela legislação, com perigo para a vida ou para a saúde e integridade física, devido aos efeitos no sistema nervoso central, podendo induzir alterações significativas a nível da função motora, bem como das funções mentais, designadamente do raciocínio, juízo crítico e comportamento, muitas vezes com estados de delírio, alucinações ou extrema euforia, podendo causar dependência e, em certos casos, produzir danos duradouros ou mesmo permanentes sobre a saúde dos consumidores."

6ª. O consumo desta substância leva à destruição das vidas dos consumidores e suas famílias bem como de todo o tecido social envolvente. Por vezes o consumo desta substância numa única ocasião pode comprometer para sempre a saúde mental de uma pessoa. É esta dimensão da qualidade do estupefaciente transacionado que tem de ser ponderada.

7ª. A cadencia de transações a vários indivíduos, numa base diária, ao longo de cerca de dois anos, demonstra um "negócio" estável de uma substância ilícita altamente danosa, não podendo em nosso entender tais factos integrar a prática de um crime de tráfico de estupefacientes na sua forma privilegiada - do art. 25° - mas sim no tipo base - tráfico de estupefaciente - do art. 21 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro.

8ª. O arguido efetivamente não regista qualquer condenação anterior. Contudo se do ponto de vista criminal tem um passo "limpo" o mesmo não se pode dizer do ponto de vista pessoal e social, registando um percurso de vida marcado pelas dependências de álcool e droga, dependências essas que terão sido a causa do fim do seu relacionamento conjugal. Já efetuou diversos tratamentos à dependência do álcool todos sem sucesso. Não mantinha, em liberdade, hábitos regulares de trabalho, não possui alicerces familiares estáveis.

9ª. Foram todos estes condicionalismos que levaram o arguido - até de acordo com o próprio - à traficância e seriam certamente estes os condicionalismos que o levariam novamente, se em liberdade a praticar factos semelhantes aqueles pelos quais foi condenado.

10ª. Os factos que o arguido praticou - e que não contesta - são gravíssimos não só do ponto de vista da atuação como do ponto de vista das consequências. Por outro lado, o juízo de prognose não permite concluir que, se colocado em liberdade o arguido não voltara a praticar factos semelhantes, antes indiciando que assim seria.

Termina pedindo que seja mantido o acórdão recorrido, na medida em que a condenação do arguido na pena de prisão de 5 anos e 3 meses pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo disposto no art. 21°, n° 1, Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro resulta de uma correta integração dos factos e aplicação do direito, nenhuma censura merecendo.

Em relação ao recurso ao arguido BB:

1ª. 0 arguido foi condenado na pena de 5 anos e 3 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo disposto no art. 21°, n° 1, do Decreto-Lei n° 15/93, e pela prática de um crime de um crime de evasão na forma continuada, p. e p. pelo disposto no art. 352° e 30°, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão. Em cúmulo Jurídico foi o arguido condenado na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão.

2ª. O arguido ao longo de pelo menos dois anos efetuou vendas diárias em quantidades consideráveis de estupefacientes a um elevado número de consumidores.

3ª. Após aplicação a medida de coação obrigação de permanência na habitação o arguido ausentou-se do local onde se encontrava a cumprir tal medida de coação ... e ... de ... de 2023, primeira das quais no próprio dia em que lhe foi aplicada a medida de coação e a última no dia em que foi novamente detido e sujeito à medida de coação prisão preventiva.

4ª. Cada uma das penas parcelares reflete, como tem de refletir, não só as atenuantes - a circunstância de o arguido ter demonstrado arrependimento e não registrar antecedentes criminais - como as agravantes - a reiteração das condutas, o lapso de tempo em que decorreram, as quantidades vendidas (quanto ao crime de tráfico de estupefacientes) e o modo de execução das mesmas.

Termina pedindo que seja mantido o acórdão recorrida, na medida em que a condenação nas penas parcelares de 5 anos e 3 meses e 1 ano de prisão, e na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão mostra-se adequada à gravidade da conduta e às necessidades de prevenção geral e especial que o caso requer.

IV. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, o Sr. PGA emitiu Parecer no sentido da total improcedência de ambos os recursos, não só porque em relação ao recurso do arguido AA, os factos dados como provados não permitirem o enquadramento na previsão do art. 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93 de ..., mas também porque quanto a cada recorrente, “a medida da pena” individual a cada um deles aplicada, bem como pena única aplicada ao arguido BB, mostram-se equilibradas e consentâneas com o que se apurou, com as finalidades das penas e com os princípios da necessidade e proporcionalidade subjacentes ao art. 18.º, n.º 2, da Constituição.

V. Não foi apresentada Resposta ao Parecer do Sr. PGA.

VI. No exame preliminar a Relatora ordenou que os autos fossem aos vistos, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

Fundamentação

VII. Resulta do acórdão da 1ª instância a seguinte decisão sobre a matéria de facto com interesse para o conhecimento do presente recurso3:

Factos Provados

Com interesse para a causa, provaram-se os seguintes factos:

1. O arguido AA, também conhecido como “AA”, ou “AA” e o arguido BB, também conhecido como “Juma”, não tendo profissão nem rendimentos, decidiram, desde meados de ..., dedicar-se à venda de “...”, vulgo droga sintética, na ..., por se terem apercebido da elevada procura deste produto estupefaciente por banda dos consumidores respetivos, e do lucro que podiam obter com a venda daquele produto, designadamente a cinco ou dez euros cada pacote.

2. A ... de ... de 2021, pelas 04:00 horas, o arguido BB detinha, na ..., na ..., três pacotes de “...” com o peso de 1.722 gramas e uma embalagem com 0.777 grama de canábis-folhas que destinava à venda a consumidores de produtos estupefacientes.

3. O arguido BB tinha então acabado de vender, no mesmo local, quatro pacotes de “...” ao consumidor de produto estupefaciente CC, por 5 euros cada - dos quais a polícia conseguiu apreender dois pacotes, com o peso de 0.082 grama; este consumidor já lhe tinha comprado pacotes de droga sintética no início de ....

4. A ... de ... de 2021 o mesmo arguido BB detinha, na ..., cinco panfletos de “...”, com 1.020 grama, também destinados à venda a consumidores de produtos estupefacientes; panfletos que lhe tinham sido fornecidos pelo arguido AA.

5. Ao consumidor de produto estupefaciente DD o arguido BB vendeu pacotes de droga sintética, por cinco ou dez euros, há cerca de dois anos, na freguesia de ....

6. Ao consumidor de produto estupefaciente EE o arguido BB tinha cedido droga sintética para consumo, a ... de ... de 2022, pelas 16:10 horas, quando foi abordado pela polícia, na ..., em ..., tendo o arguido BB em seu poder um pacote de “...”, com 0.679 grama.

7. O arguido AA, por seu lado, desde meados de novembro de 2022 a meados de dezembro do mesmo ano, tinha vendido ao consumidor de produto estupefaciente FF, entre 15 a 20 panfletos de droga sintética, pelo preço de 5 euros cada panfleto; as vendas tiveram lugar no ... e perto da casa do arguido, na ... º 1, ..., ....

8. À consumidora de produto estupefaciente inquirida GG o arguido AA cedia panfletos de droga sintética contra trato sexual; tais cedências tiveram lugar numa base diária, desde ... a ..., e este arguido mantinha relações sexuais com a consumidora quando lhe apetecia, com base naquela cedência de produto estupefaciente.

9. À consumidora de produto estupefaciente HH o arguido AA cedeu panfletos de droga sintética, por um número indeterminado de vezes, contra trato sexual, e também os vendia por cinco euros cada; tais cedências e vendas tiveram lugar desde outubro de 2021 ao início de janeiro de 2023.

10. Ao consumidor de produto estupefaciente AA o arguido AA vendeu droga sintética em janeiro de 2023, por duas vezes, a cinco euros cada panfleto; a última venda teve lugar à porta da casa do arguido AA, a fevereiro de 2023, e abrangeu cinco panfletos, pelo valor de 25 euros; este consumidor viu o arguido BB a comprar droga sintética ao arguido AA, perto da casa deste, e também viuoutras consumidoras de produtos estupefacientes a contactarem o arguido AA, para comparem produto estupefaciente.

11. A ... de ... de 2023, pelas 09:00 horas, o arguido AA foi revistado, no largo do ..., sendo-lhe apreendido um telemóvel com o n.º ..., com o qual contactava os consumidores de produtos estupefacientes aquando das vendas, e um panfleto de “...”, com 0.069 grama.

12. Buscada a residência do arguido AA, sita no n.º 1 da ..., na ... no mesmo dia ... de ... de 2023, pelas 9:30 horas, foram apreendidos:

a) uma balança de precisão, dentro de um armário, no logradouro da moradia;

b) quatro excedentes de saco de plástico, com recortes de círculos para condicionar produto estupefaciente; quatro círculos de plástico para o mesmo efeito, num armário do quarto do arguido; bem como outros 4 círculos, no móvel da TV;

c) um cartão de cidadão de um consumidor de produto estupefaciente, no mesmo móvel;

d) uma balança de precisão, que o arguido AA usava para pesar e dividir o produto estupefaciente e que estava dentro da máquina de secar roupa;

e) e um bastão com 65,5 cm, com empunhadura de nylon, atrás da porta de entrada, que o arguido usava para intimidar os consumidores de produtos estupefacientes e conseguir o pagamento atempado da droga sintética que vendia em casa.

13. No dia ... de ... de 2023, pelas 09:50 horas, no loteamento da ..., na ..., a polícia apreendeu, em poder do arguido BB, um panfleto de “...”, com 0,679 grama, uma embalagem com liamba com 3 gramas, nove círculos para acondicionar droga sintética, dois sacos de plástico recortados para o mesmo efeito, e 13,50 euros, proveniente de venda de produtos estupefacientes.

14. No dia ... de ... de 2023, pelas 18:00 horas, a polícia deslocou-se a um imóvel desocupado, sito na ..., onde deparou com o arguido BB, que detinha consigo um pequeno pedaço de haxixe, com 0.224 grama, um comprimido de buprenorfina (subutex) e a quantia de 106,16 euros, proveniente das vendas de produtos estupefacientes.

15. No dia ... de ... de 2023 a polícia abordou o arguido BB no Loteamento ..., em ..., e apreendeu-lhe uma balança de precisão marca “Sanda”, um comprimido de buprenorfina (subutex) e mais dois pedaços de outro comprimido da mesma substância, um circulo de plástico para acondicionar produto estupefaciente, com resíduos de “...”, e 96,40 euros, provenientes de vendas de produtos estupefacientes.

16. No dia ... de ... de 2023, pelas 10:45 horas, o arguido BB encontrava-se na ..., com uma pequena bolsa de cor verde, que continha três panfletos de “...”, com o peso de 1.857 gramas, que destinava à venda a consumidores de produtos estupefacientes, e um telemóvel com o qual contactava os consumidores de produtos estupefacientes, para combinar as quantidades de produto estupefaciente a vender, e locais de entrega.

17. Ao consumidor de produto estupefaciente II o arguido BB vendeu droga sintética desde meados de 2021, por 5 euros cada pacote, por um número indeterminado de vezes, entre meados de 2021 e Fevereiro de 2023, por 5 euros cada; em Janeiro de 2023 este consumidor procurou o arguido para lhe comprar “...”, mas como este não tinha droga consigo, o arguido BB acompanhou-o até à casa do arguido AA, na ..., na ..., onde se abasteceu de sete panfletos de droga sintética, vendendo um a II por 5 euros; a última compra de droga sintética este consumidor fez ao arguido BB, por 5 euros, foi em ..., em ..., na ....

18. Ao consumidor de produto estupefaciente JJ o arguido BB vendeu, em ..., cerca de dez panfletos de droga sintética, pagando cinco ou dez euros por cada panfleto.

19. Ao consumidor de produto estupefaciente KK o arguido AA cedeu, na sua residência, pacotes de droga sintética; este consumidor habitou na casa deste arguido durante uma semana, naquele período de tempo, tendo visto outros consumidores a comprarem produtos estupefacientes ao arguido AA.

20. À consumidora de produto estupefaciente LL o arguido AA vendeu, numa base diária, na sua residência, e no ..., o total de cerca de trezentos pacotes de droga sintética desde o final de ... até ... de ... de 2023, por 5 euros cada, ou contra trato sexual com a consumidora.

21. Ao consumidor de produto estupefaciente MM o arguido BB vendeu, na sua residência, ou em locais que combinavam por telemóvel, usando o consumidor por vezes o telemóvel com o n.º ..., durante o ano de ... e até ... de ... de 2023, cerca de 50 pacotes de droga sintética - cerca de quatro vezes por mês, por 5 euros cada.

22. Ao consumidor de produto estupefaciente NN o arguido BB vendeu pacotes de droga sintética, por 5 euros cada, junto do ..., em ..., o que aconteceu há cerca de um ano atrás.

23. À consumidora de produto estupefaciente OO o arguido BB vendeu pacotes de droga sintética, por 5, 10 e 25 euros, desde meados de 2021 ao final de 2022; a ... de ... de 2021, pelas 22:30 horas, esta consumidora tinha acabado de comprar um pacote de “...”, com 0.345 grama, ao arguido BB, no ..., em ..., quando foram abordados pela polícia, que apreendeu aquele pacote de produto estupefaciente.

24. Ao arguido BB foi aplicada, a ... de ... de 2023, a medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica sita na Rua D. ..., ..., ....

25. O arguido BB foi conduzido à residência supra, em aplicação da medida de coação, ainda sem vigilância eletrónica, e no próprio dia ... de ... de 2023 saiu de casa sem autorização, tendo sido visto a conduzir uma bicicleta na ..., às 18 horas; pelas 19 horas não tinha ainda regressado a casa e a polícia não o encontrou; tendo sido visto em casa no dia seguinte.

26. A Direção Geral de Reinserção Social e S. P. de ... instalou a pulseira eletrónica no arguido BB a ... de ... de 2023, mas constatou duas saídas não autorizadas do arguido nos dias ... de ... de 2023, entre as 13:55 h e as 14:15 horas - sem atender o telefone aos serviços de vigilância eletrónica - e no dia ... de ... de 2023, entre as 23:30 horas e as 23:39 horas, tendo atendido aqueles serviços após regresso a casa.

27. A mãe do arguido retirou o consentimento para a vigilância eletrónica a ... de ... de 2023; entretanto o arguido foi internado na Clínica ... a ... de ... de 2023, com conhecimento da Direção Geral de Reinserção Social de..., mas abandonou o internamento sem alta clínica a ... de ... de 2023, regressando a casa e ao local de vigilância eletrónica.

28. No dia ... de ... de 2023, às 22:59 horas, o arguido BB voltou a abandonar a residência, só regressando no dia seguinte, pelas 00:08 horas; no dia ... de ... de 2023, pelas 17:50 horas, o arguido voltou a sair de casa sem autorização, por nove vezes, até às 17:50 horas, altura em que foi encontrado pela polícia na ..., em ..., detendo um panfleto com o peso bruto de 0,19 grama de droga sintética.

29. Os arguidos AA e BB atuaram voluntária, livre e conscientemente, conhecendo as características estupefacientes, designadamente da droga que detinham, cediam, nomeadamente contra trato sexual, ou vendiam, a droga “dura” ..., por ser de fácil habituação, que causava danos a curto prazo na saúde mental dos consumidores de produtos estupefacientes.

30. O arguido AA mais sabia que não podia deter o bastão com fins de agressão fora das condições legais e sem autorização; o arguido BB mais sabia que tinha a obrigação, que não cumpriu, de permanecer na casa sita na residência sita na ... Manuel Medeiros Guerreiro, ..., S. Miguel, o que foi determinado por decisão judicial que aplicou a medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica e assim limitou a sua liberdade.

31. Ambos os arguidos sabiam que todas as suas condutas eram proibidas por lei penal.

*

Das condições pessoais de AA:

32. À data dos factos, AA residia sozinho em habitação social, que lhe fora atribuída, sendo beneficiário de rendimento social de inserção, cujo montante era gerido por uma irmã, garantindo dessa forma o pagamento dos fornecimentos de água, eletricidade e gás e da renda de casa. Pontualmente, era ainda apoiado por esta irmã, quer em termos monetários, quer de bens essenciais e em refeições confecionadas.

33. De forma irregular o arguido dedicava-se à pesca, com um rendimento variável.

34. Ao arguido é atribuída uma acentuada desorganização pessoal e precariedade económica, decorrente dos comportamentos aditivos e dum estilo de vida a eles associado.

35. AA nasceu num contexto familiar marcado pela precariedade, sendo o terceiro de uma fratria de oito elementos. O progenitor dedicava-se à pesca, sendo a mãe doméstica, descrevendo um ambiente familiar marcado pelos hábitos alcoólicos do progenitor e por uma postura autoritária da progenitora. Desde cedo que os elementos da fratria iniciavam trabalho, contribuindo para a economia familiar.

36. Com a idade regular frequentou a escola, descrevendo um bom aproveitamento e interesse pelas atividades curriculares, contudo a necessidade de trabalhar para ajudar a família, determinou a interrupção desse percurso, com cerca de 13 anos de idade, concluindo apenas o 4º ano de escolaridade.

37. O arguido iniciou o percurso laboral numa fábrica de tijolo, contexto laboral em que permaneceu cerca de dez anos. Posteriormente, trabalhou na pesca, inicialmente com o progenitor e posteriormente com outros armadores. A possibilidade de garantir um trabalho mais estável em termos de rendimento, determinou que passasse a trabalhar como ajudante de ... numa oficina/serralharia, contexto em que trabalharia cerca de sete anos. O encerramento da oficina determinou uma situação de desemprego, que se manteve atá à presente data.

38. O arguido casou com cerca de 22 anos de idade, tendo a relação conjugal decorrido por cerca de dezassete anos. Os comportamentos alcoólicos do arguido, viriam a determinar um ambiente familiar conflituoso, o que levou à rutura do casal. Desta relação tem um filho, atualmente, com 23 anos de idade, cuja guarda foi entregue, provisoriamente, a uma tia paterna aos 9 anos de idade, tendo posteriormente, regressado aos cuidados da respetiva progenitora. O arguido não mantém contacto com o filho há cerca de três anos.

39. O arguido assume o consumo de bebidas alcoólicas desde o início da idade adulta, que progressivamente intensificou e, ainda que não especificando datas, refere já ter realizado tratamentos dessa problemática aditiva, contudo com frequentes recaídas, mantendo, à data da prisão preventiva, o consumo abusivo de bebidas alcoólicas. Mais recentemente, iniciou consumo de estupefacientes, sobretudo cocaína sintética, denotando preocupação face às suas problemáticas aditivas.

40. Apresenta lacunas significativas ao nível da descentração, procurando, em diferentes contextos vivenciais, causas externas para a justificação de tais comportamentos, como a problemática aditiva e a precariedade económica.

41. Em prisão preventiva à ordem do presente processo desde fevereiro passado, AA tem apresentado um comportamento adequado e cumpridor das regras internas, estando laboralmente ocupado desde junho de 2023.

42. AA atribui um impacto positivo à situação de reclusão pela contenção aditiva, contudo, veio a perder o direito à habitação, manifestando alguma ansiedade em termos de situação futura, nomeadamente habitacional.

43. AA esteve com o acompanhamento da DGRSP em ..., no âmbito do processo 43/18.8PGPDL, no qual lhe foi aplicada uma prestação de serviço de interesse público, que cumpriu.

44. Não tem antecedentes criminais registados.

*

Das condições pessoais do arguido BB:

45. À data dos factos, o arguido residia com os progenitores, sendo a vivência familiar marcada por alguma instabilidade, derivada dos comportamentos aditivos do arguido. BB apresentava um quotidiano centrado no consumo de estupefacientes, referindo ser consumidor de vários tipos de estupefacientes.

46. O arguido sempre residiu com o agregado familiar de origem, composto pelos progenitores, nunca tendo concretizado qualquer situação de autonomia. Apesar de períodos de alguma conflituosidade entre o arguido e os progenitores, estes têm mantido apoio ao descendente, visitando-o no Estabelecimento Prisional.

47. BB nasceu num contexto familiar coeso e organizado, beneficiando ainda, atualmente, do suporte dos pais. É o mais novo de dois irmãos. Os pais, atualmente reformados, mantinham atividade profissional, o pai como relojoeiro e a mãe como empregada doméstica, garantindo uma situação estável a nível económico.

48. Em termos de percurso escolar, o arguido frequentou o sistema de ensino até cerca dos 16 anos de idade, contudo, durante a adolescência, com um progressivo absentismo, a par do desinteresse pelas atividades escolares. Ficou habilitado com o 6º ano de escolaridade. BB iniciou, entretanto, trabalho, inicialmente como ajudante de ..., atividade que desempenhou durante cerca de cinco anos e posteriormente como pintor de construção civil. Contudo o percurso laboral foi condicionado pela dependência aditiva, tornando-se muito irregular e sendo o rendimento auferido, essencialmente canalizado para o consumo de estupefacientes.

49. BB situa o início do consumo de estupefacientes com cerca de 13 anos de idade, referindo ser consumidor de vários tipos de estupefacientes, tendo já realizado tratamento na Associação Alternativa, durante cerca de sete meses e, mais recentemente, na Clínica de ..., tratamento de que veio a desistir ao fim de alguns dias. Em contexto prisional, integrou, entretanto, programa de tratamento com suboxone, no qual se mantém.

50. Em contexto prisional apresenta um comportamento ajustado, tendo em setembro aderido ao plano formativo, de frequência do 3º ciclo, contudo, veio recentemente a desistir.

51. Não tem antecedentes criminais registados.

*

Factos Não Provados

Com interesse para a boa decisão da causa, não se provou que:

a) Os arguidos também combinaram deter na via pública, enquanto procediam às cedências ou vendas de “...”, poucos panfletos deste produto, para em caso de investigação policial se dizerem simples consumidores dos mesmos.

b) Ao consumidor de produto estupefaciente DD o arguido BB vendeu pacotes de droga sintética, por cinco ou dez euros, desde o início de ... a ... de ... de 2022, na freguesia de ...; naquele período de tempo, o arguido BB, que circulava de bicicleta nas ruas envolventes ao ..., vendeu entre 30 a 50 pacotes de “...” a este consumidor de produto estupefaciente.

c) Desde ... até .../.../2022 o arguido BB já havia vendido a EE três pacotes de droga sintética, por dez euros cada.

d) As cedências a PP foram no número de cinco vezes.

e) Sendo o arguido AA sujeito a prisão preventiva, o arguido BB ficou também a contactar os respetivos consumidores de produtos estupefacientes;

f) O arguido BB destinava o comprimido de buprenorfina (subutex) à venda.

g) As vendas a II eram numa base de duas vezes por semana.

h) À consumidora de produto estupefaciente QQ o arguido BB, no dia ... de ... de 2023, no estabelecimento “...”, sito em ..., disse que lhe vendia uma dose de droga sintética pelo dinheiro que esta tinha – 1,70 euros – tendo o arguido levado a consumidora para uma casa sita na ..., pertença de um tal ..., onde tirou do bolso um pacote com cerca de cinco gramas de droga sintética, do qual retirou uma pequena quantidade, que vendeu à consumidora.

i) JJ viu o arguido BB a vender outros produtos estupefacientes, designadamente canábis-folhas, em “cabeços”, a outros consumidores, por oito euros o grama, no ..., no ... e num prédio em construção, na ....

j) Ao consumidor de produto estupefaciente KK o arguido AA vendeu, na sua residência, cerca de vinte pacotes de droga sintética, por 5 euros cada.

k) Ao consumidor de produto estupefaciente RR o arguido AA cedeu, na sua residência, droga sintética para consumo, em dias incertos do ano de 2022, por aquele ser seu colega de trabalho.

l) As vendas ao consumidor de produto estupefaciente NN foram no número de trinta vezes, entre meados de 2022 e meados de 2023.4

*

Direito

VIII. Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP).

As questões suscitadas nos dois recursos em apreciação prendem-se, por um lado, com a qualificação jurídico-penal do crime pelo qual o arguido AA foi condenado (que o mesmo arguido pretende que seja alterada para tráfico de menor gravidade p. e p. no art. 25.º, al. a), do DL 15/93) e, por outro lado, com a medida da pena aplicada, que ambos os arguidos AA e BB pretendem que sejam reduzidas (o primeiro pretende a redução da pena de prisão para próximo de 4 anos, suspensa na sua execução, sustentando ser nula a decisão por não ter assim decidido e, o segundo pretende que seja reduzida para 4 anos e 4 meses de prisão a pena pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21.º do DL 15/93 e para 6 meses de prisão a pena pelo crime p. e p. no art. 352.º do CP, sendo a pena única reduzida para 4 anos e 6 meses de prisão).

Vamos então analisar as questões suscitadas pelos recorrentes, tendo presente que, tal como resulta do texto da decisão recorrida, não ocorrendo quaisquer dos vícios previstos nas alíneas a), b) ou c) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP, nem nulidades ou irregularidades de conhecimento oficioso, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto acima transcrita, a qual nessa parte se mostra devidamente sustentada e fundamentada.

1ª Questão: colocada pelo arguido AA (Qualificação jurídico-penal)

Quanto à fundamentação de direito escreveu-se o seguinte no acórdão sob recurso5, no que aqui interessa, face à questão colocada pelo recorrente/arguido AA:

Do crime de tráfico de estupefacientes

Dispõe o artigo 21, nº1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, que quem, sem para tal estar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com prisão de 4 a 12 anos.

O bem jurídico fundamentalmente tutelado por esta incriminação é a saúde pública, donde deriva que a ilicitude se verifica não só com a venda, a cedência a terceiro ou o transporte, mas também com a simples detenção das substâncias previstas nas tabelas anexas (fora dos casos previstos no artigo 40º), na medida em que da nocividade destas para a saúde decorre que essa simples detenção tem caráter de perigosidade, deparando-se-nos, portanto, com um crime de dano quanto à lesão do interesse coletivo em impedir a circulação de estupefacientes e um crime de perigo abstrato em relação à saúde das vítimas.

Ora, atentos os factos provados, não podem deixar de se dar como preenchidos os elementos típicos integradores do crime de tráfico de estupefacientes por parte de ambos os arguidos, sendo que as quantidades vendidas e/ou cedidas, o elevado número de consumidores, o período temporal de tal atividade e a natureza dos produtos em questão não permitem, de todo, ponderar qualquer diminuição da ilicitude, conforme alegaram os Ilustres Patronos.

A canábis encontra-se incluído na tabela I-C e o produto ALPHA PHP na tabela II-A.

Não se apuraram causas de exclusão da ilicitude nem da culpa, pelo que os arguidos serão condenados pela prática deste crime.

(…)

Argumenta o recorrente, em resumo, que atenta a modalidade da ação (venda, de pequenas quantidades, a consumidores iguais a ele, para custear o seu próprio consumo), a qualidade da droga, a sua quantidade (diminuta, quando comparada com outras apreensões que diariamente se fazem e se julgam nos nossos tribunais, para além da ausência de quaisquer apreensões de estupefacientes na busca domiciliária), a ausência de apreensão de valores monetários (que façam supor que seja um grande traficante que visa o lucro fácil e rápido), os meios utilizados (que são os mais simples, sendo a droga cedida aos outros consumidores à vista de todos, na porta da casa do recorrente ou noutras zonas publicas), não se tendo apurado que fosse vendida a um número elevado de consumidores (ficou provado que o tivesse feito a pouco mais que 4 consumidores e num hiato temporal relativamente pequeno), o que tudo foi praticado num contexto de dependência, causado pelo consumo do recorrente, das mesmas substâncias, revela que se verifica uma ilicitude bastante diminuída, devendo os factos ser qualificados como tráfico de menor gravidade p. e p. no art. 25.º, do DL 15/93, de 22.01.

Vejamos.

Dispõe o n.º 1 do art. 21.º (tráfico e outras atividades ilícitas) do DL nº 15/93, de 22.1:

1. Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos. (…)

Por seu turno, estabelece a alínea a) do art. 25.º (tráfico de menor gravidade) do cit. DL 15/93:

Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; (…).

O produto ALPHA PHP está incluído na tabela II-A anexa ao referido diploma legal.

Como sabido, o crime de tráfico de estupefacientes, em qualquer das suas modalidades, é um crime exaurido ou crime executido (também chamado delito de empreendimento no direito alemão) visto que fica perfeito com a comissão de um só ato gerador do resultado típico, admitindo uma aplicação unitária e unificadora da sua previsão aos diferentes atos múltiplos da mesma natureza praticados pelo agente, em virtude de tal previsão respeitar a um conceito genérico e abstrato.

Relativamente a estes crimes, os diversos atos constitutivos de infrações independentes e potencialmente autónomas podem, em diversas circunstâncias, ser tratadas como se constituíssem um só crime, por forma a que aqueles atos individuais fiquem consumidos e absorvidos por uma só realidade criminal.

Cada atuação do agente traduz-se na comissão do tipo criminal, mas o conjunto das múltiplas atuações do mesmo agente reconduz-se à comissão do mesmo tipo de crime e é tratada unificadamente pela lei e pela jurisprudência como correspondente a um só crime.

O STJ tem entendido que no crime de tráfico de estupefacientes deve ter-se em atenção a quantidade global traficada no período considerado como o dessa atividade6.

Para além disso tem defendido que, no crime de tráfico de estupefacientes, para se concluir no sentido de que a ilicitude do facto, para efeito de integração da conduta no tráfico de menor gravidade, está consideravelmente diminuída, é necessário avaliar globalmente a conduta do agente e olhar a «imagem» do arguido que resulta da ponderação do conjunto de factos que são dados como provados.

Assim, tipo legal fundamental (ou tipo matricial) previsto no citado DL n.º 15/93, é, entre outros, no que agora importa analisar, o crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º.

E é a partir desse tipo fundamental que a lei, por um lado, edifica as circunstâncias agravantes (qualificando o tipo, nos casos indicados no artigo 24.º) e, por outro lado, «privilegia» o tipo fundamental, quando concebe «o preceito do art. 25.º como um mecanismo que funciona como “válvula de segurança” do sistema», com o fim de acautelar que «situações efetivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial».

No que respeita ao artigo 25.º do cit. DL 15/93, prevê-se uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, «por referência à ilicitude pressuposta no art. 21.º, exemplificando aquela norma circunstâncias factuais com suscetibilidade de influírem no preenchimento valorativo da cláusula geral aí formulada.»

Esse artigo 25.º, tem na sua base “o reconhecimento de que a intensidade das circunstâncias pertinentes à ilicitude do facto não encontra na moldura penal normal do art. 21.º, nº 1, pela sua gravidade diminuta, acolhimento justo, equitativo, proporcional»7.

Também o STJ tem sustentado que, «a conduta prevista no artigo 26.º [do mesmo diploma legal], embora envolvendo tráfico, refere-se, antes de tudo, à personalidade do agente e às suas motivações, o que justifica a epígrafe dirigida exatamente ao agente (traficante-consumidor) e não ao tráfico».

De todo o modo, convém ter presente, que no art. 21.º do DL 15/93, tanto se pode incluir o grande, como o médio, tal como o pequeno tráfico de estupefacientes, desde que, neste último caso, não exista um quadro de acentuada diminuição da ilicitude e, portanto, não esteja abrangido no art. 25.º do mesmo diploma legal8.

Daí que seja errada a dedução (implícita no recurso) de que não sendo o arguido um “grande traficante” não estaria incluído no art. 21.º, pressupondo, assim, que no referido tipo legal apenas caberiam os grandes traficantes ou os agentes que vendessem com uma certa organização, fazendo uso de meios sofisticados ou que tivessem sofrido condenação anterior.

Terá de ser caso a caso, perante a análise global da matéria de facto apurada, tendo em atenção os critérios legais, que poderá fazer-se a respetiva subsunção dos factos ao direito.

Ora, compulsando a matéria de facto dada como provada temos de concordar com a 1ª instância quando concluiu estarem preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o recorrente foi condenado, apesar de não ter antecedentes criminais.

Com efeito, ao contrário do que alega o recorrente, resulta dos factos provados, designadamente do ponto 1, que foi para obter lucro que, desde meados de 2021 até ser detido em ........2023, passou a dedicar-se à venda de “...”, na ..., designadamente por cinco ou dez euros cada pacote, o que fez, nas circunstâncias e período de tempo apurados nos pontos 4 (forneceu ao arguido BB os 5 panfletos, com o referido estupefaciente, com 1,020 g., destinado à venda, que este detinha em ........2021), 7 (neste caso vendendo a FF, desde meados de ... a meados de ... do mesmo ano, entre 15 a 20 panfletos do referido produto estupefaciente por 5 euros cada panfleto), 8 (neste caso obtendo em troca trato sexual, destacando-se que fazia cedências do referido estupefaciente a GG, numa base diária, mantendo com ela relações sexuais quando lhe apetecia, com base naquela cedência do produto estupefaciente, desde ... a ...), 9 (neste caso, entre ... até início de janeiro de 2023, por um número indeterminado de vezes, tanto cedeu panfletos do referido estupefaciente a HH a troco de trato sexual, como lhe vendeu panfletos do mesmo estupefaciente, a cinco euros cada), 10 (neste caso, vendendo a AA o referido estupefaciente, em janeiro de 2023, por duas vezes, a cinco euros cada panfleto e em fevereiro de 2023 vendeu cinco panfletos por 25 euros), 17 (neste caso, em janeiro de 2023, abasteceu o arguido BB com sete panfletos do referido estupefaciente), 19 (neste caso, a KK também cedeu pacotes do mesmo estupefaciente na sua residência, enquanto aquele habitou na sua casa, durante uma semana) e 20 (nesse caso, desde o final de 2021 até ... de ... de 2023, vendeu, numa base diária, a LL, o total de cerca de 300 pacotes do referido estupefaciente, por cinco euros cada), sendo certo que, em ........2023, foi-lhe apreendido, em revista, um panfleto com o referido estupefaciente com o peso de 0,069 g. e um telemóvel com o qual contactava os consumidores aquando das vendas de produtos estupefacientes (ver ponto 11 provado) e na busca à sua residência foram apreendidas, além do mais (ver ponto 12 provado), 2 balanças de precisão, sendo que uma delas era usada para pesar e dividir o produto estupefaciente e qua excedentes de saco plástico com recortes de círculos para acondicionar o produto estupefaciente, além de outros 8 círculos.

Do que se apurou relativamente às suas condições de vida, com relevo para esta decisão, particularmente do ponto 39 provado, salienta-se que era consumidor de bebidas alcoólicas desde o início da idade adulta, que progressivamente intensificou (mantendo à data da prisão preventiva o consumo abusivo de bebidas alcoólicas) e só mais recentemente é que iniciou consumo de estupefacientes, sobretudo cocaína sintética.

No entanto, não se provou (como argumentou o recorrente) que a prática do tráfico de estupefacientes pelo recorrente nos moldes acima indicados tivesse ocorrido em contexto de dependência pelas mesmas substâncias estupefacientes que vendia ou que tivesse ocorrido para custear o seu próprio consumo.

Ora, sendo conhecida a elevada perigosidade e grande danosidade, desde logo, da “...” vendidas e que cedia e tendo sido ambas significativas, quer considerando os lucros e favores sexuais obtidos (sendo que ainda lhe foi apreendida um panfleto que detinha quando foi revistado), olhando para os factos apurados (tendo em atenção todas as possíveis perspetivas) é manifesto que é insustentável defender (como o faz o recorrente de forma interessada, mas sem apoio nos factos dados como provados) que a respetiva conduta se poderia enquadrar no crime de tráfico de menor gravidade.

Perante a factualidade apurada (olhando para a imagem global dos factos apurados, as circunstâncias em que cometeu o crime em questão, natureza e quantidade de substância estupefaciente vendida e cedida - bem como a detida, que lhe foi apreendido em seu poder, ainda que esta fosse de reduzido valor, mas que não pode deixar de ser adicionada à restante -, lucros e favores sexuais obtidos com as ditas vendas e cedências do referido estupefaciente, modo de atuação e meios utilizados nessa atividade, que já revelam uma certa organização, período de tempo da sua atividade) é manifesto que não se pode concluir que exista uma acentuada diminuição da ilicitude.

Efetivamente considerada na globalidade a sua atuação dolosa que ocorreu nos moldes apurados e, também olhando a «imagem» do arguido/recorrente (que resulta igualmente da ponderação do conjunto dos factos provados e do seu posicionamento perante a sua prática), podemos concluir que nada justifica a alteração da qualificação jurídico-penal feita pela 1ª instância.

Considerando a forma (acima apontada) como cometeu o crime aqui em apreço é igualmente evidente que dos factos apurados relativos à situação pessoal, condição económica e sócio-cultural do recorrente não se consegue concluir que fosse menor a ilicitude da sua conduta.

Também a circunstância de não ter antecedentes criminais, não releva para efeitos de alteração de qualificação jurídico-penal, perante o que se apurou, acima descrito.

De esclarecer que, ao contrário do que pretende o recorrente, o enquadramento jurídico-penal é feito a partir dos factos dados como provados, que foram já dados como definitivamente assentes, sendo irrelevante o apelo feito ao princípio in dubio pro reo quando se discute o invocado erro de direito (o qual, ainda que existisse, não era resolvido com o princípio in dubio pro reo, pois, tal princípio aplica-se em sede de avaliação da prova, momento que já está ultrapassado nesta fase, em que se trata da subsunção dos factos já fixados ao direito).

Em face do exposto, não temos quaisquer dúvidas em enquadrar os factos apurados no tipo legal previsto no art. 21.º, n.º 1, do cit. DL n.º 15/93, com referência à tabela II-A anexa ao mesmo diploma legal.

Improcede, pois, nessa parte a argumentação do recorrente.

2ª Questão: colocada pelos arguidos AA e BB (Medida da pena)

O recorrente AA pretende a redução da pena de prisão que lhe foi aplicada para próximo de 4 anos, suspensa na sua execução, sustentando ser nula a decisão por não ter assim decidido e, o recorrente BB pretende que seja reduzida para 4 anos e 4 meses de prisão a pena aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21.º do DL 15/93 cometido e para 6 meses de prisão a pena pelo crime p. e p. no art. 352.º do CP cometido, sendo a pena única reduzida para 4 anos e 6 meses de prisão.

Argumenta o primeiro recorrente, em resumo, que a pena que lhe foi imposta de 5 anos e 3 meses de prisão é excessiva e desproporcionada em relação à sua culpa, não satisfazendo as finalidades da punição, devendo ser-lhe proporcionada a possibilidade de se ressocializar em liberdade, sendo reduzida a pena para próximo dos 4 anos de prisão e suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regime de prova, dando prevalência às razões de prevenção especial que, face ao circunstancialismo apurado, prevalecem e lhe são favoráveis.

Por sua vez, o segundo recorrente alega, em resumo, que as penas que lhe foram aplicadas são exageradas, desproporcionadas em relação à gravidade dos factos cometidos e à sua perigosidade, ultrapassando a medida da sua culpa, não favorecendo a sua reintegração na sociedade, devendo atender-se ao circunstancialismo atenuativo apurado, que mostra o seu arrependimento na confissão efetuada, tendo colaborado com a justiça, devendo ser reduzidas as penas que lhe foram aplicadas, nos termos por si indicados, para ser possível a sua ressocialização.

Pois bem.

No acórdão impugnado, depois de se ter qualificada a conduta de cada um dos arguidos/recorrentes, quanto à fundamentação da medida da pena escreveu-se o seguinte9:

Cumpre determinar a medida das penas a aplicar aos arguidos, uma vez que a todo o crime corresponde uma reação penal, pela qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta realizada pelo agente.

A determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal aplicável ao caso (medida abstrata da pena); na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição do legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou penas de substituição) a espécie de pena que, efetivamente, deve ser cumprida (Figueiredo Dias, Direito Penal – As consequências jurídicas do crime, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 229).

Vejamos, em concreto, estas diversas etapas, para os crimes praticados pelos arguidos.

*

O crime de tráfico de estupefacientes é punido com pena de 4 a 12 anos de prisão (artigo 21º, nº1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro).

O crime de detenção de arma proibida é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias [artigo 86º, nº 1, alínea d) do Regime Jurídico das Armas e Munições].

O crime de evasão é punido com pena de prisão até 2 anos (artigo 352º do Código Penal).

*

Uma vez que dois dos ilícitos pelos quais o arguido BB vai ser condenado admitem, em alternativa, pena principal de prisão e de multa, importa, em primeiro lugar, proceder à escolha do tipo de pena principal para seguidamente determinar a medida concreta da pena escolhida.

Em conformidade com o disposto no artigo 70º do Código Penal, a escolha da pena deve ser feita dando preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta se mostre suficiente para promover a ressocialização do delinquente e satisfaça a proteção dos bens jurídicos (artigo 40º do Código Penal), sendo alheias, neste momento, considerações relativas à culpa que apenas funciona como limite (e não como fundamento) no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida.

A aplicação de penas visa, por um lado, reafirmar na comunidade a manutenção da validade das normas violadas, repondo a confiança dos cidadãos na validade e vigência da norma violada sempre que a mesma tenha sido abalada pela prática de um crime (prevenção geral positiva) e, por outro, a reintegração do agente na sociedade através da «prevenção da reincidência» (prevenção especial positiva).

O Tribunal dará preferência à pena não privativa da liberdade a não ser que por razões ligadas à necessidade de ressocialização da arguida ou à defesa da ordem jurídica o desaconselhem.

No caso em análise, do ponto de vista das exigências de prevenção geral, há que ter em consideração a natureza e a relevância dos bens jurídicos protegidos pelo tipo legal de crime em análise, manutenção da ordem e segurança pública, sendo acentuadas as exigências de prevenção geral no sentido de fazerem apelo a uma maior necessidade de sancionamento para que se restabeleça a confiança, validade e eficácia na norma jurídico-penal violada, sendo ainda premente uma eficaz proteção e tutela do bem jurídico violado.

Relativamente às exigências de prevenção especial, haverá que ter em consideração que o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais, estando o Tribunal em crer que aquele sentirá a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, pelo que se se entende suficiente, quanto ao crime que o admite (detenção de arma proibida), a aplicação de uma pena de multa.

*

Cumpre, agora, determinar a medida concreta das penas, atendendo-se, nos termos do artigo 71º, nº 1, do Código Penal, à culpa do agente e às exigências de prevenção, não olvidando que a medida da pena jamais pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º, nº 2 do Código Penal).

Nesses moldes, a prevenção geral positiva ou de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar.

Por seu turno, a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (artigo 40º, nº 2 do Código Penal).

Dentro desses limites, cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente, considerando ainda as demais circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao arguido na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para as exigências preventivas, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, como preceitua o artigo 71º, nº 2, do Código Penal, encontrando-se assim a pena adequada e justa.

São intensas as exigências de prevenção geral, face à natureza dos bens jurídicos atingidos (crimes de tráfico de estupefacientes, detenção de arma proibida) e evasão), a elevada gravidade dos mesmos, e modo de execução e tempo de atuação no domínio dos estupefacientes.

No que concerne às exigências de prevenção especial ou individual, há que atender ao grau de ilicitude da conduta de ambos os arguidos, que, para além do que já é valorado pelo tipo legal de crime e respetiva moldura abstrata, é acentuado em face das quantidades vendidas e do período de tempo em que procedeu à venda, suscetível de lesar a saúde de número indeterminado de consumidores. Quanto à intensidade da culpa, a mesma é elevada, porquanto os arguidos agiram com dolo direto e, mesmo após buscas policiais, o arguido BB continuou as respetivas atividades, tendo ainda incumprido a medida de coação para adquirir estupefacientes. A favor dos arguidos, abona a ausência de antecedentes criminais.

Face ao exposto, decide o Tribunal condenar os arguidos nas seguintes penas:

AA:

pelo crime de tráfico: 5 anos e 3 meses de prisão;

pelo crime de detenção de arma proibida: 250 dias de multa, à taxa diária de 6€ (atenta a sua situação económica – artigo 47º, nº2 do Código Penal);

BB:

pelo crime de tráfico: 5 anos e 3 meses de prisão;

pelo crime de evasão: 1 ano de prisão.

*

Cúmulo jurídico do arguido BB

Verificando-se um concurso real e efetivo de infrações, a punição deve realizar-se de acordo com o disposto no artigo 77º do Código Penal.

Nos termos do nº 2 da norma acima referida, a pena única deverá ter como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas ao arguido (6 anos e 3 meses de prisão) e limite mínimo das penas corresponderá à mais elevada das penas concretamente aplicadas a todos os crimes (5 anos e 3 meses de prisão).

Dentro desta moldura, há também que atender aos factos e à personalidade dos agentes, apreciados conjuntamente (artigo 77º, nº 1, parte final do Código Penal), pelo que, realizando uma análise genérica e consequencial de toda a factualidade, de modo a fazer corresponder a punição aos factos e às exigências pessoais e sociais que a sua prática suscitou, com o máximo rigor e acerto, e recorrendo ao que já se escreveu aquando das exigências de prevenção geral e especial (não ignorando que o arguido já iniciou dois tratamentos à toxicodependência, mas voltou sempre ao consumo), demonstra-se adequada a fixação da pena única do concurso em 5 anos e 10 meses de prisão.

Assim.

Quanto ao recorrente AA apenas importa sindicar a pena que lhe foi aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes cometido p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93 e, quanto ao recorrente BB importa sindicar as duas penas individuais (pelos crimes de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93 e de evasão, na forma continuada, p. e p. nos arts. 352.º, n.º 1 e 30.º do CP) e a pena única que lhe foram impostas.

As finalidades da pena são, nos termos do artigo 40.º do CP, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade10.

Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstrata e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efetivamente deve ser cumprida11.

No que respeita à escolha da espécie das penas alternativas abstratas previstas para o crime de detenção de arma proibida (pena de prisão de 1 mês até 4 anos ou pena de multa de 10 dias a 480 dias) o tribunal apenas pode utilizar o critério da prevenção, como determina o art. 70.º do CP.

Com efeito, ao momento da escolha da pena alternativa são alheias considerações relativas à culpa. Esta (a culpa) apenas funciona como limite (e não como fundamento) no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida12.

Por sua vez, nos termos do artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.

Diz SS, que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”

Mais à frente14, esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.

Acrescenta, também, o mesmo Autor15 que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, um pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.

Por sua vez, resulta do art. 77.º do CP que, em caso de concurso efetivo de crimes, existe um regime especial de punição, que consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, “na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente16.

Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou (a pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77.º, n.º 2, não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71.º do CP17).

Uma vez determinada a pena única, pode ainda impor-se, consoante os casos, que o tribunal pondere se a deve substituir por outra pena, dentro do leque das respetivas penas de substituição previstas na lei.

Feitas estas resumidas considerações teóricas, importa apreciar as questões colocadas pelos recorrentes, acima indicadas.

Assim.

Importa esclarecer que, apenas podem ser atendidos os factos concretos dados como provados no acórdão impugnado e o que deles se pode deduzir em termos objetivos.

O que foi invocado nos recursos que não resulta dos factos concretos provados não pode ser atendido, como sucede, por exemplo, quando alegam que venderam e/ou cederam estupefaciente para financiar o seu próprio consumo de estupefacientes.

E, como tal, ao contrário do que alegam os recorrentes, a matéria que não consta dos factos apurados, não pode, nem podia ser objeto de análise pelo tribunal a quo aquando da definição da medida concreta da pena.

Lendo a fundamentação sobre a escolha e medida das penas concretas individuais e pena única que foram impostas aos respetivos arguidos/recorrentes verifica-se que foram determinadas de acordo com os critérios legais e não merecem censura.

Com efeito, começamos por ultrapassar a fundamentação apresentada para a primeira operação a efetuar, relacionada com a escolha da natureza da pena aplicável, no caso do crime de detenção de arma proibida (punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias) cometido pelo arguido AA, cuja moldura abstrata é, em alternativa (art. 70.º do CP), por nem sequer estar em discussão, uma vez que não foi questionada pelo recorrente.

Agora, no âmbito da segunda operação, relacionado com a medida concreta da pena individual a aplicar por cada crime cometido pelos respetivos recorrentes, verifica-se que o tribunal a quo teve em atenção os diferentes crimes por cada um deles cometido, aplicando os critérios apontados no art. 71.º do CP.

E, considerou que cada um dos arguidos/recorrentes agiu com dolo direto que é a forma mais grave e com consciência da ilicitude das diferentes condutas por si praticadas.

Atendeu, ainda, ao grau de ilicitude dos factos cometidos, distinguindo as diferentes condutas/crimes cometidos em apreciação.

Também considerou a ação concreta de cada um deles e o seu modo de execução (assinalando o modo de atuação e tempo de atuação no domínio dos estupefacientes, quantidades vendidas e, no caso do arguido BB, que continuou a sua atividade, mesmo depois das buscas policiais, tendo ainda incumprido a medida de coação para adquirir estupefacientes), que são reveladores de uma maior desatenção à advertência de conformação ao direito.

Igualmente, avaliou as consequências causadas com os crimes cometidos, particularmente o de tráfico de estupefacientes, na saúde dos consumidores.

Assinalou também serem intensas as exigências de prevenção geral (necessidade de restabelecer a confiança na validade das normas violadas), tendo em atenção os bens jurídicos violados com as diferentes condutas praticadas, que devem ser combatidos de forma proporcional à danosidade causada, vistas as particulares circunstâncias de cada caso.

Também prementes são as razões de prevenção especial, atendendo ao que se apurou em relação às condições de vida de cada recorrente, comportamento anterior e posterior aos factos, sendo certo que o facto de não terem antecedentes criminais é o que se espera de qualquer cidadão, assim como que cumpram as regras normativas quer em liberdade, quer dentro de qualquer instituição, incluindo aqueles que estão recluídos em estabelecimentos prisionais ou instituições equiparadas (ou seja, o desrespeito das regras ou normas é a exceção).

Ao contrário do que alegam os recorrentes, a confissão de parte dos factos que fizeram em julgamento (tal como resulta da motivação de facto) não foi feita sem reservas e de forma integral, nem foi entendida pelo tribunal a quo que tivesse sido relevante ou que se traduzisse em colaboração para a descoberta da verdade.

Nem os arguidos demonstraram ter refletido sobre o desvalor das respetivas condutas, antes procurando desculpabilizar as mesmas com as dependências que tinham, não tendo interiorizado que tem de alterar o seu comportamento e modo de vida, bem como apurar o seu sentido crítico em relação a toda a sua respetiva atuação ilícita.

Perante o que se apurou é claro que são os recorrentes que tem de alterar as respetivas posturas, de modo a adquirir hábitos de trabalhos e a integrar-se pessoal, social e profissionalmente, levando uma vida conforme ao direito.

Tudo ponderado, olhando para os factos apurados, respetivas molduras abstratas das penas de prisão de cada um dos respetivos crimes cometidos e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa de cada arguido/recorrente, bem como os princípios político-criminais da necessidade, adequação e da proporcionalidade, julgam-se adequadas e ajustadas as penas individuais aplicadas pela 1ª instância.

O facto de o tribunal não dar a mesma relevância que cada um dos arguidos pretendia quanto às circunstâncias que se apuraram, não significa que tivesse feito uma avaliação errada ou incorreta. O que se passou é que os arguidos/recorrentes partem de pressupostos errados, inclusive de factos não apurados e sobrevalorizam circunstâncias a seu favor indevidamente e de forma subjetiva, portanto, sem razão, esquecendo parte dos factos apurados e que relevam, tendo em atenção as finalidades das penas.

Improcede, pois, a sua argumentação quando pretendem ver reduzidas as penas individuais que questionam e que lhes foram impostas pelos respetivos crimes cometidos acima descritos, sendo certo que não foram violadas as normas e princípios que invocam.

Vejamos, agora, a pena única que foi imposta ao recorrente BB, que o mesmo também considera excessiva e desproporcionada.

Neste caso concreto, a pena aplicável (a moldura abstrata do concurso de penas) tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso na decisão sob recurso (que é de 6 anos e 3 meses de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso (neste caso 5 anos e 3 meses de prisão), ou seja, a moldura do concurso situa-se entre 5 anos e 3 meses de prisão e 6 anos e 3 meses de prisão.

Estão em concurso 2 crimes consumados (sendo um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01 e um crime de evasão continuado p. e p. nos arts. 352.º, n.º 1 e 30.º, do CP), notando-se que o recorrente não tinha antecedentes criminais.

Considerando a sua idade adulta e madura (nasceu em ........1987), vista a natureza e tipo de crimes cometidos (como decorre da globalidade dos factos em conjunto), é de salientar que a conexão entre os crimes cometidos, já assume uma certa gravidade, considerando o período de tempo em que foram cometidos, o espaço de tempo da sua atuação e a personalidade do arguido (avessa ao direito e que se mostra adequada aos factos cometidos), bem como não esquecendo, relativamente ao ilícito global, as elevadas exigências de prevenção geral (para reafirmar, perante a comunidade, a validade das normas violadas) e sendo acentuadas as razões de prevenção especial (considerando todo o seu percurso de vida, apesar das oportunidades que foi tendo, mas que foi desaproveitando).

Ao contrário do que alega o recorrente, não se vê que haja razões para reduzir a pena única de 5 anos e 10 meses de prisão que lhe foi imposta, considerando as suas carências de socialização e tendo presente o efeito previsível da mesma pena única aplicada sobre o seu comportamento futuro, a qual não é impeditiva da sua ressocialização, sendo conveniente e útil que vá interiorizando o desvalor da sua conduta global, apure o sentido crítico, adote uma postura socialmente aceite e, bem assim, aumente as suas competências, o que pode melhorar no futuro a sua capacidade de reintegração social, nomeadamente a nível profissional.

Da consideração global de todos os factos apurados e da personalidade do arguido/recorrente não se extrai que se possa formular um juízo mais favorável ou que se justifique efetuar qualquer correção e, por isso, se conclui que não é caso de reduzir a pena única que lhe foi aplicada no acórdão recorrido.

Na perspetiva do direito penal preventivo, julga-se na medida justa, sendo adequado, ajustado e proporcionado manter a pena única aplicada de 5 anos e 10 meses de prisão (que não ultrapassa a medida da sua culpa, que é elevada), assim contribuindo para a sua futura reintegração social e satisfazendo as finalidades das penas.

De resto, a pretendida redução das penas, individuais e única, mostra-se desajustada e comprometia irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas, não sendo comunitariamente suportável aplicar penas (individuais e única) inferiores às que lhe foram impostas.

Ora, perante as penas aplicadas a cada um dos recorrentes (5 anos e 3 meses de prisão aplicado ao arguido AA e pena única de 5 anos e 10 meses de prisão imposta ao arguido BB), afastada está a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão (art. 50.º do CP), improcedendo, igualmente, nessa parte, o requerido pelo recorrente AA.

Acrescente-se que não há qualquer fundamento legal para a nulidade invocada pelo arguido AA, razão pela qual vai também a mesma indeferida.

Assim, ao contrário do que alegam os recorrentes, não se vê que haja qualquer exagero ou excesso ou desproporcionalidade na ponderação feita pelo Coletivo.

Em conclusão: improcedem totalmente os recursos dos arguidos, sendo certo que não foram violados os princípios e normas por ele citados.

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Decisão

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA e BB.

Custas pelos recorrentes/arguidos, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um deles em 8 UC´s.

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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 17.04.2024

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

José Luís Lopes da Mota (Adjunto)

Antero Luís (Adjunto)

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1. Transcrição sem sublinhados, nem negritos.

2. Transcrição sem sublinhados, nem negritos.

3. Transcrição sem negritos nem sublinhados.

4. Da “Motivação” de facto do acórdão sob recurso consta o seguinte:

  O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade à luz das regras de experiência comum (artigo 127º do Código de Processo Penal).

  Foram assim valoradas as declarações prestadas por ambos os arguidos e pelas testemunhas EE, CC, AA, NN, OO, FF, II, QQ, KK, RR, MM, DD, JJ, GG e LL (consumidores de produtos estupefacientes).

  Quanto à prova documental o Tribunal teve em consideração o auto de notícia de .../.../2022 (fls. 2/3), o auto de apreensão de .../.../2023 e o termo de consentimento para visualização de telemóvel (fls. 28/29 e 32), os autos de pesagem e despistagem e fotografia (fls. 30, 31, 38), o auto de busca e apreensão de ...9.../2023 e respetivas fotografias (fls. 35/7, 42 a 45), o exame ao bastão (fls. 40/41), o auto de notícia por detenção do arguido AA (fls. 48 a 51), o auto de apreensão de .../.../2023, respetivo auto de pesagem e despistagem e fotografias (fls. 144 a 151), o aditamento de .../.../2023, respetivo auto de apreensão, auto de pesagem e despistagem e fotografia (fls. 178 a 182), o aditamento de .../.../2023 e auto de apreensão (fls. 192/193), o aditamento de .../.../2023, auto de pesagem e despistagem e fotografia (fls. 209 a 214), o termo de consentimento para visualização de telemóvel do arguido BB e respetiva transcrição de contactos e mensagens (fls. 259 a 276), o relatório de incumprimentos da ... (fls. 288 v./289), a declaração de retirara de consentimento da mãe do arguido BB (fls. 290), as informações da ... quanto ao internamento do arguido BB (fls. 299 e 303), o requerimento da mãe do arguido para o mesmo ser retirado de casa (fls. 304), os aditamentos da ... quanto a saídas do arguido do local de vigilância eletrónica (fls. 306 a 308), o auto de notícia por detenção de .../.../2023 e respetivos aditamentos (fls. 315-319), o auto de apreensão de produto estupefaciente ao arguido BB e auto de pesagem e despistagem e fotografia do panfleto de droga sintética (fls. 315-322). No apenso 574 analisou-se o auto de notícia de .../.../2021, o auto de apreensão, os autos de pesagem e despistagem e as fotografias (fls. 14-22), o auto de apreensão de .../.../2021, auto de pesagem e despistagem e fotografia (fls. 33). Já no apenso 72 atendemos ao auto de notícia de .../.../2022 (fls. 7-8), ao auto de apreensão, despistagem e pesagem e fotografias (fls.9-13) e ao termo de consentimento para revista (fls. 14).

  Por fim, e quanto à prova pericial, atendeu-se aos relatórios de exame pericial do Laboratório de Polícia Científica juntos a fls. 163, 391, 416 e 466, bem como aos relatórios de exame pericial a fls. 67 e 102 do apenso 574.

  Concretizando, o arguido AA optou por prestar declarações e, pese embora tenha tentado amenizar a sua conduta, acabou por confessar a maioria dos factos o, tendo explicado que começou a consumir sintética no ano de ..., à razão de 4/5 pacotes por dia, e que “vendia uns pacotinhos para ter mais dinheiro”, sendo que a sua forma de agir passava pela compra e divisão dos pacotes para consume e venda, confessando ainda que as balanças eram para pesar a droga e os círculos de plástico para a acondicionar. Contudo, confrontado com o número de vendas que realizou, referiu sempre que era só uma ou duas vezes, o que foi desmentido por FF (que admitiu ter comprado sintética ao arguido pelo menos dez vezes, quer no porto, quer na casa daquele) e por AA (o qual admitiu ter comprado ao arguido por duas vezes e, após ser confrontado com as suas declarações prestadas anteriormente perante o Ministério Público, admitiu que o arguido AA tinha muitos clientes, nomeadamente a LL e a GG). Quanto a GG, e pese embora o arguido tenha querido convencer o Tribunal de que esta era sua companheira, disse-nos aquela, de forma perentória, que só estava com o mesmo por causa da droga que o mesmo lhe cedia, sendo que as consumidoras LL e TT também só tinham relações sexuais com aquele porque ele, em troca, cedia droga, o que foi confirmado pela consumidora LL, a qual também nos disse que a TT participativa no mesmo esquema. Quanto ao bastão, disse-nos que era um instrumento para bater nos peixes, mas ficou por esclarecer o motivo pelo qual não se encontrava, então, na embarcação. Pelo exposto, e atentas tais declarações, devidamente conjugados com a vasta prova documental junta aos autos (nomeadamente com os autos de apreensão), dúvidas inexistem em como o arguido AA se dedicava à venda de produto estupefaciente (Alpha PHP) na cidade da ....

  Também o arguido BB confessou parcialmente os factos de que vinha acusado, explicando que é consumidor desde os 13 anos e que, tal como o arguido AA, comprava para consumir e para vender, sendo que o que lhe foi apreendido a .../.../2021 era para venda, o que foi confirmado por CC. DD também confirmou a atividade de venda do arguido, embora tenha dito que apenas comprou por duas vezes. Já II, apesar do discurso protetor do arguido, acabou por admitir que comprava droga ao arguido de vez em quando e que foi com o mesmo a casa do AA, onde o BB adquiriu pacotes de sintética. Quanto a JJ, e pese embora a testemunha o tenha negado, o arguido disse-nos que lhe vendeu pacotes de sintética durante uns meses, à razão de dois pacotes por dia. Também MM acabou por admitir que fez “bem mais” do que cinquenta compras de sintética ao arguido, tal como o fizeram NN (que referiu que comprou uma ou duas vezes) e OO (que confirmou compras diárias de sintética durante um período de um a dois anos). Por fim, e quanto à evasão, confessou todos os factos, explicando que a maioria das vezes se ausentou para ir comprar sintética (aliás, numa das vezes em que se ausentou foi detido na posse dessa substância). Pelo exposto, e atentos os depoimentos atrás elencados, devidamente conjugados com a vasta prova documental junta aos autos (nomeadamente com os autos de apreensão), dúvidas inexistem em como o arguido BB se dedicava à venda de produto estupefaciente.

  Relativamente aos elementos subjetivos, e estando demonstrados os factos supra descritos, atendeu-se às declarações de ambos os arguidos e às regras da normalidade e da experiência comum, conjugadamente com todos os meios de prova produzidos, ficando o Tribunal convencido de que os arguidos, enquanto “Homem médio” sabem perfeitamente que não podem pode adquirir, deter, guardar, transportar, vender, ceder produto estupefaciente e que fazendo-o estão a praticar crimes, bem como sabe o arguido AA que não pode deter um bastão sem qualquer justificação, bem como sabia o arguido BB de que não poderia sair de casa por estar sujeito a uma medida de coação (conforme, aliás, confessou). Acresce que em situações como a dos autos, dizem-nos as regras da experiência comum e da normalidade, que os agentes agem de forma livre, voluntária e consciente.

  Para a situação pessoal e económica dos arguidos, o Tribunal relevou os relatórios elaborados pela ... e atendeu-se aos certificados de registo criminal juntos aos autos.

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  Quanto aos factos não provados, não foi produzida qualquer prova da alegada combinação entre os dois arguidos. Pelo contrário, resultou claro da prova produzida que ambos os arguidos agiam independentemente um do outro.

  Os demais factos não provados resultaram do facto de terem sido negados pelas testemunhas em causa, a saber, DD, II, KK, RR e NN, que negaram o número de vendas/cedências constante da acusação, EE negou a compra de sintética em data anterior à detenção ao arguido BB, QQ negou qualquer compra ao arguido BB e JJ negou ter visto o arguido BB a vender cabeços.

  Já quanto à venda de buprenorfina por parte do arguido BB, nenhuma prova foi feita, tendo este arguido explicado que estava em tratamento com tal medicação, o que, atentas as quantidades apreendidas, o Tribunal reputou como credível.

5. Transcrição sem negritos, nem sublinhados.

6. Ver, entre outros, Ac. de 23/1/91, BMJ 403/161 e Ac. de 13/2/91, BMJ 404/188.

7. Assim, entre outros, Ac. STJ de 12.07.2000, BMJ n.º 499/117 ss. e Ac. STJ de 23.0302006, CJ Ac. do STJ 2006, I, 219 e 220.

8. Neste sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 23.02.2005 e de 17.04.2008, relatados por Henriques Gaspar.

9. Transcrição sem negritos, nem sublinhados.

10. Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), 155, refere que o art. 40 CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.

11. Neste sentido, v.g. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p.198.

12. Anabela Rodrigues, «Pena de prisão substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (prática de um crime de receptação dolosa) Sentença do Tribunal de Círculo da Comarca da Figueira da Foz de 29 de Maio de 1998», in RPCC ano 9º, fasc. 4º (Outubro-Dezembro de 1999), p. 644, a propósito da aplicação em alternativa de duas penas principais, esclarece que “(…) a opção pela aplicação de uma ou outra pena à disposição do tribunal não envolve um juízo, feito em função das exigências preventivas, sobre a necessidade da execução de pena de prisão efectiva – que o juiz sempre terá que demonstrar para fundamentar a aplicação da pena de prisão -, mas sim um juízo de maior ou menor conveniência ou adequação de uma das penas em relação à outra, em nome da realização das referidas finalidades preventivas.”

13. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.

14. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214.

15. Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro -Março de 1991), p. 29.

16. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo, 1999, p. 167 e Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p. 291. Acrescenta este último Autor que “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

17. Ver Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291.