Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | PINTO HESPANHOL | ||
| Descritores: | INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA RECUSA DE COOPERAÇÃO DEVER DE COOPERAÇÃO PARA A DESCOBERTA DA VERDADE | ||
| Nº do Documento: | SJ200703010032104 | ||
| Data do Acordão: | 03/01/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PER SALTUM. | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE. | ||
| Sumário : | 1. A inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344.º do Código Civil, para que remete o n.º 2 do artigo 519.º do Código de Processo Civil, pressupõe que tenha havido uma recusa de cooperação processual por uma das partes que tenha tornado culposamente impossível a prova à outra parte, sobre quem recaía o ónus probatório de certo facto. 2. Não havendo indicação precisa de que o empregador dispusesse dos meios de prova que lhe foram solicitados, nem resultando do circunstancialismo apurado que se configurasse uma recusa intencional e culposa no que respeita à apresentação dos pertinentes mapas de trabalho suplementar, não pode concluir-se pela verificação da situação prevista nos artigos 519.º, n.º 2, e 529.º do Código de Processo Civil. 3. Acresce que os elementos instrutórios relevantes para a determinação dos tempos de trabalho suplementar, caso existissem, poderiam encontrar-se na posse da Inspecção-Geral do Trabalho, havendo, assim, a possibilidade da sua requisição, pelo que não pode atribuir-se à falta de colaboração do empregador a impossibilidade de fazer a prova da invocada prestação do trabalho suplementar, o que afasta a aplicação do disposto no artigo 344.º do Código Civil. * * Sumário elaborado pelo Relator. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 8 de Abril de 2005, no Tribunal do Trabalho de Águeda, AA instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Empresa-A, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 18.578,93 euros, a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal no período compreendido entre 1 de Maio de 1994 e 30 de Agosto de 2004, bem como a quantia de 11.360,27 euros, a título de trabalho suplementar prestado naquele período, tudo acrescido dos juros moratórios legais, a contar da citação, até integral e efectivo pagamento. A ré contestou, alegando que o horário de trabalho da autora compreendia um total de 39 horas semanais, distribuídas de segunda-feira a sábado (até às 14h00), pelo que aquela não realizava trabalho suplementar, nem em dia de descanso semanal obrigatório ou complementar, em todo o caso, não podia a autora provar trabalho suplementar realizado há mais de 5 anos sem exibir prova documental idónea. Realizado o julgamento, com gravação da prova, foi proferida sentença que, julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido. 2. Inconformada, a autora interpôs recurso per saltum para este Supremo Tribunal, ao abrigo do preceituado no artigo 725.º do Código de Processo Civil, em que formula a síntese conclusiva seguinte: 1) A autora intentou acção declarativa de condenação contra a ré, na qual pedia a condenação da ré na quantia de 11.360,27 € por trabalho suplementar prestado desde a data do início do vínculo laboral até ao final do mesmo, ocorrido em 30.08.2004, 2) E a condenação da ré na quantia de 18.578,93 € por trabalho prestado em período de descanso semanal em igual lapso de tempo; 3) Os créditos resultantes de trabalho suplementar vencidos há mais de 5 anos só poderiam ser provados por documento idóneo - cfr. artigo 38.º, n.º 2, da L.C.T., aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24.11.1969, e artigo 381.º, n.º 2, do Código do Trabalho -, a autora requereu, junto com a petição e sob cominação, ao tribunal a quo que notificasse a ré para vir aos autos juntar mapa(s) de trabalho suplementar e de trabalho prestado em período de descanso semanal, o que a ré não fez, nem disse nada; 4) As partes estão obrigadas ao dever de cooperação para a descoberta da verdade; 5) Todavia, a omissão da ré, além de assumir uma atitude clara de recusa de cooperação processual, impediu a recorrente de fazer qualquer prova; 6) E, porque só a ré estaria em condições de juntar tais documentos, na medida em que é da sua responsabilidade, entidade patronal, a fixação do horário de trabalho e os seus limites prescritos na Lei e, bem ainda, a elaboração dos respectivos mapas de trabalho suplementar, 7) Assistir-lhe-ia o ónus de demonstrar qual o efectivo horário que fixou à recorrente no período que mediou entre 1.5.1994 e 31.12.1999 e, não o tendo feito, fê-lo com o propósito firme de sonegar a justiça e impedir a descoberta da verdade; 8) Pelo que, estamos, in casu, perante uma situação de inversão do ónus da prova; 9) Donde, caberia à ré, nos termos do artigo 344.º do Código Civil, para que remete o artigo 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, provar que a recorrente não prestou aquele trabalho; 10) Assim, não pode deixar de ser dado como provado tudo o que a esse respeito foi alegado na petição; 11) O tribunal a quo deveria ter interpretado, neste sentido, os comandos normativos plasmados nos artigos 344.º do Código Civil e 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pelo que, ao ter decidido como decidiu, violou claramente o conteúdo dos mesmos preceitos. Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, se revogue e altere a sentença recorrida na parte em que absolveu a ré do pagamento do trabalho suplementar e em período de descanso semanal prestado no período compreendido entre 1 de Maio de 1994 e 31 de Dezembro de 1999. Em contra-alegações, a recorrida veio defender a confirmação do julgado. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, por considerar que os elementos recolhidos nos autos não são suficientes para se concluir pela verificação da situação prevista nas disposições conjugadas dos artigos 519.º, n.º 2, e 529.º do Código de Processo Civil. As partes, notificadas do parecer do Ministério Público, nada responderam. 3. No caso, a única questão suscitada cinge-se a saber se há lugar a inversão do ónus da prova por recusa de colaboração da ré na descoberta da verdade, ao não ter facultado os mapas de trabalho suplementar para prova dos factos alegados pela autora quanto ao trabalho suplementar prestado no período compreendido entre 1 de Maio de 1994 e 31 de Dezembro de 1999. Estando em causa o pagamento de trabalho suplementar em dias úteis e dias de descanso semanal, no período compreendido entre 1 de Maio de 1994 e 31 de Dezembro de 1999, por conseguinte, em data anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 - n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e considerando o disposto no artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, e o regime da lei do trabalho suplementar, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro. Corridos os vistos, cumpre decidir. II 1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto: 1) A autora é cozinheira de 1.ª classe; 2) A ré é uma empresa que, além de se dedicar à produção e venda de produtos de pastelaria, explora ainda um restaurante; 3) Em 1/5/1994, a ora autora celebrou com a ré, verbalmente, um contrato de trabalho, tornando-se o mesmo efectivo desde o seu início; 4) Na mesma data, a autora começou a trabalhar para a ré, sob a sua ordem, direcção e fiscalização, exercendo as funções de cozinheira de 1.ª classe no restaurante explorado pela ré; 5) No período compreendido entre 9/4/2000 e 30/8/2004, a autora cumpriu um horário de trabalho, determinado pela ré, de segunda a sexta-feira, com entrada às 9h30m e saída às 14h30m (sendo o período entre as 14h00 e as 14h30m para almoço da própria autora) e reentrada às 18h30m e saída às 21h00; 6) Além do referido horário, a autora ainda trabalhava aos sábados, com entrada às 10h00 e saída às 14h30m (sendo o período entre as 14h00 e as 14h30m para o almoço da própria autora); 7) A ora autora trabalhou sob as ordens e fiscalização da ré desde a referida data de 1/5/1994 até 30/8/2004; 8) Durante toda a vigência do contrato, a ré nunca pagou quaisquer horas extraordinárias ou trabalho prestado em dia de descanso semanal à ora autora; 9) Em 1994, a autora auferia a quantia de 70.000$00 por mês; 10) Em 1996, a autora passou a auferir a quantia correspondente a 367,00 euros; 11) Em 1997, a autora auferiu o vencimento mensal de 367,00 euros até 31 de Maio; 12) A partir da referida data, passou a auferir a quantia correspondente a 413,00 euros por mês; 13) A partir de 1 de Junho de 1999, passou a autora a auferir mensalmente o salário correspondente a 455,90 euros; 14) Em 2004, a autora trabalhou para a ré até 30 de Agosto. 2. O n.º 1 do artigo 528.º do Código de Processo Civil dispõe que «[q]uando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requererá que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado», sendo certo que, nos termos do artigo 529.º do mesmo Código, se o notificado não apresentar o documento, é-lhe aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 519.º do citado Código, norma segundo a qual, «[a]queles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis», e, caso o recusante seja parte, «o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil». Ora, de harmonia com o preceituado no n.º 2 do sobredito artigo 344.º, há inversão do ónus da prova, «quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações». Como refere LOPES DO REGO (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2004, em anotação ao artigo 519.º, pp. 454-455), a recusa de cooperação da parte é susceptível de influir no conteúdo da decisão do tribunal que aprecia as provas produzidas, assim: (a) se a recusa tiver tornado impossível a prova à outra parte, sobre quem recaía o ónus probatório de certo facto (v. g. a diligência probatória culposamente frustrada recaía sobre matéria de facto absolutamente essencial, que só podia ser demonstrada por esse meio, já que o onerado não dispõe de outros meios de prova que, em concreto, demonstrem o facto) ocorre a inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º, n.º 2, do Código Civil; (b) se não for assim - isto é, se a recusa não implicar aquela impossibilidade de o onerado provar facto absolutamente essencial à acção ou à defesa - deverá o tribunal apreciar livremente o valor probatório da recusa (nomeadamente, dela inferindo que a parte, ao menos no plano subjectivo, receava seriamente o resultado daquela diligência instrutória). Refira-se, ainda, para melhor enquadrar a questão suscitada, que o n.º 2 do artigo 38.º da LCT dispunha que os créditos resultantes da realização de trabalho extraordinário, vencidos há mais de cinco anos, só podiam, todavia, ser provados por documento idóneo. Tal formulação foi mantida no n.º 2 do artigo 381.º do Código do Trabalho, tendo-se procedido à necessária actualização terminológica, substituindo a expressão «trabalho extraordinário» por «trabalho suplementar». Como é sabido, o Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, consagrou a noção de trabalho suplementar, o qual compreende «todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho» (n.º 1 do artigo 2.º), conceito mais amplo que o de trabalho extraordinário e que abrange o trabalho fora do horário em dia útil, trabalho em dias de descanso semanal e feriados, pelo que se justifica uma interpretação actualista do n.º 2 do artigo 38.º da LCT, no sentido de aí se contemplar o «trabalho suplementar». Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3). Por conseguinte, ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias históricas em que a lei foi elaborada, o referido artigo 9.º não deixa expressamente de considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada, segmento que assume uma evidente conotação actualista (sobre a problemática da interpretação actualista, cf. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, revista, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1987, pp. 58-59; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 190-191; JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 388-389; JOÃO DE CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa 1994, pp. 220-221). Como sublinha BAPTISTA MACHADO (Obra citada, p. 191), «[n]ão tem que nos surpreender essa posição actualista do legislador se nos lembrarmos que uma lei só tem sentido quando integrada num ordenamento vivo e, muito em especial, enquanto harmonicamente integrada na "unidade do sistema jurídico" [...]. Cumpre ainda anotar que, quanto mais uma lei esteja marcada, no seu conteúdo, pelo circunstancialismo da conjuntura em que foi elaborada, tanto maior poderá ser a necessidade da sua adaptação às circunstâncias, porventura muito alteradas, do tempo em que é aplicada.» 3. Na petição inicial, a autora requereu, para prova dos factos alegados, que a ré fosse notificada «para vir aos autos juntar, sob cominação, os mapas de trabalho suplementar e de trabalho prestado em dias de folga semanal prestado pela autora durante a duração do vínculo laboral com a Ré» (fls. 10). Essa notificação só foi determinada no despacho saneador e de selecção da matéria de facto relevante para a decisão causa, datado de 21 de Junho de 2005, fixando-se, para tanto, o prazo de vinte dias (fls. 55 verso), tendo a ré sido notificada para esse efeito, sem qualquer cominação, mediante carta expedida em 22 de Junho de 2005 (fls. 58), sendo certo que a ré, no prazo assinalado, não juntou ao processo os mapas de trabalho suplementar, nem justificou essa sua atitude. Saliente-se, ainda, que nenhuma das partes, antes ou durante a audiência de discussão e julgamento de julgamento, que se iniciou em 24 de Janeiro de 2006, com gravação da prova, e prosseguiu em 16 de Fevereiro de 2006, 10 de Março de 2006 e 14 de Março de 2006, suscitou a questão da não apresentação dos mapas de trabalho suplementar por parte da ré, nem sobre essa temática recaiu qualquer despacho. No despacho que decidiu a matéria de facto, o tribunal deu como provado, quanto à matéria da prestação de trabalho suplementar, apenas o que consta dos factos assentes 5) e 6), especificando, no âmbito da análise crítica dos meios de prova produzidos, que essa decisão teve como fundamento: (i) a «inexistência de qualquer prova documental respeitante à eventual existência de trabalho suplementar no período de trabalho realizado há mais de cinco anos com referência à propositura da acção (artigo 38.º, n.º 2, da LCT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49.408 de 24/11/1969, cuja doutrina, aliás transitou para o artigo 381.º, n.º 2, do Código do Trabalho)»; (ii) os «documentos juntos a fls. 87-90 (recibos de vencimentos do ano de 1994)»; (iii) a prova testemunhal indicada por cada uma das partes, que se revelou «marcadamente contraditória com a indicada pela parte contrária, não havendo referências seguras sobre a veracidade de um ou outra versão; na verdade, todas as testemunhas ouvidas do rol da autora mostraram relações de amizade estreita com esta, o mesmo parecendo acontecer com as do rol da ré relativamente à gerente desta (sendo certo que, porém, que já nenhuma se encontra a trabalhar para a ré); acolheu--se, assim, como incontroversa apenas a parte do horário de trabalho que todas as testemunhas admitiram, que acaba por coincidir praticamente com a versão "minimalista" da ré.» A autora alega, contudo, que, nos termos previstos no artigo 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, deveria operar, no caso, a inversão do ónus da prova por recusa de colaboração da ré na descoberta da verdade, porquanto esta, além de assumir uma atitude clara de recusa de cooperação processual, impediu a recorrente de fazer qualquer prova, «porque só a ré estaria em condições de juntar tais documentos, na medida em que é da sua responsabilidade, entidade patronal, a fixação do horário de trabalho e os seus limites prescritos na Lei e, bem ainda, a elaboração dos respectivos mapas de trabalho suplementar», que a ré não juntou «com o propósito firme de sonegar a justiça e impedir a descoberta da verdade». Não há, todavia, no caso, uma indicação precisa de que a ré dispusesse dos meios de prova que lhe foram solicitados, nem o circunstancialismo apurado permite concluir que tenha havido uma recusa intencional e culposa, por parte da ré, no que respeita à apresentação dos pertinentes mapas de trabalho suplementar, por forma a considerar-se verificada a situação prevista nas disposições conjugadas dos artigos 519.º, n.º 2, e 529.º do Código de Processo Civil. Com efeito, apenas se apurou que a autora requereu que a ré fosse notificada para juntar os mapas relativos ao trabalho suplementar e que a ré foi notificada para proceder a essa junção, mas sem qualquer cominação. Por outro lado, também não está demonstrado que a falta de cooperação da ré tenha impossibilitado a produção de prova quanto à alegada prestação de trabalho suplementar, visto que os elementos instrutórios relevantes para a determinação dos tempos de trabalho suplementar, caso existissem, poderiam encontrar-se na posse da Inspecção-Geral do Trabalho, havendo, assim, a possibilidade da sua requisição. Na verdade, resulta do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro, que as entidades empregadoras «devem possuir um registo de trabalho suplementar onde, antes do início da prestação e logo após o seu termo, serão anotadas as horas de início e termo do trabalho suplementar, visado pelo trabalhador imediatamente a seguir à sua prestação» (n.º 1), e que devem enviar à Inspecção-Geral do Trabalho, nos meses de Janeiro e Julho de cada ano, relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar durante o semestre anterior, com a discriminação do número de horas prestadas nesse regime (n.º 5). Nestas circunstâncias, estando a entidade empregadora obrigada a enviar à Inspecção-Geral do Trabalho a relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar, nada impedia que o autor tivesse requerido ao tribunal que requisitasse a essa entidade esses elementos, nos termos do disposto nos artigos 519.º e 519.º-A do Código de Processo Civil, pelo que não pode atribuir-se à falta de colaboração da ré a impossibilidade de fazer a prova da invocada prestação do trabalho suplementar, o que afasta a aplicação do disposto no artigo 344.º do Código Civil (cf., neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 12 de Janeiro de 2006, proferido no Processo n.º 2655/05 da 4.ª Secção). Deste modo, não há fundamento para operar a pretendida inversão do ónus da prova, nem para se considerarem provados os factos alegados pela autora quanto ao trabalho suplementar prestado no período em causa, o que conduz à total improcedência da acção. Tudo para concluir que não se verifica a pretendida violação dos artigos 344.º do Código Civil e 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ficando, assim, comprometida a pretensão da autora no sentido de ver revogada e alterada a sentença recorrida «na parte em que absolveu a R. do pagamento do trabalho suplementar e em período de descanso semanal prestado entre [...] 1.5.1994 e 31.12.1999». III Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar improcedente o recurso per saltum interposto para este Supremo Tribunal e confirmar a sentença recorrida. Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga. Lisboa, 1 de Março de 2007 Pinto Hespanhol (relator) Vasques Dinis Fernandes Cadilha |