Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
919/09.3TJPRT-F.P3.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
TERCEIROS
OPONIBILIDADE
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - MASSA INSOLVENTE - EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, “Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas Anotado”, 2013, 369/375.
- Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. 1/130/131
- Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código Da Insolvência E Da Recuperação de Empresas” Anotado, 2ª Edição, 537/538, 563.
- Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, 2ª edição, 2013, 303/305, 440.
- “Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas” Anotado, Colecção PLMJ, 2012, 128/129.
- “ Código da Insolvência e da Recuperação De Empresas”, Ministério da Justiça, Coimbra Editora, 2004.
- Gravato de Morais, Resolução Em Beneficio Da massa Insolvente, 2008, 41, 150/151, 164.
- Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “Código De Processo Civil” Anotado, Volume 3º, Tomo I, 2ª Edição, 130/133.
- Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 5ª edição, 210.
- Menezes Leitão, “Código Da Insolvência E Da Recuperação de Empresas” Anotado, 4ª Edição, 161/162, 222.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Volume I, 4ª Edição, 630/631.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1, 613.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 46.º, N.ºS 1 E 2, 120.º, N.ºS 1 E 2, 123.º, N.º1, 124.º, N.º1, 125.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 662.º, N.º1, 665.º, N.ºS 1, 2 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 25 DE FEVEREIRO DE 2014, DE 20 DE MARÇO DE 2014 E DE 29 DE ABRIL DE 2014, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I Sendo a Autora uma terceira transmissária do bem objecto de transmissão anterior pela Insolvente, cuja resolução foi efectuada pelo Administrador da Insolvência, a oponibilidade desta em relação àquela Autora só é operante quando esteja apurada a sua má fé.
II Estas duas situações, embora interligadas, não se constituem em vasos comunicantes entre si, porquanto a licitude e eficácia da declaração resolutiva da transmissão havida, não acarreta automaticamente a sua oponibilidade a terceiros posteriores adquirentes dos bens dela objecto, como decorre aliás do preceituado no artigo 124º, nº1 do CIRE, onde se predispõe que «A oponibilidade da resolução do acto a transmissários posteriores pressupõe a má fé destes, salvo tratando-se de sucessores a titulo universal ou se a nova transmissão tiver ocorrido a titulo gratuito.».
III A má fé do terceiro adquirente constitui na especie uma condição sine qua non, aproximando-se este regime do da impugnação pauliana prevenido no artigo 613º do CCivil.
(APB)
Decisão Texto Integral:





ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I Por apenso aos autos de insolvência de M veio F, SOCIEDADE ANÓNIMA deduzir contra a MASSA INSOLVENTE acção de impugnação da resolução de negócio em benefício da massa insolvente, pedindo, a título principal, a impugnação efectuada pelo administrador de insolvência quanto à transmissão da fracção predial V correspondente à habitação X e seu recheio, transmissão essa efectuada do ora insolvente para B e mulher, bem como, a título subsidiário para a hipótese de se vir a entender que a resolução opera os seus efeitos, que tal resolução seja considerada inoponível em relação à Autora.
Alegou para o efeito e em síntese que era portadora de uma letra de câmbio no valor de 220.000€, aceite por YY, e avalizada pelo Insolvente e mulher, a qual se venceu em 31 de Maio de 2007, sendo que no âmbito da cobrança judicial da letra, a autora logrou em 30 de Outubro de 2007 o arresto dos únicos bens conhecidos ao Insolvente e à sua mulher, os quais eram aqueles que tinham sido declarados como vendidos, na escritura pública de 21 de Maio de 2007, a B e a E B.
Em seguida, a Autora demandou no processo … o Insolvente, a sua mulher, B e E B, pedindo que fosse declarada nula a compra e venda declarada na escritura de 21de Maio de 2007, com fundamento em simulação e na invocação, subsidiária, de impugnação pauliana, e em 27 de Abril de 2009, nesse processo …. foi alcançada transacção entre as partes, nos termos da qual o Insolvente e mulher reconheciam dever 250.000€ à Autora, ao passo que B e E B, em satisfação integral dessa dívida, procederam à dação em cumprimento à Autora de um dos prédios versados como vendidos na escritura de 21 de Maio de 2007, a fracção V, como do respectivo recheio, também versado como vendido na mesma escritura, o que foi homologado por sentença do mesmo dia 27 de Abril de 2009, já transitada em julgado.
Ás datas em que decorreram o procedimento de arresto e de acção declarativa …., incluindo aquele dia 27 de Abril de 2009, não existia qualquer indício de que M iria incorrer em insolvência, a qual só veio a ser declarada em 2011.A Autora é um transmissário ulterior de um dos prédios versados na escritura de 21 de Maio de 2007 e do correspondente recheio, tendo como título de aquisição a dação em cumprimento, sendo esta concedida por pessoas distintas daquele que viria a ser declarado insolvente e da mulher deste, só podendo a resolução – comunicada à autora na carta do administrador de insolvência, recebida em 17 de Junho de 2011 – ser operante se a Autora tivesse agido de má-fé na transacção judicial e nos procedimentos judiciais que antecederem essa transacção, má-fé essa que não ocorreu, uma vez que a Autora agiu de boa-fé na aquisição operada por via da transacção judicial, como demonstram as diligências judiciais e os fundamentos que aí invocou, tendo por objectivo a cobrança de uma dívida primária de 220.000€.
A comunicação enviada pelo administrador de insolvência à Autora não obedece aos requisitos previstos no artigo 120º e ss. do CIRE, uma vez que remete para a carta enviada a B, além de existirem aí imputações de conhecimento que não são transmissíveis de B para a Autora, bem como pelo facto de a comunicação dirigida a B se reportar a um conjunto de bens mais amplo do que a fracção V e o respectivo recheio, sendo falso que a aludida fracção V tenha continuado a servir como habitação permanente do Insolvente após a transacção judicial, facto que só tinha acontecido entre 21 de Maio de 2007 e a própria data em que foi outorgada a transacção, sendo a Autora a possuidora da fracção.
Não ocorreu prejuízo para a massa insolvente, na medida em que a dação em pagamento cumpriu valores de mercado na avaliação dos bens entregues.

A Ré contestou, concluindo que a acção de impugnação deveria ser declarada improcedente, tendo formulado pedido reconvencional.

Houve réplica e tréplica.

Foi proferida sentença a julgar inoponível à Autora a resolução declarada pelo AI, tendo sido declarado que perdia a utilidade o conhecimento do restante objecto da acção, estando assim satisfeito o interesse legitimo daquela e não se admitiu o pedido reconvencional formulado, cfr 249 a 258.

Recorreu a massa insolvente, tendo vindo a ser proferido Acórdão a anular a decisão proferida, nos termos do artigo 712º, nº4 do CPCivil, com a ampliação do julgamento quanto à matéria de facto, cfr fls 293 a 312.

Após a repetição do julgamento, foi proferida nova sentença, cfr fls 386 a 408, onde se julgou procedente a acção julgando-se inoponível em relação à Autora a resolução declarada pelo AI, tendo sido declarado que perdia a utilidade o conhecimento do restante objecto da acção, estando assim satisfeito o interesse legitimo daquela.

De novo recorreu a massa insolvente, tendo na sequência desta nova impugnação recursiva o Tribunal da Relação do Porto produzido Acórdão, fls 494 a 515, a julgar procedente a Apelação, revogando a sentença e ordenando o prosseguimento dos autos apenas para a apreciação do objecto (resolução do negócio) que se não mostrava prejudicado, porquanto declarado ficou que a resolução operada era oponível à Autora.

Produzida nova sentença, de fls 564 a 566, foi julgada inoponível à Autora a resolução declarada pelo AI.

Desta decisão apelou a Massa Insolvente, tendo o recurso sido julgado procedente e em consequência foi declarada nula a sentença e o Tribunal da Relação, substituindo-se ao primeiro grau, proferiu decisão julgando improcedente o pedido de impugnação da resolução, com improcedência total da acção, tendo determinado a entrega pela Autora ao administrador de insolvência da fracção predial V e o respectivo recheio – nos termos em que este recheio esteve identificado no auto de arresto do apenso A do processo …. – no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado do Acórdão, sob pena das consequências previstas no artigo 126º, nº 3 do CIRE e o cancelamento dos registos prediais incidentes sobre o imóvel.

Inconformada com este Aresto recorreu a Autora, agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões:
- A Autora, ora Recorrente, não se conforma com o Acórdão proferido nos autos na medida em que, salvo o devido respeito, o mesmo padece de vícios no âmbito do direito aplicável no caso concreto.
- No acórdão posto em crise, o Tribunal da Relação do Porto propôs-se apreciar a apelação deduzida pela Ré, com substituição do tribunal recorrido, sem dar, no entanto, cumprimento ao dever de assegurar o contraditório a que alude o n.º3 do artigo 665.º do CPC.
- Esta omissão constitui uma nulidade processual, por traduzir a omissão de uma formalidade que a lei prescreve, sendo certo que a irregularidade cometida influiu no exame ou na decisão da causa, ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.º1 do CPC;
- A nulidade do acórdão recorrido ora arguida, por vício decorrente da inobservância da formalidade prescrita no artigo 665.º, n.º 3 do CPC, é tempestiva e por quem tem legitimidade para o efeito, pelo que deverá ser julgada procedente, devendo, em consequência, ser anulado todo o processado a partir de fls. ( ... ), incluindo o acórdão proferido em 30/10/2014, e ordenar-se a notificação das partes, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 665.º do CPC;
- Caso assim não se entenda - o que, salvo o devido respeito, que é muito, apenas por mera hipótese de raciocínio se concede -, importa começar por esclarecer que a declaração de resolução levada a cabo pelo Senhor Administrador da Insolvência não foi objecto de impugnação por parte do Insolvente, da sua mulher, do Dr. B nem da sua mulher, pelo que operou quanto a eles plenamente.
- O mesmo não aconteceu em relação ao 2.º transmissário (a Autora), ora Recorrente, que impugnou quanto a si os efeitos desta resolução.
- A má fé do terceiro transmissário não se presume, cabendo a prova deste requisito à Ré, Massa Insolvente, ao abrigo do disposto no artigo 124.º, n.º1 do CIRE;
- Sendo a Recorrente uma transmissária ulterior ao negócio realizado entre o Insolvente, sua mulher e o Dr. B e esposa, a resolução pretendida pelo Senhor Administrador de Insolvência apenas lhe poderá ser oponível caso se demonstre que aquela agiu com má-fé.
- Cabia à Ré Massa Insolvente demonstrar a má-fé da Autora, cuja demonstração dependia da verificação de dois requisitos cumulativos: a prejudicialidade para a Massa da transacção celebrada na 3.ª Vara Cível do Porto; e o conhecimento pela Recorrente, na data em que celebrou a transacção judicial. que o Insolvente se encontrava em estado de insolvência iminente, o que a Ré não logrou fazer, nem em sede de alegação na carta resolutiva, e muito menos em face da factualidade provada nos presentes autos.
- Não ficou demonstrada a prejudicialidade do acto, pois sequer foi apurado se o valor que a Autora e os restantes intervenientes naquela acção judicial atribuíram ao bem imóvel (fracção '"V"), e aos bens móveis que compõem o respectivo recheio (valor constante no termo da transacção efectuada entre as partes, e depois na Sentença ali proferida), era inferior ao valor de mercado que aqueles bens teriam, à data de 27 de Abril de 2009 (data da referida transacção homologada judicialmente).
- Também não ficou demonstrada a consciência do prejuízo por parte da Autora/Recorrente, uma vez que não resulta dos autos que esta tivesse, tanto à data da instauração da providência cautelar de arresto e acção pauliana, como à data da transacção judicial transacção, conhecimento da existência de outros credores do agora Insolvente - nem tinha que ter -, nem tão pouco da totalidade do património pertencente ao mesmo, o que a impedia de adivinhar uma eventual situação de insolvência, consequente do alegado prejuízo provocado.
- Com efeito, se o negócio nem sequer era prejudicial, por maioria de razão, também nunca poderia a Recorrente ter consciência de uma prejudicialidade inexistente e, consequentemente, também nunca esteve de má-fé.
- A Ré não logrou igualmente demonstrar que o Insolvente se encontrava numa situação de insolvência iminente a 27 de Abril de 2009, pois não se provou o conhecimento pela Autora de que o Insolvente teria outras dívidas, e a existirem, de que montante(s), e muito menos que o património que restou ao Insolvente após aquela transacção judicial seria insuficiente para pagar as suas dívidas.
- Com efeito, a Autora era credora do agora Insolvente, e não conseguindo cobrar o seu crédito, intentou um procedimento cautelar de arresto e acção pauliana com essa finalidade, e procedeu ao arresto de bens com os quais visava garantir o pagamento da quantia em dívida e, no âmbito da qual acabou por transigir e ver-se ressarcida através de dação em cumprimento.
- A Autora sabia que o devedor não se encontrava em boa situação económica, dado que estava com dificuldades no ressarcimento do seu crédito, mas desconhecia que o mesmo se encontrasse em situação de insolvência (impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas), quer actual, quer iminente, sendo certo que o processo de insolvência ainda não se tinha iniciado.
- O negócio celebrado entre a autora e a devedora é perfeitamente consentâneo com os usos no comércio jurídico e visou dar cumprimento a uma obrigação que o devedor tinha para com o credor e que era exigível, pois a dívida estava vencida, podendo o credor exigir o seu pagamento.
- Deverá assim concluir-se pela total boa-fé da Recorrente cm toda a sua actuação no âmbito da factualidade vertida nos presentes autos, pelo que a resolução da escritura de 21/5/2007, levada a cabo pelo Senhor Administrador da Insolvência, em benefício da Massa Insolvente de M não é oponível à Autora/Recorrente (2.ª transmissária).
- Sem prescindir do exposto, sempre se dirá que a carta remetida pelo Senhor Administrador da Insolvência à Autora, datada de 13/06/2011, advertindo-a da extensão dos efeitos legais da resolução do acto de 21/5/2007 às transmissões subsequentes está ferida de nulidade, por manifesta ausência de fundamentação fáctica atinente à prova da má fé, legalmente exigível para o efeito.
- Entendimento diverso, não só violaria a Lei, como também tornaria inviável ao credor diligente o recurso aos Tribunais, perante a ameaça permanente de um eventual processo de insolvência.
- O que a resolução em benefício da massa insolvente pretende combater não é o exercício legítimo dos direitos do credor na cobrança judicial do seu crédito, mas antes a criação artificial de situações que prejudiquem os credores, e como tal nenhum comportamento censurável pode ser imputado à Recorrente, que actuou nos estritos termos legais.
- A necessidade de uma motivação específica tem sido abundantemente acolhida na nossa jurisprudência, sendo que a lógica subjacente às necessidades de fundamentação da resolução em relação ao lº adquirente vale, por maioria de razão, para a oponibilidade da resolução em relação ao 2.º transmissário, atendendo ao exposto supra quanto aos pressupostos da prova da má fé deste último.
- O facto de a resolução levada a cabo pelo Senhor Administrador de Insolvência produzir os seus efeitos no que diz respeito à primeira transmissão, em virtude de os terceiros (primeiros adquirentes), o Dr. B e esposa, não terem impugnado a resolução da escritura de 21/5/2007 em benefício da massa insolvente (eficácia inter partes), não tem - nem pode ter, à luz da lei aplicável -, consequências directas e automáticas no âmbito da segunda transmissão.
- Nada na lei nos permite concluir pela automaticidade dos efeitos da resolução efectuada pelo Administrador da Insolvência aos transmissários subsequentes.
- O ónus da prova da Massa Insolvente no âmbito da resolução do acto celebrado com o 1º adquirente não se confunde com a ónus da prova da ma fé do 2.º transmissário, pelo que a Massa Insolvente tem de alegar e provar factualidade conducente à má fé do 2.º transmissário, com referência à sua intervenção em cada um desses actos.
- Cabia assim à Massa Insolvente invocar factos respeitantes ao conhecimento ou cognoscibilidade por parte da Autora de que, à data da transacção judicial (Abril de 2009) - momento que a Autora tem uma intervenção efectiva - o bem recebido fora adquirido junto de pessoa em situação de insolvência iminente, e que agiu com prejudicialidade face a uma situação de insolvência iminente ou de início de processo.
- A comunicação efectuada pelo Senhor Administrador de Insolvência à Autora não obedece aos requisitos do art.º 120.º e ss. do CIRE, remetendo para a carta que eventualmente terá sido enviada ao Dr. B, carta essa com que se pretendeu resolver todos os actos de disposição constantes da escritura celebrada em 21 de Maio de 2007.
- Não individualizando o acto em concreto que pretenderia ver resolvido em benefício da massa insolvente, na notificação que enviou à Autora, ficando-se por uma intenção de resolução genérica, e não tendo a Autora adquirido todos os bens transaccionados através da escritura de 21 de Maio de 2007, tal facto torna a comunicação efectuada, necessariamente, ineficaz para com a Autora.
- A resolução sub judice encontra-se desprovida de qualquer sustentação fáctica e de concreta qualificação jurídica, principalmente na parte respeitante à intervenção da Autora.
- Na carta remetida à Autora, o Senhor Administrador de Insolvência teria de concretizar os factos-fundamento da oponibilidade da resolução em relação à Autora, enquanto 2.ª transmissária, não podendo limitar-se a remeter para os artigos 120.º e segs. do CIRE e afirmar a extensão dos efeitos da resolução de um determinado acto aos transmissários subsequentes (como fez), pelo que é forçoso concluir que: i) a declaração resolutiva carece de específica motivação; e que ii) não concretizando a declaração resolutiva os factos constitutivos do direito que se pretendeu exercer, e que traduzem a prejudicialidade dos actos por ele visados e bem assim os que caracterizam a má fé do adquirente, a resolução é nula e de nenhum efeito, por absoluta falta de motivação.
- Dada a inexistência de motivação fáctica suficiente da má-fé da Recorrente, bem como a manifesta falta de prova de factualidade idónea à verificação dos pressupostos da má fé daquela, nos termos expostos supra, é forçoso concluir que é inoponível à Autora a resolução da transacção judicial realizada na … pretendida pelo Senhor Administrador de Insolvência.
- O acórdão recorrido violou assim o disposto nos artigos 195.º, n.º 1, 615, n.º 1, al. d), 619.º, n.º1, 621.º, 665.º, nºs 1 e 3, todos do CPC, e o disposto nos artigos 120.º e 124.º do
CIRE.

Nas contra alegações a Massa Insolvente pugna pela manutenção do julgado.

A Recorrente fez juntar em abono da tese defendida em sede de Petição Inicial, um parecer subscrito pelo Exª Senhor professor Doutor Fernando Gravato de Morais, fls 715 a 743.

II As instâncias declararam como assentes os seguintes factos:
- Na sentença de 10/9/2013 consideraram-se provados os seguintes factos:
1- Por escritura pública de compra e venda outorgada em 21/5/2007 no Cartório Notarial de …, o insolvente e W declararam vender a B, declarando este comprar, além do mais constante do documento junto a fls. 22 e seguintes, que aqui se dá por transcrito:
- fracção autónoma designada pela letra V do prédio urbano descrito na …., pelo preço de 35.000€;
- todo o recheio deste imóvel, pelo preço de 11.546,50€.
2- A autora, em 2007, era legítima portadora de uma letra de câmbio no valor de 220.000€, sacada e aceite pela sociedade comercial X, emitida em 2/4/2007, com vencimento no dia 31/5/2007, avalizada pelo insolvente e por W.
3- A letra foi apresentada a pagamento, tendo sido o mesmo recusado, sendo depois lavrado o protesto por falta de pagamento.
4- A X foi declarada insolvente no dia 17/8/2007, no processo …..
5- A autora conhecia que o insolvente e o seu cônjuge, W, não possuíam quaisquer outros bens capazes de garantir o bom pagamento da dívida que tinham assumido, para além daqueles que tinham sido objecto da escritura pública celebrada a 21/5/2007, pelo que requereu, em providência cautelar intentada a 16/10/2007, o seu arresto (processo …), o que veio a ser deferido.
6- A autora interpôs acção declarativa de processo ordinário … contra o insolvente, W, B e E B, pedindo que fosse declarado nulo o negócio titulado pela escritura pública, por ser simulado, ou, subsidiariamente, fosse julgada procedente a impugnação pauliana do mesmo, conforme cópia dos articulados aí apresentados, juntos a estes autos de folhas 70 a 119, que aqui se dão por integralmente transcritos.
7- Nesta acção, em 27/4/2009 as partes transigiram nos termos constantes do documento junto a fls. 122, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
1. Os primeiros réus [insolvente e cônjuge] reconhecem terem para com a autora uma dívida que totaliza a quantia de 250.000€, relativa ao capital e juros vencidos até hoje titulados pela letra que como documento número um foi junta aos presentes autos;
2. Para pagamento dessa dívida, os segundos réus procedem à dação em pagamento do imóvel constituído pela fracção autónoma designada pela letra V (...) do prédio urbano (...), bem como dos bens móveis que fazem parte do seu recheio e foram objecto de arresto, valorando o imóvel em 170.000€ (...) e os móveis em 80.000€ (...);
3. A autora, com o recebimento do imóvel, declara nada mais ter a reclamar dos primeiros réus, seja a que título for, considerando-se completamente ressarcida.
8- A declaração de insolvência de M foi proferida nos autos principais em 12/11/2010 (fls. 272 a 286), sendo complementada em 28/2/2011 (fls. 443).
9- Por carta remetida em 16/6/2011 e recebida no dia imediato, o administrador da insolvência comunicou à autora ter declarado resolvido, em beneficio da massa insolvente, o descrito negócio celebrado mediante escritura outorgada em 21/5/2007, nos termos de fls. 710 a 715 dos autos principais, que aqui se dão por transcritas (fls. 159).
10- Ao emitirem as declarações vertidas na escritura outorgada em 21/5/2007, os outorgantes visaram fugir com os bens delas objecto à acção dos credores do insolvente.
11- Em 22/1/2008 este facto era sustentado pela autora, por entender ser verdadeiro, o que mantinha em 27/4/2009, data da outorga da transacção obtida no processo …, e quando recebeu os bens nesta referidos.
12- Ao outorgarem a transacção obtida no processo …, B e esposa não tinham intenção de satisfazer uma obrigação própria perante a autora, de quem não se consideravam devedores de qualquer prestação, nem se considerando a autora credora de B e esposa quanto à quantia em dívida satisfeita com a dação.
- Por carta registada datada de 13/6/2011 e recebida pela destinatária, o administrador judicial remeteu à autora a carta que se mostra junto aos autos a fls. 551 e seguintes, na qual refere sob o “Assunto: declaração de resolução de negócio de insolvência de M, processo …” (…) “Na qualidade de administrador da insolvência, nomeado no processo supra referenciado, venho notificar V. Exa. do que segue: Pela presente e na qualidade de administrador de insolvência do processo que envolve o Sr. M, venho informar V. Exa. que decidi, de acordo com o determinado nos artigos 120, 121, 123, 124 e 126 do Código da Insolvência, pela resolução dos contratos que os aqui insolventes celebraram com o Sr. Dr. B e esposa D. E B, cujos efeitos legais são extensivos às transmissões sequentes. Para conhecimento de V. Exa. junto anexo cópia das cartas que foram endereçadas ao Sr. Dr. B e esposa D. E B (…) Anexo: Cópia da carta dirigida a Dr. B e esposa. Cópia da sentença de insolvência”.

1. Da nulidade do Acórdão proferido, por omissão do preceituado no artigo 665º, nº3 do NCPCivil.

Insurge-se a Autora, aqui Recorrente, contra o Aresto proferido uma vez que na sua tese o Tribunal da Relação do Porto propôs-se apreciar a Apelação deduzida pela Ré, substituindo-se ao Tribunal recorrido, sem dar, no entanto, cumprimento ao dever de assegurar o contraditório, constituindo esta omissão uma nulidade processual, por traduzir a omissão de uma formalidade que a lei prescreve, sendo certo que a irregularidade cometida influiu no exame ou na decisão da causa, ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.º1 do NCPC.

O normativo inserto no artigo 665º, nºs 1, 2 e 3 do NCPCivil postula o seguinte, no que tange à regra da substituição ao Tribunal recorrido:
«1. Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação.
2. Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3. O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes pelo prazo de 10 dias.».

No caso sujeito, ao invés do que porfia a Recorrente, o segundo grau não obstante tenha dito que se estava a substituir ao primeiro grau na apreciação da matéria dos autos, afinal das contas apenas estava a conhecer daquela materialidade factual, socorrendo-se para o efeito de elementos materiais que considerou como provado nos autos, vg o teor das cartas de 9 de Maio de 2011, como decorre inequivocamente do teor da decisão impugnada e que não tinham sido tomados em atenção na sentença, o que lhe era legitimo fazer de harmonia com o preceituado no artigo 662º, nº1 do NCPCivil.

Lê-se naquele Acórdão o seguinte:
«(…) A conclusão de má-fé da autora mais avulta por via da precisa inversão de interpretação de factos considerados assentes, a qual se apoiou numa presunção natural ou judicial, como se constata no confronto entre a decisão singular do juiz relator de 20/1/2014 e a decisão colectiva da conferência de 24/3/2014. Trata-se de inversão particularmente revelada no confronto entre, por um lado, o segundo e terceiro parágrafo de fls. 481, e, por outro lado, o quarto e décimo primeiro parágrafo de fls. 514.
Acresce que a sentença de 18/6/2014 omite a teor das cartas datadas de 9/5/2011, as quais são do conhecimento da autora desde a recepção, em 17/6/2011, da carta remetida em 16/6/2011 e datada de 13/6/2011. Note-se que é a própria autora quem junta cópia das cartas datadas de 9/5/2011.
Essa omissão de menção do teor das cartas datadas de 9/5/2011 e de menção do conhecimento pela autora dessas cartas trunca o entendimento e a principal tese da sentença, uma vez que a sentença se apoia na circunstância de a autora não poder ter tido compreensão dos motivos da resolução que tinham sido comunicados aos outorgantes do acto de 21/5/2007, a exemplo da situação em que a autora só tivesse tido conhecimento do estrito texto da carta remetida em 16/6/2011 e não do teor das cartas datadas de 9/5/2011.
Ao omitir o conteúdo das cartas datadas de 9/5/2011 e ao omitir que a autora conhecia, desde a recepção da carta remetida em 16/6/2011, o teor daquelas cartas, a sentença de 18/6/2014 incorre em nova nulidade, agora por não se ter pronunciado sobre factos que tinha de ter em consideração, conforme art. 615 nº 1 al. d), primeira parte, do CPC.
A sentença de 18/6/2014 não podia ter omitido o teor das cartas datadas de 9/5/2011 e não podia ter omitido que a autora teve conhecimento dessas cartas ao receber a carta remetida em 16/6/2011.
A sentença de 18/6/2014 é nula.
Não obstante tal nulidade e ao abrigo do art. 665 nº 1 do CPC, este tribunal de recurso apreciará a apelação deduzida pela ré, com substituição do tribunal recorrido, sendo certo, a um tempo, que a autora teve oportunidade de se pronunciar para os efeitos previstos no nº 3 do mesmo art. 665 quando foi notificada das alegações daquela apelação e sendo certo, a outro tempo, que assim se cumpre o julgamento reservado para a segunda fase do apenso F, tal como essa segunda fase foi determinada na conjugação dos despachos de 8/6/2012 e de 4/7/2012 e no acórdão de 24/3/2014. Cumpre apreciar a impugnação da resolução.
As cartas datadas de 9/5/2011 estão supra transcritas e consideram-se aqui reproduzidas.
Tais cartas comportam um teor factual e de imputações de conhecimentos ao destinatário B inteiramente coerentes, sendo instrumento perfeitamente estruturado para a afirmação de má-fé dos declarados vendedores e dos declarados compradores no acto de 21/5/2007, má-fé essa afirmada nas cartas como articulação mancomunada entre todos, tal como as cartas datadas de 9/5/2011 são instrumento perfeitamente estruturado para a afirmação de prejuízo da universalidade dos credores do insolvente.(…)».

Queremos nós dizer que a referência feita ao artigo 665º, nº1, apenas pode ser admitida por lapso manifesto, já que não se tratou de qualquer das situações a que alude o seu nº2, porquanto o primeiro grau não deixou de conhecer qualquer questão por a considerar prejudicada pela solução dada a uma outra, mas antes por não ter tido em consideração o teor da carta de 9 de Maio de 2011 enviada à Autora veio a considerar ser impossível «de se aferir a factualidade susceptível de integrar os fundamentos da resolução», como decorre do teor da sentença de fls 564 a 566, cfr Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código De Processo Civil Anotado, Volume 3º, Tomo I, 2ª Edição, 130/133.

Daqui deflui a manifesta desnecessidade de o Tribunal da Relação ordenar a audição das partes sobre uma questão que a primeira instância não teve por prejudicada, tendo antes fundamentado a sua visão sobre os factos materiais que teve por assentes.

Não houve, pois, a omissão do contraditório que se imporia se estivéssemos perante a hipótese levantada pela Autora, aqui Recorrente, nas suas conclusões recursivas, que soçobram neste particular.

2.Da ausência de prova no que tange à inoponibilidade da transmissão em relação à Autora/Recorrente

Insurge-se ainda a Recorrente contra o Acórdão impugnado uma vez que embora a declaração de resolução levada a cabo pelo Senhor Administrador da Insolvência porque não foi objecto de impugnação por parte do Insolvente, da sua mulher, do Dr. B nem da sua mulher, tendo operado quanto a eles plenamente, o mesmo não aconteceu em relação à segunda transmissária, a Autora/ Recorrente, que impugnou quanto a si os efeitos desta resolução, porquanto a má fé do terceiro transmissário não se presume, cabendo a prova deste requisito à Ré, Massa Insolvente, ao abrigo do disposto no artigo 124º, nº1 do CIRE e sendo a Recorrente uma transmissária ulterior ao negócio realizado entre o Insolvente, sua mulher e o Dr. B e esposa, a resolução pretendida pelo Senhor Administrador de Insolvência apenas lhe poderá ser oponível caso se demonstre que aquela agiu com má-fé.

Tem razão a Recorrente nesta sua exposição de motivos, aliás em consonância com o parecer que apresentou quanto a este particular.

Efectivamente o aporema posto ao Tribunal pela Autora, aqui Recorrente, colocou-se em dois patamares: o primeiro diz respeito à bondade da resolução efectuada pelo AI; o segundo tem a ver com a operância de tal resolução em relação à Autora, a qual é terceira transmissária daqueloutro negócio.

Estas duas situações, embora interligadas, não se constituem em vasos comunicantes entre si, porquanto a licitude e eficácia da declaração resolutiva da transmissão havida, não acarreta automaticamente a sua oponibilidade a terceiros posteriores adquirentes dos bens dela objecto, como decorre aliás do preceituado no artigo 124º, nº1 do CIRE, onde se predispõe que «A oponibilidade da resolução do acto a transmissários posteriores pressupõe a má fé destes, salvo tratando-se de sucessores a titulo universal ou se a nova transmissão tiver ocorrido a titulo gratuito.».

Quer isto significar que a oponibilidade da transmissão efectuada só é operante se e quando seja apurada a má fé, condição sine qua non na especie, aproximando-se este regime do da impugnação pauliana prevenido no artigo 613º do CCivil, cfr Carvalho Fernandes e João Labareda, Código Da Insolvência E Da Recuperação de Empresas Anotado 2ª Edição, 537/538; Menezes Leitão, Código Da Insolvência E Da Recuperação de Empresas Anotado, 4ª Edição, 161/162; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição, 630/631.

Contudo, esta precisa problemática da oponibilidade da transmissão efectuada em relação à Autora, aqui Recorrente, mostra-se tratada pelo Acórdão intercalar produzido pelo Tribunal da Relação do Porto, constante de fls 494 a 515, oportunamente transitado em julgado.

Senão.

Na decisão ínsita naquele Aresto lê-se, além do mais, o seguinte «A declaração de insolvência de M foi proferida nos autos principais em 12 de Novembro de 2010, menos de dois anos da data da transacção em referência. Tal processo iniciou-se menos de um mês após a transacção.
A alienação efectuada pela escritura de 21 de Maio de 2007 foi resolvida a favor da Massa ora Ré, sem oposição dos nela outorgantes mas com a oposição da ora Autora.
A oponibilidade da resolução deste acto a transmissários posteriores pressupõe a má fé destes - artigo 124º, 1 do CIRE.
Agiu a X de má fé?
Cremos que sim. Sabia da existência de outros credores do Insolvente, da inexistência de bens deste capazes de fazerem face às dívidas, tinha conhecimento ou possibilidade de conhecer da iminência da insolvência do Insolvente, ao receber os bens em transacção sabia que dificultava a partilha colectiva iminente, pois que nisso se traduz a insolvência. Sabia que os bens - fracção autónoma e recheio - tinham vindo parar ao património do Dr. B e esposa por acto público em que os outorgantes apenas visaram fugir com os bens nele mencionados à acção dos credores do insolvente M.
Daí que a resolução operada pela Massa e relação à fracção "Y" e seu recheio relativamente às vendas de 21 de Maio de 2007 seja oponível relativamente à ora Autora, que adquiriu a propriedade de tais bens por transacção obtida no Proc. n°….
*
Procede a apelação.
V-DECISÃO
Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, e por via disso se revoga a decisão recorrida, devendo a acção prosseguir para apreciação do objecto (resolução do negócio) que se não mostra prejudicado – cfr Fls 223.(…)».

E, na sequência desta decisão, o Acórdão aqui posto em causa pela Autora aventou, a fls 14 e 15 do mesmo (a fls 613 e 614 dos autos) que «(..) Deve-se ter em atenção que a má-fé dos outorgantes do acto de 21/5/2007 é distinta da má-fé do transmissário posterior, estando aquela má-fé prevista no dito art. 120 nº 4, ao passo que a má-fé do transmissário posterior vem prevista no art. 124 do CIRE.
A má-fé da autora, como transmissária posterior, foi o preciso assunto resolvido na primeira fase assinalada para o apenso F, por via do trânsito em julgado do acórdão de 24/3/2014.(…) Por um lado, a resolução em benefício da massa insolvente das compras e vendas declaradas em 21/5/2007 foi válida, estando, por outro lado, a sua oponibilidade à autora, transmissária posterior da fracção predial V e do respectivo recheio, decretada com eficácia de caso julgado por via do trânsito em julgado do acórdão de 24/3/2014.(…)».

Ora, esta especifica temática do trânsito em julgado daquela decisão interlocutória nunca foi colocada em causa pela Autora, a qual, não obstante o anteriormente decidido, continua a esgrimir com a questão da não oponibilidade por inexistência de má fé, da sua parte, quando este particular se mostra há muito ultrapassado, sobejando apenas para decidir, nos termos impostos por aqueloutro Acórdão, tão somente a bondade da resolução do contrato em beneficio da massa insolvente efectuada pelo AI, improcedendo também por aqui as conclusões recursivas.

3.Da resolução do negócio.

Invoca a Autora, neste conspectu, em abono da sua tese que a comunicação que lhe foi efectuada pelo AI não obedeceu aos requisitos do artigo 120º do CIRE, remetendo para a carta que eventualmente terá sido enviada ao Dr. B, carta essa com que se pretendeu resolver todos os actos de disposição constantes da escritura celebrada em 21 de Maio de 2007, sem que contudo tivesse individualizado o acto em concreto que pretenderia ver resolvido em benefício da massa insolvente, na notificação que enviou à Autora, ficando-se por uma intenção de resolução genérica e porque a Autora não adquiriu todos os bens transaccionados através da mencionada escritura, tal facto torna aquela comunicação ineficaz em relação a si. De outra banda, o facto de a resolução levada a cabo pelo AI produzir os seus efeitos no que diz respeito à primeira transmissão, em virtude de os terceiros (primeiros adquirentes), o Dr. B e esposa, não terem impugnado a resolução da escritura de 21 de Maio de 2007 em benefício da massa insolvente (eficácia inter partes), não tem - nem pode ter, à luz da lei aplicável -, consequências directas e automáticas no âmbito da segunda transmissão, cabendo à Massa Insolvente invocar factos respeitantes ao conhecimento ou cognoscibilidade por parte da Autora de que, à data da transacção judicial (Abril de 2009) - momento que a Autora tem uma intervenção efectiva - o bem recebido fora adquirido junto de pessoa em situação de insolvência iminente, e que agiu com prejudicialidade face a uma situação de insolvência iminente ou de início de processo.

Vejamos então.

O processo de Insolvência constitui um procedimento universal e concursal, cujo objectivo é a obtenção da liquidação do património do devedor, por todos os seus credores: concursal (concursus creditorum), uma vez que todos os credores são chamados a nele intervirem, seja qual for a natureza do respectivo crédito e, por outro lado, verificada que seja a insuficiência do património a excutir, serão repartidas de modo proporcional por todos os credores as respectivas perdas (principio da par conditio creditorum); é um processo universal, uma vez que todos os bens do devedor podem ser apreendidos para futura liquidação, de harmonia com o disposto no artigo 46º, nº1 e 2 do CIRE, normativo este que define o âmbito e a função da massa insolvente.

A massa abrange, desta feita, a totalidade do património do devedor insolvente, susceptível de penhora, que não esteja excluído por qualquer disposição especial em contrário, bem como aqueles bens que sejam relativamente impenhoráveis, mas que sejam por aqueles apresentados voluntariamente (exceptuam-se apenas os bens que sejam absolutamente impenhoráveis), e que existam no momento da declaração da insolvência ou que venham a ser adquiridos subsequentemente pelo devedor na pendência do processo, cfr Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas Anotado, Colecção PLMJ, 2012, 128/129; Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, 2013, 303/305.

Conforme deflui do preâmbulo do CIRE, a resolução em beneficio da massa insolvente a que se alude no normativo inserto no artigo 120º, visa a «(…)reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto especifico – a “resolução em beneficio da massa insolvente” –que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património(…)» destinando-se tal expediente a «(…)apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos, que se mostrem prejudiciais para a massa.(…)», cfr Gravato de Morais, Resolução Em Beneficio Da massa Insolvente, 2008, 41; Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 5ª edição, 210; Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Ministério da Justiça, Coimbra Editora, 2004.

Dispõe aquele normativo, no seu nº1 na versão aqui aplicável do DL 185/2009 de 12 de Agosto, o seguinte: «Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo.», acrescentando o seu nº2 que «Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.».

A acção de impugnação da resolução não se destina a atacar os aspectos puramente formais da carta resolutiva enviada pelo Administrador da insolvência, mas também os aspectos substanciais contidos na mesma, pois não nos podemos esquecer que a Recorrente alega que o AI aquando do envio da carta a comunicar-lhe a resolução do contrato de compra e venda do imóvel celebrado entre o Insolvente e B e E B remeteu expressamente para os motivos constantes da carta que havia enviado a estes, a qual fez juntar para seu conhecimento, sendo certo que nessa mesma carta se pode ler:
«(…) 1- No exercício das minhas funções de administrador da insolvência supra, cuja declaração de insolvência é de 12/11/2010 e sentença complementar de 28/2/2011 […], após a minha nomeação de administrador, tomei conhecimento, em 3/3/2011, de que V. Exa., por escritura de 21/5/2007 […], adquiriu ao insolvente M e mulher W os bens identificados naquela escritura sob as verbas 1 a 8 […].
2- Da referida escritura, constata-se que adquiriu os imóveis identificados sob as verbas 1 a 7 pelo preço global de 52.346,50€ e os móveis que constituem o recheio da fracção V a que se refere a verba 8 […] pelo preço de 11.546,50€.
3- Ora, através dos elementos da própria escritura (designadamente venda em bloco de bens a particular, preço baixíssimo) e de outros complementares abaixo referidos, pode afirmar-se que V. Exa. não teve intenção de adquirir os ditos imóveis e recheio da fracção V, tendo por isso o negócio sido simulado, criando apenas uma aparência de venda, com vista à dissipação dos bens e fuga aos credores.
4- Deste modo, conclui-se que o preço declarado na […] escritura é irreal, muitíssimo inferior ao do mercado, relativamente ao verdadeiro valor dos mesmos, tanto dos imóveis como dos móveis, sendo ainda certo que há factos concludentes que levam a duvidar de que se verificou a tradição dos mesmos para V. Exa.; na verdade, apesar da venda, a fracção V continuou a ser a habitação do insolvente e da esposa.
5- Acresce que sendo V. Exa o mandatário judicial da sociedade X, da qual era sócio gerente o insolvente, cujo processo de insolvência correu sob o número … […], não desconhecia que o insolvente e mulher eram individualmente responsáveis, entre outras, por obrigações comerciais (cambiárias), de cujo cumprimento pretenderam furtar-se ao planearem ou operarem com V. Exa a dissipação do seu património.
6- São ainda do seu conhecimento, por neles ter intervindo com sua esposa, como réus, os processos judiciais … […] e […]…[…], cujo objecto era a anulação das referidas vendas e que culminaram com a satisfação dos interesses dos respectivos autores, mediante transacção judicial, da qual também V. Exa. e esposa participaram (proc….).
7- Portanto, não podendo V. Exa deixar de ter conhecimento das responsabilidades do insolvente para com terceiros, sabia que com a aquisição para seu nome dos bens imóveis e móveis, registados ou possuídos em nome e pelo insolvente (com excepção das fracções A e G do prédio descrito sob o número …, cuja venda, também do seu conhecimento, foi feita directamente pelo insolvente e esposa à Papelaria, Lda.), através da dita escritura, iria prejudicar os credores do insolvente.
8- Em conclusão: a alienação da quase totalidade do património do insolvente para V. Exa., praticada menos de 4 anos antes do início do processo de falência, bem como a da parte restante, constituída pelas fracções A e G, referenciadas em 7, também do seu conhecimento, constitui um acto prejudicial à massa insolvente, na medida em que frustra ou impossibilita a satisfação dos credores do insolvente.
Além de que era do perfeito conhecimento de V. Exa., por ser mandatário judicial da dita X (da qual era sócio gerente o insolvente), que, à data, aquele já tinha obrigações comerciais para com outros credores, além dos das referidas acções, decorrentes de actos cambiários e outros, e que com tais vendas o insolvente ficaria na situação de não poder cumprir as suas obrigações para com terceiros.
Mostrando-se, além do mais, simulados os referidos actos de venda, atenta a factologia apontada nas ditas acções judiciais, nas quais V. Exa. Interveio, bem como sua esposa como réus, sempre seriam nulas as vendas.
9- Pelos motivos vindos de expor e tendo em consideração o disposto nos arts. 120, 121, 123, 124 e 126 do Código de Insolvência, e na qualidade de administrador de insolvência, declaro resolvidas as vendas dos prédios constantes da escritura referida em 1 desta comunicação (verbas 1 a 7) […], bem como dos bens móveis que constituem a verba 8 […] em benefício da massa insolvente.
Nestes termos deve V. Exa. […] proceder à entrega dos bens ainda em seu poder no prazo máximo de 15 dias […](…)»

Esta missiva é bem expressiva dos fundamentos que levaram o AI a resolver os vários contratos de compra e venda, entre eles o da fracção V que subsequentemente veio a ser adquirida pela Autora, não podendo restar para esta quaisquer dúvidas acerca do objecto do negócio que lhe dizia directamente respeito, maxime, por aquela fracção se encontrar devidamente identificada, bem como ficou devidamente elucidada que os negócios haviam sido efectuados em prejuízo da massa.

Não sendo extremamente rigorosos no que tange às exigências substanciais da carta resolutiva, temos vindo a entender que a Lei, embora não impondo que aquela seja exaustiva quanto à explanação dos fundamentos que consubstanciam a resolução, terá de conter o quantum satis para o cabal exercício daquele direito potestativo.

Sem embargo de não se exigir para a respectiva efectivação abundantes justificações, não nos podemos bastar com uma mera alegação de prejudicialidade, pois dessa proposição genérica não se poderá retirar, como consequência e sem mais, o surgimento desse direito potestativo, cfr Carvalho Fernandes e João Labareda, l.c., 563;Gravato de Morais, ibidem, 164 (embora este Autor pareça ser mais exigente nos requisitos substanciais, ao referir-se que no caso «a resolução carece de especifica motivação»); Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol 1/130/131.

Temos pois como assente que o direito potestativo de resolução do contrato por parte do Administrador da Insolvência, a que alude o normativo inserto no artigo 120º do CIRE, embora não exija para a sua plena eficácia uma justificação completa que esgote todos os fundamentos, deverá contudo, conter os elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da resolução e essa suficiência deverá ser objecto de uma análise casuística, cfr os Ac STJ de 25 de Fevereiro de 2014 da aqui Relatora, de 20 de Março de 2014 (Relator Azevedo Ramos) e de 29 de Abril de 2014 (Relator Pinto de Almeida), in www.dgsi.pt.

Todavia, os destinatários da declaração resolutiva só poderão ser, em primeira análise, os intervenientes no negócio cuja destruição de efeitos se pretende o que significa que a mesma terá de ser dirigida ao(s) insolvente(s) e à pessoa ou às pessoas que com ele(s) negociaram, sendo certo que na especie o AI enviou, na oportunidade, a aludida declaração resolutiva ao Insolvente e aos adquirentes do imóvel, os quais não deduziram contra a mesma qualquer impugnação, tendo-a aceite como boa, portanto.

A sobredita resolução negocial, no que tange à compra e venda efectuada pelo Insolvente da fracção V a B e E B, mostra-se plenamente eficaz, tendo produzido a extinção da transacção havida entre aqueles, frisando-se que a mesma continha todos os elementos necessários e suficientes para o cabal conhecimento pelos intervenientes dos fundamentos em que o AI baseou a sua motivação, cfr Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas Anotado, 2013, 369/372.

Esta é uma questão.

Questão outra, é a da necessidade da comunicação daquela resolução aos terceiros transmissários, saber se tal é imposto pela Lei e, sendo-o, se a comunicação deverá obedecer aos mesmos requisitos impostos para aqueloutra a efectuar às partes primitivas, o que aqui nos é suscitado em sede de recurso pela Recorrente, a qual insiste no mal fundamentado da comunicação que lhe foi feita, além do mais já anteriormente analisado.

O artigo 123º, nº1 do CIRE dispõe que «A resolução pode ser efectuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.», não decorrendo do texto quem tem legitimidade passiva para o direito a exercer, o qual, pelo lado activo pertence ao AI, entendendo-se, contudo, que a carta deverá ser dirigida por este a ambas as partes intervenientes no negócio que se pretende resolver, isto é no caso sub judice o vendedor (Insolvente) e os compradores, porquanto aquele poderá ter interesse em contestar o acto e não obstante seja representado pelo AI não nos deparamos com uma situação de «confusão» legal, porque sempre se poderá argumentar que os direitos em confronto são incompatíveis entre si já que o AI intervém em prole da massa insolvente e o Insolvente em defesa do seu património pessoal, neste sentido Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, ibidem; Carvalho Fernandes e João Labareda, l.c., 440; Menezes Leitão, Direito Da Insolvência, 222.

Estamos em condições de inferir que aquele normativo não impõe (nem poderia impor, acrescentamos), que a comunicação seja feita a eventuais terceiros transmissários dos bens, aliás, até porque o AI poderá nem ter conhecimento da sua existência, nem a tal está obrigado e a esta mesma solução se chega através da leitura e interpretação do artigo 124º do CIRE, do qual resulta a possibilidade da oponibilidade daquela declaração resolutiva aos terceiros adquirentes, o que afasta a ideia da obrigatoriedade da concomitante comunicação da declaração extintiva do negócio havido, além do mais pelas razões supra apontadas, cfr a propósito e neste sentido Fernando de Gravato Morais, Resolução Em Benefício Da Massa Insolvente, 150/151; Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, ibidem, 372/373.

De qualquer modo, mesmo sendo despicienda a comunicação da declaração resolutiva aos terceiros transmissários, certo é que o AI fez saber à Autora, aqui Recorrente, as razões da extinção do negócio havido entre o Insolvente e os compradores B e E B, conhecimento esse que se não baseou em meras declarações genéricas como aventa a Recorrente, mas antes numa factualidade devidamente concretizada e situada no tempo, sendo de todo em todo irrelevante a circunstância da referência a outros tantos imóveis, porquanto a fracção V, única adquirida pela Recorrente, aí vinha mencionada, bem como o respectivo recheio, não podendo esta ignorar que a missiva apenas se poderia referir a este específico imóvel e não aos outros.

A declaração resolutiva mostra-se pois perfeitamente eficaz em relação aos intervenientes no negócio (Insolvente e adquirentes), bem como oponível à Recorrente, como decidido ficou no Aresto produzido em 24 de Março de 2014.

Ademais, a Autora, aqui Recorrente, afectada como sustentou pelo acto resolvido, sem qualquer contestação por banda dos seus intervenientes (Insolvente e compradores) não alegou quaisquer factos, de índole formal e/ou substancial, que pudessem por em causa a bondade daquela resolução por forma a que a impugnação peticionada fosse julgada procedente, tendo em atenção o preceituado nos artigos 342º, nº1 do CCivil e 125º do CIRE, porquanto aqui, nesta sede, impendia sobre a Recorrente como terceira interessada e alegadamente prejudicada pela declaração extintiva, o ónus de alegação e prova dos factos conducentes a infirmar a eficácia daquela, o que manifestamente não logrou fazer, a propósito da acção de impugnação e da legitimidade do terceiro veja-se Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, l.c., 374/375.

Improcedem in totum as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 5 de Maio de 2015

(Ana Paula Boularot)


(Pinto de Almeida)


(Júlio Gomes)