Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
559/18.6YRLSB.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REQUISITOS
SENTENÇA
ESCRITURA PÚBLICA
UNIÃO DE FACTO
Data do Acordão: 03/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSO / JULGAMENTO DO RECURSO – PROCESSOS ESPECIAIS / REVISÃO DE SENTENÇAS ESTRAGEIRAS / NECESSIDADE DA REVISÃO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, p. 141;
- António Marques dos Santos, Revisão e Confirmação de Sentenças Estrangeiras, Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 141;
- Ferrer Correia, O Reconhecimento das Sentenças Estrangeiras no Direito Brasileiro e no Direito Português, Temas de Direito Comercial e Direito Internacional Privado, Almedina, 1989, p. 267 ; Aditamentos às Lições de Direito Internacional Privado, Do Reconhecimento e Execução das Sentenças Estrangeiras, 1973, p. 17 e 18 ; Lições de Direito Internacional Privado, Coimbra, 1973, p. 40 e 41 ; Lições de Direito Internacional Privado, I, Almedina, 2000, p. 454;
- Francisco Manuel Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (com a colaboração de Rui Manuel de Moura Ramos), Curso de Direito da Família, vol. I — Introdução. Direito matrimonial, 5.ª ed., Imprensa da Universidade, Coimbra, 2016, p. 71-72;
- Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Volume III, Almedina 2002, p. 240;
- Ricardo Fiúza e Regina Beatriz Tavares da Silva (coord.), Código Civil comentado, 8.ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2012.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4, 639.º, N.ºS 1 E 2, 663.º, N.º 2 E 978.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-06-1986, IN BMJ 358º, P. 428;
- DE 19-06-1986, IN BMJ 358º, P. 460;
- DE 31-01-2002, IN CJSTJ, TOMO I, P. 68;
- DE 21-02-2006, PROCESSO N.º 05B4160, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-07-2008, PROCESSO N.º 08B1733, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-03-2011, PROCESSO N.º 214/09. 8YRERVR.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-06-2013, PROCESSO N.º 623/12.5YRLSB.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 26-05-2015, PROCESSO N.º 657/13.2YRLSB.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 27-04-2017, PROCESSO N.º 93/16.9YRCBR.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-02-2019, PROCESSO N.º 106/18.0YRCBR.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
A declaração dos requerentes numa Escritura Pública Declaratória de União Estável, perante uma autoridade administrativa estrangeira (tabelião) de que vivem, como se casados fossem, desde 15-03-1992, não deve ser considerada como abrangida pela previsão do artigo 978º nº 1, do CPC, não podendo ser revista e confirmada para produzir efeitos em Portugal.
Decisão Texto Integral:

 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - RELATÓRIO

AA e BB, ambos com residência na Rua …, aptº …, ..., .../ -Brasil, intentaram acção de revisão de sentença estrangeira.

Em síntese, alegaram que os requerentes, ele de nacionalidade portuguesa e ela de nacionalidade brasileira, vivem em situação análoga à dos cônjuges desde 15.3.1992.

Em 16.11.2017, os requerentes celebraram no Cartório do 15º Ofício de Notas da Tabeliã CC, sito na Rua ..., n° …, ..., Brasil, uma Escritura Pública Declaratória de União Estável, tendo declarado que vivem como se casados fossem desde ….1992, convivência que se mantém duradoura, pública e contínua. Que eles declarantes possuem dois filhos dessa união: DD, nascido em ….1996 e EE, nascido ….1998.

Pedem que seja julgada procedente a acção e, consequentemente, julgada, revista e confirmada a Escritura Pública Declaratória de União Estável acima referida

Cumprido o disposto no artigo 982º do Código de Processo Civil, o Ministério Público produziu alegações, afirmando que na obsta à confirmação e revisão.

Por decisão sumária de 16 de Maio de 2018, foi julgada a acção improcedente e negado o reconhecimento pretendido.

Os requerentes reclamaram para a Conferência que, por acórdão de 25 de Setembro de 2018, por maioria, manteve na íntegra a decisão sumária.

Não se conformando com tal acórdão, dele recorreram de revista os requerentes, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1) O acórdão do Tribunal da Relação entendeu que o reconhecimento da escritura de união estável ofende ordem pública mas não é assim que este mesmo tribunal entendeu em outras acções. Não se suscita qualquer dúvida sobre a autenticidade do documento onde consta a escritura revidenda.

2) Não versa sobre a matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses. Não há notícia de qualquer outro processo em tribunal português, pendente ou julgado, sobre a matéria em causa, e a escritura de reconhecimento de união estável não viola os princípios de ordem pública internacional do Estado Português.

3) Verificam-se preenchidos todos os requisitos consagrados no artº 980º do Código de Processo Civil.

4) Foi entendido por outras sentenças a casos semelhantes que a subscritora ora junta as cópias. Processos 1542/17.4YRLSB e 608/18.8YRLSB.

5) O tribunal português violou o artigo 25 do Código Civil português. “O estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são regulados pela lei pessoal dos respectivos sujeitos …..”

6) Terminam, pedindo que o presente recurso de revista seja julgado procedente e, consequentemente, deverá ser revogada a decisão singular proferida nos autos e concedida a revisão e confirmada a Escritura Declaratória de União Estável lavrada no 15º Cartório de Notas de .../RJ-Brasil, em 16 de Novembro de 2017, para que produza todos os efeitos legais em Portugal.

O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça apresentou contra-alegações, pugnando pela procedência das alegações e pela revogação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) Fundamentação de facto

Está documentalmente provado que:

1º - AA tem a nacionalidade portuguesa e BB tem a nacionalidade brasileira.

2º - Em 16/11/2017, AA e BB celebraram no Cartório do …º Ofício de Notas da Tabeliã CC, sito na Rua ..., n° …, ..., Brasil, Escritura Pública Declaratória de União Estável, tendo declarado que vivem como se casados fossem desde 15.03.1992, convivência que se mantém duradoura, pública e contínua.

3º - Mais declararam que possuem dois filhos dessa união: DD, nascido em ….1996 e EE, nascido …1998.

B) Fundamentação de direito

A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, consiste em saber se estão reunidos os requisitos legais de que depende a revisão e confirmação da Escritura Pública Declaratória de União Estável.

Antes de darmos directamente resposta a esta questão, diremos o nosso sistema de reconhecimento das sentenças estrangeiras é informado pelo princípio da revisão predominantemente formal, ou seja, pelo controlo da regularidade formal ou extrínseca da sentença estrangeira, que dispensa a apreciação dos seus fundamentos de facto e de direito.

Deve tão-somente tomar-se em linha de conta a decisão contida na sentença estrangeira e não os respectivos fundamentos, como era geralmente entendido na vigência da versão anterior do preceito, por ser mais compatível com o nosso sistema de controlo das sentenças estrangeiras, que é fundamentalmente de revisão formal (ou de delibação)[1].

O nosso sistema de revisão de sentenças estrangeiras é, em regra, de revisão meramente formal.

Assim, o tribunal português competente para a revisão e confirmação, deve verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo, pois, do fundo ou mérito da causa.

Nessa perspectiva, se o tribunal nacional verificar que tem perante si uma verdadeira sentença estrangeira, deve reconhecer-lhe os efeitos típicos das decisões judiciais, não fazendo sentido que proceda a um novo julgamento da causa[2].

Este princípio de revisão formal é atenuado pelo estatuído no artº 983º do Código de Processo Civil:

O sistema do direito português, como o do direito brasileiro, é, portanto, o do reconhecimento das sentenças estrangeiras mediante revisão ou controlo prévio (homologação). Antes de confirmada (homologada), a sentença não opera na ordem jurídica nacional os efeitos que lhe correspondem como acto jurisdicional. Ela é simplesmente um facto jurídico, cuja eficácia está pendente até que sobrevenha a condição legalmente requerida (condicio uiris), que é a decisão de confirmação ou homologação proferida no referido processo especial de revisão de sentença estrangeira[3].

O princípio do reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras tem por finalidade a garantia da estabilidade, uniformidade e certeza da regulamentação das situações jurídicas interindividuais da vida internacional, tendendo à realização do mesmo tipo de justiça do Direito Internacional Privado, ou seja, de uma justiça formal, sob pena de adesão a um sistema de justiça material, que implicaria a sujeição sistemática de todas as sentenças estrangeiras a uma revisão de mérito ou de fundo[4].

Nas palavras de Ferrer Correia, “reconhecer uma sentença estrangeira é atribuir-lhe no Estado do foro (Estado requerido, Estado ad quem) os efeitos que lhe competem segundo a lei do Estado onde foi proferida (Estado de origem, Estado a quo), ou pelo menos alguns desses efeitos”[5].

Na génese das razões que podem explicar o reconhecimento de uma decisão estrangeira, radica uma necessidade de “assegurar a continuidade e estabilidade das situações da vida jurídica internacional, a fim de que os direitos adquiridos e as expectativas dos interessados não sejam ofendidos.”

Quanto ao sistema de reconhecimento, Portugal adoptou o sistema “segundo o qual o reconhecimento da sentença pressupõe a verificação prévia da sua regularidade, isto é, pressupõe a verificação no caso concreto das condições de que segundo a lei do país requerido depende a atribuição de eficácia às decisões dos tribunais estrangeiros. O sistema apresenta duas modalidades conforme seja ou não admitida a revisão de mérito. No segundo caso fala-se de sistema de delibação. É este o sistema seguido em Portugal, no Brasil e na Suíça[6].

O princípio da harmonia jurídica internacional limita-se a afirmar que o direito aplicável deve ser definido, por forma a que a solução a encontrar seja, tanto quanto possível, idêntica à assumida pelos outros Estados, em especial, por aqueles que, em relação ao mesmo litígio, reclamam a competência dos seus Tribunais, não assumindo, portanto, o conteúdo da decisão qualquer importância na determinação da lei aplicável.

O conteúdo da decisão a proferir não releva, em particular, para a finalidade das regras materiais em causa, logo que se tenha atingido o desígnio fundamental de atenuar, na medida do possível, a proliferação de conflitos com outros Estados.

O princípio da harmonia jurídica internacional, que mais não é do que um princípio do mínimo de conflitos, propicia uma oportunidade singular de evitar decisões discordantes entre o Estado do foro e o Estado cujo direito material é aplicável à questão principal[7].

O sistema de revisão de sentenças estrangeiras, estabelecido nos artigos 978º e seguintes de Código de Processo Civil, é um sistema que aponta para um reconhecimento facilitado das sentenças estrangeiras, dependente da mera verificação de determinados pressupostos simples, de ordem formal ou quase formal.

Não se trata de um sistema em que o tribunal nacional tenha que examinar o processo estrangeiro no qual foi proferida a sentença revidenda e, achando-a conforme, confirmá-la, dando-lhe o “exequatur”, o que implicaria maior morosidade e, levado até ao fim, inutilizaria a sentença estrangeira, obrigando à repetição de todo o processo, no foro nacional.

Não há, propriamente, um exame da sentença revidenda, no sentido de que o tribunal de revisão não aprecia o seu mérito, ou seja, se naquela sentença o julgamento foi ou não acertado. 

No entanto, existe sempre um limite para esta subserviência perante decisões estrangeiras: a não violação dos princípios de ordem pública internacional do Estado Português[8].

O Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 21.2.2006[9], considerou:

“A excepção de ordem pública internacional ou reserva de ordem pública prevista na alª) do artº 1096º (actual artº 980º) do Código de Processo Civil só tem cabimento quando da aplicação do direito estrangeiro cogente resulte contradição flagrante com o atropelo grosseiro ou ofensa intolerável dos princípios fundamentais que enformam a ordem jurídica nacional e, assim, a concepção de justiça do direito material, tal como o Estado a entende.

Só há que negar a confirmação das sentenças estrangeiras quando contiverem em si mesmas, e não nos seus fundamentos, decisões contrárias à ordem pública internacional do Estado Português – núcleo mais limitado que o correspondente à chamada ordem pública interna, por aquele historicamente definido em função das valorações económicas, sociais e políticas de que a sociedade não pode prescindir, e que opera em cada caso concreto para afastar os resultados chocantes eventualmente advenientes da aplicação da lei estrangeira.

O cabimento da reserva de ordem pública só, por conseguinte, se verifica quando o resultado da aplicação do direito estrangeiro contrarie ou abale os princípios fundamentais da ordem jurídica interna, pondo em causa interesses da maior dignidade e transcendência”.

Como se escreveu no Acórdão deste Supremo de 3.7.2008[10]:

“Perante o direito processual anterior, entendia, maioritariamente, a jurisprudência que o nosso “sistema está enformado pelo princípio da revisão formal, só admitindo a revisão de mérito no caso da referenciada al. g) do art. 1096º do Código de Processo Civil, pelo que as disposições que esta alínea quer salvaguardar são aquelas que definem o respectivo direito e não as disposições que disciplinam a tramitação processual para que esse direito seja declarado pelos tribunais.

Esta mesma alínea visa proteger o próprio interesse do súbdito português, desobrigando-o de suportar as consequências de uma decisão proferida segundo uma lei diferente da sua lei natural” – (Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 5.6.86, 19.6.86 e 31.1.2002, in BMJ 358º, págs. 428 e 460 e CJ, I, pág. 68, respectivamente).

Isto significa que a revisão de mérito só teria lugar quando a decisão no tribunal estrangeiro fosse proferida contra português.

No preâmbulo do DL nº 329-A/95, sobre este artigo, foi dito que se aperfeiçoou o teor da al. f), pondo-se a tónica no carácter ofensivo da incompatibilidade da decisão com a ordem pública internacional do Estado Português.

Daí que, na situação actual, o obstáculo à revisão e confirmação não é mais o ser proferida contra português, mas apenas a salvaguarda dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

A exigência deste requisito está em consonância com o artº 22º do Código Civil, que estabelece que não são aplicáveis os preceitos da lei estrangeira indicados pela norma de conflitos, quando essa aplicação envolva ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português.

No caso de revisão de sentença, a mesma só não será concedida quando contiver decisão que conduza a um resultado manifestamente incompatível com esses princípios”.

Não compete ao tribunal português apreciar do bem fundado da decisão e se a sua execução importa dificuldade para as partes; o critério é, em princípio, como dissemos, um critério de controlo formal[11].

Feita esta resenha sobre o princípio da revisão predominantemente formal, que informa o nosso sistema de reconhecimento das sentenças estrangeiras, voltamos ao caso concreto.

No caso dos autos, os requerentes apresentaram na petição inicial a Escritura Pública Declaratória de União Estável lavrada no Cartório do ..º Ofício de Notas da Tabeliã CC, perante entidade com competência para o efeito, segundo a lei brasileira.

Dispõe o artigo 1723º do Código Civil brasileiro, que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objectivo de constituição de família”.

O artigo 978º do Código de Processo Civil estabelece a necessidade da revisão nos seguintes termos:

1 - Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.

2 - Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa.

Sobre a amplitude do conceito de decisão para efeitos deste processo especial, Luís de Lima Pinheiro[12] escreveu: “por “decisão” entende-se qualquer acto público que segundo a ordem jurídica do Estado de origem tenha força de caso julgado. Há que aferir perante o Direito do Estado de origem se a decisão foi proferida por um órgão público e se tem força de caso julgado”.

O acórdão do STJ de 25-06-2013[13] - a propósito da escritura pública prevista no artigo 1124º-A do Código de Processo Civil Brasileiro (Lei nº 5869, de 11-01-1973), através da qual se pode realizar a separação consensual dos cônjuges, e prevista no artº 1580º do Código Civil Brasileiro -, decidiu que “os outorgantes não declaram a dissolução do vínculo conjugal. Pedem-na e o tabelião (notário) não se limita a testar as suas declarações, declara (decide) a dissolução, depois de verificados e preenchidos os requisitos legais”.

O caso dos presentes autos é diferente. Os requerentes não obtiveram na escritura uma decisão homologatória por parte do tabelião que possa servir de base à presente revisão. Apenas declararam que “vivem como se casados fossem desde 15.03.1992, convivência que se mantém duradoura, pública e contínua”.

Por conseguinte, estamos perante um simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa, ou seja, de quem haja de decidir sobre os direitos atribuídos ou reconhecidos em Portugal, pelo que a mencionada escritura invocada pelos requerentes, fica excluída do processo de revisão de sentença estrangeira - artigo 980º nº 2 do CPC.

Num caso muito similar ao dos presentes autos, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-2019[14] decidiu:

“O direito brasileiro não exige uma decisão judicial para o reconhecimento da união de facto[15] e o direito português não exige que a prova seja feita por uma declaração da junta de freguesia competente. Em todo o caso, a prova feita por uma declaração da junta de freguesia não tem uma força superior à de uma escritura pública.

Como escrevem os Professores Francisco Manuel Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira,

“A prova da união de facto é normalmente testemunhal; mas a possibilidade de prova documental não deve excluir-se. Interpretando com largueza o termo vida no artº 34º nº 1, do Decreto-Lei nº 135/99, de 22 de Abril, que regula o modo como “os atestados de residência, vida e situação económica dos cidadãos” devem ser passados pelas juntas de freguesia, pode admitir-se que a junta de freguesia da residência dos interessados passe atestado comprovativo de que uma pessoa vive ou vivia em união de facto com outra. […]

            Não se tratando, porém, normalmente, de facto atestado “com base nas percepções da entidade documentadora” (artº 371º nº 1, C.Civ), o documento não faz prova plena, podendo provar-se que o facto não é verdadeiro, pois a união de facto não existiu ou não existiu durante determinado período. O documento prova que os interessados fizeram perante o funcionário a afirmação de que conviviam maritalmente desde certa data, mas não prova que seja verdadeira a afirmação”[16].

Entre a força probatória da declaração emitida pela junta de freguesia e da escritura pública há uma relação de semelhança — como a declaração emitida pela junta de freguesia, a escritura “prova que os interessados fizeram perante o funcionário a afirmação de que conviviam maritalmente desde certa data, mas não prova que seja verdadeira a afirmação”.

Terminando, como no referido acórdão de 28.02.2019, “nem a declaração da junta de freguesia prevista pelo direito português nem (muito menos) a escritura declaratória de união estável prevista pela lei brasileira fazem com que o acto composto pelas declarações dos requerentes seja “caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido” - com a consequência de que a escritura declaratória de união estável apresentada pelos Requerentes não pode ser confirmada / revista”.

III - DECISÃO

Atento o exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 21 de Março de 2019

Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Paula Sá Fernandes

________________


[1] António Marques dos Santos, “Revisão e Confirmação de Sentenças Estrangeiras”, in “Aspectos do Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa, 1997, pág 141

[2] Alberto dos Reis – “Processos Especiais”, vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, pág.141

[3] Ferrer Correia “O Reconhecimento das Sentenças Estrangeiras no Direito Brasileiro e no Direito Português”, in “Temas de Direito Comercial e Direito Internacional Privado”, Almedina, 1989, pág.267.

[4] Ferrer Correia, Aditamentos às Lições de Direito Internacional Privado, Do Reconhecimento e Execução das Sentenças Estrangeiras, 1973, 17 e 18.

[5] Lições de Direito Internacional Privado, I, Almedina, 2000, p. 454. “Os efeitos próprios da sentença considerada como tal – os que derivam da sua natureza de acto de jurisdição – são o efeito de caso julgado e o efeito executivo”.

[6] Ac STJ 26.05.2015, Proc.º nº 657/13.2YRLSB.S1, in www.dgsi.pt/jstj

[7] Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, Coimbra, 1973, 40 e 41

[8] Ac STJ de 27.04.2017, Proc.º nº 93/16.9YRCBR.S1, in www.dgsi.pt/jstj

[9] Proc. 05B4160, in www.dgsi.pt/jsjt

[10] Proc.08B1733, in www.dgsi.pt/jstj

[11] Ac STJ de 29.03.2011, Proc.º nº 214/09. 8YRERVR.S1, in www.dgsi.pt/jstj

[12] Direito Internacional Privado, Volume III, Almedina 2002, página 240

[13] Proc.º nº 623/12.5YRLSB.S1, in www.dgsi.pt/jstj (Granja da Fonseca)

[14] Proc.º nº 106/18.0YRCBR.S1, in www.dgsi.pt/jstj (Nuno Manuel Pinto Oliveira).

[15] Como se escreve em Ricardo Fiúza / Regina Beatriz Tavares da Silva (coord.), Código Civil comentado, 8.ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2012, “[é] indispensável a demonstração da existência de união estável, em acção própria, em caso de litígio entre os interessados, sob pena de serem atribuídos direitos, inclusive sucessórios, sem que estejam presentes os respectivos requisitos. No entanto, com os instrumentos processuais da tutela antecipada e das acções cautelares, liminarmente, poderá haver o provimento jurisdicional, para acautelar direitos, como, p. ex., em acção de reconhecimento e dissoluçãõo de união estável com pedido cumulado de alimentos”.

[16] Cf. Francisco Manuel Pereira Coelho / Guilherme de Oliveira (com a colaboração de Rui Manuel de Moura Ramos), Curso de Direito da Família, vol. I — Introdução. Direito matrimonial, 5.ª ed., Imprensa da Universidade, Coimbra, 2016, págs. 71-72.

[17] Da responsabilidade do relator – artigo 663º nº 7 do CPC.