Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
136/11.2TBCUB.E1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BENTO
Descritores: REGULAMENTO (CE) 44/2001
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECLARAÇÃO DE EXECUTORIEDADE
EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
DIREITO DE DEFESA
Data do Acordão: 11/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMUNITÁRIO - RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / MULTAS E INDEMNIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPC): - ARTIGO 456.º, N,ºS1 E 2, ALÍNEAS A) E B).
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) Nº 44/2001: - ARTIGOS 34.º, N.º2, 41.º, 44.º.
Sumário :

I – A recusa, no âmbito do Regulamento (CE) nº 44/2001, de reconhecimento e de concessão de executoriedade a sentenças judiciais estrangeiras “se o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer” visa acautelar o reconhecimento e a execução de decisões judiciais estrangeiras proferidas com violação dos direitos de defesa de quem nelas figura como condenado.

II – Logo, não é aplicável se quem nela figura como condenado é o próprio requerente ou demandante.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


RELATÓRIO

AA, cidadã de nacionalidade britânica, requereu, em 20-05-2011, no Tribunal Judicial de Cuba, em Portugal, contra BB, também cidadão de nacionalidade britânica, a declaração de executoriedade em Portugal da sentença proferida em 09-10-2008, pelo High Court of Justice, Queen`s Bench  Divisionm Royal Court of Justice, no Processo nº HQ06X03436, que condenou o requerido a pagar à requerente a quantia de 5.000,00 £, acrescida de IVA e pagável a partir das 16 horas do dia 23-10-2008.

Em 30-11-2011 foi proferida decisão conferindo executoriedade aquela sentença.

Notificado, apelou o requerido para o Tribunal da Relação de Évora.

Sem êxito, já que, por acórdão de 15-11-2012, foi a apelação julgada improcedente.

Interpôs - e alegou – então, recurso de revista para o STJ.

Mas tal recurso não foi recebido na Relação por, segundo o Ex.º Relator, o valor da causa - € 8.036,81 euros – conjugado com o valor da alçada da Relação - € 30.000,00 euros - não o permitir.

         O recorrente reclamou contra tal rejeição e viu ser atendida a reclamação.

        

         Proferido no processo principal o despacho preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir:


FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, as quais devem conter o resumo sintético das razões da sua discordância (art. 685º-A nº1 CPC).

E, segundo o recorrente, as razões da sua divergência com o acórdão recorrido são as seguintes:

1 – Encontra-se preenchida a norma do nº2 do art. 34º do Regulamento, porque o Recorrente não foi notificado do pedido da Recorrida AA nem da declaração final de 2008-10-09, ora declarada executória.

2º - Tendo ademais sido julgado +a revelia

3º - Não lhe tendo, por isso, sido possibilitado o uso da prerrogativa de defesa e de recurso

4º - O Recorrente deve ser considerado não notificado e revel.

5º - A certidão emitida nos termos do anexo V do Regulamento (CE) nº 44/2001 (documento nº1 junto com o requerimento inicial da Requerente AA) não obedece aos requisitos legais porque o ponto 4.4 não se refere à notificação do Recorrente mas sim de CC.

6º - O Tribunal “a quo” considerou indevidamente prejudicada a suscitada questão da revelia, tendo-se, consequentemente, verificado omissão de pronúncia quanto à alegada falta de notificação do Recorrente (ponto 15 das alegações e artigos 4º a 6º da conclusões apresentadas pelo Recorrente no Recurso de Apelação).

Por isso,

7º - A decisão recorrida violou o nº2 do art. 34º e os art.s 41º, 45º, 53º, 54º e 58º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000.

8º - A decisão recorrida violou ainda o nº2 do art. 660º do CPC o que, desde logo, consubstancia a nulidade estatuída no art. 668 nº1, alínea d) primeira parte, do CPC.

Assim. o douto acórdão sob recurso não deverá manter-se, por contrário à lei,

a) não devendo ser declarada executória a decisão da autoridade judiciária inglesa de 2008-10-09.

Insiste, pois, o recorrente no fundamento que invocou, sem êxito, perante a Relação, segundo o qual a executoriedade não deveria ser concedida porque ele não teria sido notificado no processo que corre termos no Tribunal inglês da decisão de cuja executoriedade ora se trata, tendo o processo corrido à sua revelia.

Não terá tido aí a possibilidade de se defender, pelo que se verificaria o fundamento de recusa de executoriedade previsto no nº2 do art. 34º do Regulamento.

Mais: o acórdão recorrido enfermaria de nulidade por omissão de pronúncia sobre esta questão.

Ora, o art. 44º do Regulamento (CE) nº 44/2001 prevê que a decisão proferida no recurso interposto contra a decisão que confere ou nega a executoriedade - e que em Portugal é o acórdão da Relação - “só pode ser objecto do recurso referido no anexo IV”, ou seja, do recurso restrito à matéria de direito.

E o recorrente insiste num facto – a ausência de notificação da decisão sob exequatur – fundamento este que a Relação apreciou, sob a 3ª das questões elencadas no acórdão recorrido, e que, com a devida vénia, vamos transcrever:

“Apreciando agora a terceira questão levantada nesta apelação (pois a questão da má-fé, como anteriormente se fez referência, apenas será analisada no final deste aresto) – a qual consiste em saber se não deverá ser reconhecida a sentença da autoridade judiciária estrangeira por a mesma não ter sido notificada ao requerido (art.34º nº2 do Regulamento) – importa ter presente que a tal propósito se veio já a pronunciar o acórdão desta Relação de 13/9/2012, proferido no P.133/11.8TBCUB.E1, da 2ª secção, em que as partes são as mesmas e onde se afirmou o seguinte:

- (…) Nas conclusões das suas alegações o recorrente começa por suscitar a questão de não ter sido notificado da sentença cuja declaração de executoriedade é requerida.

Com a petição inicial a requerente juntou uma certidão emitida pelo High Court of Justice, Queen´s Bench Division, Royal Courts of Justice (Supremo Tribunal de Justiça – Divisão de Queens Bench – Reais Tribunais de Justiça) – “certidão Anexo V – referida nos arts. 54º e 58º do Regulamento relativo às decisões e transacções judiciais”, dela constado também o seguinte: “Data da citação ou notificação do acto que determinou o início da instância, no caso da decisão ter sido proferida à revelia – 29 de Novembro de 2006”.

Esta certidão corresponde, pois, à prevista nos arts. 53º nº2 e 54º do Regulamento nº44/2001 (CE), 22 Dez. (que remete para o respectivo Anexo V), refere como número de referência “Reclamação nº HQ06X03436” (elemento que deverá conter) e segundo esse art.54º qualquer das partes interessadas pode pedir e juntar ao processo uma certidão em que conste, além do mais:

- (4.3) – As “Partes na causa – nome(s) do(s) requerente(s) e nome(s) do(s) requerido(s)”;

- (4.4) – “A data da citação ou notificação do acto que determinou o início da instância no caso de a decisão ter sido proferida à revelia”;

- (5) – Que “a decisão/transacção é executória no Estado-Membro de origem (arts. 38º e 58º do Regulamento), contra…”.

Quanto às “partes na causa”, segundo essa certidão, elas são: Requerente – BB. Nome de outra parte – AA.

O art.38º nº1 Regulamento, inserido na “Secção 2 sob epígrafe “Execução”, diz exactamente o seguinte. “As decisões proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada”. E o art.41º (1ª parte) expressamente reza que “A decisão será imediatamente declarada executória quando estiverem cumpridos os trâmites previstos no art.53º, sem verificação dos motivos referidos nos arts. 34º e 35º. Entre esses motivos está o previsto no art.34º nº2, o qual o recorrente alega ter-se verificado.

Logo, sem que seja de verificar se ocorreu esse motivo, ou seja, “Se o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a faculdade de o fazer”, deve ser declarada a executoriedade.

Como o ora recorrente foi requerente no processo onde foi proferida a sentença objecto desta acção, não tem a qualidade processual que lhe permita ser considerado revel. Por essa razão não se verifica o motivo previsto no art.34º nº2 e não é aplicável a norma do art.41º (1ª parte).

O art.45º nº1 é claro ao estabelecer que “O Tribunal onde foi interposto o recurso ao abrigo dos arts. 43º e 44º apenas recusará ou revogará a decisão de executoriedade por um dos motivos especificados nos arts. 34º e 35º”. A defesa susceptível de ser deduzida é a que suscitasse a questão da falta de comunicação ou notificação ao requerido revel (v. art.34º nº2).

Como esse motivo, pelo que se disse, não se verifica, não pode ser aqui invocado.

Na verdade, conforme resulta claro da transcrição do aresto supra referido, o apelante não é requerido no mencionado processo judicial que correu termos no Reino Unido, mas sim o seu requerente (cfr. fls.34 destes autos e art.12º das suas alegações onde se refere à petição judicial que deu origem ao aludido processo), pelo que o disposto no art.34º nº2 do Regulamento não lhe é aplicável, uma vez que tal norma apenas se refere ao requerido, qualidade que o recorrente, como é bom de ver, não teve no dito processo judicial do Reino Unido. 

Mesmo que assim não se entendesse resulta dos autos que o recorrente foi ouvido por intermédio do seu representante e, por via disso, foi-lhe possibilitada a sua defesa, uma vez que consta da decisão estrangeira em causa o seguinte (cfr. fls.34):

- Após ouvido o representante do requerente (o aqui apelante) e o representante da demandante (a aqui apelada) é decidido o seguinte(…).

Deste modo, atentas as razões acima expostas, forçoso é concluir que improcede também a terceira questão suscitada no presente recurso”.

Quer dizer: o recorrente era, no processo onde foi gerada a sentença sob exequatur, demandante e requerente e não requerido.

Ora, o art. 34º nº2 do Regulamento prescreve que uma decisão não será reconhecida “se o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer”.

Este fundamento da recusa do reconhecimento é aplicável à recusa de concessão de executoriedade por força do preceituado no art. 41º do Regulamento.

Visa acautelar o reconhecimento e a execução de decisões judiciais estrangeiras proferidas contra a violação dos direitos de defesa de quem nelas figura como condenado, se bem que ressalvando a hipótese de o réu revel não ter recorrido, tendo tido a possibilidade de o fazer; em suma, que as decisões sob reconhecimento ou exequatur hajam observado um contraditório eficaz…

Mas, como bem nota o douto acórdão recorrido, o recorrente não foi demandado no processo inglês; antes foi aí demandante, tendo sido demandado /requerido CC e nele figurando também como partes, AA – ora recorrida – e S... Limited.

Para – perdoe-se-nos a expressão - “levar a carta a Garcia”, o recorrente chega mesmo a distorcer e a deturpar o referido acórdão; escreve ele sob o nº4 da sua alegação:

“O Tribunal “a quo” incoerentemente, refere no douto acórdão “Como o ora recorrente foi requerido no processo onde foi proferida sentença objecto desta acção, não tem qualidade processual que lhe permite ser considerado revel”.

Mas o que foi escrito no acórdão recorrido foi:

Como o ora recorrente foi requerente no processo onde foi proferida a sentença objecto desta acção, não tem a qualidade processual que lhe permita ser considerado revel”.

E acrescentou-se do referido acórdão:

“Por essa razão não se verifica o motivo previsto no art.34º nº2 e não é aplicável a norma do art.41º (1ª parte)”.

A menos que o recorrente confunda as posições de requerente e requerido – o que não acreditamos, pois está patrocinado por advogado – esta actuação evidencia inequívoca má-fé processual, nos termos do art 456º nº1 e 2-a) e b) CPC.

Caem, portanto, pela base todas as razões invocadas pelo recorrente, a começar, desde logo, pela respectiva subsunção ao fundamento legalmente permitido – recurso quanto à matéria de direito.

Com efeito, as disposições legais alegadamente invocadas não tem qualquer cabimento no caso em apreço, pois, como se disse, o recorrente não era requerido ou réu no processo inglês, antes aí requerente e autor, como se alcança da certidão junta com o requerimento inicial e cuja interpretação pela Relação não merece qualquer reparo.

Com efeito, a singeleza do texto da “decisão / transacção” em causa, constante da certidão, não podia ser mais clara:

“Após ouvido o Requerente em pessoa e o Representante da Exma Sra D. AA (a Demandada).

Foi decidido o seguinte:

1. O pedido do Requente é indeferido por ser completamente desprovido de mérito

2. O Requerente tem de pagar os custos suportados pela Demandada, a serem avaliados a título de indemnização, se não for acordado.

3. O Requerente tem de pagar £ 5.000 mais IVA em conta dentro de 14 dias (29 de Outubro de 2009)

Por conseguinte, e sem mais considerações, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente que, tendo em conta a má-fé com que litigou, a ponto de distorcer o teor do acórdão recorrido, vai condenado na multa de 5 UCs.


Lisboa e STJ

Os Conselheiros


Fernando Bento
João Trindade
Tavares de Paiva