Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1762/21.7T8ENT-A.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE LEAL
Descritores: ABERTURA DE CRÉDITO
CONTRATO DE MÚTUO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
AMORTIZAÇÃO
JUROS
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
DEVEDOR
CREDOR
OBRIGAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA TABELADA
Data do Acordão: 03/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
Tendo sido dado à execução contrato de abertura de crédito em conta corrente, no qual ficou estipulado que o capital mutuado seria pago numa única prestação, no termo do prazo do contrato ou, em caso de prorrogação, no termo do último prazo prorrogado, o prazo de prescrição da obrigação de reembolso do capital não é o previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, mas o prazo ordinário previsto no art.º 309.º do Código Civil.
Decisão Texto Integral:

Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. S. TRADING S.A. deduziu oposição, mediante embargos, à execução que lhe move XYQ LUXCO, S.A.R.L., alegando a ineptidão da petição inicial, a prescrição dos juros, a inexigibilidade da obrigação por falta de cumprimento do determinado pelo artigo 583.º do Código Civil, a inexequibilidade da obrigação por falta de liquidação e o direito de retenção, pedindo a final:

a) Que seja suspensa a presente execução, nos termos do artigo 733.º, n.º 1, alínea c), do CPC, determinada em relação à executada, que não é devedora da obrigação, solicitando-se que a embargante seja dispensada para o efeito de prestar caução;

b) Que seja declarada extinta a presente instância executiva, por ausência de causa de pedir, pela verificação de que o requerimento executivo se revela inepto e essa ineptidão determina a nulidade de todo o processado e consequente absolvição da oponente da instância executiva;

c) Que sejam declarados prescritos todos os créditos respeitantes a juros, na parte que ultrapassem os cinco anos anteriores à citação da aqui embargante;

d) Que a embargante seja absolvida da instância executiva, pela verificação da falta de cumprimento do estatuído no artigo 583.º n.º 1 do CPC;

e) Que seja verificado o incumprimento do contrato de crédito PT ...91, celebrado em 14 de julho de 2011, de forma total, isto é, desde janeiro de 2012, determinando-se a prescrição da dívida exequenda;

f) Que seja julgada procedente a exceção de iliquidez da obrigação;

Subsidiariamente, para o caso de improcederem os pedidos anteriormente formulados, deve,

g) Ser reconhecido à executada S. TRADING SA, o direito de retenção sobre o imóvel que adquiriu legitimamente.

2. Admitidos liminarmente os embargos de executado e regularmente citada, a executada apresentou contestação, referindo, além do mais, que não se verifica a prescrição, pugnando pela improcedência dos embargos.

3. Foi proferido saneador-sentença, no âmbito do qual foi julgada improcedente a exceção de ineptidão do requerimento executivo e, considerando-se que autos já dispunham de elementos suficientes – por não se afigurar necessário produzir qualquer prova – para conhecer os fundamentos da oposição à execução por embargos de executado (cf. artigos. 595º, n.º 1, alínea b), ex vi do artigo 732º, n.º 2, do Código de Processo Civil), conheceu-se da exceção da prescrição da divida exequenda – capital e juros –, a qual foi julgada procedente, decidindo-se “… julgar o incidente de oposição à execução mediante embargos de executado procedente, por provado, e, em consequência, determinar a extinção da execução com o consequente levantamento, após trânsito, de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução (artigo 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil)”.

4. A embargada/exequente apelou da referida sentença e em 28.9.2023 a Relação de Évora emitiu acórdão que culminou com o seguinte dispositivo:

Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

a) Julgar prescritas as prestações referentes ao contrato de mútuo (PT ...91), celebrado em 14/07/2011, vencidas para além dos cinco anos anteriores à data da instauração da execução;

b) Julgar prescrito, em relação ao contrato de abertura de crédito em conta corrente (PT ...92), alterado em 14/07/2011, o crédito de juros que ultrapasse os 5 anos anteriores à citação da executada.

c) Revogar a sentença recorrida quanto ao mais decidido em matéria de prescrição, devendo os autos prosseguir os seus termos, se nada a mais a tal obstar, para pagamento do remanescente da divida a liquidar pelo exequente em 1ª instância, em face do supra decidido quanto à matéria da prescrição.

Custas a cargo da apelante e da apelada, na proporção do decaimento, que se fixa em 50% para cada”.

5. A embargante/executada interpôs revista desse acórdão, tendo formulado as seguintes conclusões:

“a) Sabemos que a delimitação objetiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspetivo da fundamentação expressa nas alegações, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

b) Vem o presente recurso de revista interposto do acórdão, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela recorrente nos autos de apelação, designadamente no contexto da decisão proferida quanto à matéria da prescrição,

c) A exequente XYQ LUXCO SARL, deu entrada em 8 de Julho de 2021, designadamente de um requerimento executivo, onde peticionou o pagamento da quantia global de 858.059,86 (oitocentos e cinquenta e oito mil e cinquenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos) oferecendo como título executivo dois contratos com hipoteca, o primeiro celebrado a 11 de Agosto de 1994, retificado em 14 de julho de 2011 e o segundo outorgado a 14 de Julho de 2011.

d) A embargante aqui recorrente, foi citada em 28 de Fevereiro de 2022, designadamente dos referidos autos de execução, tendo deduzido embargos, onde peticionou:

- Que seja suspensa a presente execução, nos termos do artigo 733.º, n.º 1, alínea c), do CPC, determinada em relação a executada, que não é devedora da obrigação, solicitando-se que a embargante seja dispensada para o efeito de prestar caução;

- Que seja declarada extinta a presente instância executiva, por ausência de causa de pedir, pela verificação de que o requerimento executivo se revela inepto e essa ineptidão determina a nulidade de todo o processado e consequente absolvição da oponente da instância executiva;

- Que sejam declarados prescritos todos os créditos respeitantes a juros, na parte que ultrapassem os cinco anos anteriores à citação da aqui embargante;

- Que a embargante seja absolvida da instância executiva, pela verificação da falta de cumprimento do estatuído no artigo 583 n.º 1 do CPC;

- Que seja verificado o incumprimento do contrato de crédito PT ...91, celebrado em 14 de Julho de 2011, de forma total, isto é, desde Janeiro de 2012, determinando-se a prescrição da dívida exequenda;

- Que seja julgada procedente a exceção de iliquidez da obrigação; Subsidiariamente, para o caso de improcederem os pedidos anteriormente formulados, solicitou que lhe fosse reconhecido o direito de retenção sobre o imóvel que adquiriu legitimamente.

e) Por despacho datado de 28 de Março de 2022, foram admitidos liminarmente os embargos de executado deduzidos.

f) Regularmente notificada a exequente/embargada apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos e defendendo que não se verifica a prescrição.

g) Em 2 de junho de 2022, realizou-se a audiência prévia, onde as partes foram informadas pelo Tribunal, designadamente que os autos à data já permitiam o conhecimento da causa, permitindo-se aos mandatários presentes alegarem o que tivessem por conveniente.

h) Em 2 de Junho de 2022, foi proferida sentença (saneador-sentença) pela qual o Tribunal conheceu a exceção da prescrição da divida exequenda, julgando dessa forma procedente os embargos deduzidos, decidindo determinar a extinção da execução, com o consequente levantamento, após trânsito, de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução (artigo 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).

i) Não concordando com a decisão proferida, a exequente/embargada apresentou recurso de Apelação, concluindo na referida peça processual que a sentença é nula, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, pugnando ainda pela necessidade de produção de prova indicada pelas partes, solicitando a alteração da matéria de facto dada por provada e, por último, impugnando a decisão relativamente à matéria da prescrição.

j) A recorrida respondeu ao recurso, mediante contra-alegações colocando à consideração do Tribunal a questão da sua extemporaneidade e peticionando a sua improcedência.

k) Em 28 de Setembro de 2023, o Douto Tribunal da Relação de Évora proferiu acórdão, revogando a decisão proferida pela primeira instância em matéria de prescrição, julgando parcialmente procedente o recurso de apelação.

l) A recorrente discorda da modificação da parte decisória da sentença proferida em primeira instância relativamente à matéria da prescrição, pelas razões que a seguir enuncia.

m) Resulta da prova documental constante dos autos que, pelo contrato com hipoteca PT ...92, celebrado em 11 de Agosto de 1994, foi disponibilizado pela credora originária, Caixa Geral de Depósitos à sociedade comercial mutuária F..., Lda. a quantia de 100.000.000,00 (cem milhões de escudos) correspondente a 498.798,06 (quatrocentos e noventa e oito mil setecentos e noventa e oito mil euros e seis cêntimos).Tal contrato foi alterado em 27 de Janeiro de 2010 (e não como consta da decisão - 14 de Julho de 2011) onde se estabeleceu a redução do montante de abertura de crédito em conta corrente para o valor limite de 150.000,00€ (cento e cinquenta mil euros).

n) Não concordamos com o entendimento e interpretação sufragado pelo Tribunal da Relação de Évora, o qual entende que o contrato PT ...92, não está sujeito ao prazo prescricional de 5 anos, a que se reporta a alínea e) do artigo 310º do Código Civil, mas sim ao prazo de prescrição ordinária de 20 anos, previsto no artigo 309º do mesmo código.

o) Na medida em que, neste contrato o reembolso da quantia mutuada foi objeto de um plano de amortização, ainda que com diferenciação das prestações de juros relativamente das de capital.

p) Ora, no contexto dos vários subtipos de empréstimos bancários atualmente existentes, nos quais se inclui o de abertura de crédito em conta corrente, temos obrigações que visam simultaneamente reembolsar e remunerar o capital - obrigações híbridas ou mistas – que não são obrigações de reembolso de capital nem obrigações de pagamento de juros. Trata-se de obrigações unitárias, mesmo que se destinem a desempenhar uma dupla função: reembolso e remuneração do capital emprestado.

q) No caso concreto foram estipuladas prestações periódicas, podendo o cliente optar pelo pagamento apenas de juros, durante seis meses, ou, destes e do capital, isto é, obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental de que nascem sucessivamente e que se vencerão umas após as outras.

r) O facto de não nos encontrarmos perante um contrato de mútuo puro, onde tenha sido convencionado um plano de amortização, composto por prestações que integram obrigatoriamente uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, não afasta de imediato a aplicação do prazo prescricional previsto na alínea e) do artigo 310º do Código Civil.

s) Entendemos que, nesta matéria existe um erro na apreciação da prova constante dos autos, que determinou uma errada interpretação e aplicação da norma, no caso da alínea e) do artigo 310º do Código Civil.

t) Por conseguinte, uma vez que o credor não obteve espontaneamente dos devedores o cumprimento da obrigação em causa, defendemos que sob pena de limitação do seu direito, a exequente dispunha de 5 anos para exercer o seu direito à restituição dessas quantias.

u) O Douto Tribunal da Relação entende que o referido contrato PT ...92, não está sujeito ao prazo prescricional de 5 anos, a que se reporta a alínea e) do artigo 310º do Código Civil, mas sim ao prazo de prescrição ordinária de 20 anos, previsto no artigo 309º do mesmo código. O que quanto a nós configura uma violação da Lei substantiva, na interpretação e aplicação do referido preceito legal.

v) No que concerne ao contrato de mútuo com hipoteca (PT ...91) celebrado em 14/07/2011, entre a credora originária, Caixa Geral de Depósitos e a sociedade comercial mutuária F..., Lda. e, ainda, com terceiros na qualidade de fiadores, pelo qual a primeira concedeu um empréstimo de 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) também não concordamos com a decisão proferida nos autos de apelação em matéria de prescrição.

w) Neste caso, estamos na presença do típico contrato de mútuo bancário em que o reembolso da quantia emprestada foi objeto de um plano de amortização, composto por diversas prestações que integram uma parcela de capital (no caso com exceção 15 dos 6 meses de diferimento) e outra de juros remuneratórios, prestações essas a pagar periodicamente com prazos de vencimento autónomos.

x) O Douto Tribunal da Relação procedeu de forma correta à alteração oficiosa do ponto 2.3.3.1.8 da matéria de facto dada como assente em primeira instância, municiando-se da prova documental existente nos autos, porém, não utiliza a mesma prova documental junta aos autos, para verificar que após o incumprimento do contrato, no caso concreto, em Maio de 2013, o credor Caixa Geral de Depósitos interpelou os devedores mediante comunicações que lhes foram dirigidas, solicitando o pagamento integral das quantias em dívida (cf. artigo 43.º da contestação e documento n.º 4 junto com a contestação).

y) Para além da missiva endereçada pela Caixa Geral de Depósitos aos devedores, datada de 30 de Maio de 2013, mencionada na fundamentação vertida em primeira instância, para dar como provado o ponto 2.3.3.1.11. da matéria de facto, que o Tribunal da Relação manteve, temos ainda outras comunicações juntas aos autos pela exequente com a sua contestação, como é o caso da missiva datada de 20 de Fevereiro de 2013, respeitante ao primeiro contrato PT ...92, onde a credora denuncia esse contrato e interpela os devedores para no prazo de 30 dias liquidarem a quantia global de 151.654, 67 Euros, dos quais, 150.000,00 Euros correspondem a capital; 1.650,53 a comissões; 3.752,35 a juros e o montante de 466,13 Euros a impostos.

z) Regressando ao contrato de mútuo com hipoteca (PT ...91) temos ainda a missiva igualmente endereçada pela credora original aos devedores em 9 de Dezembro de 2016, pela qual esta concede o prazo de 15 dias para a regularização da quantia global de 652.885,11 Euros, dos quais, 246.551,88 correspondem à quantia total em dívida no contrato PT ...92, e a quantia de 406.333,23 Euros, respeitante ao contrato PT ...91.

aa) Não existindo razões objetivas para que o Douto Tribunal da Relação conceda num caso à prova documental uma força para dar como provado um facto, alterando por essa via um dos pontos da matéria assente, para posteriormente afastar a mesma prova documental (que no caso até foi oferecida nos autos pela mesma parte – exequente com a sua contestação) isto é, para não aceitar que os devedores foram interpelados ao cumprimento em 2013. 16

bb) A mesma prova documental utilizada para a prova de um facto não pode ser afastada para dar como provado outro, como foi feito no acórdão aqui recorrido.

cc) Não existindo razões objetivas para que o Douto Tribunal da Relação conceda num caso à prova documental uma força para dar como provado um facto, alterando por essa via um dos pontos da matéria assente, para posteriormente afastar a mesma prova documental (que no caso até foi oferecida nos autos pela mesma parte – exequente com a sua contestação) isto é, para não aceitar que os devedores foram interpelados ao cumprimento em 2013.

dd) Se o credor Caixa Geral de Depósitos interpelou a sociedade comercial mutuária F..., Lda. ao cumprimento, como resulta da prova documental junto aos autos, bem como, da própria fundamentação em sede de contestação aos embargos apresentado pela exequente em sede de apelação, não se vislumbra o entendimento sufragado, designadamente que não se verificou o vencimento antecipado das prestações em 2013.

ee) Não pode por isso aceitar-se a errada interpretação e aplicação realizada pelo Tribunal da Relação, relativamente aos artigos 781º e nº 1 do artigo 805º ambos do CC, porquanto existem sinais nos autos, no caso, documentais, que comprovam o vencimento dos créditos, isto é, das prestações futuras, pois das missivas juntas aos autos pelo credor resulta de forma inequívoca a exigência por parte deste do pagamento integral dos valores em débito.

ff) Porém, o credor apenas instaurou o processo executivo em 8 de Julho de 2021, tendo a executada que não é subscritora de nenhum dos contratos, sido citada dos referidos autos em 28 de Fevereiro de 2022.

gg) Tendo o credor Caixa Geral de Depósitos, S.A., procedido em 2013 à denúncia dos contratos, pondo, assim termo aos mesmos, tornando exigível o pagamento do capital e juros em dívida, operando o vencimento antecipado das prestações, ficando este em condições de poder exercer o seu direito, nos termos do n.º 1 artigo 306º do Código Civil tinha de instaurar a competente ação nos cinco anos subsequentes, sob pena de prescrição.

hh) Porém, o exequente apenas instaurou a execução em 8 de Julho de 2021, vindo a executada a ser citada dos referidos autos em 28 de Fevereiro de 2022.

ii) No caso dos autos, a citação ocorreu após a verificação da prescrição das dívidas.

jj) Não está assim em causa a data do primeiro incumprimento dos contratos, mas, o facto de o credor após ter denunciado os contratos e ter interpelado o devedor ao cumprimento não promoveu, como lhe competia, pela cobrança da sua dívida no prazo, ou seja, nos cinco anos subsequentes.

kk) A aplicação da Lei, no caso do artigo 310º do Código Civil, ao caso concreto, realizada pelo Tribunal da Relação de Évora, não nos parece a correta, e mostra-se contrária à Douta Jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

ll) Deste modo, em aplicação da jurisprudência assim fixada, que aqui seguimos, o prazo prescricional a considerar é de o de cinco anos, previsto na alínea e) do artigo 310º do Código Civil.

mm) O acórdão exarado nos autos deve por isso ser revogado, determinando-se a final que, a dívida encontra-se prescrita, o que conduz à procedência dos embargos deduzidos, confirmando-se assim a sentença proferida pela primeira instância.

Nestes termos, e com o sempre indispensável douto suprimento de V. Exa. deverá o presente recurso proceder, por provado e, em consequência ser anulado o douto acórdão proferido, assim fazendo V. Ex.ª, Venerandos Juízes Conselheiros, a costumada JUSTIÇA!”

6. A embargada/exequente contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

“I. A Recorrida vem insurgir-se contra a decisão do Tribunal a quem, por entender que todas as operações sub judice estão prescritas e que não poderia, pois, o Tribunal ter decidido pela continuidade da execução, fazendo, com o devido respeito, uma leitura incompleta do teor do acórdão.

II. A prescrição é o instituto jurídico pelo qual os direitos subjetivos se extinguem se não forem exercidos durante certo lapso de tempo fixado na lei (artigo 298°, n.º 1 do Código Civil), sendo que este instituto visa a certeza e a segurança do tráfico jurídico, bem como a proteção dos devedores, e exercer pressão sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efetivação, quando não queiram abdicar deles.

III. A circunstância de as prestações serem imediatamente exigíveis e o credor ter direito ao recebimento de todo o capital em dívida, por via do vencimento antecipado das prestações, não tem a virtualidade de transmutar a prescrição de curto prazo em prescrição ordinária, mas, como fez denotar o Tribunal ad quem, tal facto nada releva para a questão em causa, porquanto, nesse caso, a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida.

IV. Dos factos constantes dos autos, resulta que, em relação ao contrato de mútuo – operação n.º PT ...91 – estamos em presença de um contrato de mútuo bancário em que o reembolso da quantia emprestada foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas prestações que integram uma parcela de capital (no caso com excepção dos 6 meses de diferimento) e outra de juros remuneratórios, prestações essas a pagar periodicamente com prazos de vencimento autónomos, em que cada uma destas prestações mensais (capital e juros) está sujeita ao prazo prescricional de cinco anos, previsto na alínea e) do artigo 310º do Código Civil.

V. Em relação a este contrato não há que atender ao facto de o primeiro incumprimento do contrato ter ocorrido em Maio de 2013, pois, ao contrário do vertido na decisão do Tribunal a quo, o incumprimento do contrato, por falta de pagamento das prestações, sem mais, não implica o vencimento automático das prestações futuras, nos termos do artigo 781º do Código Civil, de modo a contar-se desta data o inicio do prazo prescricional, dependendo de interpelação do devedor nesse sentido.

VI. A este respeito peticionou a Recorrente que se considerasse que este contrato foi incumprido em 18/12/2019, conforme alegou no artigo 53º da contestação dos embargos, retificando, assim, a data de 04/10/2019 que havia invocado no requerimento executivo como sendo a data do vencimento antecipado das prestações deste mútuo.

VII. Deste modo, não tendo ocorrido o vencimento antecipado das prestações, estas continuaram a vencer-se nos prazos convencionados, contando-se a prescrição em relação a cada uma das prestações desde a data do respectivo vencimento.

VIII. Assim, tendo em conta que o contrato foi celebrado em 14/07/2011, e o reembolso do empréstimo ocorreria em 84 prestações, a última venceu-se em 14/07/2018, pelo que, tendo a execução sido instaurada em 08/07/2021 (data em a exequente manifesta a sua pretensão de exercício do direito), estão prescritas todas as prestações (capital e juros) vencidas para além dos 5 anos anteriores a esta data, ou seja as prestações anteriores à vencida em 14/07/2016, prosseguindo os autos para cobrança das restantes prestações de capital e juros devidas até ao termo do contrato em 14/07/2018, a liquidar em 1ª instância.

IX. Quanto ao contrato de abertura de crédito em conta corrente, correspondente à operação n.º PT ...92, o mesmo foi celebrado a 11 de Agosto de 1994, e alterado em 14 de Julho de 2011, ficando reduzido para o valor limite de 150.000,00€ (cento e cinquenta mil euros).

X. Foi dado como provado que ficou acordado entre as partes que o contrato teria a duração de 6 (seis) meses, renovável sucessivamente nos termos e efeitos mencionados na cláusula 6 do contrato e aditamento.

XI. E quanto ao pagamento de capital e juros consta do ponto 10 do documento de alteração ao contrato (Pagamento de capital e juros) que:

«10.1 – Os juros serão calculados dia a dia, sobre o saldo do capital em dívida, e serão liquidados e pagos postecipada e sucessivamente no termo de cada período de contagem de juros.

10.2 – Entende-se, para efeitos deste contrato, por período de contagem de juros o trimestre.

10.3 – O capital será reembolsado no termo do prazo do contrato ou, em caso de prorrogação, no termo do último prazo prorrogado.» , ou seja, no caso do presente contrato não se verificam os pressupostos conducentes à aplicação do prazo prescricional de curta duração.

XII. Não estamos, pois, em presença de um típico contrato de mútuo, no qual o reembolso da quantia emprestada foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas prestações que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, prestações essas a pagar periodicamente com prazos de vencimento autónomos, em que cada uma destas prestações mensais (capital e juros) está sujeita ao prazo prescricional de cinco anos, previsto na alínea e) do artigo 310º do Código Civil.

XIII. No contrato em causa o reembolso do capital só é exigível no termo do contrato ou da última prorrogação e os juros, de acordo com o programa contratual, não são pagos juntamente com o capital, pelo que este contrato não está sujeito ao prazo prescricional de 5 anos, a que se reporta a alínea e) do artigo 310º do Código Civil, mas sim ao prazo de prescrição ordinária de 20 anos, previso no artigo 309º do mesmo código, o que, aliás, tendo vindo a ser o entendimento da Jurisprudência.

XIV. Datando a alteração do contrato de 14/09/2011 e tendo a execução sido intentada em 8 de Julho de 2021, é manifesto que não ocorreu o prazo de prescrição ordinária, no que se reporta ao capital em dívida.

XV. Como denota o Tribunal ad quem, é irrelevante saber se o contrato em causa foi declarado incumprido com efeitos a 15/12/2012, como pretende a exequente, ou se o primeiro incumprimento ocorreu em Maio de 2013, como alega no artigo 43 da contestação aos embargos, sendo certo que, com a missiva de 20/02/2013 (carta dirigida à sociedade devedora), a Caixa Geral de Depósitos, S.A., procedeu à denúncia do contrato, pondo, assim termo ao mesmo, tornando exigível o pagamento do capital em dívida;

XVI. Andou, pois, bem, o Tribunal ad quem considerando-se apenas prescritas as prestações referentes ao contrato de mútuo (PT ...91), celebrado em 14/07/2011, vencidas para além dos cinco anos anteriores à data da instauração da execução, e em relação ao contrato de abertura de crédito em conta corrente (PT ...92), alterado em 14/07/2011, julgando apenas prescrito o crédito de juros que ultrapasse os 5 anos anteriores à citação da executada.

XVII. A decisão proferida não padece, assim, de qualquer vicio ou, sequer, interpretação errónea da matéria de facto ou de direito, não merecendo reparo o acórdão proferido.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser considerado improcedente o Recurso interposto, concluindo-se pela improcedência de todas as suas conclusões do Recorrente e mantendo-se, quando à parte circunscrita da instância recursiva, a decisão sob recurso, assim se fazendo JUSTIÇA”.

7. Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. A revista tem por objeto as seguintes questões: prescrição do crédito exequendo emergente do contrato de abertura de crédito em conta corrente; prescrição do crédito emergente do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 14.07.2011.

2. Primeira questão (prescrição do crédito exequendo emergente do contrato de abertura de crédito em conta corrente)

2.1. As instâncias (com alteração introduzida pela Relação) deram como provada a seguinte

Matéria de facto

1. Nos autos principais, serve como título executivo o contrato com Hipoteca n.º PT ...92, celebrado a 11 de Agosto de 1994, entre credora originária e a sociedade executada F..., Lda. e, ainda, com os executados AA, BB, CC e DD, na qualidade de fiadores, conforme documento junto com o requerimento executivo, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

2. Nos termos do mencionado contrato, a cedente concedeu à sociedade, a seu pedido e no seu legítimo interesse, uma abertura de crédito de utilização simples, no montante de $ 100.000.000,00 (cem milhões de escudos), que corresponde a 498.798.06€ (quatrocentos e noventa e oito mil, setecentos e noventa e oito euros e seis cêntimos).

3. Tal contrato foi alterado em 14 de Julho de 2011 onde se estabeleceu a redução do montante de abertura de crédito em conta corrente para o valor limite de 150.000,00€ (cento e cinquenta mil euros).

4. Ficou ainda acordado entre as partes que o contrato teria a duração de 6 (seis) meses, renovável sucessivamente nos termos e efeitos mencionados na cláusula 6 do contrato e aditamento.

5. Mais se consignou que o capital em divida venceria juros a uma taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a 6 meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período de contagem de juros, arredondada para a milésima de ponto percentual mais próxima e acrescida de um "spread" de 5,5% donde resultava, à data, a taxa de juros nominal de 6,751% ao ano.

6. Nos autos principais, serve ainda como título executivo o contrato de Mútuo com Hipoteca n.º PT ...91, celebrado a 14 de Julho de 2011, entre credora originária e a sociedade executada F..., Lda. e, ainda, com os executados AA, BB, CC e DD, na qualidade de fiadores, conforme documento junto com o requerimento executivo, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

7. Nos termos do mencionado contrato, a cedente concedeu à sociedade, a seu pedido e no seu legítimo interesse, um empréstimo do montante de 350.000.00€ (trezentos e cinquenta mil euros), destinado a apoiar a redução de limite de empréstimo em conta corrente da sociedade e relativamente ao qual os executados se confessaram devedores.

8. Ficou ainda acordado entre as partes que o contrato teria o prazo global de 84 (oitenta e quatro) meses, sendo que nos primeiros 6 (seis) meses não ocorria amortização do capital e nos restantes 78 (setenta e oito) meses haveria amortização de capital, juros e outros encargos. [redacção anterior: “Ficou ainda acordado entre as partes que o contrato teria a duração de 6 (seis) meses, nos termos e efeitos mencionados na clausula 2 al. a) do Contrato”.]

9. Mais se consignou que o capital em divida venceria juros a uma taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a 6 meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período de contagem de juros, arredondada para a milésima de ponto percentual mais próxima e acrescida de um "spread" de 5,75% donde resultava, à data, a taxa de juros nominal de 7,499% ao ano.

10. O imóvel hipotecado, prédio urbano, sito no Pinhal ..., freguesia de ..., e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o n.º ...79 e descrito na Conservatória do Registo Predial ...sob o n.º ...42 da referida freguesia das respectivas operações ora mencionadas tem registo de propriedade em nome da embargante.

11. O primeiro incumprimento dos contratos acima referidos verificou-se em Maio de 2013 (cf. artigo 43.º da contestação e documento n.º 4 junto com a contestação).

12. Os créditos em causa nos presentes autos foram cedidos ao exequente.

13. Os autos principais de execução deram entrada em juízo a 8 de Julho de 2021.

2.2. O Direito

Tanto a 1.ª instância como a Relação alinharam pela jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 6/2022, de 30.6.2022, publicado no D.R., I série, de 22.9.2022, que reza assim:

I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.

I – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”

O art.º 310.º do Código Civil prevê situações em que, excecionalmente, a prescrição das obrigações fica sujeita a um prazo consideravelmente mais curto (cinco anos), face ao prazo regra de 20 anos (art.º 309.º do Código Civil). Trata-se de obrigações cujo cumprimento se traduz em prestações periódicas, em que a inércia do credor conduz a um acumular de dívida cuja exigência se pode revelar extremamente onerosa para o devedor.

Nelas se inclui, para além dos juros (alínea d)), as “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros” (alínea e)).

Estão em causa contratos de mútuo onerosos em que a obrigação de restituição do capital mutuado foi fracionada (prestações) o que consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas frações: uma de capital e outra de juros). Trata-se de um direito de crédito que tem por objeto uma obrigação de reembolso de dívida que foi alvo de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos. Este curto prazo de prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito (Vaz Serra, BMJ n.º 107, pág. 285).

Tal razão de ser de encurtamento do prazo de prescrição mantém-se no caso de vencimento antecipado da totalidade das prestações de capital, conforme se entendeu no mencionado AUJ n.º 6/2022.

O acórdão recorrido, se aplicou o prazo de cinco anos de prescrição às prestações de capital decorrentes do contrato de mútuo com hipoteca n.º PT ...91, celebrado em 14.7.2011, já não o fez em relação à obrigação de capital emergente do contrato de abertura de crédito em conta corrente n.º PT ...92, celebrado em 11.8.1994 e alterado em 14.7.2011 (tendo-se reduzido o montante de abertura de crédito em conta corrente para o valor limite de € 150 000,00 – ponto 3 da matéria de facto).

Para esse efeito, a Relação levou em consideração o teor desse contrato, nos termos que aqui se transcrevem:

“Está dado como provado que ficou acordado entre as partes que o contrato teria a duração de 6 (seis) meses, renovável sucessivamente nos termos e efeitos mencionados na cláusula 6 do contrato e aditamento.

Mais se consignou que o capital em divida venceria juros a uma taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a 6 meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período de contagem de juros, arredondada para a milésima de ponto percentual mais próxima e acrescida de um "spread" de 5,5% donde resultava, à data, a taxa de juros nominal de 6,751% ao ano.

E quanto ao pagamento de capital e juros consta do ponto 10 do documento de alteração ao contrato (Pagamento de capital e juros) que:

«10.1 – Os juros serão calculados dia a dia, sobre o saldo do capital em dívida, e serão liquidados e pagos postecipada e sucessivamente no termo de cada período de contagem de juros.

10.2 – Entende-se, para efeitos deste contrato, por período de contagem de juros o trimestre.

10.3 – O capital será reembolsado no termo do prazo do contrato ou, em caso de prorrogação, no termo do último prazo prorrogado.»

Face a este quadro factual, no acórdão recorrido ponderou-se o seguinte:

Ou seja, no caso do presente contrato não se verificam os pressupostos conducentes à aplicação do prazo prescricional de curta duração.

Efectivamente, não estamos em presença de um típico contrato de mútuo, no qual o reembolso da quantia emprestada foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas prestações que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, prestações essas a pagar periodicamente com prazos de vencimento autónomos, em que cada uma destas prestações mensais (capital e juros) está sujeita ao prazo prescricional de cinco anos, previsto na alínea e) do artigo 310º do Código Civil.

No contrato em causa o reembolso do capital só é exigível no termo do contrato ou da última prorrogação e os juros, de acordo com o programa contratual, não são pagos juntamente com o capital.

Deste modo, entende-se que o referido contrato não está sujeito ao prazo prescricional de 5 anos, a que se reporta a alínea e) do artigo 310º do Código Civil, mas sim ao prazo de prescrição ordinária de 20 anos, previsto no artigo 309º do mesmo código”.

E assim, constatando que o contrato fora alterado em 14.9.2011 e que a execução fora instaurada em 08.7.2021, a Relação arredou a prescrição (de 20 anos) atinente ao capital em dívida.

Somente quanto aos juros se entendeu, nos termos da alínea d) do art.º 310.º do Código Civil, que era aplicável o prazo de prescrição de cinco anos, estando prescrito o crédito de juros que ultrapassasse os cinco anos anteriores à citação da executada.

A recorrente rebela-se contra este entendimento, mas a verdade é que não demonstra que, relativamente ao pagamento do capital mutuado no âmbito do contrato de abertura de crédito em conta corrente, o mesmo foi alvo de um plano de pagamento escalonado no tempo, traduzido em prestações periódicas.

Ora, conforme se aponta no acórdão do STJ de 30.11.2022, processo n.º 448/21.7T8MAI-A.P1.S1, tendo como referência os trabalhos preparatórios de Vaz Serra, na alínea e) do art.º 310.º do CC adotou-se a solução na altura consagrada no B.G.B.: “com os juros devem prescrever as quotas de amortização, se deverem ser pagas como adjunção aos juros (Código alemão § 197), pois, se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com a estipulação de quotas de amortização, se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros.”

Conforme se realça no citado acórdão do STJ (consultável, assim como os adiante citados, em www.dgsi.pt), outra não podia ser a solução, “uma vez que seria, no mínimo, estranho, o concurso de duas prescrições com prazos distintos sobre as mesmas prestações compósitas (uma quanto aos juros e outra quanto à amortização do capital)”.

As prescrições de curto prazo das alíneas d) e e) do art.º 310.º do Código Civil abrangem inequivocamente as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas, englobando o pagamento de juros convencionais e a amortização de capital mutuado, com origem na celebração de um contrato de mútuo, como sucede com o crédito exequendo consubstanciado no contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 14.07.2011. Mas já não o crédito de capital emergente do contrato de abertura de crédito em conta corrente, em relação ao qual, como se frisou no acórdão recorrido, não se estabeleceu um plano de pagamento fracionado no tempo, mediante prestações periódicas.

Neste sentido se decidiu, também, no acórdão da Relação de Coimbra, de 24.01.2023, processo n.º 1901/21.8T8SRE-A.C1, citado no acórdão recorrido.

Efetivamente, tendo sido estipulado que o capital mutuado seria pago numa única prestação, no termo do prazo do contrato ou, em caso de prorrogação, no termo do último prazo prorrogado, tanto basta para excluir a obrigação de reembolso do capital do âmbito da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, pois ela pressupõe que a dívida de capital seja paga por partes, em prestações. Acresce, a favor de tal exclusão, que, de acordo com o programa contratual, os juros não eram pagos conjuntamente com o capital.

Não se aplicando a tal obrigação qualquer outro prazo especial de prescrição, vale o prazo ordinário (vinte anos) previsto no art.º 309.º do Código Civil.

Nesta parte, pois, a revista improcede.

3. Segunda questão (prescrição do crédito emergente do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 14.07.2011)

Está assente nestes autos que a este contrato, que é um contrato de mútuo cujo pagamento, de capital e juros, foi contratualmente programado em prestações mensais, é aplicável o prazo prescricional de cinco anos, previsto nas alíneas d) e e) do art.º 310.º do CC.

Nos embargos a embargante/executada alegou que a embargada/exequente não fez prova de que a devedora originária e os garantes não pagaram nem que foram interpelados para o efeito.

Por sua vez, na contestação aos embargos, a embargada/exequente alegou que o primeiro incumprimento ao contrato se verificou em maio de 2013 (art.º 43.º da contestação), tendo a devedora, nessa sequência, sido interpelada para regularizar a situação devedora. Seguiram-se negociações para reestruturação da dívida, que não chegaram a bom porto. Em dezembro de 2016 a sociedade mutuária e os avalistas/fiadores foram interpelados para procederem à regularização da situação devedora. Em outubro de 2019 e na sequência da declaração de insolvência da sociedade mutuária, a CGD comunicou o vencimento da totalidade do crédito (art.º 50.º da contestação). No art.º 53.º da contestação a exequente/embargada afirma que o incumprimento desta operação de crédito ocorreu em 18.12.2019, e não em 04.10.2019, conforme indicado no requerimento executivo.

Na sentença a 1.ª instância entendeu que, tendo-se provado que o “primeiro incumprimento” ocorrera em 2013 (n.º 11 dos factos provados), a prescrição (de cinco) anos dos créditos exequendos já ocorrera aquando da propositura da execução (08.7.2021).

Na apelação que interpôs, a embargada/exequente pugnou por que se desse como provado que esta operação de crédito foi considerada incumprida em 18.12.2019.

A apelada pugnou pela manutenção da sentença recorrida.

A Relação, no acórdão recorrido, ponderou que o facto de se ter provado que o “primeiro incumprimento” ocorrera em maio de 2013 era irrelevante, para o efeito da prescrição do crédito. Efetivamente, segundo o entendimento claramente maioritário, o vencimento antecipado das prestações, decorrente da falta de realização de uma delas, previsto no art.º 781.º do Código Civil, não ocorre automaticamente, a menos que exista convenção contratual nesse sentido. Assim, na falta de convenção em contrário, nas dívidas a prestações ou fracionadas, a omissão de pagamento de uma prestação confere tão-só ao credor a faculdade de interpelar o devedor para cumprir, sob pena de vencimento antecipado das restantes (cfr., v.g., Ana Afonso, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 1070, 1071).

Assim, no caso do contrato sub judice, nada mais se tendo provado além do citado “primeiro incumprimento”, o contrato manteve-se em execução até ao seu termo, previsto para 14.7.2018 (pois o contrato foi celebrado em 14.7.2011 e cumprir-se-ia em 84 prestações mensais – n.ºs 6 a 8 dos factos provados).

Assim sendo, como se ponderou no acórdão recorrido, a pretensão da exequente, de que se considerasse o dito contrato definitivamente incumprido em 18.12.2019, é inócua para a decisão, pois nessa data já se vencera a última das prestações convencionadas.

Isto exposto, como se aduziu no acórdão recorrido, tendo a execução sido instaurada em 08.7.2021, estão prescritas as prestações (capital e juros) vencidas além dos cinco anos anteriores a esta data, isto é, anteriores a 14.7.2016.

É certo que a embargante/executada vem agora, na revista, afirmar que as prestações desse contrato se venceram antecipadamente em 30 de maio de 2013, por interpelação então efetuada pela credora Caixa Geral de Depósitos mediante comunicações que foram dirigidas aos devedores.

Vejamos.

Por um lado, nos embargos a embargante negou qualquer interpelação, pelo que essa alegação se apresenta, agora, como uma questão nova, insuscetível de conhecimento oficioso, que não pode, assim, ser apreciada por este tribunal ad quem, como é jurisprudência reiterada deste STJ (cfr., v.g., acórdãos de 29.01.2014, processo n.º 1206/11.2TBCHV.S1; de 02.6.2015, processo n.º 505/07.2TVLSB.L1.S1; de 16.6.2016, processo n.º 623/05.1TBSLV.E2.S1; de 08.10.2020, processo n.º 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1; de 11.11.2020, processo n.º 4456/16.1T8VCT.G2.S1).

De resto, tal interpelação não consta na matéria de facto provada.

É certo que a recorrente censura a Relação por, tendo-se “municiado” da prova documental existente nos autos para alterar oficiosamente o ponto 8 da matéria de facto, não utilizou a restante prova documental para dar como provada essa interpelação.

Ora, em regra, o STJ não interfere na fixação da matéria de facto.

Na Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26.8) anuncia-se que “[f]ora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito” (art.º 46.º).

Com efeito, estipula o n.º 3 do art.º 674.º do CPC que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Em consonância, no julgamento da revista o STJ aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado “[a]os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido” (n.º 1 do art.º 682.º do CPC) e, reitera-se no n.º 2 do art.º 682.º, “[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”.

À Relação, como tribunal de segunda instância e em caso de impugnação da matéria de facto, caberá formular o seu próprio juízo probatório acerca dos factos questionados, de acordo com as provas produzidas constantes nos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do disposto nos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.ºs 4 e 5 do CPC.

Nos termos do disposto no n.º 662.º n.º 4 do CPC, das decisões da Relação tomadas em sede de modificabilidade da decisão de primeira instância sobre matéria de facto não cabe recurso ordinário de revista para o STJ.

O STJ apenas interferirá nesse juízo se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogismo ou assente em factos não provados (neste sentido, cfr., v.g., acórdãos do STJ de 08.11.2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-A.E1.S1, 30.11.2021, proc. n.º 212/15.2T8BRG-B.G1.S1 e de 14.07.2021, proc. 1333/14.4TBALM.L2.S1). Efetivamente, nesses casos estará em causa exclusivamente uma questão de direito, isto é, a aplicação e interpretação de regras jurídicas que regem a prova.

Ora, in casu a Relação fixou a matéria de facto provada de acordo com os poderes que lhe são conferidos, não se vislumbrando que, nessa tarefa, exorbitou ou ficou aquém dos limites que a lei para o efeito estabelece.

A recorrente não invoca nenhum meio de prova que imponha a demonstração de um determinado facto que esteja indevidamente omitido na decisão de facto. Efetivamente, o que a recorrente (ora) invoca são documentos particulares, respeitantes a comunicações que a Relação, no seu livre alvedrio, não considerou demonstrarem a ocorrência de interpelação desencadeadora do vencimento antecipado das prestações referentes ao mútuo ora em análise. Aliás, no que concerne à invocada comunicação de 30 de maio de 2013, nada mais é do que um “alerta”, dirigido pela CGD à devedora, em relação a “atrasos” verificados quanto aos empréstimos aí mencionados.

Nesta parte, pois, o acórdão recorrido também não merece censura.

Em suma, a revista é improcedente.

III. DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a revista improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido.

As custas da revista, na modalidade de custas de parte, são a cargo da recorrente, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 529.º do CPC).

Lx, 12.3.2024

Jorge Leal (Relator)

Nelson Borges Carneiro

António Magalhães