Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA DEFEITOS DENÚNCIA CADUCIDADE RECONHECIMENTO DO DIREITO PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ200802210012717 | ||
| Data do Acordão: | 02/21/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : | 1. Ressurgindo um defeito de um imóvel por ter sido deficientemente reparado pelo vendedor-construtor no âmbito da sua responsabilidade pelos vícios de construção e acabamentos, sendo esse reaparecimento denunciado dentro do prazo de cinco anos a contar da entrega e até um ano após o seu conhecimento pelo comprador (nº 3 do artigo 916º do Código Civil), é desde a segunda denúncia que se conta o prazo de um ano para o exercício do direito à respectiva reparação (artigo 917º do Código Civil). 2. Sendo esse direito exercido judicialmente, o comprador dispõe do prazo de um ano a contar da segunda denúncia para propor a acção, por se tratar de um prazo de caducidade (nº 1 do artigo 298º do Código Civil e nº 1 do artigo 267º do Código de Processo Civil). 3. Sendo relevante o momento da propositura da acção, não impediria a caducidade (cfr. nº 2 do artigo 331º do Código Civil) um eventual reconhecimento do direito, por parte do construtor-vendedor, posterior àquele momento. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 24 de Abril de 2003, AA e mulher, BB propuseram, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, contra S... – Sociedade de Construções Santiais, Lda, uma acção ordinária destinada a obter a condenação da ré na reparação de determinados defeitos detectados na fracção que por ela, construtora da mesma, lhes foi vendida, para habitação. Pediram, ainda, a sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais (€ 18.500) e não patrimoniais (€ 25.000), acrescida dos devidos juros. Subsidiariamente, para o caso de se entender que deviam ser eles, autores, a suportar a realização das obras correspondentes, pediram o pagamento de uma indemnização, acrescida dos juros legais, por danos patrimoniais (€ 48.404,70) e não patrimoniais (€ 25.000). A ré contestou, sustentando, para o que agora interessa, a caducidade do direito invocado pelos autores. Subsidiariamente, alegou ter já procedido à reparação dos defeitos de construção, sendo os demais da responsabilidade dos autores. A autora respondeu à excepção de caducidade na réplica. Por sentença de 11 de Outubro de 2005, de fls. 261, a acção foi julgada parcialmente procedente. A ré foi condenada a pagar a cada um dos autores a quantia de € 7.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais e a pagar a ambos a quantia que vier a ser liquidada para a reparação dos defeitos apurados, para a limpeza subsequente e para a preparação do imóvel com vista à realização das obras. A ré interpôs recurso. Por acórdão de 19 de Outubro de 2006, de fls. 378, o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu provimento parcial à apelação. Confirmou a não verificação da caducidade oposta pela ré, manteve a sua condenação, embora, somente, na realização das “obras de reparação dos defeitos apurados” (esclarecendo, todavia, que “neste dever de reparação se integra a limpeza da própria coisa, a que na sentença se faz referência, bem como dos móveis e sua remoção e acondicionamento”) e absolveu-a quanto ao mais. De novo recorreu a ré, agora para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo o recurso admitido como revista (despacho de fls. 401). 2. Nas alegações então apresentadas, a recorrente, expressamente, reduziu o âmbito do recurso à apreciação da decisão de improcedência da excepção de caducidade do direito de acção, formulando as seguintes conclusões: “A. Os A.A. começaram a habitar no apartamento dos autos desde 14/05/2001, tendo logo e imediatamente nele detectado vícios e defeitos que denunciaram à Ré, denúncias essas que se prolongaram no tempo desde então. B. Esses vícios e defeitos foram pela Ré reparados, corrigidos e eliminados deficientemente entre Maio e finais de Outubro de 2001, tendo ressurgido. C. Os A.A. adquiriram a propriedade do fogo dos autos em 29/10/2001, tendo nos finais desse mês e ano denunciado verbalmente à Ré o ressurgimento dos mesmos vícios e defeitos deficientemente reparados. D. A carta de denúncia de 03/05/2002 mais não representa do que a repetição e a confirmação das anteriores reclamações dos A.A., já que o respectivo teor é idêntico ao das denúncias efectuadas entre Maio e Outubro de 2001 e nos finais deste último mês e ano. E. Os A.A. puderam exercer o seu direito à reparação dos vícios e defeitos deficientemente corrigidos a partir de finais de Outubro de 2001, data em que, após a aquisição do imóvel dos autos, formularam as correspondentes denúncias verbais, dispondo do prazo de 1 ano para intentarem a correspondente acção judicial. F. O referido prazo de 1 ano consumou-se em 30/10/2002, tendo a acção judicial apenas sido proposta em Juízo em 23/04/2003, por conseguinte, decorrido que se encontrava já o invocado prazo, pelo que o direito dos A.A. à reparação dos vícios e defeitos do apartamento dos autos caducou. G. A caducidade extinguiu o direito dos A.A. à reparação, do qual e por conseguinte a Ré deveria ter sido absolvida. H. Ao terem decidido de forma diversa, os Srs. Juízes Desembargadores violaram o preceituado nos artºs. 279° b) e c), 296°, 329°, 331° nº 1 e 1.225° n° 2 do Código Civil, pelo que com esse fundamento deve ser o acórdão recorrido revogado.” Os autores contra-alegaram. Sustentaram, em síntese, que, ao afirmar, nas conclusões do recurso que interpôs, que “esses vícios e defeitos foram pela ré reparados, corrigidos e eliminados deficientemente entre Maio e finais de Outubro de 2001, tendo ressurgido”, a Recorrente reconheceu o direito dos recorridos, assim impedindo a caducidade: “o direito dos Recorridos de propor a presente acção não caducou por ter havido, no decurso do respectivo prazo de caducidade, reconhecimento do seu direito por parte da Recorrente, funcionando como causa impeditiva da caducidade, nos termos do artigo 331º, nº 2, do Código Civil”. 3. Está definitivamente provada a seguinte matéria de facto, para o que agora releva: a) Por contrato celebrado em 29 de Outubro de 2001, os autores compraram à ré a fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra G, correspondente ao 2º andar direito do prédio urbano que se encontra em regime de propriedade horizontal e se situa na Av. 5 de Outubro, ..., Lisboa; b) O referido prédio foi construído pela ré, que igualmente procedeu à promoção e venda das fracções autónomas que o constituem; c) Logo que a fracção lhes foi entregue, os autores detectaram diversos defeitos na construção e acabamentos respectivos, dando de imediato conhecimento à ré, para que fossem tomadas as providências necessárias à correcção e eliminação dos defeitos detectados; d) A ré entregou aos autores “todas as chaves do imóvel dos autos em 14-5-2001”; e) Após diversas conversas telefónicas entre as partes, o autor e o Engº Gameiro, “da Ré´”, ficou combinado que os autores lhes indicariam as anomalias encontradas, o que veio a suceder por meio de um fax enviado para o nº 21... (pertencente à Ré) às 15h44m do dia 4 de Maio de 2002; f) Por este mesmo fax, os autores “fizeram saber à Ré, em pormenor, os inúmeros defeitos existentes no seu apartamento e garagem”, na qual existia uma grande fissura no tecto; g) Não houve resposta a esta comunicação; h) No tecto da cave foi encontrada uma fissura por onde se infiltra água quando se efectuam lavagens no piso superior; numa das paredes foi encontrada “humidade bastante acentuada”; i) Foram igualmente detectados defeitos nas diversas divisões da fracção, conforme descrição constante da sentença da primeira instância; j) A ré fez algumas intervenções com a finalidade de eliminar defeitos, mas a fracção continua a apresentar os que são referidos na sentença; l) Os autores passaram a habitar a casa a partir de meados de 2001 (com referência a 14 de Maio de 2001); m) Os vícios que os autores denunciaram à ré em 3 de Maio de 2002, por fax recebido no dia seguinte, são os mesmos que haviam sido denunciados em meados de 2001, que voltaram a aparecer, por ter sido mal executada a respectiva reparação, e que foram sendo comunicados verbalmente ao longo do tempo; n) Os autores viram a fracção antes de para ela irem habitar e tiveram a possibilidade de se aperceberem dos defeitos visíveis. 4. O âmbito do presente recurso está, portanto, limitado à questão da alegada caducidade do direito de propor a acção, nos termos permitidos pelo nº 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil. Trata-se de questão não apreciada pela 1ª Instância mas que a Relação julgou, entendendo que é à data de 3 de Maio de 2002 “que deve ser dada relevância e, assim, tangencialmente, embora, a acção foi posta em tempo. É que, se os vícios têm sido sanados, o problema teria morrido aí. A Ré não os reparou bem… obrigando a nova denúncia – que não é uma repetição de denúncia já feita, mas uma denúncia nova, na medida em que os defeitos mal colmatados se assumem como se fossem novos. Nem seria curial que o vendedor colhesse dividendos jurídicos (…) a partir de uma sua conduta indevida (…)”. 5. Assim limitado o objecto da revista, não há que questionar, por exemplo, se a condenação da ré na ”reparação dos defeitos apurados”, decidida pela Relação, é ou não mais correcta do que a condenação na “quantia que vier a ser liquidada como necessária para reparar os defeitos apresentados pelo imóvel”, como entendeu a 1ª Instância. Em qualquer caso, apenas cabe analisar se o direito dos autores à reparação dos defeitos estava ou não extinto por caducidade quando, em 24 de Abril de 2003, a acção foi proposta. Sendo o contrato em causa uma compra e venda de imóvel destinado “por sua natureza a longa duração”, tendo o mesmo sido celebrado em 29 de Outubro de 2001 e sendo a ré, simultaneamente, a construtora do prédio e a vendedora da fracção adquirida pelos autores, é aplicável ao caso o disposto nos artigos 914º, 916º e 1225º, nº 3, do Código Civil, na redacção que aos últimos dois preceitos foi dada pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro. Não se colocam, portanto, algumas dificuldades levantadas no domínio da lei anterior, tratadas no Assento nº 2/97, de 14 de Dezembro de 1996, deste Supremo Tribunal (cfr., ainda, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 2002, proc. nº 02A4587, ou de 18 de Dezembro de 2003, proc. nº 03A2979, disponíveis em www.dgsi.pt). Assim, para ser reconhecido o direito à reparação dos defeitos dados como provados nesta acção, relativamente aos quais se não põe em dúvida que, substantivamente, se enquadram nos requisitos de relevância exigidos pelo nº 1 do artigo 913º, também do Código Civil, é necessário que tenham sido denunciados nos cinco anos posteriores à entrega (nº3 do artigo 916º); que, dentro destes cinco anos, a denúncia se tenha efectuado no prazo de um ano a contar do seu conhecimento; e que, feita a denúncia, o direito à reparação tenha sido exercido dentro do ano seguinte, sob pena de caducidade (artigos 917º e 298º, nº 2, do Código Civil). Torna-se, pois, indispensável saber se a acção foi proposta com respeito deste último prazo. A recorrente sustenta, como se viu, que esse prazo foi largamente ultrapassado, pois terminou a 30 de Outubro de 2002, já que a fracção foi entregue em 14 de Maio de 2001; que, desde essa data até finais de Outubro de 2001, os autores denunciaram diversos defeitos que entendiam ser da sua responsabilidade; que ela, recorrente, os foi reparando, embora de forma deficiente, tendo voltado a surgir; e, finalmente, que é a esses mesmos defeitos que se refere o fax de 3 de Maio de 2002, razão pela qual vale apenas como “confirmação das anteriores reclamações dos AA”. Diversamente, os recorridos entendem que, ao manifestar “o propósito de proceder à (…) reparação” dos defeitos denunciados, a ré reconheceu o seu direito, e que esse reconhecimento, nos termos do nº 2 do artigo 331º do Código Civil, funcionou “como causa impeditiva da caducidade”. 6. Resulta da matéria de facto definitivamente assente que os recorridos denunciaram os defeitos que entendem dever ser reparados pela recorrente, quais são os defeitos que estão em causa e que a denúncia foi efectuada dentro de prazo de garantia dos cinco anos posteriores à entrega. Está também definitivamente provado que os defeitos descritos na comunicação enviada por fax à recorrente em 3 de Maio de 2002 e por ela recebida no dia seguinte (momento relevante, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 224º do Código Civil), são os mesmos que haviam sido denunciados, em prazo, em meados de 2001; que esses mesmos defeitos voltaram a aparecer por terem sido mal reparados pela recorrente; e que, desde que reapareceram até ao envio do fax, foram sendo comunicados à recorrente. O problema reconduz-se, portanto, a saber se o ano dentro do qual a acção devia ter sido proposta se conta desde Outubro de 2001, não relevando que entretanto a vendedora tenha efectuado obras de reparação e que, posteriormente, os defeitos tenham reaparecido por terem sido deficientemente reparados, ou desde a data de recepção do fax (4 de Maio de 2002), por se dever considerar como se de novos defeitos se tratasse os que assim reapareceram, não obstante a (reconhecidamente deficiente) reparação. Ora, a verdade é que basta atentar em que, por um lado, a lei deve ser interpretada presumindo que o legislador consagrou a solução mais acertada (artigo 9º, nº 3, do Código Civil); que, por outro, a boa fé é um dos princípios que deve nortear a actuação das partes em toda a vida de um contrato, e logo desde a sua negociação e formação (artigo 227º do Código Civil), quanto mais no seu cumprimento (artigo 762º, nº2, do mesmo Código); ou, finalmente, em que o equilíbrio entre as posições das partes num negócio oneroso é um valor central a proteger no direito dos contratos, para concluir que, para o efeito que agora releva, há-de ser considerado como se de novo defeito se tratasse o defeito que reaparece após uma reparação deficientemente executada pelo responsável. Ressurgindo um defeito de um imóvel, por ter sido mal reparado pelo vendedor-construtor no âmbito da sua responsabilidade pelos vícios de construção e acabamentos, e sendo esse reaparecimento denunciado, dentro do prazo de garantia, até um ano após o seu conhecimento pelo comprador, é desde esta segunda denúncia que se conta o prazo de um ano para o exercício do direito à reparação. Sendo esse direito exercido judicialmente – como foi o caso –, o comprador dispõe, portanto, de um ano a contar dessa segunda denúncia para propor a acção. Trata-se, na verdade, de um prazo de caducidade (art. 298º, nº 1, do Código Civil), relevando assim, para saber se a acção foi proposta em tempo, o momento da respectiva propositura, nos termos do nº 1 do artigo 267º do Código de Processo Civil. Tendo a acção sido proposta antes de decorrido um ano sobre a recepção do fax datado de 3 de Maio de 2002 – única data que é possível dar como assente para saber quando foi efectuada a segunda denúncia, sendo certo, aliás, que sempre caberia ao réu o ónus de provar a data de uma anterior (segunda) denúncia (nº2 do artigo 343º do Código Civil) –, não procede a excepção de caducidade oposta pela ré, como decidiu a Relação. 7. Os recorridos, como se viu, sustentaram nas contra-alegações da revista que a caducidade não se deu, por ter ocorrido reconhecimento do seu direito por parte da recorrente “no decurso do respectivo prazo de caducidade”. É sabido que, segundo o disposto no nº 2 do artigo 331º do Código Civil, o reconhecimento “por parte daquele contra quem deva ser exercido” de um direito disponível, cujo exercício a lei sujeite a um prazo de caducidade, impede que tal caducidade ocorra, passando então a aplicar-se as regras da prescrição, nos termos gerais. A verdade, todavia, é que – como aliás os recorridos afirmam – é necessário que esse reconhecimento se verifique antes de decorrido o prazo de caducidade. Ora, nem resulta dos factos provados que a ré tenha reconhecido o direito à reparação dos defeitos entre o fim de Outubro de 2001 e a data da propositura desta acção, nem relevaria um eventual reconhecimento que se pudesse retirar das alegações apresentadas no recurso de revista, porque o momento relevante para saber se ocorreu ou não a extinção por caducidade é o da propositura da acção (cfr. o já citado nº 1 do artigo 267ºdo Código de Processo Civil). 8. Nestes termos, nega-se provimento à revista. Custas pela recorrente. Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Fevereiro de 2008 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora) Lázaro Faria Salvador da Costa |