Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
374/04.4TBRMZ.E1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
EDIFÍCIOS CONTÍGUOS
TÍTULO CONSTITUTIVO
NULIDADE
PARTES COMUNS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE REVISTA DA RÉ E NEGADA A DA AUTORA
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: ARTIGO 1438-Aº
Jurisprudência Nacional: FERNANDA PAULO OLIVEIRA E DULCE LOPES (IMPLICAÇÕES NOTARIAIS E REGISTRAIS DAS NORMAS URBANÍSTICAS, PÁGS. 60/61); PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, CÓDIGO CIVIL ANOTADO, VOL. III, 2º ED, PÁG. 393;
Sumário :
I – O instituto da propriedade horizontal assenta no pressuposto de que cada uma das fracções resultantes da divisão não tem autonomia estrutural e só adquire autonomia funcional através da utilização de partes do edifício que necessariamente estão afectas ao serviço de outras fracções.

II – É a ligação funcional entre as fracções decorrentes da existência de partes comuns que permite que edifícios autónomos entre si se constituam em propriedade horizontal.

III – Faltam os requisitos para a constituição da propriedade horizontal, nos termos do art. 1438-A do C.C., quando entre dois edifícios contíguos não existem partes comuns que os unam, havendo uma total e completa autonomia entre eles, constituindo edifícios separados, sem qualquer ligação funcional, de tal modo que os telhados desses edifícios estão separados entre si, não existindo paredes, nem ligações de água, luz e telefone que sirvam essas duas fracções, situando-se os dois edifícios ao lado um do outro e estando separados pelos respectivos quintais.

III- Faltando os requisitos legalmente exigidos para a constituição da propriedade horizontal, tal poderá importar a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal e a sujeição do prédio ao regime da compropriedade.

IV – Tendo tal matéria sido objecto de reconvenção e de defesa por excepção, se os autores foram absolvidos da instância, com trânsito em julgado, relativamente à matéria do pedido reconvencional, não pode a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal ser declarada, na mesma acção, por via de excepção.

V- Embora subsista formalmente a escritura de constituição de propriedade horizontal, não há qualquer razão substancial para lhe ser aplicável, com as necessárias adaptações, o regime da propriedade horizontal.

VI – Havendo independência e autonomia estrutural absolutas das duas fracções, não existem quaisquer partes comuns a considerar, designadamente o telhado, nem se justifica a condenação na reconstrução dos elementos visíveis da parte demolida.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Em 16-11-04, AA e mulher BB instauraram a presente acção ordinária contra a ré CC – Sociedade de Construções, L.da, pedindo, com fundamento nos factos invocados na petição inicial, que a acção seja julgada procedente e a ré condenada:
a) – a reconhecer como comum a ambas as fracções, tal como determina o regime da propriedade horizontal, as partes que demoliu, designadamente: telhado, paredes mestras, alicerces e muro de divisão;
b) – a demolir as obras que efectuou, no prazo de 30 dias, que se reputa de suficiente;
c) – a efectuar as obras necessárias para reconstruir a sua arrecadação e logradouro, tal como consta do título constitutivo da propriedade horizontal;
d) a abster-se de utilizar a sua arrecadação a outro fim que não seja o que consta do título constitutivo da propriedade horizontal;
e) – a indemnizar os autores em valor a liquidar nos termos do disposto no art. 378, nº2, por força do art. 471, nº1, al. b), ambos do C.P.C.

A ré contestou, arguindo a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, por faltarem os requisitos legais para a sua constituição, já que as fracções estão separadas entre si, constituindo prédios completamente diferentes, não existindo partes comuns que as unam, ainda que funcionalmente.
Em reconvenção, pede:
- se declare a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal;
- se declare que autores e ré são, nos termos do disposto no art. 1416, nº1 do C.C., comproprietários do ajuizado prédio, na proporção de 56/100 para os primeiros e de 46/100 para segunda (sic) do prédio urbano sito na Rua S. João de Deus, nº …, e Rua Pinheiro Chagas nº …, em Reguengos de Monsaraz , descrita na Conservatória do Registo Predial de Reguengos de Monsaraz sob o nº 527/270287, da freguesia e concelho de Reguengos de Monsaraz e inscrito na respectiva matriz urbana sob o art. 4121 ( actualmente A e B), que se compõe de rés do chão e 1º andar destinada a habitação, composta por cozinha, despensa, casa de banho, quatro quartos, sala de jantar, sala de estar, três arrecadações e marquise, com a superfície coberta de 206 m2 e logradouro de 51 m2 e ainda rés do chão destinada a arrecadação composta de 5 divisões com a área de 82 m2 e logradouro de 142 m2 ;
- se ordene o cancelamento da inscrição F1, sob o prédio descrito sob o nº 0527/270287, da Conservatória do Registo Predial de Reguengos de Monsaraz .

Houve réplica.

No despacho saneador, os autores foram absolvidos da instância, com trânsito em julgado, do pedido reconvencional.

Por despacho de fls 220, foi indeferido o pedido de perícia colegial, formulado pela ré, quanto à matéria de facto dos artigos 7º a 10º da base instrutória, despacho de que a mesma ré a mesma ré interpôs recurso de agravo, que foi admitido com subida diferida.

Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que decidiu:

I- condenar a ré:

- a reconhecer como comum a ambas as fracções, o telhado, as paredes mestras e os alicerces ;
- a abster-se de utilizar a sua arrecadação a outro fim que não seja o que consta do título constitutivo da propriedade horizontal;
- a indemnizar os autores em valor a liquidar em execução de sentença com referência aos danos causados nos canteiros de flores e chão estragados.

II- Absolver a ré dos restantes pedidos contra si formulados.

Apelaram os autores e a ré.
A Relação de Évora, através do seu Acórdão de 18-6-09, decidiu:

1- Não tomar conhecimento do objecto do agravo.
2 – Julgar parcialmente procedente a apelação da ré e, consequentemente, revogando a sentença recorrida na parte referente à alínea a) do pedido, condenou a demandada a reconhecer, como parte comum do edifício, apenas o telhado da sua demolida fracção.
3 – Julgar parcialmente procedente a apelação interposta pelos autores, pelo que, revogando a sentença recorrida na parte respeitante à alínea c) do pedido, condenou a ré a reconstruir a fracção demolida, mas apenas na parte referente aos seus elementos “visíveis do exterior”.


Continuando inconformados, pedem revista quer a ré, quer os autores, onde resumidamente concluem:

Conclusões da ré:

1 – As questões relativas à validade ou invalidade substantiva dos negócios jurídicos estão apenas submetidas às regras do Código Civil.
2 – A norma do art. 8º do Cód. Reg. Predial, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo dec-lei 116/08, de 8 de Julho, tem por fim garantir a regularidade e validade os registos e, em consequência, o cancelamento dos registos, cujos negócios subjacentes ou o próprio registo tenham sido julgados nulos.
3 – Mas não tem por efeito impor a apreciação da validade de um negócio jurídico sujeito a registo, exclusivamente se submetido a juízo por via de acção ou de reconvenção.
4 – Sendo nulo o negócio jurídico, não pode produzir efeitos jurídicos entre os dois condóminos, nas suas relações imediatas.
5 – A sentença da 1ª instância, bem como o Acórdão recorrido, ao não apreciarem a excepção peremptória da nulidade da constituição da propriedade horizontal padecem da nulidade prevista no art. 668, nº1, al. d) do C.P.C.
6 –É a ligação funcional entre as fracções decorrentes da existência de partes comuns que permite que edifícios em paralelo e autónomos entre si se constituam em propriedade horizontal, nos termos do art. 1438-A do C.C.
7 - Como se demonstrou pelos factos provados sob os nºs 13º a 16º, os prédios do recorrente e recorridos gozam de total, completa e absoluta autonomia das duas fracções, constituindo edifícios separados sem qualquer ligação física ou funcional.
8 – Assim, faltam os requisitos legais para a constituição da propriedade horizontal, o que importa a declaração da nulidade absoluta do título constitutivo da propriedade horizontal – art. 1416, nº1, do C.C.
9 – Mesmo que se considerasse válido o título constitutivo, a verdade é que a separação dos prédios é de tal forma evidente que, nos mesmos, não é possível identificar uma única parte comum aos prédios da recorrente e dos recorridos.
10 – O que aconteceu foi que foi celebrado, com fraude à lei, um negócio jurídico de constituição de propriedade horizontal, quando apenas se podia ter requerido um destaque, que é a forma jurídica adequada à separação dos prédios identificados no registo como um só, quando na verdade constituem dois prédios autónomos.
11 – Por outro lado, foram juntos, em audiência de julgamento, documentos que demonstram que nem os próprios recorridos atenderam ao facto do prédio estar constituído em regime de propriedade horizontal, pois alteraram fachadas, abriram janelas e fecharam portas.
12 – Tais factos importariam a ampliação da matéria de facto, que não ocorreu, nos termos dos arts 264, nº2, 515 e 664 do C.P.C.
13 – Esta omissão conduz a que, nos termos do disposto no art. 712, nº5, do C.P.C., deva ser anulada a decisão da 1º instância, formulando-se quesitos que respondam à factualidade em causa.
14 – Com efeito, tal factualidade, a provar-se, leva a que a actuação dos recorridos se qualifique como “venire contra factum proprium” e constitui abuso do direito, nos termos do art. 334 do C.C.
15 – Nem mesmo o telhado da casa e que foi demolido é parte comum.
16 – Nenhuma unidade funcional existe entre os prédios em questão e os telhados estavam total e completamente separados.
17 – Deve ser revogado o Acórdão recorrido e declarar-se que inexistem partes comuns que sejam afectas aos prédios de recorrentes e recorridos, absolvendo-se a ré do pedido.

Conclusões dos autores:

1 – No que respeita à decisão sobre as partes comuns do edifício e considerando que apenas se condena a recorrida a reconhecer o telhado como parte comum a ambas as fracções, foi violado o art. 1421, nº1, al. a), do C.C., na parte em que expressamente prescreve como partes comuns dos edifícios: o solo, os alicerces, as paredes mestras.
2 – Ainda no que respeita à decisão sobre as partes comuns do edifício e considerando que apenas se condena a recorrida a reconhecer o telhado como parte comum a ambas as fracções, sem que se fundamente tal decisão, foi violado o disposto no art. 668, nº1, al. b) do C.P.C.
3 – Os recorrentes pediram que a recorrida fosse condenada na demolição e reconstrução da fracção tal como consta do título constitutivo da propriedade horizontal.
4 – A primeira instância considerou assente a factualidade que a Relação não criticou, designadamente que a recorrida construiu pilares para a construção de três andares.
5 – Encontra-se ainda assente que a recorrida é proprietária tão só de uma fracção de rés do chão, destinada a arrecadação.
6 – Existe, por isso, manifesta contradição entre os factos provados que lhe servem de fundamento e o Acórdão recorrido, pelo que este violou o art. 668, nº1, al. c) do C.P.C.
7 – A recorrida deve ser condenada nos termos do pedido.

Não houve contra-alegações.


Corridos os vistos, cumpre decidir.


A Relação considerou provados os factos seguintes:

1. – Mediante a ficha nº 00527/270287, da Conservatória do Registo Predial de Reguengos de Monsaraz, o edifício sito na Rua de S. João de Deus, nº …, em Reguengos de Monsaraz, é descrito com o sendo composto de rés do chão, primeiro andar e quintal, ostentando nove compartimentos, destinados a habitação, no rés do chão, e um compartimento destinado a celeiro, no 1º andar, estando inscrito na matriz sob o art. 4.121 (al. a) dos factos assentes).

2. – Em escritura lavrada em 13 de Julho de 1995, no Cartório Notarial de Reguengos de Monsaraz, M… J… F… declarou “ (…) Que lhe pertence o prédio urbano de rés do chão e primeiro andar, sito na Rua de S. João de Deus, nº …, na freguesia e concelho de Reguengos de Monsaraz (…). Que, pela presente escritura por o prédio satisfazer os requisitos legais, submete-o ao regime da propriedade horizontal, com as seguintes fracções autónomas independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para a via pública. Fracção A (…) para qual fixam a percentagem de cinquenta e quatro por cento do valor total do prédio. Fracção B (…) para a qual fixam a percentagem de quarenta e seis por cento do valor total do prédio (…) (alínea b) dos factos assentes)

3. Em escrito alusivo ao edifício referido no escrito reproduzido na alínea a) dos factos assentes, a Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz declarou que (…) Depois de vistoriado o edifício, é esta Comissão de parecer por unanimidade que o mesmo tem condições para ser dividido em duas fracções autónomas e independentes; cada uma das fracções satisfaz inteiramente os requisitos exigidos pelo Código Civil (…) alínea c) dos factos assentes).

4. Pela cota F-1da ficha nº 005277270287 da Conservatória do Registo Predial de Reguengos de Monsaraz, acha-se registada a “ (…) constituição da propriedade horizontal, fracções e percentagens: A-54% e B -465 (…)“ (alínea d) dos factos assentes).

5. Pela cota G-1 da ficha 00527/270287-A da Conservatória do Registo Predial de Reguengos de Monsaraz, elaborada com base na ap.077170895, o edifício designado pela letra “A “ do prédio urbano sito na Rua de S. João de Deus, nº …, em Reguengos de Monsaraz, composto de rés do chão e primeiro andar, com cozinha, despensa, casa de banho, quatro quartos, duas salas, arrecadações, marquise e logradouro, acha-se inscrito a favor dos autores, por compra (alínea e) dos factos assentes).

6. Em escritura lavrada no dia 19 de Fevereiro de 2004, no Cartório Notarial de Reguengos de Monsaraz, M… F… P… P… e J… R… P…, aí identificados como "Primeiro" e F… M… N… e C… R… e J… M… C… R…, aí identificados como "Segundo" e como (...) gerentes em representação da sociedade comercial por quotas CC - Sociedade Construções, Limitada" (...)" declararam, respectivamente, que: (…) VENDEM à representada dos segundos outorgantes a "CC - SOCIEDADE CONSTRUÇÕES, LIMITADA" (…) edifício letra "B", correspondente ao rés-do-chão com entrada pela Rua Pinheiro Chagas, nº …, destinada a arrecadação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito à mencionada Rua Pinheiro Chagas, … e Rua São João de Deus, …, na vila, freguesia e concelho de Reguengos de Monsaraz; descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número quinhentos e vinte sete da freguesia de Reguengos de Monsaraz (...) e que (...) ACEITAM para a sua representada a presente venda nos termos exarados. (...)"; (alínea f) dos factos assentes).

7. - Pela cota G-3 da ficha nº" 00527/270287-B da Conservatória do Registo Predial de Reguengos de Monsaraz o edifício designado pela letra "B" do prédio urbano sito na Rua Pinheiro Chagas nº …, em Reguengos de Monsaraz, destinado a arrecadação e composto de rés-do-chão com 5 divisões e logradouro acha-se inscrito a favor da Ré (alínea g) dos factos assentes).

8. - Em escrito datado de 12 de Julho de 2004 encimado pela menção "Acta nº1", escreveu-se "( .. ) reuniram-se AA e J… M… C… R… como representante da CC para a Assembleia Geral com os seguintes pontos da ordem de trabalhos - Ponto 1 - Eleição do Administrador - Ponto 2 Discussão e deliberação das obras a decorrer na fracção B na Rua Pinheiro Chagas nº … em Reguengos de Monsaraz. (...) Foi deliberado que o administrador do condomínio será o Sr. AA (...) No ponto 2 foi discutido e deliberado votar contra as obras na fracção B pelo proprietário da fracção A, em virtude da maior percentagem (...) (alínea h) dos factos assentes).

9. - Em Agosto de 2003, a Ré demoliu as paredes exteriores e interiores do edifício a que alude a alínea g) da especificação (alínea i) dos factos assentes).

10. - As edificações a que alude as alíneas e) e g) da especificação tem entradas separadas entre si (alínea j) dos factos assentes).

11. - Em auto de embargo camarário alusivo a trabalhos realizados na Rua Pinheiro Chagas nº … em Reguengos de Monsaraz e datado de 24 de Março de 2004, a Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz declarou que a Ré procedia "( ... ) a obras (. .. ) de construção de um prédio (...) e que ( ... ) estava levando a efeito sem projecto aprovado e sem licença de construção ( ... )” ( alínea K) dos factos assentes).

12. - Em Agosto de 2003, a Ré demoliu o muro que separa o edifício a que alude a alínea g) da especificação daquele que é referido na alínea e) da especificação (resp. ques. 1º).

13. - Em Agosto de 2003, a Ré procedeu a escavações no edifício a que alude a alínea g) da especificação (resp. ques. 2º).

14. - Em virtude do facto a que alude o quesito 2°, os canteiros de flores e o chão do pátio do edifício referido na alínea e) da especificação ficaram estragados (resp. ques.3º).

15. - Na sequência do facto a que a que alude o quesito 1°, a Ré iniciou a construção dos pilares para implantação de um prédio com rés-do-chão, primeiro e segundo andar (resp. ques. 4º).

16. - Na sequência do facto a que alude o quesito 1º, qualquer pessoa tem facilitada a entrada no edifício a que alude a alínea e) da especificação (resp. ques.5º).

17. - Em virtude do facto a que alude o quesito 5°, os Autores tem receio de que venham a ocorrer assaltos e sentem-se ansiosos e consternados (resp. ques. 6º).

18. - Os telhados dos edifícios a que aludem as alíneas e) e g) da especificação estão separados entre si (resp. ques. 7º).

19. - Não existem paredes que sirvam os edifícios a que aludem as alíneas e) e g) da especificação (resp. ques. 8º).

20. - Não existem ligações de água, luz ou telefone que sirvam os edifícios a que aludem as alíneas e) e g) da especificação (resp. ques. 9º).

21. - Os edifícios a que aludem as alíneas e) e g) da especificação situam-se ao lado um do outro e estão separados pelos respectivos quintais (resp. ques.10º).


Vejamos agora o mérito dos recursos:

Revista da ré:

Pela ficha nº 00527/270287, da Conservatória do Registo Predial de Reguengos de Monsaraz, o edifício sito na Rua S. João de Deus, nº … em Reguengos de Monsaraz, encontra-se descrito como sendo composto por rés do chão, primeiro andar e quintal, ostentando nove compartimentos destinados a habitação, no rés do chão, e um compartimento destinado a celeiro, no 1º andar, inscrito na respectiva matriz sob o art. 4.121.
Pela escritura de 13 de Julho de 1995, cuja fotocópia constitui documento de fls 19 e segs, o referido prédio foi submetido ao regime da propriedade horizontal, com duas fracções autónomas independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para a via pública, a saber:
Fracção A - constituída por rés do chão e primeiro andar, destinada a habitação, com entrada pela Rua S. João de Deus, nº …, composta por cozinha, despensa, casa de banho, quatro quartos, sala de jantar, sala de estar, três arrecadações, marquise e logradouro, com a área coberta de 236 m2 e descoberta de 58 m2;
Fracção B - constituída por rés do chão, com entrada pela Rua Pinheiro Chagas, nº …, destinada a arrecadação, composta por cinco divisões e logradouro, com a área coberta de 82 m2 e descoberta de 142 m2.

A propriedade horizontal é um direito real, regulado nos arts 1417 e segs.
O instituto da propriedade horizontal assenta no pressuposto de que cada uma das fracções resultantes da divisão não tem autonomia estrutural e só adquire autonomia funcional através da utilização de partes do edifício que necessariamente estão afectas ao serviço de outras fracções (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2º ed, pág. 393).
Até à publicação do dec-lei 267/94, de 25 de Outubro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1995, a propriedade horizontal apenas era possível constituir em edifícios com alinhamento vertical.
Quer dizer, apenas era possível quando as fracções do prédio se sobrepunham umas sobre as outras ou lateralmente, constituindo todas elas uma unidade, ainda que por si fossem isoladas, autónomas entre si, independentes e distintas, tendo cada uma saída própria para parte comum do edifício ou via pública.
O art. 1421, nºs 1 e 2 do C.C. regula a matéria das partes necessariamente e presumidamente comuns.

Todavia, o art. 1438-A, do C.C., introduzido, pelo mencionado dec-lei 267/94, veio dispor que o regime da propriedade horizontal “ pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem”.
Com esta norma decidiu-se estender o âmbito da incidência do instituto, por forma a submeter, ao respectivo regime, conjuntos de edifícios.
A adaptação das regras da propriedade horizontal resulta e é imposta pela existência de uma pluralidade de edifícios.
Salvaguardou-se, porém, a independência das fracções ou edifícios e a dependência funcional das partes comuns como características essenciais do condomínio (preâmbulo do dec-lei 267/94).
Assim, é a ligação funcional entre as fracções decorrentes da existência de partes comuns que permite que edifícios autónomos entre si se constituam em propriedade horizontal.
Como observam Fernanda Paulo Oliveira e Dulce Lopes (Implicações Notariais e Registrais das Normas Urbanísticas, págs. 60/61):
“As referidas partes comuns devem ser afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que compõem o conjunto.
Note-se que basta que as referidas partes comuns estejam afectadas a algumas unidades imobiliárias ou fracções autónomas que compõem o conjunto, mas é necessário que todas as fracções autónomas ou unidades imobiliárias se encontrem ligadas com alguma outra, caso contrário falta o requisito essencial da propriedade horizontal relativamente às mesmas.
Uma unidade imobiliária não fará assim parte de um conjunto deste tipo se não tiver qualquer ligação com outra unidade imobiliária ou fracção autónoma, na medida em que lhe falta o necessário elo de ligação.
Já é, ao invés, configurável a situação em que tal situação se dê pela existência das instalações gerais e da entrada, alguma unidade imobiliária apenas participe na instalação geral de água ou do gás, outras da entrada, outras de ambas.
O que não pode existir é autonomia absoluta, rectius, independência funcional entre as várias unidades “.

Pois bem.
No caso concreto, trata-se da chamada propriedade horizontal “em banda”.
Todavia, no caso das fracções objecto destes autos, não existem partes comuns que as unam, ainda que funcionalmente.
Há uma total e completa autonomia das duas indicadas fracções, que constituem edifícios separados, sem qualquer ligação funcional.
Com efeito, provou-se que os telhados dos edifícios estão separados entre si.
Não existem paredes que sirvam as duas fracções, nem existem ligações de água, luz e telefone que sirvam as mesmas fracções.
Os edifícios situam-se ao lado um do outro e estão separados pelos respectivos quintais.

Tal significa que faltam os requisitos legalmente exigidos para a constituição da propriedade horizontal, o que poderá importar a eventual nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal e a sujeição do prédio ao regime da compropriedade, nos termos do art. 1416, nº1, do C.C.
Tal matéria foi objecto de defesa por excepção e também de reconvenção, com o necessário pedido de cancelamento do respectivo registo, nos termos do art. 8, nº1, do C. R. Predial, na redacção aqui aplicável (que é a anterior à do dec-lei 116/08, de 4 de Julho), onde se prevê que “os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo”.
Acontece que a ré não procedeu ao atempado registo da reconvenção e, no despacho saneador, os autores foram absolvidos da instância, com trânsito em julgado, relativamente à matéria do pedido reconvencional, pelo que não pode a mesma matéria ser aqui apreciada por via de excepção, como a ré pretende.
Só em nova acção, autónoma, poderá ser expressamente declarada tal nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, por falta dos requisitos legalmente exigíveis.

Deste modo, embora subsista, formalmente, a escritura de constituição da propriedade horizontal, não há qualquer razão substancial para lhe ser aplicável, com as necessárias adaptações, o regime da propriedade horizontal previsto nos arts. 1414 e segs do C.C. pois não está verificado o condicionalismo previsto no art. 1438-A do mesmo diploma, por inexistência de um conjunto de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso das fracções que os compõem.
Havendo independência e autonomia estrutural absolutas das duas fracções, como há, não existem quaisquer partes comuns a considerar, designadamente o telhado, ao contrário do que foi considerado no Acórdão recorrido.

Pela mesma razão substancial, não há justificação para se considerar que a ré violou a obrigação de não prejudicar, com obras novas, a linha arquitectónica do edifício (art. 1422, nº2, al. a) do C.C.), como foi entendido pela Relação.
Por isso, também não se justifica a condenação da ré na reconstrução da fracção demolida, embora só na mencionada parte referente aos seus “elementos visíveis”.

Todos os factos relevantes para a decisão da causa, face ao pedido e à causa de pedir invocados, foram devidamente considerados na peça dos factos assentes e na base instrutória, pelo que não se justifica a ampliação da matéria de facto pretendida pela recorrente.

Revista dos autores:

A apreciação deste recurso, que não pode proceder, encontra-se prejudicado pela decisão que foi dada à revista da ré.
De qualquer modo, o Acórdão recorrido não enferma de qualquer das nulidades que lhe são apontadas.


Termos em que decidem:

1 – Conceder parcialmente a revista da ré, pelo que, revogando, também parcialmente, o Acórdão recorrido, julgam improcedente o pedido de considerar como parte comum o telhado demolido da fracção da mesma ré, absolvendo-a dessa parte do pedido, revogando também o Acórdão impugnado na parte em que a mesma ré tinha sido condenada a reconstruir a fracção demolida, reconstrução que havia sido imposta embora só na parte referente aos seus elementos “visíveis do exterior”, e de que agora a ré também fica absolvida.
2 – Negar a revista dos autores.
3 – Manter tudo o mais que se encontra decidido.
4 – Condenar os autores nas custas de cada um dos recursos.

Lisboa, 2 de Março de 2010
Azevedo Ramos (Relator)
Silva Salazar
Sousa Leite