Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2933/05 . 9TVRORT.PI.SI.
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
OBRAS DE CONSERVAÇÃO EXTRAORDINÁRIA
OBRAS DE CONSERVAÇÃO ORDINÁRIA
RECONVENÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
SENHORIO
COMPROPRIETÁRIO
OBRIGAÇÃO CONJUNTA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
CASO JULGADO FORMAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - ARRENDAMENTO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - LEGITIMIDADE DAS PARTES
Doutrina: - Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 2ª ed.,58
- Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, ed AAFDL, 1º Vol., págs. 378, 379.
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Tº 1, págs. 713 e ss..
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 5ª ed., 173.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 467.º, 469.º, Nº 1, 497.º, 507.º, 512.º, 531.º, N.º 1, 535.º, N.º1, 997.º, 1135.º, 1139.º, 1169.º, 1411.º E 1695.º .
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 28.º, N.º 1, 289.º, 406.º, Nº 2, 510.º, N.º 1, ALÍNEA A) E N.º 2 A CONTRARIO.
Sumário : I - A reconvenção deduzida pela arrendatária, na qual pede a condenação da reconvinda na realização de obras de conservação ordinária e extraordinária do arrendado, deveria ter sido proposta contra as duas senhorias e comproprietárias do imóvel, por a ambas, em conjunto, caber a obrigação de efectuar as obras.
II - A regra no direito civil é a das obrigações com pluralidade de sujeitos constituirem obrigações parciárias, também denominadas conjuntas, ou seja, aquelas em que é necessária a intervenção de todos credores ou devedores para a execução integral da prestação; a solidariedade, segundo a qual o credor pode exigir de qualquer dos devedores a totalidade da prestação ou quando um dos credores pode exigir por si só a prestação do devedor (art. 512.º do CC), apenas é admitida quando a lei a imponha ou as partes o convencionem, o que não está previsto para o regime do contrato de locação, com pluralidade de locadores, nem foi alegado que as partes o houvessem estipulado.
III - A lei exige, neste caso, a presença de todos na lide, nos termos do art. 28.º, n.º 1, do CPC, por a prestação da efectivação de obras não ser divisível por cada um dos senhorios, na proporção da sua quota, havendo que seguir tais obrigações a regra do art. 535.º, n.º 1, do CC, segundo a qual, sendo a prestação indivisível e sendo vários os devedores, só de todos pode o credor exigir o cumprimento da prestação, salvo se tiver sido estipulada a solidariedade ou esta resultar da lei.
IV - Verificando-se na reconvenção, deduzida contra apenas uma das locadoras, uma situação de litisconsórcio necessário passivo, determinante da ilegitimidade da reconvinda, e não fazendo caso julgado formal a declaração no saneador quanto à legitimidade das partes, por tal questão não ter sido então concretamente suscitada por qualquer das partes (art. 510.º, n.ºs 1, al. a), e 2, a contrario, do CPC), cumpre absolver a reconvinda da instância.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


I . AA propôs em Novembro de 2005 acção, sob a forma ordinária do processo comum, distribuída na 6ª Vara Cível do Porto contra BB-E. F... D..., Ldª.

Pediu que se declare a resolução do contrato de arrendamento do prédio de que a ré é arrendatária, por contrato celebrado em 1963 com os então comproprietários do mesmo, de que se afirmou legítima possuidora com fundamento em desocupação do locado e falta de pagamento de rendas a partir de 1 de Março de 2004,
A R contestou, alegando que a desocupação do locado foi determinada pela sua ruína, decorrente esta da ausência de obras de conservação por banda dos senhorios, incluindo a A e co-ré conforme decidido numa acção que pendia ainda, por motivo de recurso na 1ª Vara do mesmo tribunal com o nº 292/95, e que constituía causa prejudicial pelo que, na impossibilidade de uso do locado, deixou, também de pagar as respectivas rendas.
Reconveio pedindo a condenação da A na realização das obras no locado necessárias a que seja susceptível de uso, e no pagamento de indemnização pelos danos que alega ter sofrido por causa da ruína do imóvel.
Esta replicou, sustentando que não está obrigada a efectuar obras no locado e impugnando que a sua desocupação se tenha devido à sua ruína por falta das referidas obras.
Foi determinada, entretanto, a suspensão da instância até que estivesse decidida, com trânsito, a acção supra movida pela R contra a A e outros, alguns deles falecidos e na qual foram habilitados a mesma A e uma irmã CC, destinada a aferir da responsabilidade das senhorias pela realização de obras no locado.
Com a finalização dessa acção em decisão que a julgou procedente devidamente transitada. foi decidido o mérito da acção, no sentido da não verificação do fundamento para o despejo, tendo os autos prosseguido apenas para conhecimento do pedido reconvencional.
Teve lugar, depois, a habilitação de DD como sucessora testamentária da autora, por falecimento desta, prosseguido a instância com julgamento da causa e decisão da respectiva matéria de facto.
As partes, encerrada a audiência, apresentaram alegações de direito por escrito tendo a Reconvinda sustentado que, estando demandada desacompanhada da outra co-proprietária do imóvel não pode, por preterição do litisconsórcio necessário passivo ser condenada a realizar obras no imóvel, pedindo, em conclusão, que seja absolvida da instância.

Foi, por fim, proferida sentença que, rejeitando a excepção de ilegitimidade suscitada pela reconvinda, por infracção do litisconsórcio necessário passivo, julgou a reconvenção parcialmente procedente, decidindo:
A) condenar a Reconvinda à realização das seguintes obras no prédio locado:
1. Reconstrução do telhado;
2. Reconstrução de tectos, pavimentos paredes e divisórias interiores que ruíram;
3. Reparação das paredes com humidade de forma a eliminar a mesma;
4. Reposição das portas exteriores de acesso ao armazém que apodreceram;
5. Reparação das portas do armazém de forma a permitir que fechem e abram completamente.
B – Condenar a Reconvinda a pagar à Reconvinte as despesas que a mesma venha a demonstrar ter de suportar com a deslocação da sua unidade fabril e armazém de regresso ao locado após a realização das obras acima referidas.
C – Absolver a Reconvinda dos demais pedidos, nomeadamente do formulado em sede de discussão de direito, de condenação como litigante de má-fé.
Custas, da reconvenção, por Reconvinte e Reconvinda fixando-se o decaimento daquela em 1/5 e desta em 4/5, já que, na falta de liquidação do pedido em que aquela decaiu e atento o valor previsível das obras a realizar se entender que tal decaimento expressa o valor relativo dos pedidos procedentes/improcedentes – cfr. artº 446º, nsº 1 e 3 do Código de Processo Civil.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a reconvinda, de apelação, tendo a Relação julgado improcedente o mesmo.

De novo irresignada, a habilitada herdeira da A reconvinda recorreu de revista, tendo no final da respectiva peça, extraído as seguintes

Conclusões:
1. O Tribunal de 1ª instância, tal como o Tribunal da Relação deram como provado e fixaram que o imóvel objecto de arrendamento era, como ainda é, propriedade de diversos comproprietários, os quais outorgaram o respectivo contrato de arrendamento
2. Efectivamente está certificado nos autos e designadamente na parte relativa à supracitada sentença judicial transitada em julgado enquanto esta mesma acção corria os seu termos – artºs 673º e 675º do CProc. Civil- que os comproprietários e respectivos senhorios do imóvel eram a falecida AA- à qual a recorrente sucedeu , conforme resulta dos autos de habilitação que correram por apenso- e a respectiva irmã, hoje ainda viva, CC
3 – Tanto basta para se ter por demonstrado nestes autos a existência de documento que demonstra que as proprietárias do respectivo imóvel , aquando da apresentaçãio em juizo da respectiva contestação e reconvenção a fls .. dos autos deduzidas pela R eram a falecida AA e CC
4. Em bom rigor, a A. Reconvinda , tal como a sucessora desta e aqui habilitada não pode ser condenada sozinha na realização das obras necessárias do prédio urbano que pertence em compropriedade a mais pessoas .
5 . Tal obrigação será uma obrigação legal – porque provem directamente da lei , mas também uma obrigação real – porque imposta conjuntamente aos respectivos proprietários do prédio
6 . Diz-se que dada a conexão funcional ente a obrigação e o direito real , a pessoa obrigado é determinada através da titularidade da coisa : é obrigado quem for o titular do direito real, havendo assim uma sucessão no debito fora dos termos normais da transmissão das obrigações (A. Varela , Obrigações,151)
7 . Daí que nos termos do conjugadamente disposto nos artºs 216º e 1411 do CCivil em conjugação ainda com o disposto nos artºs 26º e 28 nº2 no CPCivil, a falta de outra comproprietária como demandada na reconvenção que apenas contra uma das proprietárias foi deduzida é, dado o dado o litisconsíorcio necessário que se impunha respeitar, fundamento para declarar a A/Reconvinda parte ilegitima para sozinha ser demandada nos termos em que presentemente se encontra .
8. Essa ilegitimidade , dado o litisconsórcio necessário relativamente à obrigação de fazer obras no arrendado, implica que nas actuais circunstâncias a reconvinda seja absolvida da instância, nos termos que prescreve as supracitadas normas legais e ainda o artº 404º aln e) do CProc. Civil.
9 . Sendo certo que esta espécie de ilegitimidade passiva é do conhecimento oficioso do tribunal e por imperativo legal , pode e deve ser declarada a todo o tempo, conforme já antes foi devidamente assinalado e invocado.
10 . Sendo óbvio que, por outro lado, nenhum dos demais comproprietários que outorgaram no contrato de arrendamento conforme ficou descrito em A) da matéria de factoo assente, deve ser qualificado como terceiro.
11 – Muito ao contrário, todas as comproprietárias conhecidas e certificadas do respectivo imóvel dado de arrendamento . e por maioria de razão todos os que intervieram ou sucederam na outorga do contrato de arrendamento celebrado em 1963- deverão estar obrigatoriamente demandadas na presente acção, para efeitos de tornarem exequivel o repectivo pedido reconvencional.
12 - O douto cordão violou ou interpretou errdamente o conjugadamente disposto nos artºs 216º, 1411º e 2091º doCCivil e os artºs 26 ere 28nºs e 2 e 494 aln a) do CProc Civil

Não foram apresentadas contra-alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.


II.No essencial, sustenta-se no recurso a ilegitimidade da reconvinda por não terem sido demandados os demais comproprietários do prédio locado, aliás também locadores e os sucessores destes, no fim de contas, a também senhoria CC.


III. As instâncias deram como assentes e provados os seguintes factos:
A) No dia 11 de Novembro de 1963, por escritura pública, a Autora e os então demais comproprietários declararam dar de arrendamento a EE, e este declarou aceitar, o prédio de três pavimentos sito na Rua P... B..., nos ... a ..., B..., Porto, inscrito na matriz sob o artigo ..., para comércio e indústria de licores ou para outro qualquer ramo de comércio e indústria, com excepção de carpintaria, produtos tóxicos e armazém de cal, carvão, gasolinas e derivados, produtos químicos e matérias inflamáveis, pelo prazo de um ano, com início a 1 de Janeiro de 1964, prorrogável por iguais e sucessivos períodos de tempo, mediante a renda mensal de Esc. 2.000$00 no domicílio da Autora e no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito.
B) Renda essa que, fruto das actualizações anualmente sofridas se cifra, actualmente em € 593,79 mensais.
C) No dia 25 de Março de 1965, por escritura pública, FF, EE, GG e HH declararam constituir entre si a sociedade ora Ré BB-“E... F... D...., Ldª” declarado ainda transferir para a mesma o estabelecimento instalado no prédio identificado em 1º com todos os elementos que dele faziam parte.
D) Até ao pretérito mês de Fevereiro de 2004 a Ré procedeu ao pagamento da renda mensalmente devida no domicílio da A., sito na Rua M... de O..., número ..., desta cidade, emitindo, consequentemente, a A. os respectivos recibos em nome da Ré.
E) Sucede que, a partir do dia 1 de Março de 2004 a R. deixou de proceder ao pagamento da renda então vencida e, desde então, não mais procedeu ao pagamento à A., de qualquer forma, dos montantes relativos às rendas mensais entretanto vencidas.
F) Desde o mês de Abril de 2004 que o locado se encontra completamente devoluto de pessoas e bens com as portas encerradas dia e noite.
G) A aqui Ré intentou acção ordinária que correu termos pela 1ª Vara, 2ª Secção deste Tribunal com o nº 262/1995, onde pediu a condenação da aqui Autora (lá Ré) e demais co-Réus (senhorios) a realizar no arrendado (cuja resolução do contrato aqui é pedida) determinadas obras, bem como no pagamento de uma indemnização para ressarcimento dos danos que sofreu a liquidar em execução de sentença.
H) Nessa mesma acção foi deduzida reconvenção onde a aqui Autora pediu a condenação da aqui Ré a realizar, à sua custa e no prazo máximo de seis meses, todas as obras de reparação e conservação que o prédio carecesse; a manter, no futuro, o prédio em bom estado de conservação e manutenção sem nunca o deixar degradar; e a indemnizá-la por qualquer prejuízo que sofra por força da degradação do prédio em razão da não realização das obras de conservação e reparação a que está obrigada, indemnização essa a liquidar em execução de sentença.
I) A aqui Ré apresentou réplica, na qual, ampliando o pedido, pediu a condenação das RR. a, solidariamente, pagar-lhe uma indemnização, por incumprimento contratual, no valor de Esc. 3.685.782$00, acrescida do valor das rendas que se vencessem e viessem a ser pagas desde Junho de 1999 até à data em que as RR finalizassem as obras peticionadas através da acção, alegando que, em virtude do estado do prédio objecto da presente acção, transferiu temporariamente a quase totalidade dos seus serviços e da produção desenvolvida nesse prédio, para outras instalações sitas em Santo Tirso e que tem continuado a pagar a renda.
J) Por sentença de 09/06/2003, devidamente transitada em julgado foi a acção julgada parcialmente procedente e improcedentes as reconvenções deduzidas e, consequentemente, condenadas as RR. a realizar as obras de conservação do arrendado a que aludem os pontos 13., 11., 16. a 21. e 23. da matéria de facto provada no prazo de um ano bem como a pagar, solidariamente, à aqui Ré a indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos danos a que alude o ponto 24. da matéria de facto provada, com o limite de Esc. 3.685.782$00, no que toca a rendas pagas até Maio de 1999, inclusive.
K) Nessa acção foram dados como assentes, entre outros, os seguintes factos:
a) Antes de 1 de Janeiro de 1964, no prédio referido no ponto 1 [nossa alínea A)], encontrava-se instalado um antigo quartel da Guarda Fiscal e, no ...° andar, a residência do comandante do quartel, carecendo o prédio de várias obras de conservação e reparação, em virtude do estado de degradação em que se encontrava;
b) Foram realizadas pelo EE e, posteriormente, pela A. as seguintes obras: na cave, cujo chão era em terra batida e que funcionava como cavalariça, cimentou-se o chão, procedeu-se ao arranjo e pintura das paredes, fez-se a vedação do tecto, construiu-se o acesso à cave e procedeu-se à instalação de um elevador de monta-cargas, tendo sido na cave que se instalou a unidade fabril; e, no rés-do-chão, procedeu-se à sua divisão em duas partes, sendo uma destinada aos serviços administrativos e outra a armazém, tendo-se procedido à substituição do soalho, ao arranjo e pintura das paredes e à colocação de divisórias na parte destinada aos serviços administrativos;
c) EE e, posteriormente, a A. procederam às obras de adaptação do prédio referido no ponto 1 ao fim a que foi destinado e às obras de conservação e reparação do estado que o mesmo se encontrava antes de 1 de Janeiro de 1964, obras essas realizadas a expensas daqueles;
d) A R. AA, como representante de todos os RR., foi notificada pela Câmara Municipal do Porto para executar as obras discriminadas no auto de vistoria;
e) A R. AA enviou à A. carta datada de 16 de Setembro de 1994 da qual consta que, "uma vez que, nos termos do contrato de arrendamento em vigor, incumbe a V. Exas. o encargo de efectuar as aludidas obras, fico a guardar seja dado urgente cumprimento à determinação camarária";
f) Fruto do desgaste e deterioração normais decorrentes do decurso do tempo verificados ao nível da cobertura, associados à não realização das obras de manutenção em condições adequadas, o prédio referido no ponto 1º encontra-se, desde há vários anos, num estado de degradação tal que não permite à Ré usufruir do mesmo para o fim a que se destina;
h) A 19 de Maio de 1993, a A. interpelou os RR. para substituírem o travejamento do telhado do prédio referido no ponto 1 (3°); substituírem ou repararem os tectos referentes ao piso superior (4°); resolverem o problema da infiltração de águas pelas paredes do prédio referido no ponto 1, com reparação e nova pintura destas (5°); substituírem as portas exteriores de acesso ao escritório e armazém (6°); substituírem as janelas do prédio referido no ponto 1 (7°); repararem e pintarem a fachada do prédio (8°); e substituírem ou repararem o soalho de madeira do rés-do-chão (9°);
i) Os RR., apesar dos apelos da A., não procederam à realização das obras que o prédio referido no ponto 1 vem carecendo;
j) O telhado encontra-se em tal estado de degradação que já não suporta o próprio peso das telhas, as quais constantemente caem e partem;
k) Os tectos referentes ao piso superior encontram-se na iminência de cair;
l) As portas exteriores de acesso ao armazém e escritório já não garantem o mínimo de segurança para quem as tem de transpor diariamente;
m) As janelas do prédio referido no ponto 1 encontram-se em tal estado de degradação que já caiu para a via pública uma grade em ferro de uma das janelas;
n) A fachada do prédio referido no ponto 1 encontra-se em estado de degradação;
o) O soalho de madeira do rés-do-chão encontra-se em tal estado que não oferece qualquer segurança;
q) A A. foi instada pelo agente da fiscalização das actividades económicas no sentido da necessidade da realização de obras no prédio referido no ponto 1 por este não se encontrar em situação que permita à A funcionar e laborar em condições de higiene e segurança;
r) Feita a vistoria no processo que corre na Câmara Municipal do Porto, os peritos referiram que o prédio identificado no ponto 1 oferece perigo para a saúde e para a segurança das pessoas (18°); que há infiltrações de água pelo telhado (19°); que existe perigo de desmoronamento de pavimentos (200); e que é necessário consolidar paredes e pavimentos (21°), reparar o telhado (22°), reparar tectos e paredes (23°) e reparar fachadas (24°).
s) Em virtude do referido no ponto 13. [leia-se al. f) da agora numeração feita] a Ré transferiu temporariamente a quase totalidade dos seus serviços e da produção desenvolvida nesse prédio para outras instalações sitas em Santo Tirso.
L) Para além do referido em j) a o) da alínea K) e em data situada entre 2000 e 2003, o telhado, os tectos e pavimentos do prédio referido em A) acabaram por ruir.
M) As paredes interiores do referido imóvel estão todas cheias de humidade com argamassa/cal a cair.
N) Não garantindo o mínimo de segurança.
O) Tendo parte dessas paredes divisórias interiores acabado por cair.
P) As portas exteriores de acesso ao armazém e escritório acabaram por apodrecer.
Q) E não fecham.
R) Tendo duas delas acabado por cair.
S) Quando deixou de ocupar o imóvel, a Ré não retirou de lá todas as máquinas que ali tinha.
Além destes factos consta da sentença e do acórdão que decidiu a acção prejudicial;
- Que o contrato de arrendamento aqui em discussão foi celebrado por escritura de 11/11/1963 entre EE como inquilino e os RR da dita acção, II, JJ, AA e marido LL, MM e marido NN e CC como senhorios
- No decurso dessa acção foram deduzidos incidentes de habilitação, por falecimento de alguns dos RR sendo habilitados enquanto sucessoras dos titulares da propriedade do prédio que celebraram o contrato de arrendamento com a aqui Reconvinte além da aqui A, a sua irmã CC, uma e outras reconvintes enquanto contitulares do prédio em causa.
E está igualmente documentado nos incidentes de habilitação de herdeiros da falecida A:
. – Que ela instituiu sua herdeira, por testamento, na falta de herdeiros legitimários de todos os seus bens a ora recorrente e sua afilhada OO, apesar de lhe sobreviver a sua citada irmã CC


IV. Como foi referido, a Recorrente apenas questiona a sua legitimidade, no que toca ao pedido reconvencional, destinado à efectivar a obrigação de proceder a obras de conservação ordinária e extraordinária do arrendado por estar desacompanhada de outra comproprietária, a irmã da falecida A, CC
Entendeu-se no acórdão porém, que esta questão fora correctamente analisada e decidida na sentença recorrida, para cuja fundamentação se remeteu (art. 713º nº 5 do CPC), considerando a qualidade de senhoria em que a autora intervém na acção.
Qualidade que decorreria do que foi alegado pela própria autora – é legítima proprietária do prédio (art. 1º da p.i.), celebrou o contrato de arrendamento juntamente com os então demais comproprietários do identificado prédio (art. 2º), sendo a renda paga à autora, no domicílio desta (arts. 3º e 4º), reiterando que a renda deveria ser paga à senhoria, no domicílio desta, como sempre foi efectuado (art. 6º); era a autora que emitia os respectivos recibos das rendas (art. 11º) e é a autora a credora dos montantes de €12.339,27 de rendas não pagas (art. 17º) – e que não sofreu qualquer impugnação por parte da ré.
Disse-se também que como afirmado no acórdão "estamos no domínio das relações contratuais sendo por via do tipo contratual em causa e das obrigações que ele gera para as partes que hão-de ser analisadas as pretensões da Reconvinte. No mesmo plano, aliás, foi pedido ao tribunal a apreciação da pretensão da Autora, e assim foi decidido – o que se pretendia era exercer um direito de resolução por alegada falta de cumprimento, pela inquilina, de deveres contratuais (…).
É face à relação material tal como é vista pela Reconvinte, e dentro dessa relação, face aos factos constitutivos do seu direito, que se deve apreciar se basta que seja demandada na reconvenção a aqui Autora
Ora, a forma como a acção foi configurada pela Ré/Reconveinte será a sua senhoria – e nessa qualidade a Autora propôs a acção -, a responsável pelas obras necessárias no locado de modo a permitir, de novo, o seu uso de acordo com o fim previsto (…)".
E acrescenta-se: "Nem há, aliás, fundamento para que a inquilina demande os proprietários do prédio. Ela não tem, contra eles, qualquer direito de exigir a conservação da coisa. Esse direito existe na sua esfera enquanto inquilina, dentro do âmbito contratual do contrato de arrendamento que a opõe, portanto, nessa sua pretensão, à sua senhoria, e a mais ninguém.
Logo, estaremos caídos no princípio da relatividade das convenções, deduzido do artº 406º, nº 2 do Código de Processo Civil. A existência de um outro proprietário do imóvel não releva para a sua inquilina. Ele é, aos seus olhos um terceiro.
Donde, apenas pode e deve exigir do seu senhorio a realização das obras a que julga ter direito (…).
Em conclusão (…) é de fazer improceder a “defesa” sustentada pela Reconvinda de que deve ser absolvida da instância por estar desacompanhada da sua comproprietária já que o direito que lhe é oposto é na sua qualidade (relativa) de senhoria e não sustentado no seu direito (absoluto) de propriedade. A Reconvinte é alheia às relações entre ela e outros donos do imóvel, se os houver".

Vejamos.
Na acção prejudicial ficou demonstrado que ao contrário do que se afirmou no acórdão, a falecida A não é apenas uma das comproprietárias do prédio arrendado à ora recorrida mas, igualmente uma das locadoras, como tal sendo condenada ela e a irmã CC a efectuar obras que permitissem reverter o prédio do estado de semi ruína em que por omissão dos deveres impostos pelas sucessivas leis do arrendamento urbano o colocaram e, até, forçando a transferência da aí A para outras instalações, por falta de condições de segurança.
É certo que na presente acção, apenas a A veio pedir o despejo da dita recorrida por alegada e confessada falta de pagamento de rendas que segundo diz lhe eram pagas sem que tal signifique uma qualquer alteração da titularidade pelo lado activo da relação juridico locatícia.
Ora, titulares do lado activo são, como decorrente do decidido na acção prejudicial além da falecida A, ora representada pela recorrente a dita irmã CC e esta contestou, por isso, e até reconveio a acção judicial anterior em que foram condenadas, uma e outra mau grado os recursos por elas interpostos, ainda pendentes à data da instauração deste pleito a efectuar as obras ali especificadas no arrendado por omissão culposa dos seus deveres contratuais por si e em representação dos demais comproprietários do prédio que intervieram na escritura por falecimento destes e após pertinente habilitação.
Na verdade, não consta dos autos, nem tão pouco foi invocada uma qualquer alteração na titularidade da relação locatícia e derivada da situação de compropriedade do prédio e de que a R era perfeitamente conhecedora,
Mas a ser assim, há que reconhecer que a reconvenção deduzida pela R deveria ser proposta não apenas contra a falecida A mas contra a também locadora que se saiba, ainda não falecida, CC, por a ambas em conjunto caber a obrigação de efectuar as obras que face à demora na finalização da anterior acção ( foi instaurada em 1995 e apenas foi decidido o recurso da sentença em 2006) acabaram por acelerar, ainda mais, o estado de ruína ou semi ruína do prédio.
Como é bem sabido, a regra no direito civil é a das obrigações com pluralidade de sujeitos constituirem obrigações parciárias, também denominadas conjuntas, ou seja, aquelas em que é necessária a intervenção de todos credores ou devedores para a execução integral da prestação, a solidariedade segunda a qual, o credor pode exigir de qualquer dos devedores a totalidade da prestação ou quando um dos credores pode exigir por si só a prestação do devedor apenas é admitida quando a lei a imponha ou as partes o convencionam, sendo isso o que estatui o artº 512º do CCivil.
E isso não está previsto para o regime do contrato de locação, com pluralidade de locadores tão pouco sendo alegado que as partes, na escritura, o houvessem estipulado.
De facto e quanto à lei civil, temos apenas imposto tal regime à pluralidade de gestores, à obrigação de indemnizar, à pluralidade fiadores aos sócios em sociedades civis puras, quanto aos comodatários e mandantes com interesse comum e quanto aos cônjuges, por dívidas comuns( cfr artºs 467º. 497º e 507º , 469ºnº1, 997º, 1135º, 1139º e 1169º e 1695º, todos do C. Civil)
Por isso, a recorrida e bem, propôs a anterior acção contra todos os senhorios e também comproprietários do prédio, para estes efectuarem as obras de conservação do arrendado, a lei exige neste caso a presença de todos na lide nos termos do artº 28º nº1 do CPC por a prestação da efectivação de obras não ser divisível por cada um dos senhorios, na proporção da sua quota, havendo que seguir tais obrigações a regra do artº 535º nº1 do CCivil e segundo a qual, a prestação sendo indivisível e sendo vários os devedores , só de todos, o credor pode exigir o cumprimento da prestação, salvo se tiver sido estipulado a solidariedade ou esta resultar da lei,
Como escreve Menezes Cordeiro em “Direito das Obrigações” ed AAFDL 1º Vol, p. 378, 379 :
Quando a obrigação seja indivisível e se verifique o fenómeno da complexidade subjectiva parciária, o credor só de todos os obrigados pode exigir a prestação ( artº 535ºnº1)e o devedor só perante todos os credoresse pode desonerar ( artº 538ºnº1)
A existência de obrigações parciárias relacionadas a prestações indivisíveis têm levantado uma série de dúvidas, havendo mesmo quem negue a sua existência . Pensamos contudo que a sua configuração deve impôr-se : as obrigações parciárias caracterizam.se não pela possibilidade de, em obediência à complexidade subjectiva, parcelar as obrigações respectivas, mas por várias pessoas suportaren em conjunto o esforço requerido pela prestação, ou beneficiarem também em grupo das vantagens por eles acarretadas.
O Código Civil reconhece-o aliás no seu artº 535º nº1 quando dispõe que sendo a prestação indivisível e vários os devedores, só de todos pode o v credor exigir a prestação, salvo se houver solidariedade. Perguntamos : como se chamam as obrigações, com pluralidade de devedores e que, por não serem solidárias, seguem, precisamente o regime do artº 535º nº1 , Tais obrigações não podem deixar de ser parciárias e exemplificando:
A e B estão obrigadas a reparar o automóvel de C. A prestação é indivisivel, uma vêz que não interessa a C uma meia reparação, Sendo a obrigação parciária, C só pode exigir o cumprimento aos dois “.
Estes considerandos foram, de resto, retomados e melhor sistemati zados no Tratado de Direito Civil Português, II, Tº 1, pp 713 e ss e que assinala vigorarem para as ditas obrigações as regras da igualdade de partes ou quotas, o beneficium divisionis e a aplicação supletiva, no mesmo sentido se pronunciando embora reservando para as obrigações parciárias, a designação de “obrigações conjuntas” e para as obrigações desta natureza de prestação indivisivel a categoria de “obrigações plurais indivisíveis”, Menezes Leitão in “Direito das Obrigações”, Vol I, 5ª ed., 173.
Vale isto por dizer verificar-se, pois, na presente acção que apenas seguiu termos no âmbito da reconvenção deduzida pela recorrida contra uma apenas das locadoras, uma situação de litisconsórcio necessário passivo, nos termos do nº1 do artº 28º do C. Proc. Civil ( cfr Lebre de Freitas,CPC Anotado,Vol 1º, 2ª ed.,58) e determinante da ilegitimidade da reconvinda, não fazendo caso julgado formal a declaração no saneador quanto à legitimidade das partes, por tal questão não ter sido então concretamente suscitada por qualquer das partes, em conformidade com o disposto no artº 510 nº1 aln a) e 2 a contrario. do CPCivil.
De resto, a reconvinte instaurou, justamente, a acção anterior para fazer valer o seu direito à realização de obras contra todos os locadores, ali sendo condenadas, não apenas, a falecida A que supostamente recebia as rendas mas a sua irmã CC, nessa qualidade e na de habilitadas herdeiras dos demais, falecidos no decurso da acção.
Não faria sentido, aliás que neste pleito e no âmbito do pedido reconvencional para a efectivação de novas obras que a inércia das locadoras deu azo, com a progressiva deterioração do prédio, fosse apenas demandada a falecida A, e não também, a outra locadora tidas por responsáveis na anterior acção e por decisão transitada pelo estado de decrepitude do mesmo à luz das regras aplicáveis do então vigente RAU e do estipulado no próprio contrato de arrendamento para fim comercial por todos eles firmado e que se mantém por ter assim sido julgado nestes autos por decisão transitada,
Não se trata, porém, de uma obrigação que derive, com vem defendido nas alegações da recorrente, da qualidade da parte a que sucedeu de comproprietária do prédio, com o recorte de uma obrigação propter rem nos termos do artº 1411º do CCivil, tudo de resto apontando para a subsistência da compropriedade do prédio mas emergente da própria relação locatícia documentada na acção prejudicial, pelo que sobre ambas as irmãs impende a dita obrigação de, em conjunto, efectuarem as obras de conservação e recuperação objecto do pedido reconvencional e de suportar os prejuízos decorrentes da transferência provisória dos serviços e equipamentos da recorrida inquilina para outro local, que não, apenas, sobre a sucessora habilitada da falecida A.
Assim, julgamos que o inconformismo da habilitada herdeira da falecida reconvinda perante o decidido, primeiro na sentença e depois, no acórdão, por na sua perspectiva desconsiderarem um manifesto litisconsórcio necessário passivo entre ela e a outra locadora e no tocante ao pedido reconvencional, tem inteira razão de ser.

V Nestes termos, decide-se conceder a revista, e como tal, revogar o douto acórdão confirmatório da sentença da 1ª instância absolvendo a sucessora da falecida A, reconvinda e ora recorrente OO da instância, sem prejuízo dos direitos facultados no artº 289º do CP.Civil à reconvinte e recorrida BB- E. F... D... Lda com custas a cargo desta.

Supremo Triunal de Justiça,

Lisboa, 29 de Junho de 2010.


Cardoso de Albuquerque (Relator)

Salazar Casanova

Azevedo Ramos