Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98B908
Nº Convencional: JSTJ00035736
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: DOCUMENTO NOVO
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ALEGAÇÕES
RECURSO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: SJ199901280009082
Data do Acordão: 01/28/1999
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 203
Data: 03/31/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV - RECURSOS.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 264 N3 ARTIGO 456 ARTIGO 457 ARTIGO 489 ARTIGO 496 ARTIGO 497 ARTIGO 498 N4 ARTIGO 514 ARTIGO 524 ARTIGO 535 ARTIGO 612 ARTIGO 664 ARTIGO 669 ARTIGO 671.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1993/01/07 IN BMJ N425 PAG539.
ACÓRDÃO STJ PROC529/97 DE 1997/10/14.
ACÓRDÃO STJ PROC186/97 DE 1997/06/26.
Sumário : I- O regime do artigo 706, com referência, ao disposto no artigo 524, ambos do CPC - junção de documentos com as alegações e de documentos supervenientes -, só se aplica aos documentos destinados a fazer prova dos factos que sirvam de fundamento à acção, que não de factos integradores de uma diferente causa de pedir pretendida invocar "ex novo" em face de uma bem sucedida defesa do réu relativamente à primitiva.
II- A prova documental não pode servir para subrepticiamente alargar os poderes de cognição do tribunal.
III(- A junção de um documento "apenas se torna necessária em virtude do julgamento em 1. instância" (artigo 524 n. 1 do CPC) quando essa decisão se haja baseado em meio probatório inesperadamente junto ou deduzido por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação os litigantes justificadamente não tivessem contado. Só nestas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se poderá legitimar à luz do n. 1 do artigo 706 do CPC.
IV- A sentença só tem força de caso julgado "inter partes" - princípio da eficácia relativa do caso julgado - tudo porém dentro dos limites fixados pelos artigos 497 e seguintes e artigo 671 do CPC, não podendo assim tal princípio
servir para impor a sentença a terceiro titular de situação jurídica incompatível com a declarada na sentença transitada.
V- Litiga de má-fé a parte (artigo 456 do CPC) que sonega nos autos informação quer sobre a existência de um acto translativo de domínio subsequente ao invocado como causa de pedir, quer a instauração - na pendência da acção - de uma nova acção destinada a obter sentença para servir de documento torpedeador da consistente defesa do Réu contestada em 1. instância, documento esse a juntar à alegação da apelação.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :

I. A intentou em 14-10-96 no Tribunal de Círculo de Leiria acção ordinária contra "B, S.A." pedindo que se:
"a) declare ser dona e legítima possuidora do prédio urbano sito no lugar de Touria, freguesia de Pousos, inscrito na matriz predial urbana sob o artº 1566º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 56.133 de 31-10.89;
b) condene a Ré a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre esse identificado prédio;
c) decrete o cancelamento dos ónus reais sobre o mesmo incidentes.
2. Por despacho-saneador-sentença datado de 15-7-97, o Mmo. Juiz desse Tribunal, considerando que a Ré havia ilidido a presunção legal do artº 7º do C. R. Predial, pois que além do mais se encontrava provado que a A. doara a seus pais o identificado prédio por escritura de 28-7-92, julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a entidade R. do pedido.
3. Inconformada, interpôs a A. recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 31-3-98, proferido de fls 126 a 133, lhe concedeu provimento, condenando a Ré "B, SA" no pedido.
E isto, em suma, porque a aludida ilisão conseguida pela R. teria sido, por seu turno, ilidida pela decisão judicial transitada em julgado em 24-9-97 - já depois da prolação da decisão de 1ª instância - e subsequente registo do facto registral dela emergente, tudo nos termos certificados pelo documento" ex-novo junto pela A. apelante na sua alegação de recurso.
4. Desta feita inconformada com tal aresto, dele veio a sociedade Ré "B, SA" recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
"1. O facto que a A. pretendeu provar com o documento junto com as alegações da apelação não foi alegado pela A. na petição inicial nem em qualquer dos outros articulados.
2. Em fase de recurso não podem ser considerados documentos que não se destinem a provar factos alegados na acção.
3. O documento junto pela A. é uma certidão de uma decisão proferida na acção sumária 370/97 - 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria em que a A. também é autora e em que são réus seus pais Armando Pereira Lopes e mulher Maria Odile Lopes da Cunha Pereira, sendo o banco aqui recorrente terceiro e estranho a uma tal acção.
4. Os documentos susceptíveis de poderem ser admitidos em recurso de apelação e juntos com as alegações de recurso são apenas os referidos no artº 706º do CPC e são sempre casos excepcionais e relacionados com a causa de pedir da acção porque os recursos se destinam a impugnar as decisões recorridas e não a obter decisão sobre matéria nova.
5. O documento junto pela A. com as alegações de recurso de apelação, não se referindo a qualquer facto articulado na petição inicial, nem nos restantes articulados, também não se enquadra em qualquer das situações a que se refere o artº 706º do CPC, incluindo as próprias situações a que se refere "ex-vi" do artº 524º do mesmo Código.
6. O tribunal não pode decidir sobre factos não alegados pelas partes, salvo o disposto nos artºs 514º e 665º do CPC, sendo certo que nenhuma das situações a que se reportam os autos se enquadra no caso dos autos.
7. A matéria nova alegada em recurso e não constante dos autos não pode ser considerada para julgamento pelo tribunal "ad quem".
8. A decisão do Tribunal da Relação de Coimbra de que o R. aqui recorrente não conseguiu ilidir a presunção do artº 7º do CRP considera erradamente o documento junto pela A. com as alegações de recurso e que não foi apresentado na 1ª instância nem foi dada notícia da pendência da acção sumária onde o mesmo foi produzido.
9. O caso julgado tem eficácia entre as partes da acção em que a decisão foi proferida e só excepcionalmente em relação a terceiros que, em relação à decisão, possam ser juridicamente indiferentes.
10. O recorrente B, SA não é, no caso dos autos, juridicamente indiferente à decisão proferida na acção sumária nº 370/97, 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria porque é beneficiário de uma penhora efectuada no âmbito da execução ordinária nº 838/92 do 4º Juízo Cível do mesmo Tribunal... que tem por objecto o mesmo prédio urbano de que se arroga proprietária a A. aqui recorrida.
11. A sentença produzida na acção sumária nº 370/97 e que consubstancia o documento junto pela A:... é inoponível ao aqui recorrente porque o instituto do caso julgado só excepcionalmente é oponível a terceiros, não se integrando o recorrente em qualquer situação excepcional.
12. O acórdão... violou ostensivamente o princípio do contraditório porque julgou oponível uma decisão a que o aqui recorrente foi alheio, que lhe foi omitida e que é incompatível com os seus interesses tal como estão descritos e configurados na acção.
Foram violados os artºs 3º, 514º, 524º, 664º, 665º, 673º e 706º, todos do CPC."
5. A A. não contra-alegou.
6. Colhidos que foram os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar. 7. Matéria de facto:
Face ao disposto no artº 713º nº 6 do CPC, aplicável "ex-vi" do artº 726º do mesmo diploma, remete-se para a decisão da matéria de facto adoptada pela Relação e cujo elenco de dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
Análise jurídica
8. Admissibilidade e atendibilidade do documento superveniente junto de fls 112 a 114 pela A., ora recorrida, com a alegação do recurso de apelação.
A única questão decidenda centra-se em saber se foi ou não legalmente correcta a admissibilidade, coonestada pela Relação, da junção aos autos, conjuntamente com as alegações de recurso de apelação, da certidão da sentença proferida em 30-6-97 nos autos de acção sumária nº 370/97, e transitada em julgado em 24-9-97, documento esse que veio a ser considerado decisivo e determinante para o desfecho favorável ( à A. ora recorrida ) da lide decretada pela Relação.
A decisão de 1ª instância havia dado como provado - repete-se - que a A. ora recorrida doara em 28-7-92 a seus pais Armando Pereira Lopes e mulher Maria Odile Lopes o prédio a que se reporta acção, pelo que veio a ser entendido não ser possível à A. peticionar a declaração de um direito de propriedade que transmitiu por força da respectiva escritura.
Através da sentença certificada pelo documento junto com a alegação da apelação foi, porém, decretada a anulação (a sentença utiliza incorrectamente o termo anulabilidade) da doação a que se refere a escritura de 28-7-92, mais se declarando que "a A. tem o direito de obter para si a restituição do prédio urbano em causa (conf. fls 113 a 114) ".
A situação retratada nos autos é a seguinte:
"1. A. propõe contra B uma acção declarativa de propriedade com base numa doação que C e D (seus pais) lhe fizeram de um dado prédio.
2. B, na sua contestação, consegue ilidir a presunção de propriedade de A. resultante do registo, já que logrou provar uma doação subsequente do mesmo prédio feita por A a C e D (seus pais).
3. Perante tal ilisão, e com vista a evitar a perda da acção, A - já depois de conhecida a contestação de B - apressa-se a propor uma acção contra C e D (seus pais) tendente a obter a anulação da doação referida em 2. com base em pretensa coacção exercida por C e D contra A.
4. C e D não contestam, deixando-se assim condenar de preceito.
5. Munido de certidão do trânsito em julgado da decisão anulatória da doação referida em 2. e do respectivo acto registral, A. vem à acção referida em 1 - já depois de proferida a decisão de improcedência de 1ª instância e em sede de alegações de recurso de apelação - requerer a junção aos autos de tal certidão a fim de obter uma contra - ilisão do primitivo registo e assim fazer reverter a seu favor a primeira decisão desfavorável com base nesse registo primitivo emitida.
6. A. decidiu-se a mover a acção contra B, referida em 1, porquanto o prédio objecto dessa acção havia sido penhorado antes da instauração dessa acção declarativa numa execução instaurada por B contra C e D (pais de A.) e outro, encontrando-se o registo da penhora (com anterioridade relativamente a tal propositura) efectuado a favor de B.
Tudo passa por saber qual a melhor interpretação a dar ao artº 706º do CPC 67, cuja redacção foi de resto mantida pela recente reforma do processo civil de 1995/1996.
Estatui esse preceito, nos seus nºs 1 e 2, o seguinte:
" 1. As partes podem juntar documentos às alegações nos casos excepcionais a que se refere o artº 524º ou, no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância ".
2. Os documentos supervenientes podem ser juntos até se iniciarem os vistos aos juízes... ".
É preciso adiantar desde já que os recursos - salvo casos excepcionais legalmente previstos - se destinam à revisão ou reexame das decisões dos tribunais de hierarquia inferior e não a criar decisões sobre matéria nova. Esta é, de resto, a jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal - conf., v.g., o Ac do STJ de 7-1-93, in BMJ 423/539.
O regime do artº 706º, com referência ao disposto no artº 524º, ambos do CPC, só se aplica aos documentos destinados a fazer prova dos factos que sirvam de fundamento à acção. Têm pois de ser factos consubstanciadores da respectiva causa de pedir e não de factos que integrem uma diferente causa de pedir pretendida invocar "ex-novo" em face da bem sucedida defesa do réu relativa à primitivamente invocada. Conf., no sentido da primeira proposição, o Ac. deste STJ de 14-10-97, in Proc 529/97 - 1ª Sec..
Tal como se escreveu no acórdão proferido no Proc. 186/97 - 2ª Sec.
" I - O juiz não pode servir-se, ao decidir a causa, de facto não articulado oportunamente pelo Réu na contestação (na qual deve ser deduzida toda a defesa ) e que só veio ao processo mediante a junção de documentos aos autos pelo réu já na audiência de julgamento - 664º e 489º do CPC.
II - A prova por documentos é um meio de prova dos factos articulados, não podendo servir para subrepticiamente alargar os poderes de cognição do tribunal ".
Que dizer pois sobre tal contra-ilisão?
Não havendo o questionado documento sido junto em 1ª instância e nem sequer tendo aí sido dado pela A. ora recorrida - como era seu dever face aos princípios da cooperação e da boa-fé processual - conhecimento oportuno da pendência da acção 370/97 do 1º juízo Cível do Tribunal da Comarca de Leiria, relativamente à qual o ora R. recorrente era inteiramente alheio, não poderá atribuir-se a tal documento essa virtualidade.
Na verdade, à entidade bancária Ré, aqui recorrente, seria impossível ilidir a presunção resultante do aludido preceito, pois que com o respectivo conteúdo não havia sido confrontado em fase de instrução.
O que foi objecto de decisão na 1ª instância foi o alegado direito de propriedade da A. sobre o prédio urbano identificado nos autos com fundamento numa doação com escritura pública formalizada em 18-8-89.
E era essa última a "causa petendi" ou "origo petitionis", ou seja o facto jurídico de que derivava, na própria asserção da A. ora recorrida, o direito real por si invocado - conf. artº 498º nº 4 do CPC.
A entidade Ré ora recorrente contrariou tal asserção juntando uma escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Ourém em 28-7-92, na qual se provava a ulterior transmissão pela A. operada, a seus pais, desse mesmo prédio.
Sobre esta questão da junção de documentos conjuntamente com as alegações de recurso de apelação, pode ler-se a dado passo da anotação de A. Varela, in RLJ, ano 115, pág. 95 e ss:
"A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artºs 514º e 665º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (artºs 264º nº 3, 535º, 612º e tc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (artº 664º - 1ª parte).
A decisão de 1ª instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do artº 706º do CPC " (sic ).
Sucede porém que a A. sabia perfeitamente - não podia deixar de saber - conforme resulta dos autos, que havia feito doação do prédio em causa a seus progenitores pela ulterior escritura de 28-7-92, sendo certo que foi ela própria - na resposta à contestação da R. ora recorrente - que veio esclarecer que essa liberalidade se destinou unicamente a convalidar um acto de dação em cumprimento, o qual, por sua vez, foi anulado por simulação em acção em que foi A. a aqui recorrente e RR os pais e um tio da mesma A.
Daqui temos de concluir - como faz e bem o Banco recorrente - que A. não foi supreendida com qualquer facto novo no qual o tribunal de 1ª instância se haja louvado para emitir a decisão absolutória da ora recorrente.
O documento "ex-novo" junto aos autos com o recurso de apelação não se tornou pois necessário em virtude do julgamento da 1ª instância, não se integrando ademais, em qualquer das excepções contempladas no artº 524º do CPC, em ordem a poder ser admitido e tomado em consideração no julgamento em 2ª instância.
Faz todavia o aresto sob análise referência a um suposto caso julgado formado pela sobredita sentença posterior, mas igualmente sem qualquer razão.
É princípio fundamental neste domínio a eficácia relativa do caso julgado: "a sentença só tem força de caso entre as partes (inter partes); só vincula o juiz num novo processo em que as partes sejam as mesmas que no anterior" - conf. Prof. Manuel de Andrade, in "Noções Elementares de Processo Civil " - Coimbra Editora - 1963, pág. 286 e ss.
É certo que, em princípio, transitada em julgado uma sentença "a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele", mas tudo "dentro dos limites fixados pelos artºs 497º e ss" - conf. artº 671º do CPC. Ora esses limites são precisamente os da identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (artºs 496º e 497º do CPC), identidade essa que de modo algum ocorre entre a causa dos presentes autos e a decidida no processo nº 370/97 do 1º Juízo Cível da Comarca de Leiria.
Não se provou, ademais, que entre o Banco R. - ora recorrente - e a A. existisse qualquer relação directa de natureza creditícia, pelo que a posição da A. e a posição do Banco R., ora recorrente, eram à partida posições completamente independentes.
Relativamente a este tipo de situações, o Prof. A. Varela entende, in "Manual de Processo Civil", 2ª ed. rev., págs. 724 a 727, que "nenhuma razão há, de acordo com o espírito da norma que prescreve a eficácia relativa do caso julgado, para impor a sentença a terceiro titular de situação incompatível com a declarada na sentença transitada. Pelo contrário: se a sentença proferida for invocada contra terceiro, deve reconhecer-se a este a ampla possibilidade de alegar e de demonstrar a existência do seu direito incompatível com a decisão passada em julgado".
Foi essa possibilidade que a decisão recorrida postergou, assim violando, também por esta via, o princípio do contraditório contemplado no artº 3º do CPC. Em suma: o invocado caso julgado era, na circunstância, inoponível à entidade ora recorrente, e como assim, o supra-aludido documento certificativo dessa decisão inter-alia foi indevidamente admitido juntar aos autos, assim desvirtuando a sorte normal da lide.
9. Infringiu assim o acórdão recorrido, não só o citado artº 3º do CPC, como ainda o disposto nos artºs 524º, 664º, 671º e 706º do CPC, disposições legais estas citadas pela Ré recorrente.
10. Uso anormal do processo e litigância de má-fé
A conduta processual da A., ora recorrida, ao sonegar a informação e o conhecimento oportuno nos autos quer da existência de um acto translativo de domínio subsequente ao invocado como causa de pedir na acção (a doação titulada pela escritura de 28-7-92,) quer da própria pendência da acção 370/97 do 1º juízo Cível do Tribunal da Comarca e as demais circunstâncias em que foi produzido o documento feito juntar ao processo - nitidamente com o propósito de torpedear a eficácia da contestação da Ré - geram a convicção segura de que A. se serviu do processo para praticar um acto simulado, qual foi o da anulação da doação revelada pela Ré, com o consequente registo do prédio a seu favor.
Com efeito, A. sabia perfeitamente - conforme já acima se deixou dito - que havia feito doação do prédio em causa a seus progenitores pela ulterior escritura de 28-7-92, sendo certo que foi ela própria - na resposta à contestação da R. ora recorrente - que veio esclarecer que essa liberalidade se destinou unicamente a convalidar um acto de dação em cumprimento, o qual, por sua vez, foi anulado por simulação em acção em que foi autora o Banco aqui recorrente e RR os pais e um tio da mesma A.
E sabia também - ela própria o confessou na petição inicial - da pendência da execução 838/90 - do 4º Juízo Cível de Leiria - movida pelo Banco R. e ora recorrente contra os pais daquela e outro, na qual havia sido já penhorado tal prédio e registada a favor da ora recorrente a respectiva penhora, assim pretendendo, também por esta vi ínvia, torpedear a efectiva cobrança do crédito do exequente.
Fez pois a A. ora recorrida um uso anormal do processo, pelo que a decisão final sempre deveria obstar a esse objectivo anormal por si prosseguido, nos termos do disposto no artº 665º do CPC.
Para além disso, omitiu a A. factos essenciais e relevantes para a justa decisão da causa e alterou conscientemente a verdade dos factos na dedução da respectiva pretensão com vista a impedir a descoberta da verdade. Fez pois um uso do processo manifestamente reprovável, assim incorrendo em responsabilidade por litigância de má-fé, geradora da respectiva condenação em multa e em indemnização à parte contrária, face ao disposto no artº 456º do CPC, sendo o conteúdo dessa indemnização a arbitrar oportunamente através do incidente regulado no artº 457º do mesmo diploma.
11. Decisão
Em face do exposto decidem:
- conceder a revista;
- revogar, em consequência, o acórdão recorrido, assim ficando a subsistir a decisão de 1ª instância.
- condenar a A. ora recorrida como litigante de má-fé na multa de 15 UC,s e em indemnização a favor da entidade bancária Ré, ora recorrente, a liquidar oportunamente mediante o incidente regulado no artº 457º do CPC, neste tribunal.
Custas pela recorrida no Supremo e nas instâncias.
Lisboa, 28 de Janeiro de 1999.
Ferreira de Almeida,
Moura Cruz,
Abílio Vasconcelos.