Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05S3375
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDES CADILHA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PRAZO DE DEFESA
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: SJ200602150033754
Data do Acordão: 02/15/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 6545/04
Data: 04/11/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : A interrupção do prazo para apresentação da contestação, nos termos do artigo 25º, n.º 4, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, apenas opera quando o interessado tenha formulado pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação prévia de patrono, e não já um pedido de pagamento de honorários do patrono escolhido.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório.

"A" intentou a presente acção emergente do contrato de trabalho contra B - Sociedade de Construções e Comércio, S.A., peticionando a condenação da ré no pagamento de diversas prestações retributivas em dívida.

Notificada para contestar, a ré, com fundamento na apresentação de um pedido de apoio judiciário, veio requerer que fosse declarada a interrupção da instância, o que foi indeferido por despacho judicial que determinou o prosseguimento da causa.

Não tendo a ré contestado no prazo cominado, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, sendo que só posteriormente a ré veio juntar documento da Ordem dos Advogados a designar o patrono e a apresentar a contestação.

Em recurso de apelação, a ré veio arguir a nulidade da sentença, mantendo o entendimento de que a instância devia ter sido interrompida por efeito da apresentação do pedido de apoio judiciário e a contestação, apresentada após a designação do patrono, devia ter sido levada em consideração.

A Relação julgou improcedente o recurso, aduzindo, em síntese, que tendo sido formulado um pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários a patrono escolhido, não havia lugar à interrupção do prazo para a apresentação da contestação (nem tão pouco à interrupção da instância) e, por outro lado, a ter existido qualquer nulidade esta não seria uma nulidade de sentença, mas uma nulidade processual, sendo que a nulidade de sentença para ser considerada devia ter sido deduzida no requerimento de interposição do recurso dirigido ao juiz de 1ª instância.

Inconformada, a ré interpõe recurso de agravo de 2ª instância, com fundamento em oposição de julgados, alegando, em resumo, o seguinte:

1. A decisão recorrida está em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Março de 2005, que considera que: "(...) o facto de o requerente de apoio judiciário escolher, no requerimento de apoio, o patrono que pretende seja o seu mandatário judicial para determinada acção, não é suficiente para a imediata outorga do respectivo mandato. É imprescindível que a Ordem dos Advogados valide essa escolha do interessado, ratificando-a através da expressa indigitação do patrono escolhido. (...) Resulta do exposto que, sem a nomeação efectiva do patrono escolhido pela Ordem dos Advogados - realizada através da comunicação ao requerente e ao patrono nomeado, a que alude o art. 33° - não se pode falar em mandato regularmente constituído ao patrono escolhido pelo interessado.(...) O pedido de apoio judiciário consistente no pagamento de honorários a patrono escolhido pelo interessado, constitui uma forma de nomeação oficiosa de patrono, na medida em que compete à Ordem dos Advogados a efectiva nomeação do patrono escolhido e a posterior comunicação a este e ao beneficiário do apoio judiciário, só voltando a correr o novo prazo para a prática do acto judicial a partir da comunicação a que alude o art. 33° da Lei n.º 30-E/2000(...) Também nesta modalidade se aplica o disposto no n.º 4 do artigo 25º da Lei nº 30-E/2000".
2. Em consequência, deverá ser fixada jurisprudência no sentido de que o pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários ao patrono escolhido interrompe o prazo para a apresentação da contestação, que só se inicia após a notificação dessa designação ao patrono nomeado, nos termos do artigo 25º, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro.
3. E, nesses termos, deve entender-se que, no caso dos autos, o prazo para deduzir a sua defesa só terminava em 1 de Julho de 2004, pelo que a apresentação da contestação no dia 28 de Junho anterior foi tempestiva.

O autor, ora recorrido, não contra-alegou, e, neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma representante do Ministério Público considerou que a questão analisada no recurso foi já objecto de decisão transitada em julgado e, por outro lado, se não verifica o condicionalismo do julgamento ampliado a que se refere o artigo 732º-A do Código de Processo Civil.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto.

Os factos que interessa considerar, tendo em conta o objecto do recurso, são os seguintes:

a) A petição inicial deu entrada no Tribunal Judicial de Matosinhos em 4 de Março de 2004;
b) Por despacho de 10 de Março seguinte foi designado dia para audiência das partes (fls 17);
c) Por requerimento entrado em 23 de Março de 2004, a ré informou que havia formulado um pedido de apoio judiciário, na modalidade de isenção de pagamento de taxa de justiça e pagamento de honorários a patrono escolhido, e requereu que fosse declarada a interrupção da instância (fls 22);
d) No requerimento de apoio judiciário, na referida modalidade, a ré indicou como patrono escolhido o Dr. Pedro Magina (fls 23);
e) Por despacho de 30 de Março desse ano, o juiz deu sem efeito a diligência de audiências das partes e ordenou a notificação da ré para contestar, notificação que foi efectuada por carta enviada em 2 de Abril seguinte (fls 32-34);
f) O Centro Distrital do Porto do Instituto de Solidariedade e Segurança Social, através de documento entrado em 12 de Abril, comunicou ao tribunal que foi deferido o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e pagamento de honorários a patrono escolhido (fls 35);
g) Por requerimento entrado em 22 de Abril de 2004, a ré, invocando ter sido notificada para contestar a acção, volta a pedir a declaração de interrupção da instância (fls 38);
h) Por despacho de 27 de Abril imediato, o juiz indeferiu esse pedido (fls 41);
i) Tendo decorrido o prazo para a apresentação da contestação, sem que a ré tenha deduzido a sua defesa, o juiz proferiu sentença final, com data de 16 de Junho de 2004, que julga acção parcialmente procedente (fls 47 e segs.);
j) O Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, por ofício entrado em 21 de Junho seguinte, comunica que foi designado patrono oficioso o Dr. Pedro Magina (fls 51);
l) A contestação, subscrita pelo patrono designado, deu entrada em 28 de Junho de 20004 ( fls 52 e segs.).

3. Fundamentação de direito.

Deve começar-se por dizer que não existe obstáculo à apreciação do objecto do recurso.

Contrariamente ao que sugere a Exma Procuradora-Geral Adjunta não estamos aqui perante a possibilidade de julgamento ampliado que justifique a intervenção Presidente de Supremo Tribunal de Justiça, para convocação do plenário da secção, mas antes perante um recurso de agravo de 2ª instância, que tem como fundamento autónomo a existência de conflito jurisprudencial entre a decisão recorrida e um outro acórdão da Relação. Não há, pois, que considerar os pressupostos processuais definidos no artigo 732º-A do Código de Processo Civil, que não têm aplicação ao caso, mas apenas o regime do artigo 754º, n.º2, sendo que, nos termos dessa disposição, a oposição de julgados constitui condição de admissibilidade do recurso, que só será de afastar se entretanto sobre a matéria houver já sido fixada jurisprudência uniformizada do Supremo, o que no caso não sucedeu.

Por outro lado, a questão sobre que incide o recurso não foi objecto de qualquer anterior decisão transitada em julgado. É verdade que o juiz de 1ª instância indeferiu o pedido formulado pela recorrente no sentido de ser declarada a interrupção da instância, decisão com a qual a interessada se conformou. No entanto, a questão que vem suscitada no recurso é uma outra: é a de saber se a contestação foi apresentada tempestivamente, por efeito da interrupção do prazo para oferecer essa peça processual, na sequência do pedido de apoio judiciário.

Diga-se a este propósito que o que está em causa é, não a nulidade de sentença, como invocou a recorrente no recurso de apelação, mas uma nulidade processual, por omissão de acto que a lei prescreve, e que decorre do facto de o juiz ter proferido a sentença quando eventualmente ainda não tinha decorrido o prazo para contestar, por esse prazo se encontrar interrompido por virtude do pedido de apoio judiciário.

E nesta perspectiva não tem qualquer relevo a argumentação da Relação quanto à oportunidade da arguição da nulidade, sendo apenas determinante a fundamentação que se centra na inverificação da interrupção do prazo.

O que constitui, pois, objecto de discussão é saber se o pedido de apoio judiciário, na modalidade de pagamento de honorários a patrono escolhido, que a ré formulou na pendência da acção, era susceptível de ter interrompido o prazo para a apresentação da sua defesa.

O Supremo teve já oportunidade de se pronunciar sobre essa matéria, num caso em que estava em causa a interferência do pedido de apoio judiciário sobre o prazo para a propositura da acção, que apresenta similitude com a situação dos autos e concita a aplicação e interpretação das mesmas regras de direito (acórdão do STJ de 24 de Novembro de 2004, Processo n.º 1902/04).

Justifica-se, por isso, chamar à colação as considerações que foram então expendidas e que relevam quanto à definição do âmbito de aplicação da norma do artigo 25º, n.º 4, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, vigente à data em que foi proposta a acção.

Esse diploma, que instituiu um novo regime de acesso aos tribunais, revogando o Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, veio estabelecer, no seu artigo 15º, o seguinte:

"O apoio judiciário compreende as seguintes modalidades:
a) Dispensa, total ou parcial, de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
b) Diferimento do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo;
c) Nomeação e pagamento de honorários do patrono designado ou, em alternativa, pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente;
d) Nomeação e pagamento da remuneração do solicitador de execução designado ou, em alternativa, pagamento da remuneração do solicitador escolhido pelo requerente."

Por outro lado, no que concerne à repercussão que o procedimento de apoio judiciário poderá ter no andamento da causa ou nos respectivos efeitos civis, relevam os artigos 25º e 34º.

A primeira dessas disposições, na parte que interessa considerar, preceitua o seguinte:

"Artigo 25.°

1 - O procedimento de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes.
(...)
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
(...)"

O artigo 34º consigna, por sua vez, a possibilidade de a nomeação de patrono ser requerida pelo autor para efeito de propositura da acção: nesse caso, a consequência, como determina o n.º 3 desse artigo, é a de se considerar a acção proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.

Como se vê, existem distintas modalidades de apoio judiciário (artigo 15º), como também são diversos os modos pelos quais o pedido de apoio judiciário poderá interferir no desenvolvimento da acção ou no exercício do respectivo direito. O artigo 25º prevê a hipótese de o pedido de apoio judiciário, quando inclua a nomeação de patrono, ser apresentado na pendência de acção judicial: nesse caso, com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento interrompe-se o prazo que estiver e curso. É o que sucede quando o pedido seja formulado por quem figura como réu: se este pretende o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o prazo para apresentar a sua defesa interrompe-se com o pedido e apenas se reinicia com a notificação da decisão que vier a ser proferida no respectivo procedimento. O benefício estende-se, porém, a quem pretenda recorrer aos tribunais para fazer valer os seus direitos e se encontre não do lado passivo mas no lado activo da relação processual.

As soluções consagradas nos artigos 25º, n.º 4, e 34º, n.º 3, coadunam-se com a posição processual das partes: num caso, a acção já se encontra a decorrer e está em causa a prática de um acto processual, cujo prazo só deverá começar a correr quando a parte tenha regularizado a sua situação quanto ao patrocínio judiciário, quer mediante a nomeação de patrono, quer através da constituição de advogado se aquele pedido lhe for indeferido; no segundo caso, o interessado carece de obter a designação de um patrono para o patrocinar na acção que pretende intentar e daí que a lei ficcione o pedido de nomeação prévia como constituindo a entrada da petição inicial em juízo, para o efeito de operar a interrupção da prescrição ou da caducidade do direito.

Em qualquer dos casos, a lei salvaguarda a posição do requerente do apoio judiciário, permitindo que disponha de um novo prazo para a prática do acto processual ou evitando, quando se trata de propositura de acção, que a realização das formalidades para a designação de patrono venham a prejudicar o exercício tempestivo do direito.

No entanto, como resulta com evidência das citadas normas, as garantias que o legislador oferece ao requerente de apoio judiciário e, em particular, a quem pretenda deduzir a sua defesa em acção judicial, só se justificam quando esteja em causa a nomeação de patrono, e é justamente a essa modalidade de apoio judiciário a que as disposições do n.º 4 do artigo 25º e do n.º 3 do artigo 34º se referem. Sendo obrigatório o patrocínio judiciário, o interessado não poderá praticar o acto processual sem que tenha obtido previamente a designação de um patrono ou constituído advogado, caso esse pedido venha ser indeferido, e daí que a lei contemple um mecanismo que permita assegurar o exercício tempestivo do direito.

É óbvio que a razão de ser da lei não opera quando o interessado, no pedido de apoio judiciário, se limite a requerer a dispensa ou o diferimento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, ou o pagamento de honorários do patrono escolhido. Isso porque, em qualquer desses casos, não está em risco a prática do acto processual e o que pode suceder é que o requerente poderá ter de pagar os encargos tributários no momento próprio ou suportar os honorários do causídico que o tenha patrocinado (cfr., quanto a este ponto, o n.º 4 do artigo 31º da Lei 30-E/2000).

Sustenta o recorrente, porém, que sem a nomeação efectiva, pela Ordem dos Advogados, do patrono escolhido não se pode falar em mandato regularmente constituído, e que o pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários constitui uma forma de nomeação oficiosa de patrono, na medida em que compete à Ordem a efectiva nomeação.

Mas não é assim.

O artigo 25º, no seu n.º 1, estabelece como princípio geral que o procedimento de apoio judiciário não tem qualquer repercussão sobre o andamento da causa e apenas exceptua as situações especialmente previstas nos números subsequentes. E o efeito interruptivo do prazo processual contemplado no n.º 4 apenas se reposta à nomeação de patrono.

A verdade é que a nomeação e pagamento de honorários do patrono designado ou o pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente, a que se referem a primeira e a segunda partes da alínea c) do artigo 15º da Lei 30-E/2000, correspondem a modalidades distintas de apoio judiciário, cujo deferimento ou indeferimento tem também diferentes consequências. A própria lei põe em realce que se trata de pedidos alternativos e que, por isso mesmo, não são reconduzíveis a uma mesma realidade.

Por outro lado, quando está em causa apenas o pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente, a decisão a adoptar compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência do requerente, que poderá deferir ou indeferir esse pedido, com a consequência de este ter ou não de suportar os honorários devidos ao advogado constituído, conforme o apoio judiciário, nessa modalidade, tenha ou não sido concedido; se tiver sido requerida a nomeação prévia de patrono, é que, sendo concedido o apoio judiciário, cabe à Ordem efectuar a escolha e nomeação do mandatário forense, nos termos previstos no artigo 32º, n,º 1.

O pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente nada tem a ver, também, com a situação descrita nos artigos 50º e 51º da Lei 30-E/2000, em que se permite que a Ordem dos Advogados, quando não subsistam inconvenientes de carácter deontológico, possa atender à indicação fornecida pelo requerente do apoio judiciário, quando este tenha requerido a nomeação de patrono. Trata-se aqui de uma situação em que a Ordem, no exercício da competência que lhe é deferida pelo artigo 32º, no quadro de uma nomeação oficiosa de patrono, toma em consideração ou não a indicação que é sugerida pelo interessado.

Ora, no caso vertente, como se vê pelo formulário junto a fls 23 e pela comunicação feita ao tribunal pelo Centro Distrital do Porto do Instituto de Solidariedade e Segurança Social, a recorrente requereu e obteve deferimento quanto a um pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido. E não tinha de aguardar qualquer decisão da Ordem dos Advogados sobre a matéria, e antes podia e devia ter constituído advogado e deduzido oportunamente a sua defesa, aguardando que o deferimento do pedido - como veio a suceder - lhe permitisse assegurar, sem encargos económicos, o pagamento dos honorários que fossem devidos.

E, sendo assim, a designação feita pela Ordem, quando estava já transcorrido o prazo apara apresentar a contestação, não poderia ter qualquer efeito prático.

Em suma, o pedido de apoio judiciário não interrompeu o prazo para a apresentação da contestação, pelo que a decisão recorrida, fazendo correcta da lei, não merece qualquer censura.

4. Decisão.

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2006
Fernandes Cadilha - relator
Mário Pereira
Maria Laura Leonardo