Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1006/12.2TBPRD.P1-A.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ART. 671º
Nº 1
DO NCPC
ACÓRDÃO DA RELAÇÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
NÃO APRECIAÇÃO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Data do Acordão: 01/28/2016
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643º CPC
Decisão: CONFIRMADA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / NÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO ( NÃO CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO ) / MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 2ª ed., pp. 296 e 297; Recursos em Processo Civil – Novo Regime; 3.ª ed., p. 376; Recursos no Novo C.P.C., 3.ª ed., pp.159, nota 252, 170.
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, vol. VI, pp. 5 e 200.
- Teixeira de Sousa, “Reflexões sobre a reforma dos recursos em processo civil”, em Cadernos de Direito Privado, nº 20.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 277.º, ALS. B) A E), 279.º, N.º1, 629.º, N.º 1, 640.º, 641.º, N.º 2, AL. A), 644.º, N.º1, 652.º, N.º 1, ALS. B) E H), 655.º, 662.º, 671.º, N.º1, 674.º, N.º 1, AL. B).
Sumário :
1. A admissibilidade do recurso de revista, nos termos que constam do art. 671º, nº 1, do NCPC, deixou de estar associada ao teor da decisão da 1ª instância, como se previa no art. 721º, nº 1, do CPC de 1961, e passou a ter por referencial o resultado declarado no próprio acórdão da Relação.

2. Esta alteração não teve como objectivo restringir o âmbito da revista, mas prever a sua admissibilidade, para além dos casos em que o acórdão da Relação, incidindo sobre decisão da 1ª instância, aprecia o mérito da causa, aqueles em que, nas mesmas circunstâncias, põe termo total ou parcial ao processo por razões de natureza adjectiva.

3. É admissível recurso de revista do acórdão da Relação que, incidindo sobre sentença de 1ª instância, se abstém de apreciar o mérito do recurso de apelação por incumprimento dos requisitos constantes do art. 640º do CPC e/ou por extemporaneidade do recurso.

Decisão Texto Integral:
1. No âmbito da acção declarativa instaurada por AA contra BB Imobiliária e Serviços, SA, e CC foi proferido acórdão pela Relação que, incidindo sobre sentença da 1ª instância, não apreciou o mérito do recurso de apelação interposto da sentença de 1ª instância com fundamento, por um lado, no incumprimento dos requisitos da impugnação da decisão da matéria de facto e, por outro, no facto de o recurso de apelação ser extemporâneo.

De tal acórdão da Relação foi interposto recurso de revista pelos RR., o qual não foi admitido na Relação, considerando o respectivo relator que o acórdão recorrido não pôs termo ao processo mediante decisão formal de “absolvição da instância”, nos termos prescritos pelo art. 671º, nº 1, do NCPC.

Dessa decisão foi apresentada reclamação pelos recorrentes, ao abrigo do art. 643º do NCPC, alegando que a situação dos autos deve ser equiparada àquelas em que a Relação profere decisão que põe termo ao processo mediante absolvição da instância.

Tal reclamação foi acolhida pelo ora relator, mas o recorrido solicitou a intervenção da conferência, a quem, agora, compete decidir.


2. Apreciando:

2.1. Nos termos do nº 1 do art. 671º do NCPC, é admissível recurso de revista “do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância que (i) conheça do mérito da causa ou que (ii) ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.

O elemento literal que se extrai do art. 671º, nº 1, do NCPC, e a diferença de redacção relativamente ao que estava consignado no art. 721º, nº 1, do CPC de 1961, na versão que fora introduzida pelo Dec. Lei nº 303/07, de 24-8, justificam um esforço adicional para perscrutar o verdadeiro sentido daquele preceito, aferindo da legitimidade de uma interpretação que integre no mesmo regime recursório o acórdão da Relação que, sem conhecer do mérito da causa, ponha termo ao recurso e/ou ao processo por uma via diversa da “absolvição da instância”.


2.2. A decisão da Relação que foi objecto de reclamação, ao abrigo do art. 643º do NCPC, concluiu que extravasava o âmbito do preceituado no art. 671º, nº 1, o acórdão da Relação que, sem apreciar o mérito da causa, rejeitara o recurso de apelação, uma vez que os fundamentos de natureza adjectiva que, ex novo, foram apreciados em tal aresto não correspondiam formalmente a uma decisão de “absolvição da instância”.

Por isso, está unicamente em causa apurar se, em face deste último preceito, também admite recurso de revista o acórdão da Relação que, no âmbito de um recurso de apelação interposto de sentença da 1ª instância, recusa a apreciação do mérito do recurso de apelação que foi admitido. Situação a que pode equiparar-se aquela em que, nas mesmas circunstâncias, é formalmente declarada extinta a instância por motivo diverso do que determina a “absolvição da instância”.

A fim de nos centrarmos no cerne do problema, evitando os efeitos dispersivos que poderiam resultar da ponderação de outras situações, está excluído desta discussão o acórdão da Relação que reaprecia alguma decisão interlocutória da 1ª instância sobre matéria de processual, designadamente nos casos em que a rejeição do recurso é declarada na 1ª instância, sendo deduzida reclamação para a Relação, ao abrigo do art. 643º do NCPC. Na verdade, estas últimas situações encontram uma diversa e específica regulação na norma, de pendor mais restritiva, do nº 2 do art. 671º, sem qualquer interferência do que se dispõe no nº 1 (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 3ª ed., pág. 159, nota 252).

Com o mesmo objectivo, partimos do pressuposto que, no caso, está preenchido, de que se verificam as demais condições de recorribilidade, maxime a respeitante do valor do processo, em conjugação com o valor da alçada da Relação (art. 629º, nº 1, do NCPC).


2.3. A expressão “pôr termo ao processo” que agora nos surge no nº 1 do art. 671º do NCPC, tem como antecedente primitivo o art. 734º, nº 2, al. a), do CPC de 1939. Reportando-se ao “despacho saneador que puser termo ao processo”, previa-se que do acórdão da Relação que sobre o mesmo incidisse cabia agravo continuado, “salvo nos casos em que coubesse recurso de revista ou de apelação” (art. 754º, nº 2).

Em tal quadro normativo, considerava Alberto dos Reis que, tratando-se de acórdão final, cabia agravo nos termos gerais, e não revista, do acórdão da Relação proferido sobre recurso de apelação, mas que não conheceu do objecto desta (CPC anot., vol. VI, págs. 5 e 200).

Com a reforma do CPC de 1961, o nº 2 do art. 754º passou para a al. b) do art. 754º no qual se previa o “recurso de agravo para o Supremo do acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo nos casos em que couber recurso em que couber recurso de revisão ou de apelação". Foi também alterado o art. 734º, passando a prever a sua al. a) a subida imediata do agravo da “decisão que ponha termo ao processo”.

Com a Revisão do CPC de 1995/96, foi introduzindo uma séria limitação ao agravo em 2ª instância (agravo continuado): a impugnação de acórdão da Relação sobre questões processuais que incidisse sobre decisão da 1ª instância passou a depender da verificação do condicionalismo previsto no nº 2 do art. 754º (contradição de julgados), posto que fosse excepcionado de tal regime restritivo o acórdão da Relação que tivesse posto “termo ao processo” (arts. 754º, nº 3, e 734º, nº 1, al. a)) e bem assim aquele em que a Relação apreciasse ex novo questões de natureza adjectiva. Nestes casos, era admissível agravo em 2ª instância nos termos gerais, conforme o nº 1 do art. 754º.

Em suma, cabia recurso de agravo do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância que pusesse “termo ao processo”, salvo, obviamente, nos casos em que houvesse lugar a revista. Daqui decorria que do acórdão da Relação proferido em recurso de apelação, mas que não tivesse tomado conhecimento do seu objecto, cabia agravo continuado, nos termos gerais, ao abrigo do art. 754º, nº 3, com referência ao art. 734º, nº 1, al. a), do CPC de 1961.

Assim acontecia designadamente quando a Relação determinasse a extinção da instância por motivos de ordem formal ou rejeitasse a apreciação da apelação por motivos de ordem adjectiva.


2.4. Com reforma do regime dos recursos operada pelo Dec. Lei nº 303/07, de 24-8, o recurso de agravo e o recurso de agravo em 2ª instância foram absorvidos, respectivamente, pelo recurso de apelação e pelo recurso de revista, nos termos que ficaram a constar dos arts. 691º e 721º do CPC de 1961.

A assunção de um sistema monista, ao nível da apelação, ficou reflectida na norma do art. 691º, cujo nºs 1 e 2, al. h), passaram a referir-se, respectivamente, à “decisão do tribunal de 1ª instância que ponha termo ao processo” e ao “despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa”.

Tal solução não ficou isenta de críticas, na medida em que não acautelava a recorribilidade imediata das decisões de que resultasse uma extinção parcial da instância, designadamente os casos em que no despacho saneador era decretada a “absolvição da instância” de um dos réus ou absolvição do réu da instância quanto a um dos pedidos.

Este constrangimento interferia, por seu lado, na admissibilidade do recurso de revista, uma vez que, nos termos do art. 721º, nº 1, este tinha como ponto de referência precisamente as decisões da 1ª instância sobre que incidisse a apelação, desvalorizando-se o resultado declarado pela Relação (sobre esta problemática, cfr. Teixeira de Sousa, Reflexões sobre a reforma dos recursos em processo civil, em Cadernos de Direito Privado, nº 20).

De todo o modo, relativamente a situações, como a dos autos, em que um recurso de apelação, incidindo sobre sentença final, apesar de admitido pela 1ª instância, era rejeitado pela Relação, por verificação de alguma circunstância impeditiva, nos termos do art. 700º, nº 1, al. b) (maxime por falta de pressupostos processuais do recurso, por incumprimento de requisitos formais ou por extemporaneidade) ou por se entender que não poderia conhecer-se do seu objecto, atento o disposto nos arts. 700º, nº 1, al. h), e 704º, do CPC de 1961 (v.g. deserção do recurso, falta de interesse em agir ou inutilidade superveniente), tinha assegurada a impugnação para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos gerais. Afinal, em tais circunstâncias, o acórdão da Relação era proferido no âmbito de recurso de apelação interposto de sentença de 1ª instância, como o exigia expressis verbis o nº 1 do art. 721º (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 3ª ed., pág. 376).


2.5. Feita esta enunciação dos principais precedentes normativos, importa passar à análise do que se dispõe agora no art. 671º, nº 1, do NCPC, necessariamente conjugado com o art. 644º a respeito do recurso de apelação.

Sendo evidente a diferença de redacção dos arts. 671º, nº 1, e 644º, nº 1, do NCPC, quando comparados com os mais recentes predecessores - os arts. 721º e 691º do CPC de 1961, na sua derradeira versão - não podemos, no entanto, ceder à tentação de extrair deles uma interpretação unicamente arreigada no elemento literal, desprezando os demais elementos, para daí sustentar a ideia de que se procurou restringir o âmbito do recurso de revista aos casos em que acórdão da Relação “ponha termo ao processo” pela única via da “absolvição da instância”.

O CPC de 2013 procurou resolver algumas disfunções ou incongruências relativamente ao anterior regime do recurso de revista, uma vez que, como já se referiu, atento o que se dispunha no art. 721º do CPC de 1961, a sua admissibilidade ficava em larga margem condicionada pelo teor da decisão da 1ª instância e não – como sempre ocorrera até então – pelo resultado emergente do próprio acórdão da Relação.

Foi com tal objectivo que ficou consagrada no art. 644º do NCPC a admissibilidade de recurso de apelação (imediato) da decisão que “ponha termo à causa” e do despacho saneador que, “sem pôr termo ao processo, conheça do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”. E paralelamente ficou consignada no art. 671º, nº 1, do NCPC, a admissibilidade do recurso de revista do acórdão da Relação, incidindo sobre decisão da 1ª instância, conheça do mérito da causa ou, não sendo o caso, “ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.

Esta alteração no regime da revista procurou integrar, além do mais, os casos em que do próprio acórdão da Relação – e já não necessariamente a decisão de 1ª instância sobre a qual incidiu – decorre a extinção meramente parcial da causa, por envolver apenas algum dos réus ou algum dos pedidos, assegurando-se o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça mesmo que, em tais circunstâncias, não seja posto termo a todo o processo. Sem prejuízo dos casos em que haja dupla conforme, sujeitos ao condicionalismo adicional constante do art. 672º, a admissibilidade da revista ficou associada ao facto de o acórdão da Relação ter apreciado o mérito da causa ou dele decorrer a extinção total ou parcial da acção por algum fundamento de ordem adjectiva.


2.6. É verdade que, em termos puramente literais, o acórdão da Relação que recusa a apreciação do mérito da apelação interposta da sentença final, por incumprimento de requisitos formais, por extemporaneidade ou por outro motivo, embora determine o termo do processo, não corresponde formalmente a uma decisão de “absolvição do réu da instância”.

Concede-se ainda que a redacção do nº 1 do art. 671º do NCPC não prima pela clareza. Pretendendo integrar na revista algumas situações que anteriormente dela estavam afastadas – como aquela em que do acórdão da Relação decorria uma extinção meramente parcial da instância – não foi expressis verbis acautelada a distinção, que mais cuidadamente foi tida em conta na redacção do art. 644º do NCPC, por forma a separar formalmente os acórdãos que “põem termo ao processo” daqueles que redundam na extinção parcial da instância, por via da absolvição da instância ou de qualquer outro mecanismo impeditivo da apreciação do mérito do recurso.

Mas não sendo essa a única falha na redacção do art. 671º, nº 1, do NCPC, a extracção do seu verdadeiro sentido obriga necessariamente a que tenha que ser feita uma interpretação que, sem dependência exclusiva de elementos literais, faça intervir outros argumentos com que o intérprete necessariamente deve contar (art. 9º do CC), relevando os elementos sistemático e racional ou teleológico.


2.7. Vejamos:

O art. 671º, nº 1, do NCPC, na parte em que se reporta ao acórdão da Relação que “ponha termo ao processo”, não é totalmente conforme com o segmento normativo que especifica a “absolvição da instância do réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzida”.

Integrando também este último segmento normativo os casos de absolvição parcial da instância (relativamente a algum dos réus ou a algum dos pedidos formulado contra o réu ou algum dos réus), o acórdão com este teor não põe rigorosamente “termo ao processo”, mas apenas a uma parte do processo decomposto em algum dos seus elementos objectivo e/ou subjectivo.

Assim, embora o elemento literal (acórdão que “põe termo ao processo”) aponte para um efeito extintivo global, também acaba por envolver os casos em que esse efeito é meramente parcial, ou seja, em que é posto termo parcial ao processo por acórdão da Relação que absolva da instância algum réu ou relativamente a algum pedido.

Sendo a “absolvição da instância” um dos resultados em que pode desembocar a acção (art. 279º, nº 1, do NCPC), se acaso fosse essa a única via relevante para efeitos de admissibilidade da revista, dispensar-se-ia a expressão anterior, de âmbito mais vasto (“ponha termo ao processo”), que permite abarcar outras formas de extinção da instância, maxime as previstas no art. 277º, al. b) a e).

Por conseguinte, à semelhança do que ocorre com o art. 644º, nº 1, al. b), do NCPC, em que apenas foi expressis verbis acautelada a situação – mais frequente – dos despachos saneadores que determinam a absolvição parcial da instância (note-se que a absolvição total já está contida na anterior al. a)), sem excluir outros casos de extinção da instância (neste sentido Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 3ª ed., pág. 170), também deve ser feita do nº 1 do art. 671º uma leitura semelhante que atribua relevo recursivo às decisões com efeito terminal do processo, no todo ou em parte, ainda que por uma via diversa da absolvição da instância.

Na economia do preceituado no art. 671º, nº 1, deve ser posto o acento tónico no efeito que decorre do acórdão da Relação que é objecto da revista, ou seja, no efeito extintivo da instância (“acórdão que ponha termo – total ou parcial - ao processo”) e não tanto no respectivo fundamento. Deve, assim, passar para um plano secundário a alusão à “absolvição da instância” que parece ter sido inquinada tanto pelo precedente art. 644º, nº 1, al. b), como ainda pelo facto de tal forma de extinção da instância constituir a modalidade mais frequente de decisões de que resulta o termo do processo ou a extinção da instância, bem distante, aliás, das demais vias previstas no art. 277º, als. b) a e), do NCPC, ou noutras normas avulsas, designadamente em matéria de recursos (art. 652º, nº 1, als. b) e h), e art. 655º).


2.8. Importa ainda ponderar o elemento de ordem racional ou teleológico, a partir do qual se torna incompreensível a atribuição de um efeito diverso a decisões que, em termos materiais, acabam por traduzir o mesmo resultado: não conhecimento do mérito da causa ou do mérito do recurso e extinção da instância.

Não se encontra efectivamente motivo algum para que, em face de decisões que implicam o mesmo efeito processual - a extinção da instância sem apreciação do mérito do recurso - seja feita uma distinção que leve à admissibilidade do recurso de revista quando a Relação, fora dos casos previstos no nº 2 do art. 671º, declara formalmente a “absolvição da instância” mesmo quando atinge apenas algum dos seus elementos objectivo e subjectivo, negando essa revista em casos, cujo relevo pode ser superior, em que é posto termo a todo o processo por outros motivos formais.

Afinal, uma decisão que rejeita a apreciação do mérito da apelação implica a extinção da fase recursória e, por arrastamento, a extinção da instância na acção declarativa, determinando o pôr termo ao processo” e com isso, consolidando a sentença recorrida.

Por outro lado, sendo o resultado final marcado por uma opção da Relação de negar a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, o certo é que é no âmbito do recuso de revista que o acerto de tal posição pode ser controlado, mediante a alegação da violação de regras de direito adjectivo, nos termos previstos no art. 674º, nº 1, al. b), do NCPC.


2.9. Atentos os antecedentes legislativos e considerando que na expressão principal (“pôr termo ao processo”) são envolvidos também os acórdãos que põem termo parcial ao processo, a alusão à “absolvição da instância” deve ser considerada como uma mera explicitação dos casos em que a revista pode ser interposta, sem excluir as situações em que a Relação profere acórdão de que resulta, ex novo, a extinção total da instância recursória e, com isso, ainda que de forma indirecta, o “termo do processo”.

Tendo em conta o recurso preferencial à interpretação declarativa ou mesmo restritiva, a solução que defendemos passa por evidenciar o primeiro segmento normativo (“pôr termo ao processo”), ainda que, se necessário fosse, não estivesse vedada o recurso à analogia, estabelecendo a equiparação entre as decisões de “absolvição da instância” e outras formas de “extinção da instância”.

É este o regime que, com mais clareza distintiva, emerge do no art. 644º, nº 1, do NCPC, em que, a respeito da apelação, se optou pela separação das decisões que “põem termo ao processo” (seja qual for o motivo, de mérito ou de forma), autonomizando-as dos despachos saneadores em que, não pondo termo a todo o processo, seja apreciado o mérito parcial da causa ou seja proferida decisão que implique a extinção da instância de algum dos réus ou relativamente a algum dos pedidos.

Advoga-se, assim, uma interpretação do art. 671º, nº 1, do NCPC, que seja semelhante à que se extrai do preceituado a respeito do recurso de apelação, equiparando aos casos em que o acórdão da Relação põe termo ao processo mediante “absolvição da instância” do réu ou de algum dos réus quanto a algum dos pedidos, aqueles em que o efeito extintivo é consequência de qualquer outro motivo de ordem fornal, fora dos casos em que a apelação foi interposta de decisões interlocutórias que ficam submetidas ao regime do nº 2 do art. 671º.


2.10. Esta solução, posto que com argumentação mais sucinta, já foi defendida pelo ora relator em Recursos no Novo CPC, 2ª ed., págs. 296 e 297, nos termos seguintes (que apenas se transcreve atenta a falta, ou desconhecimento, de outros elementos doutrinais e jurisprudenciais sobre o assunto):

“Embora o preceito apenas se reporte textualmente à absolvição do réu ou algum dos réus da instância, em relação a todos ou a alguns dos pedidos (o mesmo ocorrendo quanto à absolvição da instância quanto a pedido ou pedidos reconvencionais que atingirá o autor, na sua posição de reconvindo), cremos que tem suficiente latitude para abarcar outras formas de extinção da instância, ainda que formalmente não sejam de qualificar como “absolvição da instância”, designadamente quando se verifique uma circunstância reveladora da impossibilidade ou da inutilidade superveniente da lide. Outrossim quando se traduza, por exemplo, no decretamento da deserção do recurso ou na sua rejeição por inverificação dos respectivos pressupostos (v.g. ilegitimidade, extemporaneidade) ou de requisitos formais (v.g. falta de alegações ou de conclusões)”.

Entendimento agora sustentado na 3ª ed. do mesmo livro, em anot. ao art. 671º do CPC, nos seguintes termos:

“Mas embora o preceito apenas se reporte textualmente à absolvição da instância do réu ou algum dos réus, em relação a todos ou a alguns dos pedidos, julgo que tem suficiente latitude para abarcar outras formas de extinção da instância, ainda que formalmente não sejam de qualificar como “absolvição da instância”, designadamente quando se verifique uma circunstância reveladora da impossibilidade ou da inutilidade superveniente da lide. Outrossim quando se traduza, por exemplo, na declaração de deserção do recurso ou na sua rejeição por inverificação dos respectivos pressupostos (v.g. ilegitimidade, extemporaneidade) ou de requisitos formais (v.g. falta de alegações ou de conclusões), nos casos em que tal determine efectivamente o termo do processo.

Impõe-se que seja feita da norma uma interpretação semelhante à que se extrai do art. 644º, nº 1, al. b), a respeito do recurso de apelação. Apesar de o texto legal enunciar apenas o despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos, não poderá deixar de abarcar outras formas de extinção parcial da instância”.


3. Incidindo especificamente sobre o caso concreto:

3.1. Elementos essenciais:

- AA instaurou uma acção declarativa contra BB Imobiliária, SA, e CC, na qual foi proferida sentença que julgou a acção procedente e improcedente a reconvenção deduzida pelos RR.

- Os RR. interpuseram recurso de apelação com múltiplas conclusões, uma das quais a de que deveria ser considerado provado o facto nº 49 da base instrutória, considerando o teor do depoimento de uma testemunha que identificou; noutras conclusões foram suscitadas questões de direito.

- A Relação proferiu acórdão no qual conclui que os RR. não haviam cumprido integralmente o ónus de alegação no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto, tendo em conta os requisitos constantes do art. 640º do NCPC, rejeitando por tal motivo essa parte da apelação.

- De seguida, tendo por base o resultado quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, a Relação considerar que o recurso de apelação, na sua globalidade, era intempestivo, uma vez que, tendo ficou restringido a questões de direito e que, por isso, o recorrente não poderia aproveitar-se da extensão do prazo de 10 dias prevista no art. 638º, nº 7, do NCPC, para os casos de impugnação da decisão da matéria de facto, devendo ser apresentado no prazo geral de 30 dias previsto no art. 638º, nº 1;

- Os RR. interpuseram recurso de revista de tal acórdão, mas este foi rejeitado pela Relação com o argumento de que o mesmo não se inscrevia na previsão do art. 671º, nº 1, do NCPC, uma vez que o acórdão nem conheceu do mérito da causa, nem pôs termo ao processo através de “absolvição da instância”.


3.2. Não está neste momento em causa a reapreciação do acórdão da Relação que está subjacente à presente reclamação. Nesta ocasião cumpre simplesmente apreciar a admissibilidade do recurso de revista que os RR. interpuseram de tal aresto a fim de assegurarem a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça para reapreciação do mérito de tal acórdão.

Seguro é que, no caso concreto, a Relação se absteve de reapreciar tanto a decisão da matéria de facto, por rejeição pura e simples da impugnação respectiva, como a decisão da matéria de direito, com base na extemporaneidade do recurso de apelação. Por isso, a manter-se o despacho de não admissão do recurso de revista que consolidar-se-ia aquele acórdão, operando, assim, o trânsito em julgado da sentença de 1ª instância cujo mérito os RR. pretenderam impugnar por duas vias concorrentes: a da matéria de facto e a da matéria de direito.

Ora, em complemento dos argumentos que anteriormente foram expostos relativamente ao percurso evolutivo da regulamentação do recurso de revista e aos propósitos do legislador na mais recente intervenção, numa perspectiva puramente racional e que atribua relevo substancial aos efeitos do despacho da Relação de rejeição do recurso de revista e aos interesses prosseguidos pelos RR. com a sua interposição, não se descortina qualquer justificação para que o precedente acórdão da Relação que, na realidade, fez claudicar integralmente o recurso de apelação, seja insusceptível de recurso de revista.

Se acaso este fosse o resultado, o destino da acção – e do litígio subjacente – ficaria exclusivamente na esfera decisória da Relação, sem possibilidade de intervenção do Supremo no âmbito da revista a fim de assegurar o duplo grau de jurisdição (o que em termos de prática médica corresponde à “segunda opinião”) relativamente a uma questão formal que apenas surgiu com o recurso de apelação.

De facto, os mesmos motivos que levaram o legislador a prevenir a admissibilidade da revista nos casos literalmente previstos na parte final do nº 1 do art. 671º do NCPC são extensivos às situações em que a Relação, no âmbito de recurso de apelação interposto de decisão da 1ª instância, profere acórdão que, não apreciando o mérito do recurso (ou da causa), ponha “termo ao processo” por decorrência de outros eventos, v.g., inutilidade superveniente da lide, declaração de deserção do recurso ou, como ocorre no caso concreto, abstendo-se de apreciar o mérito do recurso por motivos ligados aos seus pressupostos ou requisitos formais, ao abrigo do art. 641º, nº 2, al. a), do NCPC.

Ademais, sendo imputado ao acórdão recorrido, cujo recurso de revista foi rejeitado, o erro de aplicação da lei processual, nos termos do art. 674º, nº 1, al. b), no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto, este é um dos motivos por que frequentemente são interpostos recursos de revista que permitam a este Supremo Tribunal de Justiça sindicar o juízo decisório, sem sequer contar com o impedimento decorrente de situações de dupla conformidade que, em tais circunstâncias, se não verifica.

Esta é, por conseguinte, a solução ajustada à situação subjacente à presente reclamação - não apreciação do mérito do recurso de apelação admitido pela 1ª instância - tal como sucederia se acaso a extinção da causa resultasse de outras hipóteses incluídas nas als. b) a e) do art. 277º do NCPC ou noutros preceitos de semelhante cariz inscritos na regulamentação do recurso de apelação.

As situações em que, como sucedeu in casu, a questão de natureza processual é apreciada, ex novo, pela Relação (e não por esta em reapreciação de anterior decisão da 1ª instância) para daí extrair o efeito extintivo “impõem” esta interpretação, pois só a admissibilidade da revista habilita a parte interessada a aceder ao 2º grau de jurisdição que, em regra, a lei apenas faz depender da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade (arts. 629º, nº 1, e 671º, nº 1, do NCPC).

A alegação da violação de normas de direito processual como fundamento do recurso de revista, nos termos do art. 674º, nº 1, al. b), do NCPC, é, aliás, o que justifica a interposição de recurso de revista nos casos – bastante frequentes – em que a Relação não cumpre os deveres de reapreciação da decisão da matéria de facto nos termos previstos no art. 662º.

A não ser assim, fulminar-se-ia um grau de jurisdição em situações, como a reflectida nos autos, que são tão ou até mais relevantes do que as contidas numa mera leitura literal do último segmento do nº 1 do art. 671º do NCPC.


4. Argumentos com que se confirma o despacho do ora relator que determinou a revogação do despacho da Relação que rejeitou o recurso de revista.


5. Face ao exposto, acorda-se em:

a) Confirmar a decisão do relator que, deferindo a reclamação contra o despacho de rejeição do recurso de revista, admitiu tal recurso e determinou a remessa dos autos a este Supremo Tribunal de Justiça;

b) Solicitar ao Tribunal da Relação a remessa dos autos.

Custas da reclamação a cargo do A.

Notifique.

Lisboa, 28-1-16


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo (com declaração junta)

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Declaração de voto

Votei o acórdão na medida em que a consideração de novos argumentos me fez rever posição tomada anteriormente, de forma a:

1. Aceitar que o art. 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, que admite recurso de revista dos acórdãos da Relação, que, incidindo sobre decisões da primeira instância, ponham termo ao processo, “absolvendo da instância o réu”, possa incluir outros acórdãos da Relação que neguem o conhecimento da apelação;

2. Entender que essa inclusão deve ser feita no caso dos autos no qual a decisão sobre a tempestividade da apelação é meramente consequencial da decisão sobre o incumprimento do ónus do recorrente que pretende a reapreciação da matéria de facto, tendo em conta que a possibilidade desta reapreciação tem sido reiteradamente objecto de revista.