Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B4800
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LUÍS FONSECA
Descritores: APRESENTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES
JUSTO IMPEDIMENTO
ATESTADO MÉDICO
PROVA DOCUMENTAL
Nº do Documento: SJ200503150048002
Data do Acordão: 03/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 9357/03
Data: 04/29/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO.
Sumário : Arguindo-se justo impedimento por doença, apresentando-se um atestado médico como prova e, sendo este insuficiente para comprovar que a doença era incapacitante para a elaboração de uma alegação de recurso, deve o Tribunal, antes de decidir a questão do justo impedimento, obter informações complementares sobre se a doença incapacitava para tal trabalho.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"A" propôs acção de condenação contra B e mulher C, pedindo que seja reconhecida a propriedade da autora sobre a moradia id. no art. 1º da petição inicial e, em consequência, os réus condenados a largar mão da mesma e entregar-lha, devoluta.
Alega para tanto que é dona de uma moradia e, na sequência de um contrato promessa de permuta, autorizaram que os réus, a título precário até que a respectiva escritura se efectivasse, a habitassem, na convicção que estes, em contrapartida, lhe entregariam a chave do andar, objecto da permuta, como se haviam comprometido a fazer mas que não fizeram.
O contrato promessa foi rescindido pela autora que solicitou aos réus a entrega das chaves da moradia, uma vez que não têm título legítimo de ocupação, recusando-se estes a entregá-las.
Contestaram os réus, alegando que a autora litiga de má fé, sendo o incumprimento do contrato promessa de compra e venda apenas imputável à autora e seu marido, concluindo pela improcedência da acção e a condenação da autora, como litigante de má fé, em multa e indemnização no montante de 5.000.000$00.

Deduziram reconvenção, pedindo que: a) a autora seja condenada no pedido reconvencional, devendo restituir aos réus, 30.000.000$00, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data da decisão condenatória, transitada em julgado; b) prevalecendo a favor dos réus o direito de retenção sobre a moradia prometida vender, que isso mesmo seja declarado em sentença, para perdurar até que a autora e a seu tempo, o seu referido marido, paguem a pedida quantia de 30.000.000$00 e respectivos juros, à taxa legal.

Na réplica a autora ampliou o pedido, pedindo a condenação dos réus no pagamento de um montante correspondente ao valor das rendas que deixou de auferir, desde 22 de Setembro de 1992 até efectiva entrega da casa, estimando que a renda mensal não poderia ser menos de 350.000$00.
Houve tréplica da autora.
Foi admitida intervenção principal provocada de D, marido da autora, que fez seus os articulados desta, aditando determinados factos e formulando um pedido autónomo.
No saneador foi admitido o pedido reconvencional e rejeitado o pedido autónomo formulado pelo chamado.
Condensado, o processo seguiu seus termos, tendo sido julgados habilitados os sucessores do chamado, entretanto falecido.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença onde, julgando-se a acção parcialmente procedente, se reconheceu a propriedade da autora sobre a referida moradia, condenando-se os réus a entregar-lha de imediato, livre e desocupada; no mais se julgando a acção improcedente, absolvendo-se os réus do pedido constante da ampliação.

E julgaram-se improcedentes os pedidos reconvencionais e de condenação da autora, como litigante de má fé.
Autora e réus apelaram, tendo nas alegações destes o seu ilustre mandatário pedido a verificação de justo impedimento porque, tendo terminado o prazo para apresentação das alegações, só as pôde oferecer dias depois por impossibilidade de trabalhar por motivo de doença.
Por despacho de 13/11/03 da Exma Relatora, foi indeferido o pedido de verificação do justo impedimento, julgando-se deserto o recurso interposto pelos réus.
Os réus reclamaram para a conferência que, por acórdão de 22/1/04, indeferiu a reclamação.
Os réus interpuseram recurso de agravo deste acórdão.

Por acórdão de 29/4/04, a Relação de Lisboa negou provimento ao agravo interposto pelos réus do despacho que lhes havia indeferido o pedido de inspecção judicial ao imóvel prometido vender; e deu provimento à apelação interposta pela autora, pelo que os réus foram condenados a pagar àquela uma indemnização pela ocupação ilícita do imóvel, desde 22/9/92 até efectiva entrega, a liquidar em execução de sentença, confirmando-se o demais.
Os réus interpuseram recurso de revista deste acórdão.
Concluem, assim, as alegações dos recursos:
Da revista:
quesito 32 (Não provado que a moradia em apreço poderia proporcionar ao autor uma renda mensal não inferior a 350.000$00) afasta qualquer possibilidade de relegar para execução de sentença o hipotético conhecimento do referido valor da renda mensal, pois:
.C., só permite remeter para execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objectivo ou a quantidade mas entendida esta falta de elementos, não como consequência do fracasso da prova na acção declarativa, sobre o objecto ou a quantidade, mas sim como a consequência de ainda se não conhecerem com exactidão, as unidades componentes da universalidade ou ainda se não terem revelado ou estarem em evolução algumas ou todas as consequências do facto ilícito, no momento da propositura da acção declarativa.
De outro modo:

3- A carência de elementos não se refere à inexistência de prova dos factos já produzidos e que foram alegados e submetidos a prova, embora se não tivessem provado, mas sim à inexistência de factos provados porque estes ainda não eram conhecidos ou estavam em evolução aquando da propositura da acção ou que, como tais se apresentavam no momento da decisão de facto.
, nº 2, do C.P.C., aludido nas duas conclusões anteriores, é a única que torna harmonizáveis o dito preceito com os arts. 471º, nº 1, e 672º daquele Código e com o art. 342º, nº 1, do Cód. Civil.

5- As partes celebraram dois contratos, em momentos diferentes, absolutamente incompatíveis entre si. Um de promessa de permuta e outro de promessa de compra e venda, tendo em ambos os casos o contrato prometido um mesmo prédio por objecto.

6- Importa de modo fundamentado saber qual dos dois contratos promessa regula as relações entre as partes, pois o contrato posterior revogou de modo tácito e em regime - num todo - o primeiro contrato a ser celebrado.

7- Deve, deste modo, o processo baixar à 1ª instância para ampliação da matéria de facto pertinente à boa decisão de mérito.

8- Conforme o ponto 8 da matéria dada por provada, o contrato promessa de permuta veio a ser rescindido pela autora. Todavia, dos autos não resultam os elementos essenciais que permitam o exercício do direito de resolução, pois a simples mora nunca foi convertida em incumprimento definitivo através da competente interpelação admonitória, a qual impõe a intimação para o cumprimento; a admonição ou cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo assinalado; a fixação de um termo peremptório para o cumprimento.
Nenhum destes elementos decorre dos factos dados como provados pelas instâncias recorridas.

9- Nunca tendo sido convertida a simples mora em incumprimento, não pode a autora resolver o contrato promessa, mantendo-se o mesmo em vigor e, necessariamente, os seus efeitos, nos quais se inclui a legítima posse do imóvel por parte dos réus, pois obtiveram a mesma por tradição da autora.
Do agravo:

10- O atestado médico de fls. 442 é um documento autêntico porque lavrado por autoridade pública competente.
idade da prática do acto por motivo de doença, não estando obrigado - por protecção da vida privada e do segredo profissional - a concretizar a doença em si mesmo.

12- O mandatário estava impossibilitado de praticar o acto processual dentro do prazo peremptório, tendo-o praticado imediatamente, findo o impedimento.

13- Pelo que: deve-se julgar verificado o justo impedimento e aceite as alegações apresentadas.

14- A ser outro o entendimento, e a considerar-se que o atestado médico não é suficientemente informativo, deve-se notificar o apresentante para juntar novo atestado de onde possa dirimir as dúvidas do julgador.

15- O Tribunal da Relação de Lisboa recorrido, no seu acórdão em crise, violou e fez incorrecta interpretação e aplicação das seguintes normas jurídicas: arts. 146º, 471º, 659º, nº 2, 661º, nº 2, 672º e 712º do C.P.C., e arts. 342º, nº 1 e 801º do Cód. Civil e das demais normas e regras jurídicas que o Supremo queira superiormente suprir.
Contra-alegou a recorrida, pronunciando-se pela improcedência dos recursos.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
No acórdão recorrido julgaram-se provados os seguintes factos:

1- A autora é titular inscrita da moradia situada na Rua Duarte Lobo, ...., em Lisboa, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha 00278 da freguesia de S. João de Brito e inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art. 171.

2- A autora e os réus outorgaram em 24/1/92, no contrato promessa de compra e venda de fls. 35 dos autos, também assinado por D, pelo qual:

- A primeira promete vender aos segundos outorgantes e estes aceitam comprar-lhe o imóvel anteriormente referido, sendo o valor da venda de 18.000.000$00 e o pagamento feito da seguinte forma:
- como sinal e princípio de pagamento os promitentes compradores entregam naquela data à promitente vendedora a quantia de 7.000.000$00;
- o saldo em dívida, de 11.000.000$00, será liquidado no acto da escritura de compra e venda que se realizará logo que o processo de hipoteca de poupança emigrante do Banco E esteja concluído;

3- O referido documento encontra-se assinado, para além da já referida assinatura, pela promitente vendedora e pelos réus (sendo a assinatura destes reconhecida pela exibição dos respectivos Bilhetes de Identidade;

4- A autora, D e os réus outorgaram no contrato promessa de permuta constante de fls. 36 a 37 dos autos, no qual:
- A autora e os réus reciprocamente prometem permutar o imóvel já referido (moradia da Rua Duarte Lobo) e o ..... do prédio urbano sito na Rua Rebelo da Silva, nº ..., tornejando para a Rua Cidade da Horta, nº .., em Lisboa, de que os réus são proprietários, atribuindo à moradia o valor de 56.500 contos e à fracção o preço de 25.000 contos.
- Na cláusula 4ª estabeleceram as condições de pagamento da diferença de 31.500 contos, tendo a autora e o D recebido dos réus a quantia de 8.000 contos a título de sinal e princípio de pagamento, na data da assinatura do contrato, e em 7 de Fevereiro de 1992, como reforço de sinal, a quantia de 7.000 contos.
- O D dá o seu consentimento à autora para a celebração do contrato referido e da escritura prometida (Cláusula 8a).

5- O referido contrato mostra-se assinado por todas as outras partes, sendo a autora casada com D em regime de separação de bens.

6- Entre a autora, D e os réus, foi trocada a correspondência que se encontra a fls. 11, 12, 34, 41, 43 a 52 e 63.

7- Os contratos prometidos nos documentos de fls. 35 e 36 não chegaram a ser celebrados.

8- O contrato promessa de permuta veio a ser rescindido pela autora e comunicado aos réus por cartas de 2/9/92 e 17/9/92 (fls. 11 e 12), assinadas pela autora e pelo D.
9- A solicitadora G remeteu à ré a carta que se encontra a fls. 38 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, carta essa datada de 18/5/92, na qual, para além de referir que "a escritura está marcada para o próximo dia 25/5/92", lhe apresenta um saldo a seu favor de 160.964$00, solicitando a respectiva liquidação.

10- O réu B remeteu à autora a carta junto aos autos a fls. 43 a 45, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

11- A pedido dos réus foi deitada abaixo uma parede e substituída a viga de betão armado por uma viga metálica, com arco de alvenaria.

12- Os réus não compareceram à primeira data designada para a escritura.

13- A moradia em apreço poderia proporcionar à autora uma renda mensal, de montante não concretamente apurado - alteração à resposta ao quesito 32º, decidida no acórdão recorrido.
Começa-se por conhecer o recurso de agravo porque a decisão que se vier a tomar pode ter influência no recurso de revista.
É pelas conclusões da alegação do recurso que se delimita o seu âmbito - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C.
A questão suscitada no recurso de agravo consiste em saber se se verificou justo impedimento para a apresentação atempada da alegação do recurso de apelação por parte do ilustre mandatário dos réus, ora recorrentes.
A Relação de Lisboa entendeu que não porquanto considera que o teor do atestado médico é insuficiente para comprovar que o ilustre mandatário se encontrava absolutamente incapaz de elaborar a referida peça processual e de a entregar.

Vejamos:
Alegaram os recorrentes, na alegação da apelação, que nos dias 21, 22, 23 e 24 de Outubro de 2002, o seu mandatário esteve impossibilitado de trabalhar e elaborar tal alegação por motivo de saúde, constituindo esta situação um caso de justo impedimento que obstou à prática atempada do acto.
Como prova juntaram um atestado médico, datado de 22/10/02, atestando que o Dr. F, o mandatário dos recorrentes, se encontra doente desde o dia 21/10/02 por um período provável de 4 dias e que por esse motivo não pode comparecer no seu local de trabalho.
O prazo para as alegações terminava no dia 21/10/02.
Portanto, o mandatário dos recorrentes esteve doente no último dia do prazo, não se podendo duvidar da veracidade do conteúdo do atestado médico que não foi arguido de falso.
O facto do ilustre mandatário dos recorrentes não ter antes elaborado e apresentado a alegação do recurso é irrelevante pois o prazo fixado por lei ainda não se tinha esgotado e nada obsta que uma alegação de recurso seja elaborada e apresentada no último dia do prazo.

O documento médico apresentado atesta uma doença, desconhecendo-se se a mesma incapacitava intelectualmente o doente, impossibilitando-o de trabalhar na elaboração da alegação do recurso.
Levantam-se, pois, dúvidas sobre se tal doença é incapacitante ou não.
Impunha-se, portanto, dentro dum critério de razoabilidade, que a Relação de Lisboa, antes de decidir sobre a verificação ou não do justo impedimento, até porque foi alegada a impossibilidade de trabalhar e de elaborar a referida alegação, obtivesse informações complementares sobre a natureza da doença e se esta incapacitou o ilustre mandatário para fazer a alegação.
Assim, porque faltam elementos necessários à decisão sobre a verificação ou não do justo impedimento, revoga-se o acórdão da Relação de Lisboa de 22/1/04 que indeferiu a reclamação dos recorrentes do despacho de 13/11/03 da Exma Relatora que, por sua vez havia indeferido a arguição de justo impedimento, julgando deserto o recurso de apelação interposto pelos réus, devendo-se ampliar a matéria de facto de forma a saber-se se a doença do ilustre mandatário era incapacitante para a elaboração da referida peça processual, antes de se proferir nova decisão sobre o justo impedimento, .
E, porque se trata de ampliação da matéria de facto, deve o processo baixar à Relação de Lisboa - cfr. art. 729º, nº 3 do C.P.C.
Recurso de revista:
Dado que se revogou o acórdão de 22/1/04 que havia confirmado o despacho de 13/11/03, julgando deserto o recurso dos réus, o acórdão da Relação de Lisboa de 29/4/04 que decidiu a apelação da autora tem de ser anulado pois nele não se conheceu da apelação dos réus e, porque ainda está em aberto a questão do justo impedimento, esta apelação pode ter que ser conhecida e a decisão tomada no acórdão de 29/4/04 pode eventualmente ter que ser alterada.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento do recurso de revista.
Pelo exposto, dando-se provimento ao recurso de agravo, revoga-se o acórdão da Relação de Lisboa de 22/1/04 que manteve o despacho de 13/11/03, devendo-se, previamente à decisão sobre o justo impedimento, obter informações complementares sobre se a doença do ilustre mandatário dos réus era incapacitante para a elaboração da alegação da apelação.
E anula-se o acórdão de 29/4/04.
O processo baixa à Relação de Lisboa para se julgar novamente a questão do justo impedimento e a causa, pelos mesmos Exmos Desembargadores, se possível.
Custas do agravo a cargo da recorrida.
Custas da revista pela parte vencida a final.

Lisboa, 15 de Março de 2005
Luís Fonseca
Lucas Coelho
Santos Bernardino