Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10024/18.6T8LRS.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. A Ré violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada ao Autor sobre as características do produto que estava a apresentar-lhe, designadamente, que que tinha as mesmas garantias de um depósito a prazo e lhe daria um maior rendimento e que o reembolso do capital era garantido.

II. Configura uma informação não verdadeira, a afirmação do gestor de cliente quando refere que era um produto cujo capital investido era garantido.

III. Está demonstrada a essencialidade da informação omitida pela Ré sobre a decisão de o Autor de investir nas “Obrigações”, em abril de 2006, pois o Autor não investiria se conhecesse as características do produto.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


          

I. Relatório

1. AA instaurou ação declarativa contra Banco BIC Português, S.A., pedindo que se:

a) Declare que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de três obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2006, ao Réu, BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A., RÉU NA PRESENTE ACÇÃO), - Contribuinte Fiscal n...., e Sede Social: Av. ..., ...,... ..., adquirida na Agência de ..., Rua ..., ... ..., foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia dada pelo Banco Réu, de reembolso do capital a 100% (cem por cento).

b) Declare que é da Responsabilidade do BANCO BIC S.A, Contribuinte Fiscal n.º ..., Agência de ..., Rua ..., ... ..., o reembolso do capital reportado á aquisição por parte do Autor das três obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2006, no valor de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), porquanto com a transmissão do Nacionalizado Banco BPN, para a esfera jurídica do Réu BANCO BIC S.A, Contribuinte Fiscal n.º ..., e Sede Social: Av. ..., ..., ... ..., transmitiram-se de igual modo na sua totalidade todas as obrigações emergentes dos contratos que obrigavam o BPN, independentemente de todo e qualquer acordo que o Réu BANCO BIC S.A, Contribuinte Fiscal n.º ..., e Sede Social: Av. ..., ..., ... ..., tenha estabelecido com o Estado Português no acto de compra ou em momento anterior, o que só lhe concede o direito de regresso a discutir entre as partes em causa (Estado Português e BANCO BIC S.A, Contribuinte Fiscal n.º ..., e Sede Social: Av. ..., ..., ... ...), sendo tal acordo marginal ao aqui Autor.

c) Condene o ao Réu, BANCO BIC S.A., Contribuinte Fiscal n.º ..., e Sede Social: Av. ..., ...,... ..., Agência de ..., Rua ..., ... ..., a proceder ao imediato reembolso do capital de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescidos dos juros vencidos desde 10 de Maio de 2015 sobre as obrigações SLN 2006, á taxa contratada até final do contrato e que corresponde a dois semestres, bem como dos juros vincendos, à taxa legal, até integral reembolso do capital, condenando ainda o Réu BANCO BIC S.A., a pagar ao Autor quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a €20.000,00 (Vinte mil euros), por danos morais sofridos pelo Autor e sua esposa, com o comportamento imputável ao Réu BANCO BIC S.A., traduzido na informação falsa prestada pela gerente de conta da Agência de ..., Rua ..., ... ... que conduziu á presente situação.~

E,

No entendimento de que o contrato é nulo:

d)Julgar-se nulo o contrato de intermediação financeira celebrado entre Autor e Réu que deu origem à ordem de subscrição de 10-04-2006 de três obrigações SLN Rendimento Mais 2006 no valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros)

 E,

e) Em consequência, condenar-se o Réu BANCO BIC SA., a restituir ao Autor o valor de € 150 000,00 (cento e cinquenta mil euros) acrescido de juros, á taxa legal, desde 10-10-2015 e até efetivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que:

- subscreveu, em abril de 2006, três obrigações junto do BPN Banco Português de Negócios, S.A., mais concretamente, obrigações SLN Rendimento Mais 2006no valor de € 50 000,00 cada;

- lhe foi garantido que a aplicação era absolutamente segura, que não comportava qualquer risco, que tinha o reembolso do capital investido garantido a 100% e lhe daria uma maior rentabilidade que um depósito a prazo;

- em outubro de 201, o Autor pretendeu o resgate do capital investido, o que não conseguiu, sendo certo que até maio de 2015, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido nas aplicações financeiras;

- a partir dessa data, começaram a gerar-se no Autor angústias e receios.

2. Citada, a Ré veio contestar, por impugnação e por exceção, impugnando os factos alegados pelos Autores e invocando a exceção de prescrição, pugnando pela absolvição do pedido.

3. Foi proferido despacho saneador, relegando para a sentença o conhecimento da exceção de prescrição.

4. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, sendo o dispositivo do seguinte teor:

“Face ao exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno o réu a pagar ao autor a quantia de 150.000€ (cento e cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa dos juros civis, até integral pagamento, absolvendo o réu do pedido quanto ao demais que contra ele vinha peticionado.”

5. A Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ....

6. O Tribunal da Relação ... julgou o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

7. Inconformada com tal decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª A falta de fundamentação da decisão recorrida é manifesta, não bastando a mera transcrição, acrítica e sem qualquer referência concreta ao que aí é dito, de uma decisão anterior para que se perceba qual o raciocínio que levou à conclusão ínsita na afirmação de que estariam preenchidos os requisitos da responsabilidade civil.

2.ª Esta fundamentação não cumpre com a obrigação legal prevista no artigo 607.º do Código de Processo Civil constituindo causa de nulidade da decisão nos termos do artigo 615.º, n.º1 alínea b) também do CPC o que desde já se argui.

3.ª O douto acórdão da Relação ... violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

4.ª A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, configura a prestação de uma informação falsa.

5.ª Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

6.ª O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

7.ª Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!

8.ª A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

9.ª Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica no momento da subscrição!

10.ª A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

11.ª O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

12.ª E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

13.ª A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

14.ª O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

15.ª A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

16.ª O que retira qualquer relevância à transmissão da característica no momento da decisão de investimento.

17.ª A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

18.ª A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação …

19.ª A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

20.ª A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

21.ª Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

22.ª O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

23.ª A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

24.ª A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

25.ª Acresce que a expressão garantido pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição!

26.ª Efectivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.

27.ª Também por isso não faz qualquer sentido afirmar, ou querer retirar dessa afirmação, uma garantia de cumprimento no sentido de uma fiança pelo facto da mesma ser em absoluto redundante. O banco como elemento do património da emitente já era, com todo o seu património, garantia geral do cumprimento das obrigações daquela.

28.ª O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

29.ª O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

30.ª No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pela Autora, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

31.ª Acresce que a Autora tinha formação na área financeira e o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

32.ª Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

33.ª Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

34.ª A simples omissão de referência à característica da subordinação das Obrigações não constitui de forma alguma uma violação do dever de informação.

35.ª O teor do dever de informação não consiste, nem pode consistir, num mero elenco, apenas para efeitos formais da dita informação, das características do produto, antes devendo adequar-se às concretas circunstâncias relativas ao cliente ou ao momento histórico.

36.ª Esta particular característica da subordinação refere-se exclusivamente, e por definição, a um cenário de concurso de credores. Este cenário, contudo, e realisticamente falando, era em 2006 por todos encarados como puramente teórico e académico …

37.ª A situação do sistema financeiro em geral, em Portugal, e do Banco-R. em particular nunca levariam a que ninguém valorizasse uma tal possibilidade mesmo que comunicada. Esta simples e, quanto a nós, óbvia circunstância implica que a falta daquela concreta menção, desde logo não implicou uma verdadeira falta de informação, porquanto nunca seria valorizada por qualquer cliente como tal…

38.ª Diga-se ainda que nos parece que é evidente que a relação causal entre esta falta de informação e o dano que sobreveio sempre inexistiria de facto, em face da já explicada irrelevância assumida da dita informação sobre subordinação.

39.ª Dispunha sobre a matéria do conteúdo dos deveres do intermediário financeiro o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

40.ª E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

41.ª Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

42.ª Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

43.ª A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

44.ª O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

45.ª São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

46.ª A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

47.ª Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

48.ª O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

49.ª Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

50.ª A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito se, e só se, tais riscos de facto existirem!

51.ª Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

52.ª E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

53.ª Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

54.ª O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

55.ª Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao Autor e o acto de subscrição.

56.ª A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

57.ª No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

58.ª Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

59.ª E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

60.ª Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

61.ª Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o Autor é este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

62.ª Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

63.ª A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

64.ª Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

65.ª Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

66.ª Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

67.ª O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

68.ª É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

69.ª O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

70.ª A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda de chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

71.ª No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

72.ª O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

73.ª Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano!

74.ª Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

75.ª Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

76.ª E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

77.ª E nada disto foi feito!

78.ª Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão.

79.ª Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este Autor, que se se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.

80.ª Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as características dos produtos em causa, o Autor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!

81.ª A origem do dano do Autor reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

E conclui pela declaração da “nulidade da decisão recorrida nos termos do artigo 615.º, n.º1 alínea b) também do CPC” e “pela revogação da douta decisão recorrida e a sua substituição por outra que absolva o Banco -R do pedido”.

8. O Recorrido apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

9. A instância veio a ser suspensa até ao julgamento para uniformização de jurisprudência.

10. Foi proferido Acórdão pelo Pleno das Secções Cíveis no processo n.º1479/16...., que transitou em julgado.

11. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- a nulidade do Acórdão (alínea b) do n.º1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil);

- saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.


III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. O Autor, em Abril de 2006, detinha um depósito a prazo no montante de €150.000,00 (Cento e Cinquenta Mil Euros).

1.2. A gerente de conta do BPN, BB, na Agência de ..., propôs ao autor que adquirisse um produto financeiro denominado SLN Rendimento Mais 2006, que, conforme informou ao autor, tinha as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo e lhe daria um maior rendimento.

1.3. Para tal efeito, e por que o valor de aquisição do referido produto tinha como limite mínimo de aplicação, €50.000,00 (cinquenta mil euros), o Autor poderia adquirir três obrigações SLN Rendimento Mais 2006, e assim obteria o referido produto, que lhe traria um melhor  rendimento, e  que  tinha  os juros remuneratórios e o reembolso do capital garantido.

1.4. Porque a gerente do Banco BPN, BB, na Agência de ..., sugeriu ao Autor que adquirisse tal produto no valor global de € 150.000,00 (Cento e Cinquenta Mil Euros), que lhe daria maior rendimento e a mesma segurança de um depósito a prazo, o Autor anuiu a tal proposta, e aceitou adquirir tal produto.

1.5. Em Abril de 2006, o Autor, na Agência de ..., adquiriu o produto designado como SLN Rendimento Mais 2006.

1.6. O Autor desconhecia o que são obrigações, tendo adquirido o produto financeiro indicado nas condições referidas supra.

1.7. De acordo com o argumentário de vendas facultado aos funcionários do BPN, as obrigações tinham o capital garantido.

1.8. Bem como a garantia de taxa de remuneração superior à dos depósitos a prazo.

1.9. A referida gerente de conta, na Agência de ..., disse ainda ao aqui Autor, que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos, mas que poderia eventualmente proceder à venda das obrigações a terceiros interessados.

1.10. Até Maio de 2015 foram pagos ao autor os juros do capital investido nas aplicações financeiras.

1.11. Pagamentos que lhe foram feitos pelo BPN até Outubro de 2012, e pelo Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., a partir dessa data.

1.12. Em novembro de 2011 o Estado Português procedeu à Nacionalização do BANCO BPN.

1.13. As notícias sobre a situação do BPN geraram receio no espírito do autor quanto à eventual impossibilidade de recuperação do capital que havia investido.

1.14. O dinheiro investido foi obtido após dezenas de anos de trabalho e resultante da sua atividade profissional.

1.15. Porque os juros sempre lhe estavam a ser pagos, manteve a esperança na recuperação do capital que tinha investido.

1.16. Após decorrido o prazo de dez anos estabelecido no acordo de aquisição das obrigações, o autor foi informado de que a aplicação financeira em causa, não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido.

1.17. Foi-lhe ainda dito que o BANCO BPN, ao vender a referida obrigação, funcionou enquanto intermediário da sociedade comercial designada SLN- Sociedade Lusa de Negócios, não sendo tal obrigação propriedade ou título do BANCO, sendo vendidas ao Balcão do BPN na Agência de ..., por conta e risco da SLN.

1.18. O autor quando foi confrontado com a possibilidade de perder o dinheiro investido passou noites sem dormir e viu agravados os problemas de saúde que já tinha.

1.19. No mês seguinte à da aquisição das obrigações, o autor recebeu por correio o aviso de débito correspondente à subscrição efetuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros.

1.20. E, também e desde então, os vários extratos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos simples depósitos a prazo.

1.21. Nessas comunicações, o produto em causa surge separado dos depósitos, num título denominado "CARTEIRA DE TÍTULOS" e com um sub-título "OBRIGAÇÕES".

1.22. As obrigações estavam sujeitas às condições constantes do documento de fls. 65 e segs., nomeadamente:

- Emitente: SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S. A.

- Finalidade do empréstimo: Consolidação da dívida da emitente, potenciando um melhor equilíbrio entre as maturidades do seu passivo e do seu activo.

- Valor nominal: 50.000 € por obrigação.

- Pagamento de juros: semestral e postecipadamente.

- Reembolso e prazo: O prazo máximo do empréstimo é de 10 anos, sendo amortizado ao par, de uma só vez, em 9 de maio de 2016, salvo de houver reembolso antecipado, nos termos previstos no ponto "CALL OPTION".

- Reembolso antecipado: Não é permitido o reembolso antecipado da emissão por iniciativa dos obrigacionistas.

- Garantias e subordinação: As receitas da emitente respondem integralmente pelo serviço da dívida do empréstimo obrigacionista. Em caso de falência, liquidação ou processo análogo da emitente, os pagamentos dos juros e o reembolso das   obrigações   representativas    da presente emissão   ficam subordinadas ao prévio reembolso de todos os credores não subordinados, tendo, contudo, os detentores das obrigações prioridade sobre os acionistas da emitente.

- Colocação e agente pagador: BPN - Banco Português de Negócios, S. A.

1.23. Em 9 de Dezembro de 2011, o Estado Português, então accionista único do BPN, BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS e no âmbito do processo de reprivatização daquela Instituição, celebrou um Acordo Quadro com o Banco BIC Português, SA, no qual foram estabelecidos os procedimentos e as ações necessárias a desenvolver por cada uma das partes, passo intermédio considerado essencial para a celebração do contrato de compra e venda das ações do BPN.

1.24. No dia 30 de Março de 2012, foi assinado o contrato de compra e venda do BPN, entre o Estado Português e o Banco BIC, sendo que nos termos do disposto na cláusula 15.a do Acordo Quadro celebrado entre o Estado Português e o Banco BIC, relativo à reprivatização do BPN, neste se mostram incluídas todas as entidades do espectro do antigo Banco BPN, S.A. BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS BPN, sendo estas a P..., S. A., a P..., S. A., P..., S. A., B..., S. A., BPN Serviços, S. A., BPN Imofundos, S. A., BPN Gestão de Activos, S. A. (actualmente Patris, Gestão de Ativos, S. A.), BPN ACE e BPN, SGPS, S.A..

1.25. A atual Instituição ré resultou da fusão ocorrida em 7 de Dezembro de 2012, por incorporação do Banco BIC Português S.A. no Banco Português de Negócios, S.A..

2. Da nulidade do Acórdão

2.1. Enquadramento normativo preliminar

A violação das normas processuais que disciplinam, em geral e em particular (artigos 607.º a 609.º do Código de Processo Civil), a elaboração da sentença - do acórdão - (por força do n.º 2 do artigo 663.º), enquanto ato processual que é, consubstancia vício formal ou error in procedendo e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (aplicáveis aos acórdãos ex vi n.º 1 do artigo 666.º do Código de Processo Civil).


No caso em presença, convoca a Recorrente, de forma expressa, a nulidade típica prevista na alínea b) do n.º1 do citado artigo 615.º do Código de Processo Civil (falta de fundamentação).

Ora, no que concerne à nulidade prevista na línea b) do n.º1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão): esta nulidade corresponde à omissão de cumprimento do dever (contido no artigo 205.º, n.º1, da CRP) que impende sobre o juiz de indicar as razões de facto e de direito que sustentam a sua decisão, pois só assim as partes ficam cientes das razões factuais e jurídicas que conduziram ao sucesso ou fracasso das suas pretensões e a decisão constitui a concretização abstrata da vontade da lei no caso concreto.

Só a falta absoluta de fundamentação – e não a fundamentação insuficiente ou deficiente – integra a nulidade referida.

- Ac. do STJ, de 30 de junho de 2014, in Sumários, set./2014, pág.35, consultável em www.stj.pt


Após esta sumária indagação e interpretação das normas jurídicas relevantes, importa agora reverter ao caso concreto:

2.2. A falta de fundamentação - nulidade na alínea b) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil

A Recorrente veio arguir a nulidade do Acórdão por falta de fundamentação.

Prescreve a alínea b) do n.º1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Da análise do Acórdão sob recurso resulta, com clareza, que estão especificados os fundamentos de facto que justificam a decisão, tendo o Tribunal da Relação especificado todos os factos provados, referindo-se expressamente aos factos provados da forma seguinte: “são os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau”, passando, de imediato a transcrevê-los.

Por outro lado, e considerando que nada havia a alterar quanto aos factos dados como provados pelo Tribunal de 1ª instância, apesar da impugnação da matéria de facto feita pelos ora Recorrente, seriam aqueles e só aqueles que o Acórdão recorrido levou em consideração na sua decisão, como é evidente ao longo de todo o Acórdão.


Quanto à fundamentação de direito, também, o Acórdão recorrido é claro nas normas legais que considera aplicáveis ao caso presente.

A Recorrente refere que a decisão recorrida procedeu à transcrição, acrítica e sem qualquer referência concreta ao que aí é dito, de uma decisão anterior, não se percebendo qual foi o raciocínio que levou à conclusão de que estariam preenchidos os requisitos da responsabilidade civil.

Ora, o acórdão recorrido, ao transcrever uma decisão anterior, assumiu essa mesma fundamentação, fazendo-a sua.

Deste modo, procedeu à fundamentação do caso apreciado pelo Acórdão recorrido.


Assim, não se verifica a nulidade arguida.


3. Da verificação da responsabilidade civil da Ré

No Acórdão recorrido entendeu-se que estavam demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.

A Ré insurge-se contra o assim decidido, colocando em causa, essencialmente, a verificação da ilicitude (por, no seu entendimento, não se ter verificada a violação dos seus deveres de informação) e do nexo de causalidade.

Vejamos.

No caso presente, pretende-se apurar da responsabilidade civil da Ré, como intermediário financeiro: o BPN comercializou junto dos seus clientes como produtos bancários obrigações em que foi emitente a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (SLNRMais – SLN Rendimento Mais 2006:obrigações subordinadas, no valor de €50 000,00 cada uma)

 - cf. artigos 289.º, n.º1, alínea a), 293.º, n.º1, alínea a) e 290.º, n.º1, alíneas a) e b), do Código dos Valores Mobiliários –


Assim, no caso presente, está em questão a responsabilidade civil da Ré, como intermediária financeira (artigos 312.º e 314.º, do CMV).


Ora, foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A) que apresenta os seguintes segmentos uniformizadores:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.  


No caso dos autos, atenta a data em que foi celebrado o contrato (abril de 2006), são aplicáveis as disposições do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.

O intermediário financeiro encontrava-se obrigado ao cumprimento dos princípios e regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.


Deveres de informação. Ilicitude.

Como se referiu no citado Acórdão: “a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.”

E, mais à frente, refere-se: “Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.

Retomando a linha de pensamento já afirmada, compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).

Por outro lado, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.

Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.

Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.

Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.

Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.

Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação”.


No caso presente, e perante a factualidade provada, temos de concluir, como o fez o Tribunal da Relação ..., que a Ré violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada ao Autor sobre as características do produto que estava a apresentar-lhe, designadamente, que tinha as mesmas garantias de um depósito a prazo e lhe daria um maior rendimento e que o reembolso do capital era garantido, sendo certo que não está demonstrado que o Autor tivesse conhecimentos e experiência para conhecer (ou complementar) as informações (ou a falta delas) prestadas pelo empregado da Ré.

Daqui que se conclua pela verificação da ilicitude por parte da Ré.


Quanto à culpa, a mesma presume-se nos termos do disposto nos artigos 304.º, n.º2, do CVM e 799.º do Código Civil:


Quanto ao nexo de causalidade:

Como se afirmou no Acórdão Uniformizador, “incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil.”

Ora, no caso presente, e perante a factualidade dada como provada, temos de concluir que o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro e o dano consubstanciado na não devolução do valor investido pelo Autor (€150 000,00) –três obrigações subordinadas, no valor de €50 000,00 cada uma (SLN Rendimento Mais 2006) -, se encontra demonstrado, porquanto mostra-se provado que:

“se o Banco Réu não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido o Autor não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro”.

 - O Autor havia alegado este facto essencial para apurar a verificação do requisito da causalidade (alegação constante do ponto 51.º) e o mesmo não se mostra impugnado pela Ré na contestação apresentada, pelo que esse mesmo facto deve ser considerado como provado por acordo, nos termos do disposto no artigo 574.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -


Estes factos são suficientes para se considerar demonstrado o nexo de causalidade, pois demonstrada esta a essencialidade da informação omitida pela Ré sobre a decisão de o Autor de investir nas “Obrigações”, em abril de 2006, pois o Autor não investiria se conhecesse as características do produto, isto é, sem a informação referida nos pontos 1.2. e 1.3. dos factos provados o Autor marido não daria o seu acordo na aquisição do ”identificado ativo financeiro”, como refere o Acórdão recorrido.


Deste modo, o recurso terá de improceder.


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 14 de fevereiro de 2023


Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Maria João Vaz Tomé

António Magalhães