Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2864/12.6TBVCD.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PACTO DE JURISDIÇÃO
REQUISITOS
VALIDADE
CADUCIDADE
REGULAMENTO (CE) 44/2001
EXCEPÇÃO DILATÓRIA DE INCOMPETÊNCIA
DESPACHO SANEADOR
PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO
JULGAMENTO DA MATÉRIA RELEVANTE PARA A EXCEPÇÃO
PRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO FORMAL E DA GESTÃO PROCESSUAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO EUROPEU - COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - TRIBUNAL / COMPETÊNCIA INTERNACIONAL - RECURSOS.
Doutrina:
- Teixeira de Sousa, “Apontamento sobre o princípio da gestão processual no novo Código de Processo Civil”, Cadernos de Direito Privado, 43, pp.11/12.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 6.º, 94.º, N.º3, 134.º,N.º2, 547.º, 590.º, N.º2, 629.º, N.º 2, AL. A),CONJUGADO COM O 671.º, N.º3, PRIMEIRA PARTE, 637.º,N.º2.
D.L. N.º 220/95: - ARTIGO 19.º, AL.G).
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 44/2001: - ARTIGOS 2.º, N.º1, 5.º,N.º1, 23.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 9/10/2008, PROCESSO N.º 08B2633, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 11/2/2015, PROCESSO N.º 877/12.7TVLSB.L1-A.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 19/2/2015, PROCESSO N.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Jurisprudência Internacional:
JURISPRUDÊNCIA DO TJCE:
-ACÓRDÃO POWELL DOFFRYN V. WOLFANG PETEREIT, DE 10/03/1992,
-ACÓRDÃO TRASPORTI CASTELLETTI SPEDIZIONI INTERNAZIONALI SPA V. HUGO TRUMPY SPA, DE 16/03/1999.
-ACÓRDÃO REFCOMP SPA V. AXA CORPORATE SOLUTIONS ASSURANCE S.A. E OUTROS, DE 07/02/2013.
Sumário :
1. - Perante o regime do Regulamento n.º 44/2001, para que a escolha do tribunal seja válida é desnecessário que exista qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado a que o direito interno confira relevo.

2. A validade do pacto de jurisdição, constante de uma cláusula contratual geral, integrada num contrato celebrado entre um empresário ou entidade equiparada, é analisada, exclusivamente segundo o disposto no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, sendo inaplicável o regime jurídico interno das cláusulas contratuais gerais.

3. Sendo suscitadas, na resposta à excepção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses, questões de facto ou probatórias que transcendem o plano das questões de direito que cumpre solucionar num recurso de revista, deve determinar-se a baixa do processo, a fim de que as mesmas sejam objecto de necessária instrução e apreciação, antes de se julgar procedente ou improcedente a dita excepção.

4. Independentemente da exacta e precisa configuração dogmática que deva atribuir-se ao dever de gestão processual, plasmado no art. 6º , e ao princípio da adequação formal, proclamado pelo art. 547º do actual  CPC , deles decorre a possibilidade de , perante litígios globalmente complexos, cindir e autonomizar  a matéria relevante para a apreciação de determinada excepção dilatória, destacando-a do conjunto de questões de facto e probatórias que apenas relevam para o julgamento do mérito, de modo a proceder a uma instrução e apreciação prévias –garantindo por esta via  que, ao instruir e julgar a restante matéria litigiosa, já se decidiu previamente se o tribunal está ou não em condições de julgar o mérito da causa.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA - Equipamentos para a indústrias de tintas, S.A., com sede em Vilar do …, Portugal, intentou no Tribunal Judicial de Vila do Conde acção de condenação, na forma ordinária, contra a R. BB, S.A. (e subsidiariamente contra CC, S.A., caso se entenda que tal sociedade mantém existência jurídica e actividade independente da R.), com sede em Barcelona, alegando ter mantido com a R. entre 2001 e Julho de 2011 uma relação comercial caracterizada por integrar um contrato misto de agência e de concessão comercial, incumprido pela R. e por ela ilicitamente resolvido, peticionando o pagamento da quantia de € 195.614,64 e respectivos juros de mora, a título de ressarcimento dos danos causados.

A R. contestou, esclarecendo que é a mesma pessoa jurídica que a entidade subsidiariamente demandada e - para além se defender quanto à questão de mérito, por impugnação e por excepção - suscitou, desde logo, a excepção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses: na verdade, a referida relação comercial, invocada pela A., fundava-se em contrato escrito, resultando do estipulado na cláusula 21ª , de forma expressa , um pacto atributivo de jurisdição , com exclusão de qualquer outro foro, ao tribunal espanhol funcionando no município em que a R. se encontrava sedeada. Impugna ainda a tradução da dita cláusula, junta pela A. ao processo, sustentando que toda a relação comercial existente entre as partes, até Julho de 2011, se fundou no dito contrato e obedeceu às condições ali estabelecidas, o qual se teria efectivamente renovado, apesar da cláusula que estabelecia que o mesmo perduraria por 12 meses, sem renovação. Ora, assim sendo – e por força do nº1 do art. 23º do Regulamento 44/01 e da referida cláusula, constante de contrato escrito existente entre as partes, seriam os tribunais portugueses incompetentes para conhecer da acção.

A A. replicou, respondendo à referida excepção dilatória.

Afirma não aceitar a validade do dito contrato, já que o mesmo conteria cláusulas contratuais gerais, proibidas por força do preceituado no art. 19º, alínea g) do DL 220/95, e que constituiria grave inconveniente para a A. ter de litigar perante os tribunais espanhóis.


Por outro lado, considera que a referida cláusula, contendo o invocado pacto de jurisdição, não seria válida perante o estatuído no nº3 do art. 94º do CPC, já que inexistiria um interesse sério na convenção de foro, causadora de graves inconvenientes à A., atenta a sua dimensão empresarial.

Sustenta ainda que a relação comercial existente entre as partes não obedeceu sempre às condições estipuladas no contrato escrito, que caducou irremediavelmente, conforme o expressamente estipulado, no fim de 2004, mantendo após essa data as partes uma relação comercial que em nada obedeceria ao referido documento.

No despacho saneador, foi proferida decisão que, reconhecendo a invocada excepção dilatória, absolveu a R. da instância, com base no preceituado nos arts. 2º, nº1 e 23º do Regulamento CE 44/2001 e nos arts. 96º, al. a) e 99º, nº1, do CPC.


2. Inconformada, apelou a A., impugnando a fidedignidade da tradução, junta pela R. e a que o Tribunal aludia na decisão proferida, e insistindo na tese da caducidade do contrato escrito e da cláusula em que se estipulava o pacto atributivo de jurisdição.

A Relação, porém, confirmou a decisão recorrida, nos seguintes termos:

O caso que nos ocupa para dirimir o litígio entre as partes subsume-se a um problema de competência já que as partes são duas sociedades sedeadas e Portugal com sede em Espanha, visando a acção um contrato misto de agência e concessão existente entre ambas.

A competência enquanto pressuposto processual é avaliada em face da relação material controvertida e respectivo pedido formulado pelo autor.

Estamos no âmbito de competência internacional, dado que uma das sociedades está sedeada em país estrangeiro, sendo que as normas respectivas, isto é as normas de competência internacional, são aquelas que atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado, o conjunto de poderes para o exercício da função jurisdicional em situação transnacionais.

Este tema tem consagração a nível comunitário predominando a sua regulamentação sobre o direito nacional, por força do primado do direito comunitário sobre o direito nacional, de acordo com o artº 8º, nº 3 da CRP.

Por isso tem aplicação ao caso sub judice o Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22/12/2000, relativo à competência judiciaria, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, por se directamente aplicável a todos os Estados Membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (artºs 1º e 68º do Regulamento referido), não se aplicando o direito interno, por não estarmos no âmbito de matérias excluídas ao âmbito de aplicação do referido Regulamento (capacidade das pessoas singulares, falências, etc.). Isto é, estamos no âmbito material de aplicação do referido Regulamento.

Tal como o direito interno o Regulamento admite, decorrente do princípio da liberdade contratual e autonomia privada, a vontade das partes na fixação cia competência jurisdicional, tanto por meio de cláusula atributiva ou privativa de jurisdição (artº 23º), quer pela prorrogação tácita da competência (artº 24º).

Aplica-se ao caso em apreço o disposto no artº 23º deste Regulamento.

Alega a ré que as partes convencionaram que a competência para dirimir os litígios decorrentes cia sua relação comercial ficaria a cargo dos Tribunais Espanhóis.

No caso presente a sentença recorrida não autonomizou os factos provados que sustentaram a decisão recorrida em que se julgou o tribunal português incompetente, referindo "Do contrato invocado pela ré consta uma cláusula desta natureza que atribui competência exclusiva aos Tribunais do domicílio da ré, neste caso Barcelona, Espanha.

Invoca a autora a nulidade dessa cláusula, invocando o disposto na alínea g) do art. 19º do Decreto-Lei n.º 446/85, que estipula o regime das cláusulas contratuais gerais. De acordo com este preceito, são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado as cláusulas contratuais gerais que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.

Apesar do alegado, é de ponderar que estamos perante duas sociedades comerciais, ambas com a natureza de sociedade anónima, pelo que é de concluir que é igual o inconveniente para qualquer uma delas em ser demandado no país da outra.              Assim, nenhuma invalidade pode ser reconhecida a lai cláusula.

Como supra se referiu, a regra geral contida no Regulamento 44/2001 é de que a demanda deve ocorrer perante os tribunais do domicílio da ré, podendo haver excepções a tal regra.

A convenção celebrada entre as partes e invocada pela ré mais não faz do que confirmar essa regra, neste caso concreto.

Assim, perante a disposição comunitária citada, não poderá a autora valer -se das normas internas, nomeadamente do art. 99º do Código de Processo Civil.

Por fim, defende ainda a autora que o contrato em causa não estava já vigente e, por tal, inexiste o pacto de aforamento.

De acordo com a cláusula contratual em causa (a 23ª), e segunda a tradução junta aos autos pela ré (fls. 542), "Este contrato e a própria relação das partes regem-se e serão interpretados de acordo com a legislação do Estado em que a sociedade tiver a sua sede social (...) sem atender aos princípios dos conflitos de lei. Só será competente para decidir sobre qualquer acção judicial ou litigio que surja na sequência deste contrato, sobre o seu próprio teor ou sobre a relação das partes um tribunal federal, estatal ou local situado no município em que a sociedade tenha a sua sede (...).

Tanto a sociedade como o representante dão o seu consentimento à competência pessoal e em razão da matéria a qualquer um dos referidos tribunais que constitua o foro mais conveniente para a acção judicial ou litigio e renunciam a qualquer outro direito que possam ter para se opor à jurisdição ou competência dos referidos Tribunais relativamente á acção judicial ou litígio em causa."

Ora, para decidir o objecto do presente litígio surge desde logo como questão a validade e vigência deste contrato, o que se prende com a sua interpretação, para o que é aplicável o pacto de aforamento.

Deste modo, quer porque a regra atribui a competência aos tribunais espanhóis por força do disposto no art. 2º, nº 1, do Regulamento 44/2001, e quer porque assim foi acordado pelas partes, entendo serem os tribunais espanhóis os competentes para conhecerem do presente litígio".

 

As partes discutem a validade de um contrato onde se insere a cláusula que atribui competência aos Tribunais Espanhóis, entendendo a autora que esse contrato não existe, nem é valido.

Esta a posição da autora.

Ora se o contrato não é valido, como sustenta a autora devem aplicar-se as regras de determinação de competência previstas no Regulamento em análise.

E como refere a decisão recorrida, com a qual integramente concordamos, "A regra geral prevista no referido regulamento, quanto à competência dos Estados - Membros, está prevista no seu art. 2º nº 1 que dispõe que "sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado", sendo certo que "as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo" (nº 1 do art. 3º).

Resulta assim que por força da aplicarão da regra geral, a ré deveria ter sido demandada perante os tribunais de Espanha.

Cumpre então analisar se existe alguma excepção que legitime a demanda da ré perante os tribunais portugueses.

No âmbito contratual a excepção está prevista no nº 1 do art. 5º que dispõe que uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão (al. a) deste nº 1, sendo certo que a relação contratual em causa não encontra enquadramento na alínea b)).

Alega a autora que a resolução do contrato existente entre as partes, que alega ser de agência, operada pela ré é ilícita, pelo que pretende obter a condenação da ré no pagamento de uma indemnização (de clientela, por extinção do posto de trabalho, pela retoma das peças que havia comprado à autora e por danos sofridos).

Inexiste, obviamente, qualquer acordo das partes quanto ao lugar do cumprimento de uma obrigação desta natureza, pelo que se há-de recorrer às normas de direito substantivo.

Nos termos do art. 774º do Código Civil, e perante a ausência de estipulação expressa quanto ao cumprimento da obrigação de indemnização aqui exigida, esta obrigação deve ser cumprida no lugar do domicílio do credor, aqui autora.

Assim, mesmo não sendo aplicável o suposto pacto de aforamento, por força das normas insertas no Regulamento (CE) 44/2001, os Tribunais Espanhóis são os competentes para a presente acção.


3. Novamente inconformada, interpôs a A. recurso de revista, que encerra com as seguintes conclusões:

I - Os fundamentos do acórdão da Relação do Porto a quo estão em contradição com a decisão.

II - A Autora tem sede em Portugal.

III - O lugar do cumprimento da obrigação pedida pela Autora é a sua sede, ou seja, em Portugal.

IV - A Relação do Porto reconhece que uma sociedade de direito espanhol pode ser demandada no Tribunal do local do cumprimento da obrigação,

V - Mas conclui que os Tribunais Portugueses não são competentes.

VI - Esta contradição flagrante constitui o vício de nulidade previsto no artigo 615.°, n.° 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi artigo 666.°, n.° 1, também do CPC, que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

VII - Ao decidir como o fez, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 5.°, n.° 1 do Regulamento 44/2001 e o disposto nos artigos 615.° e 666.°, ambos do CPC.

VIII - Deverá o douto acórdão da Relação do Porto ser anulado e substituído por outro que, nos termos do disposto no artigo 684.° do CPC, supra a invocada nulidade e julgue competentes os Tribunais Portugueses.

Além disso,

IX - O saneador/sentença dos autos não elenca os fundamentos de facto que estão na origem da decisão, razão pela qual configura a prática da nulidade prevista no artigo 615.°, n.° 1, alínea b) do CPC, o que se invoca para todos os efeitos legais.

X - A primeira instância aplica um contrato que diz expressamente não poder interpretar.

XI - Se a primeira instância se tivesse pronunciado quanto aos factos provados, seguramente que não teria, por um lado, aplicado uma convenção de foro constante de um alegado contrato e, por outro lado, consignado que não pode apreciar nem a validade, nem a vigência desse mesmo contrato.

XII - A primeira instância aplica uma cláusula de um documento que foi devida e oportunamente impugnado pela Autora, sem que nenhuma prova tenha sido produzida a propósito da validade do documento.

XIII - A primeira instância aplica uma cláusula de um documento que, nos termos dele constantes, teria caducado pelo decurso do tempo, sem que nenhuma prova tenha sido feita quanto à vigência actual do referido documento.

XIV - A tradução citada pela primeira instância não é fiel ao original do documento inglês. A Autora impugnou essa tradução e já havia juntado aos autos uma outra tradução diferente. A primeira instância, sem qualquer diligência suplementar ou produção de prova, optou pela tradução que desrespeita grosseiramente o original.

XV - Ao contrário do que sustenta a primeira instância, a interpretação não é mencionada na cláusula 21 do documento dos autos, pelo que nunca se poderia entender que à primeira instância estaria vedado interpretar o documento em causa.

XVI - A questão da competência pode ser definitivamente resolvida em face dos elementos dos autos.

XVII - Mesmo que o contrato junto aos autos fosse válido - o que não é - o mesmo teria caducado pelo decurso do tempo, nos termos alegados nas precedentes alegações.

XVIII - O único argumento em que a Ré baseia a sua excepção de incompetência internacional deverá ser julgado improcedente, em face do único elemento probatório dos autos.

XIX - Ao decidir como o fez, a primeira instância violou o disposto no artigo 5.°, n.° 1 do Regulamento 44/2001 e o disposto nos artigos 577.° e 615.°, ambos do CPC.

Nestes termos, e nos que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, sendo, em consequência, anulada a decisão da Relação do Porto e proferido acórdão que, suprindo a nulidade, declare competentes os Tribunais portugueses, ordenando-se o prosseguimento dos autos nos termos legais.


A R. contra alegou, suscitando a questão prévia da recorribilidade, por se verificar o impedimento decorrente da dupla conformidade do decidido pelas instâncias, com base essencialmente na mesma fundamentação e pugnando pela inexistência da invocada nulidade do acórdão recorrido.

Como temos sustentado (vide, por ex., o Ac. de 19/2/15, proferido pelo STJ no P. 302913/11.6YIPRT.E1.S1), só pode considerar-se existente – no âmbito da apreciação da figura da dupla conforme no NCPC (2013) – uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância.


Ora, não é esta a situação verificada nos presentes autos, em que o acórdão proferido pela Relação inteiramente adere ao teor do despacho saneador que reconheceu a excepção de incompetência internacional, transcrevendo, aliás, quase por inteiro, o teor da decisão apelada.

Sucede, porém, que a questão controvertida entre as partes se situa manifestamente no âmbito da competência internacional dos tribunais portugueses, pelo que – ao abrigo do estipulado no art. 629º, nº2, alínea a), conjugado com a primeira parte do nº3 do art. 671º do CPC, - a existência de dupla conforme não inibe o acesso ao STJ, já que o objecto do recurso de revista incide precisamente sobre matéria ou questão (a definição da competência internacional) que admite sempre recurso.

Ora, resultando das conclusões da alegação da recorrente que o recurso versa sobre a questão da pretendida violação de normas que integram o Regulamento CE 44/2001, considera-se que está cumprida, em termos suficientes, o ónus de invocação pelo recorrente do específico fundamento da recorribilidade, estabelecido no nº2 do art. 637º do CPC. Ou seja, apesar de se não invocar explicitamente, como base do recurso, o regime constante da referida alínea) do nº2 do art. 629º (o que, só por si, tornaria irrelevante a questão da existência ou não de dupla conformidade), define-se que a questão que integra o respectivo objecto é – no seu núcleo essencial - uma questão atinente à definição da competência internacional, envolvendo, desde logo, a interpretação de normas constantes dos instrumentos de Direito Comunitário, o que torna o recurso sempre admissível (independentemente, não apenas do valor da causa e da sucumbência, mas também, actualmente, do possível efeito – inibidor do acesso ao STJ – que decorreria da aplicabilidade da figura da dupla conforme).

E, nesta perspectiva, entende-se que não há obstáculo à apreciação da questão de competência internacional controvertida entre as partes.


4. Importa começar por realçar o iter lógico argumentativo seguido na dirimição do caso pelas instâncias: assim, começaram estas por proceder a uma apreciação perfunctória do pacto de jurisdição invocado pela R., fazendo-o - na fase de saneamento- apenas perante as contraditórias teses expendidas pelas sociedades em litígio nos articulados – e desconsiderando a divergência existente entre as partes acerca da correcta e exacta tradução dos termos da cláusula em que esse pacto se consubstancia (já que cada uma das partes impugna a tradução apresentada pela outra).

E, perante tal apreciação sumária e perfunctória – que conduziu a admitir como provável a validade e vigência do pacto privativo de jurisdição – determinante da atribuição da jurisdição aos tribunais espanhóis, passaram as instâncias a pronunciar-se acerca da jurisdição competente para a apreciação do litígio, face às regras – geral e especial – constantes do Regulamento para um litígio com a configuração do dos presentes autos, concluindo que tais regras apontariam inquestionavelmente para a competência internacional dos tribunais espanhóis, já que se situava em Barcelona a sede da empresa demandada e deveria ser ali cumprida a obrigação exigida no âmbito da presente acção.

Ora, a ser assim, estaria efectivamente prejudicada uma análise mais aprofundada acerca da validade e vigência do pacto de jurisdição invocado, já que – mesmo que se confirmassem as teses sustentadas pela A., não sendo o pacto válido e eficaz,- a acção continuaria a ter de ser proposta em Barcelona, por aplicação das regras de competência internacional definidas no Regulamento…

Ou seja: a circunstância de as regras de competência internacional convocáveis apontarem inquestionavelmente para a jurisdição dos tribunais espanhóis tornaria inútil uma discussão mais aprofundada acerca da interpretação, validade e vigência do pacto de jurisdição discutido entre as partes, já que – mesmo que prevalecesse a tese sustentada pela A. (carecendo o alegado pacto de jurisdição de força vinculativa) - a acção sempre teria de ser proposta perante os tribunais espanhóis.

Como é evidente, este iter lógico argumentativo só pode ser procedente na condição ou pressuposto de que efectivamente as regras de competência internacional definidas pelo Regulamento implicam, sem qualquer margem de dúvida, a atribuição da jurisdição quanto ao litígio aos tribunais espanhóis – ficando irremediavelmente comprometido se assim não for (ressurgindo, consequentemente, em toda a sua plenitude e extensão, as objecções formuladas quanto à existência actual do invocado pacto privativo de jurisdição atributivo de competência ao foro espanhol).

No entanto, se não oferece qualquer dúvida que a aplicação ao caso da regra geral definida pelo art. 2º, nº1, do Regulamento, apelando ao local do domicílio do R., conduz efectivamente à atribuição da competência internacional ao foro espanhol, não pode considerar-se minimamente seguro que a aplicabilidade das excepções ou regras especiais que constam, nomeadamente do art. 5º, nº1, não conduza a conclusão diametralmente oposta, ao apontar para a possibilidade de a acção ser intentada no tribunal do lugar onde a obrigação devesse ser cumprida. Note-se que no caso dos autos estamos confrontados com uma pretensão indemnizatória, fundada em invocado incumprimento culposo da contraparte e ilícita resolução de relação contratual duradora que se qualifica como integradora dos contratos de agência e concessão comercial, tendo a A. assumido a representação comercial da R. em território e no mercado português.

E, não existindo obviamente qualquer estipulação negocial das partes acerca do local de cumprimento de tal obrigação de indemnização pelo incumprimento e ruptura do contrato, bem se poderá entender que – consubstanciando-se o seu conteúdo essencial na angariação e promoção dos produtos da R. junto dos clientes que operavam no mercado português, em representação comercial da R. nesta área geográfica – se situa em Portugal o lugar de cumprimento da obrigação de indemnização decorrente do incumprimento de tal relação contratual.

Veja-se, nomeadamente, o decidido no Ac. de 9/10/08, proferido pelo STJ no P. 08B2633 , em que se decidiu :

Prestação característica do contrato de concessão comercial, outorgado no exercício da actividade económica e profissional da concedente e da concessionária, é a de a segunda celebrar, na estipulada zona geográfica, com díspares clientes, existentes ou a angariar, contratos de compra e venda cujo objecto mediato são bens, por ela, à concedente, adquiridos. Em consonância com o direito material aplicável, em Portugal deve ser cumprida, outrossim, a obrigação de indemnização, por equivalente pecuniário, da concessionária sedeada em Portugal, repousante em ilegal cessação de contrato, por iniciativa de concedente sedeada em Itália.

Face ao vazado no artº 5º nº1 a) do supracitado Regulamento, internacionalmente competentes para conhecer de acção em que tal concessionária, fundada na responsabilidade civil da concedente, inovando a denúncia ilegal do contrato de concessão comercial, impetra a condenação desta a indemnizá-la pelos prejuízos decorrentes da perda do benefício da clientela, recusa de retoma de produtos e da inobservância de prazo de pré-aviso, são os tribunais portugueses.

Pode, deste modo, concluir-se que a aplicabilidade do critério excepcional de competência internacional, definido em função do local de cumprimento da obrigação (e não da regra do domicílio do demandado), conduziria muito provavelmente à possibilidade de a acção ser proposta perante os tribunais portugueses, dada a natureza da pretensão formulada e da própria relação material controvertida, cuja execução se verificou continuadamente em território português: e tanto basta para ficar irremediavelmente comprometida a tese, seguida pelas instâncias, de que, afinal, quer se aplicasse o invocado pacto privativo de jurisdição, quer se recorresse às regras – geral ou especiais – de fixação da competência pelo Regulamento, sempre a acção dos presentes autos teria de ser proposta no foro espanhol: na verdade, apontando plausivelmente a regra especial do local de cumprimento da obrigação para a competência do foro português, é evidente que o obstáculo decisivo a tal possibilidade só pode precisamente o invocado pacto de jurisdição, cuja validade e eficácia não podem, desta forma, deixar de ser apreciadas na sua plenitude.


5. Na resposta que apresentou à excepção de incompetência internacional do Tribunal português, invoca a A. várias objecções a tal tese, fundada na invocação da cláusula 21 do contrato junto aos autos como contendo um vinculante pacto privativo de jurisdição a favor do foro espanhol:

- começa por questionar a validade de tal cláusula – perspectivada como cláusula contratual geral – proibida na óptica do art. 19º, al. g) do DL 220/95 - já que obrigar a A. a litigar perante o foro espanhol constituiria para ela grave inconveniente;

- acresce que a dita cláusula seria também  inválida por violação do nº3 do art. 94º do CPC, já que a eleição do foro nela contida não poderia justificar-se por um interesse sério das partes , envolvendo ainda inconveniente grave para a A., atenta a sua dimensão empresarial;

- alega ainda na réplica a A. que a referida cláusula teria há muito caducado, já que o contrato celebrado por prazo certo afastaria expressamente a possibilidade de renovação da relação contratual – sustentando não ser verdade que a relação comercial mantida entre as partes nos últimos anos, antes da resolução, tenha obedecido às condições e cláusulas do contrato escrito e datado de 2003: as partes teriam mantido uma relação contratual que não obedeceu ao documento em análise, que há muito não vigorava quando tal relação contratual foi objecto de resolução: ou seja, na tese da A. não estaríamos confrontados com uma renovação do contrato de agência e concessão comercial, celebrado por escrito em 2003, mas antes com uma relação contratual totalmente diversa iniciada após tal contrato originário ter caducado, a qual não obedeceria, nem seria moldada, pelo nele inicialmente estipulado ;

- finalmente, a controvérsia das partes estende-se à própria tradução da cláusula que alegadamente conteria o pacto privativo de jurisdição, impugnando cada uma delas a tradução da dita cláusula, apresentada pela contraparte, que não consideram fidedigna.

Importa, pois, analisar a consistência destas objecções da A. quanto à vinculatividade da cláusula que alegadamente conteria um pacto privativo de jurisdição dos tribunais espanhóis – distinguindo naturalmente consoante a matéria destas caiba ou não no específico objecto de um recurso de revista, destinado exclusivamente a dirimir questões de direito.

Em primeiro lugar, consideram-se claramente improcedentes as pretensas nulidades, imputadas na réplica à dita cláusula, na óptica, quer do disposto no CPC acerca dos requisitos dos pactos de jurisdição, quer da aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais.


Assim – e como está há muito pacificamente estabelecido - no seu campo de aplicação, o regime estabelecido no Regulamento CE 44/2001 prevalece sobre as disposições de direito interno que regulam os pactos ou convenções acerca da competência internacional, contendo uma disciplina exaustiva da validade e admissibilidade destes, insusceptível de ser complementada com outras e adicionais exigências, previstas no regime adjectivo da competência internacional no direito interno: daqui decorre naturalmente que – sendo aplicável tal Regulamento – não pode condicionar-se a validade de pacto de jurisdição, celebrado com base nas disposições de Direito Comunitário, em função da invocação de requisitos, previstos na lei de processo interna, mas ali não contempladas – como ocorre precisamente com a exigência de que exista uma conexão efectiva da ordem escolhida com a matéria litigiosa e se mostre adequada e justificada a escolha do tribunal feita pelas partes.

Como se afirma, por exemplo, no recente Ac. de 11/2/15, proferido pelo STJ no P. 877/12.7TVLSB.L1-A.S1 :

Perante uma situação jurídica plurilocalizada e transnacional, tem de se atender às regras da competência internacional e, particularmente, quando envolva Portugal e algum dos Estados-Membros da União Europeia, ao direito da competência internacional da União Europeia, constante do Regulamento (CE) n.º 44/2001, e desde 10/01/2015, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012) – cf. art. 8.º, n.º 4, da CRP. A interpretação uniforme daqueles Regulamentos está confiada ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), pelos procedimentos ordinários de interpretação do direito comunitário – cf. art. 267.º do TFUE. O Regulamento n.º 44/2001 não exige qualquer solenidade especial para a atribuição de competência judiciária e o regime do seu art. 23.º prevalece sobre as regras de forma de direito interno que fixem requisitos formais mais exigentes para os pactos de jurisdição. - A noção de pacto de jurisdição vertida no Regulamento n.º 44/2001 é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados-Membros e deve ser interpretada como um conceito autónomo.- Perante o regime do Regulamento n.º 44/2001, para que a escolha do tribunal seja válida é desnecessário que exista qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado.

Ora, no caso dos autos, sendo inquestionada a aplicabilidade do referido Regulamento, por se verificarem manifestamente os respectivos pressupostos, está naturalmente vedada – face à reconhecida prevalência do regime constante do art. 23º- que contém disciplina fechada e exaustiva dos requisitos da figura do pacto de jurisdição no domínio do Direito Comunitário -  a aplicação de requisitos adicionais previstos na lei adjectiva nacional – como sucede precisamente com a norma constante do nº3 do art. 94ºdo CPC , ao condicionar a validade da eleição do foro à exigência de que esta não envolva  inconveniente grave para nenhuma das partes.

E o mesmo sucede com a pretendida nulidade, decorrente da aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, tal como se mostra delineado nas disposições de direito interno.

Note-se que não resulta dos autos, com a indispensável clareza, que a referida cláusula se possa sequer considerar como cláusula contratual geral, incluída no contrato sem prévia negociação das partes.

Mas mesmo admitindo que pudesse revestir tal natureza – e estando em causa litígio entre sociedades comerciais, emergente do desenvolvimento das respectivas actividades empresariais – não pode convocar-se a proibição constante do art. 19º, al. g) do DL220/95 para criar um obstáculo adicional à validade dos pactos de jurisdição, tal como emerge do estatuído no art. 23º do Regulamento em causa.

Citando, mais uma vez, o Ac. de 11/2/15: a validade do pacto de jurisdição, constante de uma cláusula contratual geral, integrada num contrato celebrado entre um empresário ou entidade equiparada, é analisada, exclusivamente, segundo o disposto no art. 23.º, do Regulamento n.º 44/2001, sendo inaplicável o regime jurídico interno das cláusulas contratuais gerais.

Importa salvaguardar, prima facie, que o TJCE considerou, a propósito da norma similar constante do art. 17.º da Convenção de Bruxelas – sendo essa jurisprudência extensível ao art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001[53] –, que a noção de pacto de jurisdição é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados-Membros (cf. Acórdão do TJCE Powell Doffryn v. Wolfang Petereit, de 10/03/1992)[54].

Este mesmo princípio tem sido várias vezes reiterado, e foi-o, recentemente, no Acórdão do TJUE Refcomp SpA v. Axa Corporate Solutions Assurance S.A. e outros, de 07/02/2013, em cujo ponto 40 se adverte que o conceito de pacto privativo de jurisdição deve ser interpretado como um conceito autónomo e dar ao princípio da autonomia da vontade, no qual se fundamenta o art. 23.º, n.º 1, do Regulamento n.º 44/2001, a sua plena aplicação[55].

Por seu turno, ainda segundo a jurisprudência do TJUE, que, recorda-se, é lapidar para a uniformização do Direito da União Europeia, é ponto assente que o art. 23.º assume carácter exclusivo na apreciação da validade dos pactos de jurisdição submetidos à aplicação do Regulamento n.º 44/2001.

Neste sentido, veja-se o importante Acórdão do TJCE Trasporti Castelletti Spedizioni Internazionali SpA v. Hugo Trumpy SpA, de 16/03/1999[56], que se debruçou sobre a norma paralela do art. 17.º da Convenção, e inúmeras vezes citado, em cujas considerações decisórias, aqui pertinentes (e que se reproduzem), se exarou:

 “ (…) 48. Tal como o Tribunal de Justiça afirmou em diversas ocasiões, obedece ao espírito de segurança jurídica, que constitui um dos objectivos da convenção, o facto de o juiz nacional a quem foi submetida a questão poder facilmente pronunciar-se sobre a sua própria competência com base nas regras da convenção, sem ser obrigado a proceder a um exame do processo quanto ao mérito (acórdãos de 22 de Março de 1983, Peters, 34/82, Recueil, p. 987, n.° 17; de 29 de Junho de 1994, Custom Made Commercial, C-288/92, Colect., p. 1-2913, n.° 20; e Benincasa, já referido, n.° 27). Nos n.ºs 28 e 29 do acórdão Benincasa, já referido, o Tribunal de Justiça precisou que esta preocupação de garantir a segurança jurídica através da possibilidade de prever com segurança o foro competente foi interpretada, no âmbito do artigo 17.° da convenção, através da fixação de condições de forma estritas, tendo esta disposição por objectivo designar, de forma clara e precisa, um tribunal de um Estado contratante a quem é atribuída competência exclusiva em conformidade com o consenso das partes.

49. Resulta do exposto que a escolha do tribunal designado só pode ser apreciada à luz de considerações ligadas às exigências estabelecidas pelo artigo 17.°

50. Foi por estas razões que o Tribunal de Justiça concluiu em várias ocasiões que o artigo 17.° da convenção abstrai de qualquer elemento objectivo de conexão entre a relação controvertida e o tribunal designado (acórdãos de 17 de Janeiro de 1980, Zeiger, 56/79, Recueil, p. 89, n.° 4; MSG, já referido, n.° 34; e Benincasa, já referido, n.° 28).

51. Pelas mesmas razões, numa situação como a dos autos no processo principal, deve excluir-se o controlo suplementar do mérito da cláusula e do objectivo prosseguido pela parte que a inseriu, e não pode ser reconhecida qualquer incidência, quanto à validade da referida cláusula, das normas substantivas em matéria de responsabilidade aplicáveis no tribunal escolhido.

52. Deve, por consequência, responder-se às terceira, sétima e sexta questões que o artigo 17.°, primeiro parágrafo, segunda frase, terceira hipótese, da convenção deve ser interpretado no sentido de que a escolha do tribunal designado numa cláusula atributiva de jurisdição só pode ser apreciada à luz de considerações ligadas às exigências estabelecidas pelo artigo 17.° da convenção. São estranhas a estas exigências quaisquer considerações relativas aos elementos de conexão entre o tribunal designado e a relação controvertida, ao mérito da causa e às normas substantivas em matéria de responsabilidade aplicáveis no tribunal escolhido” .

A orientação do TJUE é, pois, categórica e inequívoca no sentido dos requisitos de validade do pacto de jurisdição só serem aqueles que estão vertidos no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001.

Isto mesmo é enfatizado por Sofia Henriques: “O Regulamento comunitário, tal como acontecia na Convenção de Bruxelas, não exige, nos pactos de jurisdição, qualquer conexão entre o tribunal escolhido pelas partes e a relação litigiosa, nem a adequação ou justificação da escolha do tribunal.

Na verdade, diferentemente do que acontece no nosso direito interno, (…) o Regulamento não exige o controlo dos fundamentos da atribuição de competência ao tribunal escolhido, pelo que as partes poderão escolher um qualquer foro competente, independentemente das razões que fundamentam essa escolha”[57].

Destarte, é irrelevante para esse efeito fazer qualquer tipo de apreciação da validade do pacto de jurisdição à luz do direito interno do respectivo Estado-Membro.

E, assim sendo, para que a escolha do tribunal seja válida é desnecessário que exista qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado.

Aliás, parece ostensivo, sempre que as partes atribuem, através de uma pacto de jurisdição, competência a um tribunal estrangeiro, o qual se situa forçosamente noutro Estado-Membro, ocorrerá sempre o inconveniente, pelo menos para uma delas, de esse tribunal ser distante da respectiva sede.

Adicionalmente, mesmo que se pondere que nos deparamos com uma cláusula contratual geral, tem se atender ao facto de a autora/recorrida ser uma sociedade comercial que se dedica à fabricação de produtos de papel e alimentares, e, por isso mesmo, uma entidade com natureza empresarial e não um mero consumidor individual. 

Ora, nessa circunstância, inexiste qualquer disposição de Direito da União Europeia que deva ser respeitada, ao abrigo do art. 67.º do Regulamento, pelo que a validade do pacto de jurisdição é aferida exclusivamente pelo disposto no art. 23.º do Regulamento.

Só assim não seria se a cláusula contratual geral estivesse integrada num contrato celebrado com um consumidor, pois, nessa circunstância, decorre do art. 67.º do Regulamento, de forma indirecta, que se impõe a consideração do disposto na Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 05/04/1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores – cf., v.g., art. 3.º, n.º 3 da Directiva e n.º 1, al. q), do Anexo à Directiva (pode ser abusiva a cláusula que suprima ou entrave a possibilidade de intentar acções judiciais ou seguir outras vias de recurso por parte do consumidor)[58].

Em todo o caso, mesmo aventando que o pacto de jurisdição constava de uma cláusula contratual geral e que se considerasse que o contrato foi outorgado em Portugal, constando as cláusulas em apreço de dois contratos de swap celebrados entre empresários ou entidades equiparadas (para utilizar a terminologia da Secção II LCCG), nunca seria de aplicar a Directiva 93/13/CEE – ou o regime do art. 21.º da LCCG (que está inserido na Secção III reportada aos consumidores finais) – por não estar em causa qualquer consumidor.

Acrescenta-se, também, e como já antes se demonstrou, que jamais seria de recorrer ao art. 19.º, al. g), da LCCG, por se tratar de um normativo de direito interno, não resultante do direito europeu, o qual é insusceptível de prevalecer sobre o regime do art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001.

Em resumo: a validade do pacto de jurisdição constante de uma cláusula contratual geral integrada num contrato celebrado entre um empresário ou entidade equiparada é analisada, exclusivamente, segundo o disposto no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001.


Em suma: não é aplicável aos pactos privativos de jurisdição regidos pelo Regulamento 44/2001 o requisito – condicionador da legitimidade da eleição do foro - previsto em disposições de direito interno, quer no âmbito do CPC, quer no do regime das cláusulas contratuais gerais, segundo o qual tal eleição está condicionada à exigência de que a fixação do foro competente não envolva inconveniente grava para nenhuma das partes.

E, assim sendo, é improcedente a questão da validade da cláusula contendo o invocado pacto privativo de jurisdição dos tribunais espanhóis.


6. Sucede que a apreciação das restantes objecções, suscitadas pela A. quanto à vinculatividade da referida cláusula, excedem manifestamente o âmbito das questões de direito que constituem objecto de um recurso de revista – não podendo, consequentemente, ser nele apreciadas.

Como atrás se realçou, as partes não estão de acordo com a fidedignidade da tradução da referida cláusula que cada uma delas juntou, considerando infiel ou capciosa a tradução feita pela outra parte: perante este litígio acerca do conteúdo da cláusula que contém o invocado pacto privativo de jurisdição dos tribunais espanhóis e atentos os seus possíveis efeitos na exacta interpretação do nela estatuído ( que pressupõe obviamente uma tradução inequívoca e isenta de qualquer dúvida relevante) poderá ser necessário lançar mão do disposto no nº2 do art. 134º do CPC – diligência que, como é evidente, extravasa manifestamente o plano das questões de direito que cumpre solucionar num recurso de revista.

Por outro lado, a outra questão, fulcral e nuclear, suscitada quanto à subsistência actual e vinculatividade do pacto de jurisdição invocado, tem uma incontornável dimensão factual, implicando que se determine se o prosseguimento das relações comerciais entre as partes, ao longo de vários anos, após o momento em que se consumou o prazo inicial por que havia sido celebrado o contrato celebrado por escrito e que contém a referida cláusula 23º, consubstanciou uma renovação ou continuidade do mesmo, fundando-se ainda no contrato escrito originariamente celebrado; ou se, pelo contrário (como pretende a A.) traduziu antes o estabelecimento de uma relação contratual nova e absolutamente distinta e autónoma da primitivamente existente entre as partes.

Não sendo, deste modo, possível, com os elementos constantes dos autos, apreciar de forma integral e consistente a vigência da relação contratual de que consta o pacto privativo de jurisdição estipulado no contrato junto aos autos , resta determinar a baixa do processo, para prosseguir os seus termos com a apreciação das questões suscitadas pela A. na resposta à excepção dilatória de incompetência –e que não foi possível solucionar no julgamento da presente revista, por implicarem, nomeadamente diligências instrutórias  inconciliáveis com a fisionomia e funcionalidade  de um recurso de revista dirigido ao STJ.

Não pode deixar de realçar-se que – no regime adjectivo que presentemente nos rege - o indispensável prosseguimento do processo nas instâncias não implica necessariamente que só possa apreciar-se a excepção de incompetência internacional após se ter procedido a integral instrução e julgamento de toda a matéria litigiosa, mesmo daquela que apenas releva para a apreciação do mérito da causa – obrigando as partes e o tribunal a uma desproporcionado esforço na actividade probatória e de fixação da matéria de facto (particularmente evidente nos casos, como o dos autos, em que é extensa e complexa a matéria em litígio), sujeito ao risco razoável de, na sua maior parte, se vir a revelar totalmente inútil, no caso de a final se concluir pela vigência da cláusula que contem o invocado pacto privativo de jurisdição.

Na verdade, os princípios – flexibilizadores da tramitação legalmente prevista – da gestão processual e da adequação formal permitem, em larga medida, prevenir esse grave inconveniente de dispêndio de uma ampla actividade processual e probatória sujeita, em larga medida, a um risco sério de superveniente inutilidade e envolvendo significativa morosidade na apreciação – que deverá ser o mais breve possível - da questão da incompetência internacional dos tribunais portugueses.

Desde logo, a alínea d) do nº 2 do art. 590º permite ao juiz determinar, no início da fase de saneamento, a junção de documentos indispensáveis para apreciar quaisquer excepções dilatórias – podendo, assim, proceder-se – perante o teor de tais documentos novos - à apreciação de tais excepções no âmbito ainda da própria fase de gestão inicial do processo e da audiência prévia.

Por outro lado - e independentemente da exacta e precisa configuração dogmática que deva atribuir-se ao dever de gestão processual, plasmado no art. 6º , e ao princípio da adequação formal, proclamado pelo art. 547º do CPC – matéria que não cumpre solucionar neste recurso – é evidente a possibilidade de, perante litígios globalmente complexos, cindir e autonomizar  a matéria relevante para a apreciação de determinada excepção dilatória, destacando-a do conjunto de questões de facto e probatórias que apenas relevam para o julgamento do mérito, de modo a proceder a uma instrução e apreciação prévia e parcelar da matéria litigiosa– que garanta que, ao instruir e julgar a restante matéria litigiosa, já se decidiu previamente se o tribunal está ou não em condições de julgar o mérito da causa.


Como refere Teixeira de Sousa (Apontamento sobre o princípio da gestão processual no novo Código de Processo Civil, Cadernos de Direito Privado, 43, pag.11/12), o dever de condução do processo que recai sobre o juiz serve-se, como instrumento, do poder de simplificar e de agilizar o processo, isto é, do poder de modificar a tramitação processual ou os actos processuais: o case management atribui ao juiz o poder de adequar o procedimento à pequena ou grande complexidade da causa. A simplificação e agilização são aferidas, naturalmente, em referência ao standard legal (nomeadamente vem relação à tramitação do processo declarativo comum, quer em 1ª instância, quer em fase de recurso). Assim a simplificação implica uma tramitação menos pesada do que aquela que consta da lei; a agilização, em contrapartida, envolve uma forma mais fácil de atingir a justa composição do litígio: nuns casos, a agilização pode traduzir-se numa simplificação da tramitação, mas, noutros, a agilização pode envolver a prática de actos não previstos na lei. A maneira mais fácil de resolver um processo complexo (como é aquele que comporta uma pluralidade de partes e/ou pedidos ou que tem como objecto uma questão jurídica complicada) pode ser, por exemplo, a de apreciar, de forma gradual e sucessiva (algo à semelhança da Stufenklage alemã (§254 da ZPO) determinadas questões específicas.

(…)

As hipóteses de utilização do poder de adequação formas são inúmeras, quer no âmbito mais alargado de substituição da tramitação legal, quer no âmbito mais restrito de mera adaptação dessa tramitação. Efectivamente, o poder de adequação formal permite a construção, em bloco, de uma tramitação alternativa para o processo (arquitectando quer um processo mais complexo, quer um processo com características de sumariedade ou até mesmo de urgência), mas também possibilita a mera adaptação de alguns aspectos da tramitação legal. Por exemplo, o juiz pode determinar que uma questão prejudicial seja apreciada antes de outras questões, de modo a evitar que a decisão dessa questão torne inúteis todos os demais actos que seriam entretanto praticados na acção; o juiz pode ordenar a realização da prova de um facto que condiciona a procedência da causa, de modo a permitir que, na hipótese de falta de prova desse facto, possa ser pronunciada uma imediata decisão de improcedência (…)

Existem, deste modo, no actual CPC, os instrumentos procedimentais adequados para obstar ao principal inconveniente que poderia resultar da necessidade de o processo prosseguir, na fase de instrução e julgamento global da matéria de facto, sem estar definitivamente apreciada a matéria da excepção dilatória de incompetência – permitindo cindir ou destacar da globalidade da matéria litigiosa as questões de facto e probatórias decisivas para julgar tal excepção, procedendo-se à respectiva apreciação prévia, de modo a prevenir o risco de subsequente inutilização de um amplíssimo esforço probatório e de julgamento global de toda a matéria em litígio, quando a final se viesse a entender que, afinal, era válido e eficaz o pacto privativo de jurisdição constante do contrato escrito celebrado entre as partes. E, como é evidente, deverá o uso de tais instrumentos de simplificação ou agilização processual ser discutido e decidido na fase da audiência prévia - em que, por regra, se deve proceder à gestão processual.


7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados:

- nega-se provimento à revista, no que toca às nulidades invocadas quanto à cláusula contratual que contém o pacto privativo de jurisdição invocado pela R., confirmando, nessa parte, o decidido no acórdão recorrido;

- concede-se provimento à revista, revogando-se o acórdão recorrido na parte em se pronunciou pela procedência da excepção dilatória de incompetência internacional sem ter analisado integral e aprofundadamente as restantes objecções, formuladas pela A. na resposta a tal excepção;

- determina-se o prosseguimento do processo, para fixação da matéria relevante para apreciação de tal excepção dilatória, cabendo, na fase de audiência prévia, discutir e decidir do eventual uso dos mecanismos de simplificação ou agilização processual.

Custas por recorrente e recorrida, em idêntica proporção.


Lisboa, 19 de Novembro de 2015


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor