Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S3437
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CULPA DO EMPREGADOR
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
ÓNUS DA PROVA
ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL
Nº do Documento: SJ20090218034374
Data do Acordão: 02/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - A previsão do artigo 18.º da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro - LAT - abrange as hipóteses em que o acidente de trabalho se ficou a dever a culpa (abrangendo o dolo e a mera culpa) do empregador ou do seu representante, estando todos os juízos pressupostos na norma relacionados com o conceito de negligência previsto na lei civil.
II - Para fazer responder de forma agravada o empregador, em virtude de o acidente de trabalho resultar de falta de cumprimento de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, incumbe à seguradora que pretende ver a sua responsabilidade configurada em termos meramente subsidiários o ónus de demonstrar: (i) que sobre o empregador (ou seu representante) recaía o dever de observar determinadas regras de comportamento cuja observância, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do evento danoso e que o empregador (ou seu representante) faltou à observância dessas regras, não tomando o cuidado exigível a um empregador normal; (ii) que entre essa sua conduta inadimplente e o acidente intercorre um nexo de causalidade adequada.
III - Ocorrendo o sinistro laboral em 20 de Outubro de 2004 e quando o trabalhador se encontrava a manusear uma máquina (prensa de testeiras) em estabelecimento industrial de calçado, as regras a considerar em termos de segurança no trabalho, são as que constam dos artigos 272.º e ss. do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, as do Decreto-Lei n.º 82/99, de 16 de Março, relativamente às prescrições mínimas de segurança para utilização pelos trabalhadores de equipamentos móveis, e o Regulamento Geral de Higiene e Segurança no Trabalho nos Estabelecimentos Industriais, aprovado pela Portaria n.º 53/71, de 3 de Fevereiro, com as alterações constantes da Portaria n.º 702/80, de 22 de Setembro.
IV - Não pode concluir-se que foram violadas as regras de segurança resultantes do disposto nestes diplomas num acidente que se deu quando o sinistrado introduziu a mão direita na prensa de testeiras que manuseava com vista a rectificar a posição do forro de um sapato (pois apercebera-se que o mesmo não estava bem posicionado na gáspea) e foi atingido pela máquina nos dedos da mão direita, se a prensa dispunha de resguardos laterais fixos e de resguardo frontal para a zona da operação, regulável em altura, mas que não pode ser regulado de forma a impedir a introdução dos dedos das mãos no interior dessa zona, se este último aspecto está intimamente relacionado com a própria operacionalidade da máquina, tendo como finalidade permitir a introdução do material utilizado na execução da tarefa levada a cabo por quem com ela opere.
V - Estando a prensa dotada de comando bi-manual, como aconselha o n.º 4 do art. 56.º-A da Portaria n.º 53/71, só sendo, pois, accionada pela pressão exercida simultaneamente em dois botões nela existentes, nada permite concluir que, por si só, o facto de a descida total do seu prato superior não carecer da pressão constante dos aludidos botões, traduzisse uma deficiência permanente da máquina, geradora de perigo para a segurança dos trabalhadores, sendo também que não ficou demonstrado que, por avaria conhecida do empregador, o movimento de descida do prato superior estivesse mais lento e facilitasse a introdução das mãos do operador entre a prensa e a mesa durante a descida.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I – A autora AA, com o patrocínio do Ministério Público, instaurou no Tribunal do Trabalho de Guimarães contra BB Seguros S.A. e CC, Lda, acção emergente de acidente de trabalho, pedindo a condenação das Rés a pagar-lhe, na medida das suas responsabilidades a) € 12,90 relativo a transportes; b) o capital de remição de uma pensão anual de € 1.220,86 com início em 21.10.2005; c) € 5.431,43 relativo a indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; d) os juros de mora nos termos do art.138º do CT.

Alega a Autora que, no dia 20.10.2004, quando trabalhava para a 2ª Ré, foi vítima de um acidente, que descreve, sendo que, por causa dele, sofreu lesões que lhe determinaram uma IPP de 22,79%.

A Ré Seguradora contestou, alegando que o acidente se ficou a dever a inobservância das regras de segurança por parte da entidade patronal, razão por que não responde pelo mesmo, a título principal.

A Ré patronal veio apenas tomar posição relativamente aos documentos que a Ré Seguradora juntou com a contestação.

Saneada, condensada e julgada a causa, foi proferida sentença a condenar as Rés a pagar à Autora a) o capital de remição da pensão anual de € 1.028,16, com início em 21.10.2005, sendo € 1.021,65 da responsabilidade da Ré Seguradora e € 6,51 da responsabilidade da empregadora; b) a indemnização global de € 6.088,35 por incapacidades temporárias, sendo € 5.392,17 da responsabilidade da Seguradora e € 696,18 da responsabilidade da entidade patronal. Foi ainda a Ré Seguradora condenada a pagar à Autora € 12,90, a título de gastos com transportes. Ambas as Rés foram ainda condenadas no pagamento dos juros de mora à taxa legal, no que respeita às quantias atrás referidas.

Da sentença, apelou a Ré Seguradora, pedindo a revogação da sentença, e a sua substituição por acórdão que declare a responsabilidade, a título principal, da entidade patronal pelo acidente.

A Relação do Porto julgou improcedente a apelação, tendo confirmado a sentença.

II – Novamente inconformada, a ré BB Seguros interpôs a presente revista em que formulou as seguintes conclusões:

1ª. Da conjugação do n.° 1, do art. 8°, do D.L 441/91, 14.1, do n.° 4 do artigo 56°-A do Regulamento Geral de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho nos Estabelecimentos Industriais, e art. 18° do D.L. n.° 82/99, de 16.03, resulta que em caso algum é permitido o contacto das mãos do trabalhador com os elementos móveis do equipamento de trabalho no momento em que os mesmos estão em funcionamento, devendo a entidade empregadora "anular" todas as hipóteses de risco de contacto.
2ª. Quando na parte final do art. 56°-A, n.° 4, da Portaria 53/[7]1, se fala na necessidade da existência de comandos bimanuais, tal significa que é o trabalhador que acciona a descida da prensa, devendo carregar em dois botões, em simultâneo, com cada uma das mãos. E deve ser esta operação que provoca, de imediato, a descida da prensa, obrigando o trabalhador a ter as mãos colocadas nos botões.
3ª. Ou seja, do teor do art. 56°-A, n.° 4, resulta que a descida da prensa deve ocorrer apenas e tão só enquanto o trabalhador mantém ambas as mãos nos botões, a significar que quando ele retira as mãos dos botões o mecanismo de descida da prensa está completo e findo, ou então deve imediatamente parar.
4ª. Ora, se não há dúvidas de que o comando bimanual consiste num sistema de segurança do qual resulta que a descida da prensa deve ocorrer apenas e tão só enquanto o trabalhador mantém ambas as mãos nos botões, a significar que quando ele retira as mãos dos botões o mecanismo de descida da prensa está completo e findo, ou então deve imediatamente parar, então:
A. se a descida da prensa em causa, contrariamente ao que deveria ser, ocorria sem a pressão constante das mãos da A. nos aludidos botões, e
B. se a sinistrada teve tempo para – após accionar o comando bimanual da prensa, apercebendo-se que o forro do sapato colocado na máquina não estava bem posicionado na gáspea, e, para rectificar a posição do forro – introduzir a mão direita no interior da prensa, sendo atingida pela máquina, que lhe apertou os dedos da mão direita,
é lógico e forçoso concluir que, carregando a trabalhadora com ambas as mãos nos comandos bimanuais, o prato da prensa não descia de imediato, permitindo que a trabalhadora introduzisse a mão no interior da máquina.
5ª. Ora, se o Douto Acórdão recorrido tivesse feito apelo, nos termos dos artigos 349° e 351° do Código Civil, às máximas da experiência e aos princípios da lógica teria chegado à conclusão de que se o sistema de comandos bimanuais da máquina em questão se encontrasse a funcionar correctamente, a trabalhadora sinistrada nunca teria tido tempo de introduzir a mão dentro da prensa.
6ª. Não estando, à data do acidente, a prensa em questão inacessível às mãos da sinistrada quando a punção descia, através do correcto funcionamento do referido sistema de segurança de comando bimanual, conclui-se que a entidade patronal não observou as normas de segurança supra enunciadas, dever que sobre ela recaía e cujo cuidado é exigível a um empregador normal.
7ª. Verificada a violação de regras de segurança, a presunção de culpa funciona desde que se verifique um nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.
8ª. Traduzindo-se a culpa (mera culpa) na omissão dos deveres de cuidado exigidos ao agente, a falta de observância das regras sobre segurança do trabalho mais não é do que a omissão de um especial dever de cuidado imposto por lei.
9ª. A Lei actual passou a considerar, expressamente, a falta de observância sobre as regras de segurança, higiene e saúde no trabalho como fundamento de agravamento do direito à reparação.
10ª. A R. alegou e provou a violação de normas de segurança por parte da entidade patronal e a existência de nexo de causalidade adequada entre esta conduta e o acidente sofrido pela A.. Isto porque,
11ª. A descida total do prato superior da prensa contra a mesa não carecia de pressão constante nos botões do comando bimanual (n.° 15° da matéria provada) apesar da máquina em questão apenas ser accionada pela pressão exercida simultaneamente em dois botões – comando bimanual – por ambas as mãos da trabalhadora (n.° 14 da matéria provada).
12ª. O facto da máquina em questão permitir, indevidamente como vimos, que o prato concluísse a sua descida até atingir a mesa sem o exercício da pressão simultânea nos botões do comando bimanual, possibilitou que a A. introduzisse a mão direita na prensa acabando aquele prato por apertar-lhe os dedos da referida mão.
13ª. Nesta sequência, impõe-se concluir que a R. é responsável, a título principal, pelo pagamento da pensão e da indemnização devidas à A., em virtude do acidente sofrido, por inobservância das normas de segurança previstas nos arts. 8º do D.L. n.° 441/91, de 14.11, 56°, n.° 4 e 56°-A, n.° 4 do Regulamento Geral de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho nos Estabelecimentos Industriais e 18° do D.L. n.° 82/99, de 16.03, e por existir causa adequada entre essa violação e o acidente dos presentes autos.
Pede que seja revogado o acórdão recorrido, declarando-se a responsabilidade da entidade patronal pela ocorrência do acidente, nos termos previstos nos arts. 18°, n.° 1 e 37°, n.° 2 da LAT, com a consequente absolvição da ora R..

A A. contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado e que, em qualquer caso, a R. seguradora sempre deverá ser condenada, a título subsidiário, pelas prestações normais.

A A. também interpôs revista subordinada, com as seguintes conclusões:

1ª- A BB Seguros, SA recorreu do douto acórdão de fls. 248 e ss. dos autos, o qual manteve a sentença que condenou a mesma seguradora na reparação normal do acidente de trabalho, sofrido a 20-10-2004, pela sinistrada AA, quando esta trabalhava como gaspeadeira, para a empregadora CC, L.da.
2ª- Nas suas doutas alegações de recurso, a seguradora alegou que o acidente de trabalho ocorreu devido à violação de preceitos de segurança laboral por parte da empregadora e, em especial, os arts. 18° do DL n° 82/99, de 16-03, 56° e 56° - A do Regulamento Geral de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho nos Estabelecimentos Industriais e 8° do DL n° 441/91, de 14.11,
3ª- Concluindo, assim, com o pedido de condenação da entidade patronal na reparação agravada do acidente de trabalho, de acordo com o estatuído nos arts. 18°, n.° 1, ai. a), e 37°, n.° 2, da LAT,
4ª- A ser provido o recurso da seguradora, deverá condenar-se a entidade patronal na reparação agravada do acidente de trabalho, e a seguradora deverá ser condenada a título subsidiário, na reparação normal, de acordo com o estatuído nos arts. 18°, n.° 1, ai. a), e 37°, n.° 2, da LAT.

A R. BB não contra-alegou a revista subordinada da A..

III – Colhidos os vistos, cumpre decidir.

A sentença entendeu que a ré seguradora tinha o ónus de provar a violação de normas de segurança no trabalho, por parte da ré patronal, e que essa violação tinha sido causal do acidente, prova que não logrou fazer.

E daí que a tenha responsabilizado pelo acidente, a título principal.

O acórdão recorrido defendeu que, por não demonstração de culpa por parte da ré patronal na eventual violação de regras de segurança e do respectivo nexo causal, não há lugar à pedida responsabilização meramente subsidiária da ré seguradora, razão por que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença.

Na revista, a seguradora retoma a sua posição de que a ré patronal deve responder a título principal pelo acidente, sustentando que vem demonstrada a violação, pela mesma, das regras de segurança no trabalho que referiu e que essa violação foi causal do acidente e que, nesse quadro, funciona a presunção de culpa na sua actuação.

É, pois, a questão de saber se a ré empregadora responde a título principal e agravado, e a ré seguradora a título meramente subsidiário, que, levada às conclusões, constitui objecto das revistas (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC)(1) .

O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos, que aqui se mantêm por não haver fundamento legal para os alterar:

1. Em 20.10.2004, pelas 17.30 horas, a Autora trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu CC Lda., em Stº Adrião de Vizela, Felgueiras.
2. Como gaspeadeira de 3ª na indústria de calçado.
3. A Autora, após accionar o comando mencionado no facto 14 infra, apercebeu-se que o forro do sapato colocado na máquina não estava bem posicionado na gáspea.
4. E, para rectificar a posição do forro, introduziu a mão direita no interior da prensa.
5. Nessa altura, quando manuseava a máquina e colocava o forro da peça em cima da testeira, foi atingida pela máquina, que lhe apertou os dedos da mão direita.
6. Do que lhe resultaram, como consequência directa e necessária, as lesões constantes do auto de exame médico, a que se procedeu em 18.4.2006 – esfacelo dos 2º, 3º e 4ºdedos da mão direita, fractura de F2 e F3 do anelar, fractura de F2 e F3 do médio, fractura de F2 do indicador e fractura de F3, topo esquerdo do indicador –, a que corresponde uma IPP de 19,21%.
7. Em consequência dessas lesões, a Autora esteve afectada de uma ITA desde 20.10.2004 a 20.10.2005, data em que lhe foi dada alta.
8. Na data mencionada em 1, a Autora auferia o salário de € 448,92x14meses/ano, acrescido de € 37,40x11meses/ano de subsídio de alimentação.
9. A máquina mencionada em 5 corresponde a uma prensa de testeiras, marca LIREL, modelo LR115.
10. A mesma prensa possui um espaço de cerca de 7cm entre a face superior desta e a mesa.
11. E dispõe de resguardos laterais fixos.
12. E um resguardo frontal para a zona de operação, que é regulável em altura.
13. Esse resguardo não pode ser regulado de forma a impedir a introdução dos dedos das mãos no interior daquela.
14. A máquina em questão apenas é accionada pela pressão exercida simultaneamente em dois botões – comando bimanual – por ambas as mãos da trabalhadora.
15. A descida total do prato superior da prensa contra a mesa não carece de pressão constante nos aludidos botões.
16. A Ré CC Lda., transferiu para a Ré BB Seguros S.A., por meio de acordo de seguro titulado pela apólice nº064/00950306/001, a sua responsabilidade infortunística pela percentagem de 80% do salário ilíquido de € 448,92x14meses/ano, acrescido de € 33,00x11meses/ano de subsídio de alimentação.
17. A Autora despendeu em transportes, nas deslocações ao Tribunal do Trabalho de Guimarães, a quantia de € 12,90.
18. Frustou-se a tentativa de conciliação pelos fundamentos constantes do auto de fls.66 a 68.

IV – Conhecendo:

Atenta a data do acidente (20.10.2004) e como foi entendido nas instâncias, sem discordância das partes, ao caso é aplicável o regime constante da Lei n.º 100/97, de 13.09 (doravante designada por LAT), e do respectivo regulamento, aprovado pelo DL n.º 143/99, de 30.04 (doravante designado por RLAT).

Fazendo o enquadramento da situação em apreço, importa referir os seguintes aspectos - (2):
a) relativamente aos casos especiais de reparação, o art. 18º, n.º 1 da LAT estabelece que as prestações previstas nesta lei são agravadas quando: “o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho”.
Nos casos aqui enunciados, a responsabilidade da instituição seguradora para quem o empregador haja transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho pelo pagamento das prestações previstas nessa lei assume cariz subsidiário nos termos do art. 37.º, n.º 2 da LAT e reporta-se às prestações normais nela previstas.
O art. 18.º da LAT não fala agora em “culpa” da entidade patronal, ao invés do que sucedia no âmbito da Base XVII da Lei n.º 2.127, de 3 de Agosto de 1965, e do seu regulamento (Dec. n.º 360/71 de 21 de Agosto), embora aluda ao acidente “provocado” pela entidade empregadora e ao que resultou “da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho”, exigindo igualmente, quanto a esta última hipótese, quer a constatação da inobservância das regras, quer o nexo de causalidade entre esta inobservância e o acidente - (3).
Mas a ideia de culpa continua subjacente a toda a previsão do preceito.
Como escreve Luís Menezes Leitão - (4), o art. 18.º “representa uma imputação do dano a um sujeito a título de culpa e, como tal, acarreta as funções acessórias de prevenção e sanção que este sistema prossegue”.
Também a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, já no âmbito da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro, tem considerado que a previsão do art. 18º, n.º 1 da LAT abrange as hipóteses em que o acidente de trabalho se ficou a dever a culpa (abrangendo o dolo e a mera culpa) da entidade patronal ou do seu representante - (5).
Assim, apesar de o art. 18.º da Lei n.º 100/97 não fazer qualquer referência ao conceito de culpa em sentido lato, todos os juízos pressupostos na norma estão relacionados com o padrão de negligência previsto na lei civil.
Para o funcionamento da estatuição do art. 18.º é necessário concluir:
1.º - que sobre a entidade empregadora (ou seu representante) recaía o dever de observar determinadas regras de comportamento cuja observância, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do evento danoso e que a entidade empregadora (ou seu representante) faltou à observância dessas regras, não tomando por esse motivo o cuidado exigível a um empregador normal,
2.º - que entre essa sua conduta inadimplente e o acidente intercorre um nexo de causalidade adequada.

O ónus da prova dos factos demonstrativos de que houve inobservância das regras de segurança no trabalho por parte do empregador e de que essa inobservância foi causal do acidente cabe a quem invoca tal inobservância para dela tirar proveito – neste caso, cabe à seguradora, por se tratar de facto impeditivo da responsabilidade a título principal, que lhe vinha imputada (cfr. o n.º 2 do art. 342.º do CC)(6).

Vejamos então se, no caso “sub-judice”, se verificou violação de regras de segurança pela entidade patronal (1º requisito apontado) e, em caso afirmativo, se se verificou o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente (2º requisito apontado).
Cabendo referir que, na contestação, a ré seguradora invocou, no sentido da violação causal de regras de segurança pela empregadora, que, aquando do acidente, a prensa se encontrava com problemas técnicos e à espera de reparação e que, devido à sua avaria, o movimento do prato contra a mesa era mais lento do que se estivesse a funcionar em condições normais, o que facilitava que a trabalhadora introduzisse as mãos entre a prensa e a mesa para rectificar o posicionamento do material.
Ou seja, invocou que, aquando do acidente, a prensa não dispunha de qualquer sistema de segurança eficaz que impedisse o contacto directo entre as mãos da A. e a prensa em funcionamento.
Mais invocou que a ré patronal, apesar de saber que a máquina se encontrava avariada, permitiu que a A. trabalhasse nela.

b) Analisando as regras legais aplicáveis, deve começar por se dizer que à data em que ocorreu o acidente – 20 de Outubro de 2004 –, se encontrava já em vigor o Capítulo IV (Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho), do Título II (Contrato de Trabalho), do Livro I (Parte Geral) do Código do Trabalho (CT)(7) .
Neste capítulo transcreveram-se e adaptaram-se vários preceitos do D.L. n.º 441/91 de 14 de Novembro, sem que, contudo, este diploma fosse expressamente revogado pela lei que aprovou o Código do Trabalho, pelo que deverá considerar-se ainda em vigor na parte que o Código não contemplou na sua normação.
De igual modo, por vigorarem igualmente à data do acidente, são aplicáveis os demais preceitos referidos nas instâncias e que adiante transcreveremos.

Como princípio geral estabeleceu-se no n.º 1 do art. 272do CT, que “o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e saúde asseguradas pelo empregador”.
Além disso, o n.º 3 do preceito dispõe que:
3 — A execução de medidas em todas as fases da actividade da empresa, destinadas a assegurar a segurança e saúde no trabalho, assenta nos seguintes princípios de prevenção:
a) Planificação e organização da prevenção de riscos profissionais;
b) Eliminação dos factores de risco e de acidente;
c) Avaliação e controlo dos riscos profissionais;
d) Informação, formação, consulta e participação dos trabalhadores e seus representantes;
e) Promoção e vigilância da saúde dos trabalhadores.”
Quanto às obrigações gerais do empregador, o art. 273.º do CT estabelece no seu n.º 1 que “o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho”, dispondo o n.º 2 do mesmo artigo que, para tais efeitos, o empregador deve aplicar as medidas necessárias, tendo em conta os seguintes princípios de prevenção:
a) Proceder, na concepção das instalações, dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a garantir um nível eficaz de protecção;
b) Integrar no conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço e a todos os níveis a avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, com a adopção de convenientes medidas de prevenção;
c) …;
d) Planificar a prevenção na empresa, estabelecimento ou serviço num sistema coerente que tenha em conta a componente técnica, a organização do trabalho, as relações sociais e os factores materiais inerentes ao trabalho;
e) …;
f) Dar prioridade à protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual;
g) …;
h) Assegurar a vigilância adequada da saúde dos trabalhadores em função dos riscos a que se encontram expostos no local de trabalho;
i) …;
j) …;
l) …;
m) Substituir o que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
n) Dar instruções adequadas aos trabalhadores;
o) Ter em consideração se os trabalhadores têm conhecimentos e aptidões em matérias de segurança e saúde no trabalho que lhes permitam exercer com segurança as tarefas de que os incumbir.”
Estes preceitos equivalem aos arts. 4.º e 8.º do DL .º 441/91, pelo que estes últimos devem considerar-se tacitamente revogados pelo Código do Trabalho.

Interessa também ter presentes as seguintes normas legais referidas pela recorrente e nas instâncias:
Da Portaria n.º 53/71, de 3 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento Geral de Segurança e Higiene do Trabalho nos Estabelecimentos Industriais:

Art.º 40º (este na redacção dada pela Portaria 702/80, de 22.9):

“1. Os elementos móveis de motores e órgãos de transmissão, bem como todas as partes perigosas das máquinas que accionem, devem estar convenientemente protegidos por dispositivos de segurança, a menos que a sua construção e localização sejam de molde a impedir o seu contacto com pessoas ou objectos.

2. As máquinas antigas construídas e instaladas sem dispositivos de segurança eficientes devem ser modificadas ou protegidas sempre que o risco existente o justifique”.

Artº 47º :

“As avarias ou deficiências das máquinas, protectores, mecanismos ou dispositivos de protecção devem ser imediatamente denunciados pelo operador ou por qualquer outro pessoal do estabelecimento, e, quando tal aconteça, deve ser cortada a força matriz, encravado o dispositivo de comando e colocado na máquina um aviso bem visível proibindo a sua utilização até que a regulação ou reparações necessárias tenham terminado e a máquina esteja de novo em condições de funcionamento”.

Artº 56º: “Os órgãos de máquinas e as correspondentes zonas de operação devem estar protegidos por forma eficaz, sempre que possam constituir perigo para os trabalhadores”.

Art.56º-A (aditado pela 702/80):

“(...)

4. As prensas devem ter protecções em grade ou de outro tipo, de forma a envolverem completamente a ferramenta e a torná-la inacessível às mãos do trabalhador quando o punção desce.

Os comandos devem ser de preferência bimanuais para que as mãos do trabalhador estejam sempre afastadas da ferramenta quando esta desce”.

Art.18º do DL 82/99, de 16.3:

“1. Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas”.

Com interesse, vem provada a seguinte factualidade:
3- A A., após accionar o comando mencionado no facto 14 infra, apercebeu-se que o forro do sapato colocado na máquina não estava bem posicionado na gáspea.
4- E, para rectificar a posição do forro, introduziu a mão direita no interior da prensa.
5- Nessa altura, quando manuseava a máquina e colocava o forro da peça em cima da testeira, foi atingida pela máquina, que lhe apertou os dedos da mão direita.
9- A máquina mencionada no nº 5 corresponde a uma prensa de testeiras, marca LIREL, modelo LR 115.
10- A mesma prensa possui um espaço de cerca de 7 cm entre a face superior desta e a mesa.
11- E dispõe de resguardos laterais fixos.
12- E um resguardo frontal para a zona de operação, que é regulável em altura .
13- Esse resguardo não pode ser regulado de forma a impedir a introdução dos dedos das mãos no interior daquela.
14- A máquina em questão apenas é accionada pela pressão exercida simultaneamente em dois botões – comando bimanual – por ambas as mãos da trabalhadora.
15- A descida total do prato superior da prensa contra a mesa não carece de pressão constante nos aludidos botões.

Ora, esta factualidade não permite imputar à R. patronal, em termos de culpa – como vimos ser necessário, para a responsabilizar, a título principal e agravado –, eventual violação de regras de segurança causal do acidente.
Vejamos:
Desde logo, porque a prensa dispunha de resguardos laterais fixos e de resguardo frontal para a zona de operação, regulável em altura, mas que não pode ser regulado de forma a impedir a introdução dos dedos das mãos no interior dessa zona.
Ou seja, como foi justamente salientado nas instâncias, este último aspecto está manifestamente relacionado com a própria operacionalidade da máquina, tendo como finalidade permitir a introdução do material utilizado na execução da tarefa com ela levada a cabo por quem com ela opere.
E, assim, essa circunstância de não haver um impedimento de acesso das mãos do operador à zona de operação não traduz, em si mesma, violação de regra de segurança, imposta pelos preceitos acima citados.
Refira-se também que não vem demonstrado, a outro título, que a prensa tivesse sido construída e instalada sem dispositivos de segurança eficientes, em termos que impusessem à ré empregadora, no quadro dos preceitos legais acima transcritos, implementar a sua modificação ou protecção, por forma a prevenir o risco de acidente com os trabalhadores que com ela operassem.
Por outro lado, a prensa era dotada de comando bimanual, como aconselha o transcrito n.º 4 do art.º 56-A da Portaria n.º 53/71, só sendo, pois, accionada ou activada pela pressão exercida simultaneamente em dois botões nela existentes.
E nada permite concluir que, por si só, o facto de a descida total do seu prato superior não carecer de pressão constante nos aludidos botões, traduzisse uma deficiência “congénita” e permanente da mesma, geradora de perigo para a segurança da trabalhadora..
Nada o consente, sendo, aliás, que a própria alegação da ré seguradora não fez assentar a lesão ocorrida com a autora num “vício intrínseco” da prensa, a esse nível, mas antes em alegados problemas técnicos, avaria, da mesma, que, por isso, aguardaria reparação, o que, alegadamente, era do conhecimento da ré patronal e tornava o movimento de descida do prato superior mais lento, facilitando ou permitindo que a trabalhadora introduzisse as mãos entre a prensa e a mesa, durante o movimento de descida do prato.
Sendo que a ré seguradora não provou tal alegação (ver respostas negativas aos n.ºs 9º e 10º da Base Instrutória).
No apontado quadro e atenta a factualidade assente, manifestamente insuficiente para o efeito, não pode formar-se um qualquer juízo de censura ético-jurídica à ré patronal, integrador de culpa e responsabilizante pela violação de normas de segurança alegadamente ocorrida no domínio do funcionamento da prensa, nomeadamente, por ter permitido que a A. nela tivesse trabalhado.
Tanto basta para que seja de afastar a responsabilização da ré patronal, a título principal e agravado, no âmbito dos art.ºs 18º, n.º 1 e 37º, n.º 2 da LAT, sendo que, como vimos, no caso, cabia à ré seguradora o respectivo ónus de prova, prova que não logrou efectuar.
O que nos dispensa de abordar os demais aspectos que vinham referidos nas conclusões da alegação da R. BB Seguros.
E, assim, é de concluir que a recorrente seguradora é responsável, a título principal, pelo pagamento das prestações devidas em virtude do acidente de trabalho sofrido pela A., nos termos do art.º 37º, n.º 1 da LAT, por força do contrato de seguro que operou a transferência para si da respectiva responsabilidade infortunística.
Improcede, pois, a revista da ré seguradora, com o que fica prejudicada a revista subordinada da A..



V – Assim, acorda-se em negar a revista da R. BB Seguros, SA, confirmando-se a decisão recorrida, com o que fica prejudicada a revista subordinada da A..
Custas da revista a cargo da ré seguradora.

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2009

Mário Pereira (relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão

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(1) - Os artigos do CPC referidos e a referir, sem diversa menção, são os da redacção anterior ao DL n.º 303/2007, de 24.08, a aplicável, visto o disposto nos seus art.ºs 11º e 12º e atenta a data da entrada em juízo da participação do acidente de trabalho em causa (31 de Janeiro de 2006) – ver fls. 2.
(2) - No que seguiremos, de muito perto, os acórdãos do STJ, 4ª Secção, por nós relatados, de 14.11.2007, proferido na Revista n.º 2193/07, disponível em www.dgsi.pt, doc SJ200711140021934, e de 21.01.2009, na Revista n.º 3917/08.
(3) - É o que resulta com clareza do modo como se encontra formulada a hipótese do novo preceito (art. 18º, n.º1 da Lei n.º 100/97), cuja factispecie se mostra integrada quando “o acidente (…) resultar da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho”. Neste sentido, e já no âmbito do novo preceito, vide entre outros o Ac. do STJ de 25.05.2005 (Rev. n.º 781/05 da 4.ª Secção) no qual se afirma que a imputação de responsabilidade à entidade empregadora por violação de regras de segurança, nos termos do art. 37.º, n.º2 da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro, pressupõe a existência de um nexo de causalidade entre a inobservância dessas regras e a produção do acidente.
(4) - No seu estudo “A Reparação de Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho”, in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol I, pp. 537 e ss.
(5) - Vide o acórdão de 27.05.2004 (Revista n.º 617/04 da 4.ª Secção) e o de 22.06.2005 (Revista n.º 780/05 da 4.ª Secção), que também acolheu esta perspectiva ao considerar que a presunção constante do art. 54.º do RLAT de 1971 – nos termos da qual se considerava ter resultado de culpa da entidade patronal ou de seu representante o acidente devido à inobservância de preceitos legais e regulamentares sobre a higiene e segurança no trabalho –, era “desnecessária, por inútil”, uma vez que, traduzindo-se a culpa (mera culpa) na omissão dos deveres de cuidado exigidos ao agente, a falta de observância das regras sobre segurança do trabalho mais não é do que a omissão de um especial dever de cuidado imposto por lei. Refere ainda este aresto que aquela presunção “mais desnecessária se tornou”, pelo facto de a lei actual ter passado a considerar, expressamente, a falta de observância sobre as regras de segurança, higiene e saúde no trabalho como fundamento de agravamento do direito à reparação. Vide, ainda mais recentemente, os acórdãos do STJ de 14.03.2007 (Recurso n.º 1957/06, da 4.ª Secção) e de 21.01.2009 (Recurso 3917/08, da 4ª Secção).
(6) - Vide, por exemplo, os Acórdãos do STJ de 31.05.2005 (Processo n.º 256/05), de 13.09.2006 (Processo n.º 2068/06), de 24.01.2007 (Processo n.º 2073/06), de 09.05.2007 (Processo n.º 275/07) e de 21.06.2007 (Processo n.º 534/07), todos da 4.ª Secção.
(7) - O art. 3.º, n.º 1 da Lei n.º 99/2003, de 27.08, que aprovou o Código do Trabalho, estabelece que este entra em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003, sendo que não constam do grupo de normas cuja vigência foi remetida para depois da entrada em vigor da legislação especial para a qual remetem (n.º 2 daquele art. 3.º) os preceitos do Código referentes a segurança, higiene e saúde no trabalho. Deve assim concluir-se que estes preceitos constantes dos arts. 272.º a 279.º do Código do Trabalho entraram em vigor em 1 de Dezembro de 2003.