Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DO REGO | ||
Descritores: | VENDA DE COISA DEFEITUOSA IMÓVEL DESTINADO A LONGA DURAÇÃO DENUNCIA DE DEFEITOS | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Apenso: | | ||
Data do Acordão: | 09/24/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Sumário : | 1.O regime normativo aplicável aos defeitos construtivos do prédio , quando o vendedor tenha sido o seu construtor, é o previsto no art.1 225º do CC. 2.Denunciados os vícios da coisa dentro do prazo de 1 ano após a sua entrega, consequente à outorga na escritura de venda, e dentro do prazo de garantia de 5 anos, impede a caducidade dos direitos do comprador o compromisso, assumido pelo vendedor, de –reconhecendo a existência de defeitos na coisa vendida –ir providenciar pela sua reparação, apenas se iniciando um novo prazo de caducidade, relativamente aos vícios que a final subsistam, face a uma reparação defeituosa, se e quando o vendedor se recusar a proceder a novas reparações. 3.Na verdade, nesta situação particular, para além de ter ocorrido reconhecimento pelo vendedor dos defeitos da coisa e do consequente direito do comprador, enquadrável no nº2 do art. 331º do CC, não se inicia o prazo de 1 ano, contado da denúncia do defeito, para agir em juízo, por carecer o demandante ,nesse momento, de interesse processual, perante a atitude do vendedor que se compromete a reparar os denunciados defeitos construtivos, tentando , embora deficientemente, efectivá-la (art.329º doCC). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.AA e sua mulher BB intentaram, nas varas cíveis do Porto, acção declarativa, com processo ordinário, contra CC e mulher DD, e EE e mulher, FF, pedindo a condenação dos réus a pagar aos autores indemnização correspondente ao custo das obras de reparação dos defeitos construtivos que afectavam a fracção por eles adquirida, no montante de 15000 euro, ou –em via alternativa ou subsidiária – a suportar os custos das obras adequadas a essa finalidade ou a efectuarem eles próprios, integralmente e a suas expensas ,todas as reparações dos defeitos e anomalias de construção verificadas no imóvel vendido. Os réus contestaram, invocando ,nomeadamente, a excepção de caducidade, tendo-se seguido os demais articulados, em que foi ampliado o pedido originário, sendo proferida sentença a julgar a acção procedente,no que se refere à eliminação ,a expensas dos réus, dos defeitos construtivos verificados. Recorreram ambas as partes, tendo a Relação do Porto julgado improcedente a excepção de caducidade e –após ter introduzido algumas alterações na matéria de facto impugnada- julgou improcedente a apelação dos AA. e parcialmente procedente a apelação dos RR.,condenando-os, em conformidade, a efectuarem as reparações no terraço que fica sobre a fracção dos AA.,necessárias à remoção das infiltrações de humidades ,e a eliminar os danos provocados pelas mesmas na fracção de que são proprietários. 2.É desta decisão que vem interposta a presente revista, cujo objecto é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, que se transcrevem: 1- A fracção dos Recorridos foi entregue em 27.09.1999. 2- Atentos os factos provados é evidente que o exercício do direito de acção foi-o mais de um ano após a denúncia. 3- A caducidade do exercício do direito de acção deveria ter sido conhecido pelo tribunal "a quo", 4- Ou ainda, após Maio de 2005, data da última denúncia dispunham os Recorridos do prazo de um ano. 5- Reconhecida a entrega da fracção em Setembro de 1999 os Recorridos dispunham do prazo de 5 anos para efectuar o pedido de reparação dos defeitos sob pena de caducidade e prescrição nos termos do art. 1225° do CC. 6- A sentença em crise viola pois o vertido no art. 1225° do CC atento o facto da acção ter sido proposta a 8 de Novembro de 2006. 7 - Ou seja, provada a entrega da fracção em Setembro de 1999 os Recorridos dispunham do prazo prescricional de 5 anos para denunciar e exercer o direito de acção, sob cena de caducidade 8- E sempre do prazo de um ano após a denúncia. 9 - A sentença em crise viola pois o vertido nos art. 914° e 916° do CC. 10 - Não ouve qualquer reconhecimento por parte dos Recorrentes do direito dos Recorridos nos termos do art.º 331º do CC. 11 - Sem prescindir, o reconhecimento previsto no citado dispositivo não é a simples admissão genuína de um direito de crédito, mas consiste num reconhecimento concreto, preciso, sem ambiguidades ou de natureza vaga ou genérica, pois só assim, se torna certo e equivale a uma sentença com valor, idêntico ao acto impeditivo previsto no n° 1 do citado art. 331º. 12 - Do facto provado em 56) - "não obstante os réus sempre se prontificarem a repará-los, os problemas foram persistindo ano após ano", resulta claramente que o referido reconhecimento não ficou provado e incumbia ao Recorrido fazê-lo. 13- Mesmo que se considere a data da outorga da escritura 16.10.2000 a prescrição ocorre a 16 de Outubro de 2005. Ora, entendem os Recorrentes que a denúncia, bem como o exercício da acção se devem fazer dentro do prazo de cinco anos. 14- O prazo de caducidade não se suspende nem interrompe senão nos casos em que a lei o determine (art.328.° do CC), sendo que só impede a caducidade a prática dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo - Art. 331.71 do CC). Evitando-se a caducidade propondo a acção dentro do prazo respectivo, nos termos do art. 1224.° do CC. (ac. do STJ de 03.10.2006: SJ200610030027191) 15- Encontrando-se a propositura da acção em causa datada de 8 de Novembro de 2006, esta é absolutamente intempestiva e extemporânea pois há muito que se esgotou o prazo de um ano após a denúncia ou o reconhecimento dos defeitos e mais, entendem os RR. que o referido prazo estará sempre confinado ao prazo da prescrição, tudo conforme o art. 1225.° do CC. Sendo que o prazo da prescrição, no caso em concreto é datado em Setembro de 2004 ou considerando a data da outorga da escritura é datado em Outubro de 2005. Os recorridos contra alegaram, pugnando pela conformidade às normas legais do acórdão recorrido e suscitando a questão da litigância de má fé da contraparte. 3.Incidindo o recurso sobre a questão da invocada caducidade,importa fixar a matéria de facto considerada como provada pelas instâncias –e que é a seguinte,no que se refere à cronologia das denúncias e reparações verificadas ao longo do desenrolar do litígio: Vejamos todos os factos relacionados com denúncias e reparações, por ordem cronológica: A fracção dos autores foi-lhes entregue pelos RR. em 27.09.99 (resposta ao art° 47°). Através de escritura pública de compra e venda outorgada em 16-10-2000, o A. marido comprou aos réus (seus construtores e vendedores de todo o prédio construído em regime de propriedade horizontal) a fracção autónoma designada pelas letras "--correspondente a uma habitação no quarto andar......., com entrada pelo n° 351 da Rua da ............., inscrita na matriz sob o art. 11 --------- (al A). Em 2000 e 2001, o A. marido denunciou os defeitos verbalmente (resposta ao art° 55°). Não obstante os réus sempre se prontificarem a repará-los os problemas foram persistindo ano após ano (resposta ao artº 56°). Em Setembro de 2001 é que procederam à reparação no interior da habitação (resposta ao art.º 4º). O problema mantém-se em 2002 (resposta ao art.º 5°). O problema originou a descolagem dos tacos, devido às infiltrações das águas pluviais provenientes do terraço de cobertura (resposta ao art° 6º). Este estado de coisas levou o A marido a escrever novamente aos réus no sentido de mais uma vez e de uma forma eficaz e definitiva levarem a cabo a eliminação dos defeitos, marcando uma reunião com o responsável da obra (resposta ao art.° 9°). Por carta registada com A/R datada de 8 de Maio de 2002, o A. marido deu conhecimento aos réus da alegada infiltração de águas pluviais provenientes do referido terraço que serve de telhado à habitação dos autores (al. C). Uma vez mais alertados pela missiva referida na al. c) da matéria assente dos defeitos ali elencados, logo os réus se prontificaram a levar a cabo as obras de remoção daqueles defeitos (resposta ao art° 2°). Então alertaram o A. marido de que já tinham procedido às obras de reparação no terraço com menção de que desta vez é que as obras realizadas no referido terraço eram eficazes, definitivas (resposta ao art° 3º). O A. marido escreveu aos réus através de carta datada de 20-06-2002, na qual se disponibiliza para reunir no dia 05-07-2002 com aqueles no sentido "de verificarem de preferência em conjunto com o responsável técnico da obra quais os danos provocados pelas infiltrações e a melhor forma de debelar ou eliminar os defeitos provenientes da impermeabilização do telhado que serve de cobertura ou tecto à sua habitação. Bem como, em conjunto combinarem a data da realização das obras" (al .G). Em 16 de Julho de 2002 o A. marido endereçou nova carta aos réus dando-lhes conta da preocupação pela situação e apontando caminhos para a sua resolução. Na mesma se diz entre outras coisas que: Já não suporto esta situação, que se vem repetindo todos os anos, com enormes prejuízos materiais e psicológicos; pois não são os arranjos que V.Ex" diz que faz e não faz, ou, mesmo que venha afazer que repõem as coisas como se nada se tivesse passado, já que o gesso projectado com humidade tem uma durabilidade diminuída (al. F). No ano de 2002, os réus procederam a umas reparações no referido terraço, mas revelaram-se deficientes e praticamente ineficazes, porque os problemas persistiram nos anos seguintes (resposta ao art° 10). Em 13 de Fevereiro de 2003, o A. marido endereçou nova carta aos réus referindo que as obras realizadas pelos réus mais uma vez não resolveram os problemas de infiltrações, dando-lhes conta novamente dos incómodos e dos prejuízos de natureza material e psicológica que a situação acarreta por si (al. H). Responderam os réus através de cartas, datadas de 03-02-21, e 03-02-28, nas quais dizem que se encontram totalmente disponíveis para a resolução de eventuais deficiências que ainda subsistam na habitação, que não tenham sido totalmente debeladas nas obras de reparação realizadas no Verão passado (al. L). Marcaram os autores nova reunião com os réus para combinar mais uma vez as obras, a qual teve lugar em Maio de 2003 (al. M). As obras a que se reporta a al. m) foram feitas em Junho de 2003 pelos réus e mais uma vez as mesmas obras se revelaram ineficazes (resposta ao art °11°). Os réus em 04-02-12 comunicaram ao A. marido a disponibilidade para arranjar os tacos num dos quartos da fracção dos autores, sugerindo que combinasse com o taqueiro Sr.GG. a melhor forma de o fazer (al. N). Na sequência da comunicação mencionada na ai. n), o A. marido levou o Sr. GG à habitação para efectuar o trabalho, não o tendo feito porque não tinha autorização dos réus para levar a cabo uma intervenção técnica mais abrangente que a zona dos tacos (resposta ao art° 12°). Os réus apenas pretendiam colar os tacos e envernizar na zona da descolagem, quando isso levava à irregularidade do envernizamento tendo em conta todo o pavimento (resposta ao art° 13°). Para o serviço ficar bem feito teria de ser envernizada a habitação atenta a necessidade de uniformizar a pintura (resposta ao art° 14°). O A. marido escreveu e endereçou aos réus, em 04-02-2005, nova carta em que diz que as humidades na habitação ainda não se encontram totalmente debeladas e solucionadas (ai O). Marcou-se nova reunião no dia 11-02-2005, não se tendo realizado (al. P). O que motivou por parte do A marido a remessa de nova carta, datada de 02-06-2005, endereçada aos réus dando-lhes conta da preocupação da continuação das infiltrações das humidades, da descolagem dos tacos, bem como do descascamento do verniz nos portais das janelas (al. Q)). Os réus responderam à referida carta em 12-07-2005, dizendo que "na sequência da primeira carta foram realizados na última semana de Abril, trabalhos de verificação e reparação nos terraços correspondentes a parte da cobertura do apartamento de V. Exa tendo em vista a eliminação de eventuais deficiências. Logo após os referidos trabalhos foram levadas a cabo no início de Maio trabalhos de pintura no apartamento " (al. R)). As humidades no interior da fracção dos autores persistiram mesmo após Maio de 2005 (resposta ao art.º 15°). O A. marido escreveu mais uma vez aos réus em 06-09-2005, carta registada, não tendo sido recebida, o que obrigou o A a remeter-lhes nova carta registada datada de 08-11-2005, na qual se dá conta mais uma vez da necessidade de debelar o problemas das alegadas infiltrações provenientes da deficiente impermeabilização do terraço que serve de cobertura à habitação (al. S). Na mesma se denuncia o problema da descolagem e envernizamento dos tacos, bem como o descascamento do verniz dos portais das janelas (al. T). Mal começou o Inverno de 2005 as infiltrações das águas das chuvas continuaram com o consequente descascamento do gesso na cozinha, quarto e até na sala (resposta ao art° 16°). Situações que se tinham repetido todos os anos desde a compra da fracção (resposta ao art.º 17º). À data da propositura da acção ainda se verificavam infiltrações de humidade ao nível dos tectos da sala e da cozinha (resposta ao art° 18°). Façamos uma resenha sucinta dos factos: - entrega da fracção aos AA. em 27.9.1999; - escritura de compra e venda em 16.10.2000; - denúncia dos AA. em 2000; - denúncia dos AA. em 2001; - os RR. sempre se prontificaram a resolver os problemas, mas os mesmos persistiram; - em Setembro de 2001 os RR. repararam o interior da habitação; - carta do A. de 8.5.2002 a denunciar defeitos; - RR. logo se prontificam a fazer obras para remover os defeitos e depois dizem ao A. que já as tinham feito e que tudo ficara bem; - carta do A. de 20.6.2002 a denunciar; - carta do A. de 16.7.2002 a denunciar; - este ano os RR. levaram a cabo reparações no terraço; - carta do A. de 13.2.2003 a denunciar; - respostas dos RR. de 21.2.2003 e de 28.2.2003, a mostrarem-se disponíveis para resolver eventuais deficiências não suprimidas pelas obras do Verão passado; - AA. marcam nova reunião com os RR. em Maio de 2003 para combinarem obras; - obras ineficazes em Junho de 2003; - em 12.2.2004 os RR. declaram-se prontos a arranjar os tacos; - carta do A. de 4.2.2005, a dizer que as humidades se mantêm; - marcou-se uma reunião para 11.2.2005, que se não realizou; - continuam humidades após Maio de 2005; - carta do A. de 2.6.2005, a reportar humidades, descolagem de tacos e descascamento de verniz nas janelas; - resposta dos RR, mediante carta de 12.7.2005, dizendo que haviam sido realizados trabalhos em fins de Abril de 2005 no terraço, para eliminação de deficiências, e no início de Maio dentro de casa, para pintura; - carta do A. de 6.9.2005 que não foi recebida pelos RR.; - carta do A. de 8.11.2005 a dar conta aos RR. da necessidade de debelar as infiltrações do terraço, descolagem dos tacos e seu envernizamento, e descascamento do verniz dos portais das janelas; - Inverno de 2005 com infiltrações, como todos os anos desde a compra da fracção pelo A.; - acção deu entrada em juízo em 8.11.2006. 4.Procedendo a uma clara definição do quadro normativo aplicável ao presente li- tígio, dir-se-à liminarmente que: -estando em causa defeito construtivo de um imóvel destinado a longa duração, construído pelo próprio vendedor, é aplicável o regime específico constante do art. 1225º do CC, e não o regime genérico da venda de coisas defeituosas, plasmado nos arts. 914º e 916º do CC, nomeadamente no que se refere aos prazos para o exercício dos direitos ali previstos; - o limite temporal para o exercício de tais direitos ,necessariamente actuados dentro de certo prazo, configura um problema de caducidade , e não de prescrição; -o «iter » estabelecido em tal preceito legal para o exercício dos direitos outorgados ao comprador do imóvel defeituoso implica a clara distinção entre os planos da garantia legal de 5 anos que lhe é conferida, a contar da entrega do imóvel ,consequente à celebração do contrato de compra e venda ;do exercício do direito potestativo à denúncia dos defeitos, com vista a obter a consequente indemnização ou a respectiva eliminação pelo vendedor –construtor ,a exercitar no prazo de 1 ano a contar do conhecimento do vício construtivo da coisa; e, finalmente, do exercício em juízo do direito de indemnização ou eliminação dos defeitos denunciados, no prazo de 1 ano subsequente à denúncia; -de tal distinção decorre que- ao contrário do que pretende o recorrente –o exercício da acção não tem que ocorrer necessariamente dentro dos 5 anos subsequentes à venda do imóvel ,bastando que o vício construtivo se revele no decurso do referido prazo de garantia: tal ocorreu manifestamente no caso dos autos, já que os defeitos ocorreram e foram denunciados dentro dos 5 anos posteriores à outorga na escritura e consequente entrega da coisa; -o regime específico que consta do art. 1225º tem de ser articulado e conjugado com as normas gerais que definem o regime da caducidade, em particular com o disposto nos arts. 331º, nº 2, e 329º do CC. No caso dos autos, e perante a matéria de facto provada, é evidente que a denúncia dos vícios construtivos do imóvel se verificou tempestivamente ,dentro do ano seguinte à revelação dos reclamados defeitos de isolamento às águas pluviais ( bastando notar que, celebrada a escritura em Outubro de 2000,já em Setembro de 2001 os réus procederam a reparações no interior da habitação ,mantendo-se o problema em 2002 e sendo objecto de nova denúncia nesse mesmo ano).Não havendo, por outro lado, qualquer dúvida sobre a ocorrência dos defeitos no prazo da garantia legal, verifica-se que a única questão que razoavelmente se pode colocar na dirimição do presente recurso se prende com a tempestividade do exercício judicial do direito de indemnização ou de eliminação dos defeitos :na verdade, a acção não foi proposta dentro do ano seguinte à denúncia originária dos vícios construtivos da fracção adquirida (parte final do nº2 do referido art. 1225º). Porém –e como é óbvio – não pode ignorar-se a peculiar situação controvertida nos autos – e que pode definir-se nestes termos: sendo tempestiva a primitiva denúncia, relativamente ao momento do conhecimento inicial dos defeitos da coisa, e ocorrendo estes manifestamente dentro do «prazo de garantia», «quid juris» quando entre o momento originário da denúncia e aquele em que o comprador propõe a acção se verifica uma ininterrupta «cadeia» de sucessivas denúncias de vícios construtivos que originam repetidas tentativas, em parte infrutíferas, de resolução do defeito originário – não tendo, neste caso, o comprador avançado para a via judiciária dentro do referido prazo de 1 ano, contado da denúncia inicial, por ter confiado no compromisso assumido pelo vendedor de que iria providenciar pela reparação adequada dos vícios e estarem em curso as intervenções técnicas aparentemente vocacionadas para tal finalidade? Importa, desde logo, realçar que, na valoração do presente litígio e da conduta das partes , não pode deixar de se ponderar a natureza específica dos vícios da coisa: defeitos de isolamento a águas pluviais, integrando normalmente um defeito «oculto»ou não aparente, de verificação sazonal, em estrita conexão com os níveis de pluviosidade verificados, e de total remoção nem sempre fácil, dado o carácter insidioso que normalmente os defeitos de isolamento apresentam, podendo plausivelmente implicar operações e avaliações técnicas complexas e intervenções que nem sempre propiciam logo a cabal e integral reparação do vício. Sendo este o quadro factual subjacente ao litígio, é manifesto que a situação dos autos pode, desde logo, subsumir-se ao disposto no nº2 do art. 331º do CC, impedindo a caducidade o «reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido»:na verdade, a afirmação, constante das cartas remetidas aos compradores, de que os vendedores se encontravam «totalmente disponíveis »para a resolução das deficiências inicial e sucessivamente notadas ( veja-se, nomeadamente, o ponto 1.11. da matéria de facto, a fls.434) não pode deixar de ser interpretado como o expresso assumir de que a coisa comprada padecia efectivamente –e no essencial - dos defeitos denunciados e se reconhecia o direito do comprador à remoção dos mesmos, através das intervenções técnicas adequadas; tal como não pode deixar de traduzir reconhecimento tácito desse direito a repetida realização de obras, destinadas à eliminação dos defeitos de isolamento denunciados, sucessivamente ao longo de vários anos, como claramente decorre da matéria de facto apurada pelas instâncias. Deste modo - e porque manifestamente nos situamos no campo dos direitos disponíveis - o reconhecimento ,por parte dos réus, da existência dos defeitos e a tentativa de os reparar, embora deficientemente, impede a caducidade relativamente ao direito decorrente dos vícios inicialmente notados, apenas se iniciando um novo prazo de caducidade –relativamente aos defeitos que a final subsistam - fundado precisamente no disposto no art. 1225º(cfr.Ac. deste Supremo de 8-11-07, proferido no p.07B976), no momento em que o vendedor assuma clara recusa em proceder a novas reparações , alterando de forma cabal a posição que, originária e reiteradamente, havia assumido. Salienta-se ainda que se alcançaria a mesma solução do pleito, expressa na não caducidade dos direitos do comprador, através de um outro enquadramento jurídico- no caso feito em função do estatuído no art.329º do CC, segundo o qual o prazo de caducidade só começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido: aderindo inteiramente ao entendimento expresso no Ac.do STJ de 18-5-2006 (in CJ nº192,pag.91)considera-se que o prazo de caducidade só pode iniciar-se na data em que «os autores ficaram a saber que, enjeitando a ré qualquer responsabilidade pelos defeitos da obra detectados, dispunham de um ano para em juízo a convencer do contrário .Antes disso, não pode com razoabilidade sustentar-se que o direito estava em condições de legalmente ser exercido»(concluindo-se em tal aresto que, embora não possa valer como facto impeditivo da caducidade o mútuo acordo das partes, traduzido em encomendar um estudo para confirmar ou infirmar a existência dos defeitos e determinar as suas causas, nenhum sentido faria aludir à caducidade sem a exacta definição da posição dos contraentes face aos resultados obtidos). È manifesto que, movendo-nos nesta lógica decisória, não seria aceitável, nem conforme aos princípios da boa fé e da confiança,«forçar »o comprador a propor em juízo acção visando o reconhecimento do seu direito e a condenação do réu a efectivá-lo quando o comportamento da contraparte sugere claramente uma aceitação do «núcleo essencial»do seu direito e vem manifestando disponibilidade prática para o realizar, através das intervenções técnicas aparentemente adequadas, sem necessidade de recurso à via judiciária: na realidade, a propositura de acção na pendência desta situação implicaria normalmente a falta do pressuposto processual «interesse em agir»,por o direito invocado não estar, nesse momento, carecido de tutela judiciária, inexistindo um litígio actual e efectivo entre os contraentes - o qual ,naturalmente, apenas se desencadeará no momento em que o vendedor, invertendo a posição inicialmente assumida, passar a recusar a existência e o dever de reparação dos defeitos da coisa que ainda subsistam. 5. Nestes termos e pelos fundamentos expostos nega-se a revista, considerando-se que os autos não revelam elementos bastantes de que ,apesar da improcedência da argumentação deduzida, os recorrentes tenham actuado processualmente com dolo ou negligência grave, enquadrável na figura da litigância de má fé, nos termos requeridos pelos recorridos. Custas pelos recorrentes. Lopes do Rego (Relator) Custódio Montes Pires da Rosa |