Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
| Relator: | TAVARES DE PAIVA | ||
| Descritores: | PETIÇÃO INICIAL CONTESTAÇÃO FACTOS PESSOAIS ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA CONFISSÃO FACTOS ADMITIDOS POR ACORDO | ||
| Data do Acordão: | 03/21/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Sumário : | I - Tratando-se de factos extraídos de um contrato celebrado entre duas sociedades comerciais, Autora e Ré na acção, esta não pode desconhecer ou deixar de ter conhecimento das respectivas cláusulas, não obstante serem outros os legais representantes da sociedade Ré que firmaram o contrato aqui em causa. II - A afirmação da Ré na contestação que desconhece factos extraídos do próprio clausulado e que integraram a respectiva base instrutória, equivale nos termos do n. º 3 do art. 490.º do CPC à confissão de tais factos e, por isso, com força probatória plena nos termos do n.º 2 do art. 358.º do CC. III - E também não tendo a Ré tomado qualquer posição na contestação (nem definida, nem qualquer outra) sobre o facto alegado na petição inicial e nomeadamente sobre o constante do quesito 3.º da base instrutória, equivale à sua não impugnação, o que determina a sua admissão por acordo nos termos do art. 490.º, n.º 2, do CPC. IV - O acórdão recorrido ao manter as respostas dadas aos apontados quesitos como “não provados”, viola aquelas disposições expressas da lei, o que leva à procedência do fundamento da revista em conformidade com o n.º 2 do art. 722.º do CPC. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I -Relatório A AA SA intentou nas Varas Cíveis da comarca de Lisboa, acção com processo ordinário contra BB Ldª pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 23.493,40 pelo incumprimento do contrato dos autos, acrescida dos juros de mora, à taxa legal , contados desde a data do incumprimento - 2003.03.15- e até integral pagamento, vencidos no valor de €7.117, 67 e vincendos . A A fundamenta o pedido no facto de a Ré ter incumprido um contrato de fornecimentos de cervejas , refrigerantes e águas para revenda ao público que mantinha com a Autora, porquanto até à data estabelecida como sendo fim do contrato - 15 de Março de 2003- apenas adquiriu dos 60.000 litros de cerveja a que se havia obrigado contratualmente , 35.780 litros restando-lhe , pois por adquirir para atingir aquela litragem 24.220 litros e tendo em conta o preço d e venda por litro para a cerveja “ Sagres” , praticado pela A à data de 0,97 € , o valor de venda que focou por consumir é de €23.493, 40 A Ré contestou e, depois de suscitar a sua ilegitimidade, alegando que Na presente data, a R não se poderá pronunciar quanto ao pedido da A, porquanto desde meados de 2005 que o seu legal representante e bem assim o seu “ dono” por negócio jurídico celebrado com o seu actual e único sócio, deixou de ser respectivamente gerente e sócio da Ré, só ele sabendo em que termos se peticiona o cumprimento da obrigação contratual proveniente do contrato junto com a pi, no mais impugnou dizendo que desconhecem os exactos termos em que foram celebrados os negócios , desconhecendo inclusive se estes foram cumpridos pela anterior gerente e sócio da Ré, concluindo que a “ ora sociedade R na pessoa dos seus actuais legais representantes, desconhece, na presente data se foram cumpridas as obrigações contratuais da A desconhecendo igualmente se da parte da Ré foram cumpridas as obrigações que se peticionam por incumprimento. Deduziu incidente de intervenção principal provocada de CC, primitivo subscritor do contrato com a Aurora. A Autora replicou e, depois de concluir pela legitimidade da Ré alegou, que para a transmissão da dívida da Ré para o Senhor CC fosse eficaz quanto à A esta teria que ter declarado expressamente que consentia a aludida transmissão, o que não se verificou Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a suscitada excepção de ilegitimidade passiva, indeferiu-se a requerida intervenção principal e seleccionou-se a matéria de facto assente e controversa que integrou a base instrutória, selecção que não foi objecto de qualquer reclamação. Procedeu-se a julgamento e após a decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido. A A não se conformou e interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgando improcedente a apelação interposta, confirmou a sentença da 1ª instância. Novamente inconformada a A interpôs recurso de revista para este Tribunal. Nas suas alegações de recurso a A formula as seguintes conclusões: 1ª Entendeu o tribunal de 1ª instância, no que foi secundado pelo Tribunal da Relação, que "a Autora não fez prova dos factos constitutivos do seu direito, como era seu ónus. Não provou que a Ré, das quantidades contratadas, comprou quantidade inferior no decurso dos 3 anos referidos na cláusula 3- do contrato". 2.ª Ora, a Recorrida ao declarar desconhecer qual a litragem consumida ao abrigo do contrato em causa nos autos (o que se quesita no n.º 2 da Base Instrutória), facto esse que constitui ou deveria constituir facto do seu conhecimento pessoal, nos termos do artigo 490.- n.º 3 do CPC, confessou-o. 3.ª Assim, tendo o tribunal dado como "Não provado" o quesito 2- da base instrutória, violou o artigo 358e do CC que fixa a força probatória plena da confissão. 4.ª Verifica-se, então, nos termos do artigo 721 - n.º 2 do C.P.C., a violação da lei substantiva, por erro na interpretação e aplicação de norma jurídica aplicável, e a violação da disposição legai que fixa a força de determinado meio de prova, segundo o disposto no n.º 2 do artigo 722º. 5.ª Por outro lado, em relação ao quesito 3.-, conclui-se que, não tendo sido a factualidade do mesmo, em momento algum, impugnada pela Recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 490º n.º 2 do C.P.C., deverá considerar-se provada por admissão da Recorrida. 6.ª Ora, o artigo 729º n.º2, dispõe que "A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722º". 7.ª Dispõe o artigo 722 n.º 2 que "O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei (...) que fixe a força de determinado meio de prova." 8.ª Como se constata, houve uma efectiva a violação do artigo 358º do CC que fixa a força probatória da confissão. 9.ª Assim, resulta que a matéria de facto pode ser alterada, considerando-se matéria de facto assente que "A R., porém, até à data estabelecida como sendo a do fim do contrato - 15 de Marco de 2003 -. apenas adquiriu, dos 60 000 litros a que se havia obrigado, 35.780 litros, restando-lhe, pois, por adquirir, para atingir aquela litragem 24 220 litros." 10.ª - Além disso, não tendo sido a factualidade constante do quesito 3.º, em momento algum, impugnada pela Recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 490.º n.° 2 do C.P.C., deverá considerar-se provado por admissão da Recorrida que "O preço de venda a retalho por litro para a cerveja "Sagres" de barril, praticado pela A., era, à data em que terminou o contrato - 15 de Marco, de 2003 -. de € 0,97." 11.ª - E, nos termos do que vem referido no douto acórdão recorrido, "tudo depende da matéria de facto constante dos quesitos 29 e 33." 12.ª - Em suma, refere-se que a Recorrida violou a obrigação a que se havia vinculado pelo contrato a que se faz menção nos presentes autos, pelo que se constitui na obrigação de indemnizar a Recorrente no valor peticionado. Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso ora interposto, revogando-se, em consequência, o acórdão recorrido que veio confirmar a sentença proferida em 1 - instância, tudo com as legais consequências, SÓ ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA! A Ré, recorrida, apresentou contra - alegações, pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir: II- Fundamentação: Os factos provados são os seguintes: Apreciando: Conforme resulta das precedentes conclusões de recurso, a recorrente pretende que este Supremo Tribunal altere a decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente quando se insurge contra as respostas que instâncias deram aos quesitos 2º e 3º da base instrutória, porquanto a recorrida ao declarar desconhecer qual a litragem consumida ao abrigo do contrato em causa nos autos( o que se quesita no nº2 da Base Instrutória ) facto esse que constitui ou deveria constituir facto do seu conhecimento pessoal , nos termos do art. 490 nº3 do CPC, pelo que o tribunal ao dar como “ não provado” o quesito 2º violou o art. 358 do C. Civil, que fixa a força probatória plena da confissão. Também relativamente ao quesito 3º, considera a recorrente sob a conclusão 5ª que não tendo sido a factualidade do mesmo, em momento algum, impugnada pela recorrida ao abrigo do disposto no art. 490 nº2 do CPC deverá considerar-se provada por admissão da requerida. Como é sabido, este Supremo Tribunal, como tribunal de revista, aplica definitivamente aos factos fixados pelo tribunal recorrido, o regime jurídico que julgue aplicável ( cfr. art. 729 nº1 do CPC), não conhecendo, em princípio , matéria de facto, salvo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio prova ( cfr. nº2 do citado art. 729º e 722º nº2 do mesmo diploma) . A presente revista conforme se constata das precedentes conclusões de recurso, tem como fundamento saber, se no caso em apreço, houve ou não violação das normas apontadas pelo recorrente., não estando, por isso, vedado a este Supremo conhecer ex vi do citado art. 722 nº 2 do CPC. A matéria que integra o quesito 2º da base instrutória, ( cujo teor se transcreve : A R, porém , até à data estabelecida como sendo a do fim do contrato - 15 de Março de 2003- apenas adquiriu , dos 60.000 litros a que se havia obrigado, 35.780 litros , restando-lhe , pois , por adquirir , para atingir aquela litragem, 24.220 litros?) . À matéria alegada sob o art. 14º da petição inicial, a matéria constante do apontado quesito, a Ré respondeu sob o art. 14 da contestação, alegando que a “ ora sociedade R, na pessoa dos seus actuais legais representante, desconhece na presente data, se foram cumpridas as obrigações contratuais da A , desconhecendo igualmente se da parte da Ré foram cumpridas as obrigações que se peticionam por incumprimento”. Efectivamente, segundo o nº3 do art. 490 do CPC “ se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário” . No caso em apreço, estamos perante um facto extraído do próprio contrato, que a Ré não nega e, por isso, necessariamente tem dele conhecimento ou devia ter, não valendo para esse efeito, aqui, invocar o facto de agora serem outros, os legais representante da Ré. E sendo assim, á luz do citado nº3 do art. 490 do CPC, o quesito 2º não podia ser dado pelas instâncias como “não provado”, porque a confissão feita nos termos do referido normativo, tem força probatória plena ex vi do art. 358 nº2 do C. Civil. Quanto á admissão por acordo do facto a que alude o quesito 3º, (que é do seguinte teor: E considerando que o preço de venda a retalho por litro para a cerveja “ Sagres” de barril praticado pela A era á data que terminou o contrato – 15 de Março de 2003 de €0.97 o valor de venda da litragem que ficou por consumir é de € 23.493,95 ? vejamos: A respeito do ónus de impugnação o Ac. deste Supremo de 14.12.2004 , Proc. 4044/04 in Cadernos de Direito Privados nº 12 Outubro / Dezembro 2005 extraiu o seguinte sumário : I- Após a reforma do Código de Processo Civil, que entrou em vigor em1/1/1997, a impugnação, pelo réu, dos factos articulados na petição inicial não tem que fazer-se, como dantes, facto por facto, individualizadamente, de modo rígido; pode ser genérica. II- E tendo sido eliminado, por um lado o ónus de impugnação especificada, é d e concluir que a contestação por negação deixou, em princípio de ser proibida. III- Todavia recaindo agora sobre o réu o ónus de tomar “posição definida” sobre os fatos da petição, só caso a caso é possível ajuizar acerca da observância da norma do art. 490 nº1 do CPC. IV- E isto porque a “ posição definida” núcleo irredutível do ónus de impugnação legalmente estabelecido, pode ter que assumir em concreto contornos e intensidades mais diversos, estando dependente, quer da estruturação da acção em termos de facto, quer da própria estratégia de defesa delineada pelo réu( defesa directa e - ou - defesa indirecta). A respeito da expressão “posição definida” a que alude o citado nº1 do art. 490, Eduardo Santos Júnior in Anotação ao citado Acórdão deste Supremo in Cadernos de Direito privado nº 12 Outubro / Dezembro 2005, considera “ em qualquer caso , e quanto aos factos aduzidos na petição , em si mesmos, do que se trata é de apurar se o réu os nega ou os reconhece. Haverá pois indefinição quando a declaração do réu, a respeito da verificação de um facto ou de factos a respeito do seu reconhecimento ou negação, seja ambígua ou obscura, se se quiser, numa palavra, quando seja ou resulte evasiva” . Ora, no caso em apreço, existe uma total ausência de posição por parte da Ré ( nem definida, nem qualquer outra) sobre os factos constantes do quesito 3º. E sendo assim, ou seja face a uma total ausência de posição da Ré sobre aqueles factos, à luz do art. 490 nº2 do CPC, equivale á não impugnação, determinando a sua admissão por acordo deixando naturalmente de ser objecto de prova, não carecendo de ser provado pela parte que o invocara como constitutivo do seu direito. Significa, pois, que o Acórdão recorrido violou as normas supra referidas, procedendo deste modo, as conclusões da recorrente, resultando, assim, como provados os factos constantes dos quesitos 2º e 3º.( cfr. art. 722 nº 2 do CPC). Resulta, então, provada a matéria factual constante dos apontados quesitos 2º e 3º, ou seja: A Ré até à data estabelecida como sendo do fim do contrato - 15 de Março de 2003 – apenas adquiriu dos 60.000 litros a que se havia obrigado, 35.780 litros, restando-lhe. pois, por adquirir para atingir aquela litragem 24.220 litros - ( 2º) E considerando que o preço de venda a retalho por litro de cerveja “ Sagres” de barril praticado pela A era à data que terminou o contrato – 15 de Março de 2003- de 0,97€, o valor da venda da litragem que ficou por consumir é de €23.493,95 ( 3º). Significa em função dessa factualidade provada que se verifica o incumprimento contratual por parte da Ré do contrato, aqui em causa, por a A ter logrado provar os factos constitutivos do direito, a que se arroga na presente acção ( art. 342 nº1 do C. Civil). Em conclusão: 1- Tratando-se de factos extraídos de um contrato celebrado entre duas sociedades comerciais, Autora e Ré na acção, esta não pode desconhecer ou deixar de ter conhecimento das respectivas cláusulas, não obstante serem outros os legais representantes da sociedade Ré que firmaram o contrato aqui em causa. 2- A afirmação da Ré na contestação que desconhece factos extraídos do próprio clausulado e que integraram a respectiva base instrutória, equivale nos termos do nº3 do art. 490 do CPC à confissão de tais factos e, por isso, com força probatória plena nos termos do nº2 do art. 358 do C. Civil. 3- E também não tendo a Ré tomado qualquer posição na contestação ( nem definida, nem qualquer outra) sobre o facto alegado na petição inicial e nomeadamente sobre o constante do quesito 3º da base instrutória, equivale à sua não impugnação, o que determina a sua admissão por acordo nos termos do art. 490 nº2 do CPC. 4- O Acórdão recorrido ao manter as respostas dadas aos apontados quesitos como “não provados”, viola aquelas disposições expressas da lei, o que leva à procedência do fundamento da revista em conformidade com o nº 2 do art. 722 do CPC. III- Decisão: Nestes termos e considerando o exposto, acordam os Juízes deste Supremo em conceder a revista e, revogando o Acórdão recorrido, julgam a acção procedente e provada e, em consequência condenam a Ré, nos termos do pedido formulado pela Autora. Custas nas instâncias e neste Supremo pela Ré. Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Março de 2012 |