Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2615/11.2TBBCL.G2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE
CADUCIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
TRÂNSITO EM JULGADO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
REGIME APLICÁVEL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / ESTABELECIMENTO DA FILIAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1817.º, N.º1 E N.º3, AL. C), 1873.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27-5-04 (REV. Nº 165/13.1TBVLR.P1.S1), A QUE SE SUCEDEU NOVO ARESTO DE 13-1-05.
-DE 21-9-10, DE 24-5-12 OU DE 19-6-14, ACESSÍVEIS ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT .
-DE 13-2-13 (REV. Nº 214/12.0TBVVD.G1.S1), DE 9-4-13 (REV. Nº 187/09.7TBPFR.P1.), DE 18-12-13 (REV. Nº 3579/11.8TBBCL.S1), DE 18-2-05 (REV. Nº 4293/10.7TBSTS.P1.S1) E NO AC. DE 14-2-15 (REV. Nº 692/11.5TBPTG.E1.S1).
-DE 21-3-13 (REV. Nº 1906/11.7T2AVR.P1.S1), DE 15-10-13, DE 14-1-14 (REV. Nº 155/12.1TTBVLC-A.P1.S1), SEGUIDO DE NOVO ARESTO DE 9-7-04.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
- Nº 626/2009, N.º 401/2011, Nº 247/2012, Nº 323/2013, N.º 704/2014, N.º 547/2014.
Sumário :
1. Transitada em julgado a decisão que negou o juízo de inconstitucionalidade relativamente à norma do nº 1 do art. 1817º do CC, na sua actual redacção (em conexão com a norma do art. 1873º, respeitante ao prazo geral de caducidade da acção de investigação da paternidade) e prosseguindo a acção exclusivamente para apreciação da caducidade em função do decurso ou não do prazo adicional de 3 anos previsto no art. 1817º, nº 3, al. c) (conhecimento de factos supervenientes que justifiquem a propositura da acção), está precludida a possibilidade de ser retomada a questão da inconstitucionalidade daquele primeiro normativo, ainda que com invocação de outro fundamento jurídico.

2. A tutela constitucional do direito à identidade pessoal não é incompatível com o estabelecimento de prazos para a propositura da acção de investigação da paternidade, designadamente com a previsão do prazo adicional de 3 anos previsto no art. 1817º, nº 3, al. c), do CC, contado a partir do conhecimento, pelo investigante, de factos ou de circunstâncias justificativas da investigação da sua paternidade.

3. O facto de em certas acções de investigação da paternidade que se encontravam pendentes na data em que, com força obrigatória geral, foi declarada a inconstitucionalidade do preceituado no nº 1 do art. 1817º do CC (pelo Ac. do Trib. Const. publicado no D.R., I Série, de 8-2-06) e em acções instauradas entre a referida data e aquela em que entrou em vigor da Lei nº 14/09, de 1-4, ter sido reconhecido o direito de investigação da paternidade sem interferência de qualquer prazo de caducidade previsto em legislação ordinária não determina a inconstitucionalidade do regime legal contido na actual redacção do art. 1817º, designadamente do seu nº 3, quando aplicado às acções de investigação da paternidade instauradas depois da entrada em vigor da Lei nº 14/09, por tal não importar violação do princípio da igualdade.

Decisão Texto Integral:
I - AA intentou acção declarativa de reconhecimento judicial de paternidade contra BB pedindo que este seja reconhecido como seu pai e seja ordenada a alteração do respectivo assento de nascimento.

Alegou que nasceu no dia 17-5-65, tendo sido registado sem nome do pai e avós paternos, e apenas muito recentemente tomou conhecimento, através de sua mãe, que o R. seria seu pai.

O R. contestou excepcionando a caducidade do direito do autor intentar a presente acção, nos termos do disposto nos arts. 1873º e 1817º do CC. Contestou ainda por impugnação, aceitando que manteve um relacionamento amoroso com a mãe do autor até 1963, sendo que, durante o período de concepção do A., a sua mãe manteve relações sexuais com mais de 4 homens, podendo qualquer um deles ser o pai do A. Além disso, o A. já há mais de 15 anos que vem propalando que o R. pode ser seu pai.

Replicou o A. para dizer que o preceito invocado pelo R. para sustentar a caducidade é inconstitucional, sendo que a acção de reconhecimento judicial de paternidade foi intentada em tempo, por se entender que o direito fundamental, inviolável e imprescindível de conhecer a paternidade não tem prazo. No mais manteve o já alegado na petição inicial, sustentando a exclusividade do relacionamento sexual de sua mãe com o réu.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a excepção de caducidade invocada pelo R.

O R. interpôs recurso de apelação do despacho saneador, na parte em que apreciou a excepção de caducidade, tendo a Relação considerado caduco direito do A., em face do nº 1 do art. 1817º do CC (prazo máximo de 10 anos após a maioridade). Porém, ordenou o prosseguimento dos autos para apreciação da mesma excepção de caducidade, tendo em conta a matéria que fora alegada em torno da previsão da al. c) do nº 3 do art. 1817º, em conjugação com o art. 1873º (prazo de 3 anos a contar do conhecimento superveniente de factos que justifiquem a investigação da paternidade).

Este acórdão foi sumariado nos seguintes termos:

1 - O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no art. 1817º, nº 1, do CC, na redacção da Lei nº 14/09 de 1-04, é suficiente para o exercício maduro e ponderado do direito de propor acção de investigação de paternidade, não exigindo o princípio constitucional de protecção do direito fundamental à identidade pessoal, a imprescritibilidade deste tipo de acção.

2 – Este entendimento está consagrado na decisão proferida em plenário do Trib. Const. e exarada no Ac. nº 401/2011 de 22-9-11, que não julgou inconstitucional essa norma, decisão essa que vem sendo seguida pelas decisões mais recentes desse Tribunal.

3 – Os prazos de 3 anos referidos nos nºs 2 e 3 do art. 1817º do CC, contam-se para além do prazo fixado no nº 1 do mesmo artigo, não caducando o direito de propor a acção de investigação de paternidade antes de esgotados todos eles”.

Tal acórdão da Relação transitou em julgado, prosseguindo os autos na 1ª instância, onde foi proferida sentença que também julgou verificada a caducidade do direito de investigação sustentada no art. 1817º, nº 3, al. c), do CC, absolvendo o R. do pedido.

O A. apelou e a Relação confirmou a sentença, concluindo pela inexistência de inconstitucionalidade do normativo que prevê a concessão de um prazo de 3 anos para a instauração de acção de investigação de caducidade ao abrigo do art. 1817º, nº 3, al. c), do CC.

O A. interpôs recurso de revista concluindo:

a) O A. visa invocar, por via do art. 1873° do CC, a inconstitucionalidade dos nºs 1 e 3, do art. 1817° do CC.

b) A interpretação das ditas normas, à luz da redacção actual, é violadora do princípio da igualdade plasmado na CRP, uma vez que quem, não obstante a sua idade, intentou acção de investigação de maternidade/paternidade no período compreendido entre a declaração de inconstitucionalidade da norma constante do n° 1 do art. 1817° do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 21/98, de 12-5, viu, independentemente de prazo, reconhecido o seu direito à identidade pessoal e estabelecida a maternidade/paternidade.

c) Quem, independente dos motivos, com a mesma idade daqueles outros, não procedeu à instauração da sobredita acção nesse período está completamente vedado ao reconhecimento dos mesmos direitos.

d) No caso dos autos, o insucesso do reconhecimento da sua paternidade do recorrente está relacionado com o período da sua vida em que decidiu desencadear temática afectivamente difícil e exigente e importunar a sua mãe na prestação de depoimento íntimo destinado à averiguação do seu pai.

e) O recorrente, que é filho do recorrido, não vê reconhecido o seu direito à identidade pessoal e reconhecida a sua paternidade, só porque instaurou a sua acção em 6-9-11, isto é, em data posterior àquela em que era possível reconhecer a paternidade independentemente de prazo.

f) São inconstitucionais as previsões legais postas em crise, os nºs 1 e 3 do art. 1817° do CC, na interpretação de que a sua redacção actual tem aplicação erga omnes e não é manifestamente violadora do princípio da igualdade plasmado no art. 13° da CRP.

g) Ao decidir como decidiu, não aderindo ao acórdão do STJ de 15-11-11 (e julgando constitucional a aplicação do actual do n° 1 e n° 3 do art. 1817° do CC, por via do art. 1873°), o Tribunal a quo não interpretou correctamente as normas dos arts. 13°, nºs 1 e 2, 18°, n°s 1 e 2, 26°, n° 1, e 36°, n° 1, da CRP, pelo que a decisão deve ser alterada e ser proferida decisão que reconheça que o recorrente é filho do recorrido.

h) Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente e declarar-se a inconstitucionalidade dos nºs 1 e 2 do art. 1817° do CC.


Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.


II - Factos provados:

1. No dia 17-5-65, nasceu em Barcelos um indivíduo de sexo masculino a quem foi dado o nome de AA, o aqui A., o qual foi registado na CRC de Barcelos como filho de CC e sem nome do pai e de avós paternos;

2. O R. e mãe do A. conheceram-se numa festa/romaria, visto que o R. era músico e frequentava todas as romarias para que era convidada a banda de música que integrava;

3. O R. e a mãe do A. namoraram durante cerca de 4 anos, tendo a relação terminado com o nascimento do A., em Maio de 1965;

4. Durante a sua relação de namoro, a mãe do A. manteve várias relações sexuais íntimas com o R.;

5. Cerca de 9 meses antes do nascimento do A., mormente no dia 24-8-64, dia de Romaria a S. Bartolomeu, padroeiro da freguesia do …, Esposende, a mãe do A. manteve relações sexuais completas com o R.;

6. Essas relações sexuais sucederam sem utilização de contraceptivo;

7. Nove meses depois o A. nasceu;

8. Há vários anos que o A. vem propalando que o R. pode ser seu pai e há mais de 15 anos que vem inquirindo alguns familiares do R. sobre a possibilidade de este ser seu pai.

9. A presente acção deu entrada em juízo aos 6-9-11.


III – Decidindo:

1. Questiona o A. recorrente a constitucionalidade do art. 1817º, nºs 1 e 3, do CC, aplicáveis em matéria de investigação da paternidade por via do art. 1873º.

Antes de avançar convém, desde já, assentar que a questão da constitucionalidade do preceito do nº 1 do art. 1817º, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 14/09, de 1-4 (isto é, do preceito que agora fixa o prazo de 10 anos a contar da aquisição da maioridade ou da emancipação como prazo geral máximo para a interposição da acção de investigação de paternidade), já se encontra definitivamente decidida, uma vez que transitou em julgado o acórdão da Relação entretanto proferido e que precisamente concluiu que:

O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817º, nº 1, do CC, na redacção da Lei nº 14/09 de 1-04, é suficiente para o exercício maduro e ponderado do direito de propor acção de investigação de paternidade, não exigindo o princípio constitucional de protecção do direito fundamental à identidade pessoal, a imprescritibilidade deste tipo de acção”.

O facto de o A. apontar para o mesmo preceito um outro fundamento de inconstitucionalidade, qual seja a alegada violação do princípio da igualdade, não inverte aquela conclusão, uma vez que, mais do que os fundamentos, o que importa para o efeito é a asserção que foi extraída pela Relação, e que se encontra coberta pela força de caso julgado, de que o art. 1817º, nº 1, do CC, na sua actual redacção, não sofre de inconstitucionalidade. Foi precisamente por isso que concluiu que se encontrava caducado o direito de investigação da paternidade sustentado na regra geral constante daquele preceito que fixou um prazo objectivo de caducidade de 10 anos a contar da maioridade.

Os autos prosseguiram unicamente para apreciação da mesma excepção de caducidade, mas perspectivada unicamente em função de matéria de facto que foi alegada para integrar a previsão da al. c) do nº 3 do art. 1817º do CC (prazo de 3 anos a contar do conhecimento superveniente de factos que justifiquem a investigação da paternidade).

Por conseguinte, verificando-se o caso julgado relativamente àquela primeira questão de constitucionalidade em torno do nº 1 do art. 1817º do CC, a apenas importa apreciar nesta revista a excepção de caducidade do direito potestativo de investigação da paternidade em face do disposto no art. 1817, nº 3, al. c), juntamente com a apreciação da sua constitucionalidade com base nos fundamentos invocados: violação do direito à identidade pessoal e do princípio da igualdade.


2. O art. 1817º, nº 3, al. c), do CC, admite que a acção de investigação da paternidade possa ser proposta dentro do prazo de 3 anos após o conhecimento de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação.

Trata-se de um prazo que, dependendo de factores de ordem subjectiva, não é prejudicado pelo eventual decurso do outro prazo geral previsto no nº 1 dotado de total objectividade.

Constitui pressuposto de aplicação daquele normativo a alegação e prova por parte do autor da acção de investigação da paternidade de que obteve o conhecimento superveniente (isto é, depois de transcorrido aquela prazo geral de 10 anos) de factos ou circunstâncias que possibilitam ou justificam a investigação.

Para este efeito o A. alegou certos factos que foram objecto de instrução e de apreciação, com especial destaque para o seguinte facto: “foi só após a morte da mulher do R., em 1-9-06, e nomeadamente nos 3 anos antes de ser proposta a acção, que o A. tomou conhecimento, através da sua mãe, de que o aqui R. seria seu pai biológico”?

Tal facto, que era imprescindível à sustentação da sua pretensão, resultou “não provado”. Ao mesmo tempo apurou-se que “há vários anos que o A. vem propalando que o R. pode ser seu pai e há mais de 15 anos que vem inquirindo alguns familiares do R. sobre a possibilidade de este ser seu pai”.

Ou seja, além de não ter sido feita a prova de qualquer facto superveniente que justificasse a extensão do período temporal para a propositura da acção, apurou-se ainda que os factos que eventualmente seriam pertinentes para impulsionar a acção de investigação em face do art. 1817º, nº 3, al. c), do CC, já eram conhecidos do A. muito para além do prazo de 3 anos anterior à apresentação da petição inicial.

Constata-se, assim, de modo evidente, a caducidade do direito potestativo de investigação da paternidade sustentado nesse preceito do direito ordinário.


3. Questiona, no entanto, o A. a sua constitucionalidade. Para além de invocar, mais uma vez, o direito à identidade pessoal que alega ser posto em causa também com o estabelecimento deste impedimento ao reconhecimento do seu direito à paternidade/filiação, considera que a aplicação de tal preceito ao caso concreto colide com o princípio da igualdade.

Relativamente a este segundo argumento, sustenta o A. que não existem motivos para conceder um tratamento diferenciado a indivíduos que, em circunstâncias idênticas às suas, alcançaram o reconhecimento da paternidade em acções que estavam pendente sou que foram interpostas no período que decorreu entre a declaração de inconstitucionalidade do nº 1 do art. 1817º do CC (resultante do Ac. do Trib. Const., publicado no D. R., I Série, de 8-2-06) e a alteração introduzida pela Lei nº 14-09, de 1-04. A diferença objectiva de tratamento que resulta da aplicação às acções que, como a presente, foi instaurada posteriormente de uma norma que restabeleceu prazo de caducidade traduz a violação do princípio da igualdade.

Importa, pois, que se faça uma sucinta resenha histórica da evolução do sistema normativo, antes de se apreciar a questão suscitada pelo recorrente.


4. Na sua anterior redacção, o art. 1817º, nº 1, do CC (aplicável por via do art. 1873º), previa que a acção de investigação de paternidade só poderia ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação. Nos normativos subsequentes preveniam-se casos de extensão do prazo de caducidade por motivos de ordem subjectiva relacionados com o conhecimento, por parte do interessado, de algum escrito recognitivo da paternidade ou com a cessação, por parte do investigado, do tratamento do investigante como seu filho, isto é, da posse de estado.

O Tribunal Constitucional, por via de acórdão com força obrigatória geral, declarou a inconstitucionalidade daquele preceito, na medida em que previa “para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante …” (D. R., I Série, de 8-2-06).

Sucedeu-se, ao menos aparentemente, um vazio legislativo. Uma vez que, em simultâneo com tal declaração de inconstitucionalidade, não foi alterada a redacção do art. 1817º, nº 1, do CC, gerou-se uma situação de indefinição quanto à existência de algum prazo geral para a propositura das acções de investigação de paternidade, a qual apenas foi resolvida com a Lei nº 14/09, de 1-4, que, além de fixar para a acção de investigação da paternidade o prazo geral de 10 anos e de introduzir modificações noutros preceitos, estabeleceu a extensão do prazo de caducidade em casos de conhecimento superveniente de factos ou de circunstâncias justificativas da propositura da acção de investigação.[1]

Não sendo inteiramente líquido se as acções de investigação da paternidade que se encontravam pendentes e as que entretanto foram instauradas naquele período intercalar estavam ou não sujeitas a algum prazo, prevaleceu, contudo, a posição que advogava a ausência de qualquer prazo sustentada, além do mais, na existência de um direito absoluto à verificação de factores essenciais para a identidade pessoal do sujeito como o é a paternidade.

Por este motivo, foram julgadas procedentes acções de investigação da paternidade que foram instauradas depois de ter decorrido o prazo de 2 anos que estivera fixado no art. 1817º, nº 1, do CC (cuja inconstitucionalidade foi declarada) e mesmo depois de transcorrido o prazo de 10 anos que veio a ser fixado pela Lei nº 14/09, no pressuposto de transitoriamente deixou de existir qualquer prazo de caducidade (facto extintivo), sendo os litígios resolvidos de acordo com os factos constitutivos do direito ao estabelecimento da paternidade.

Relativamente às acções que se encontravam pendentes na data da entrada em vigor da Lei nº 14/09, o legislador ainda procurou corrigir a situação, prescrevendo no seu art. 3º a aplicação imediata do novo regime de caducidade aos processos que ainda não se encontravam cobertos por decisão judicial transitada em julgado. Porém, tal norma de direito transitório ordinário confrontou-se com a violação do princípio da protecção da confiança, como foi declarado no Ac. do Trib. Const. de 24-3-11, no D.R., de 13-5-11, ou no Ac nº 323/2013, de 13-5-13, no processo nº 761/12.

Daí decorreu que mesmo certas acções de investigação da paternidade cuja instância ainda se encontrava pendente na data em que entrou em vigor a Lei nº 14/09 foram decididas sem a interferência de qualquer prazo de caducidade, por inaplicabilidade do art. 1817º do CC, na sua nova redacção.

Tal ocorreu designadamente com as que deram origem aos acórdãos deste STJ, de 21-9-10 (Rel. Cardoso Albuquerque), de 24-5-12 (Rel. Granja da Fonseca) ou de 19-6-14 (Rel. Pires da Rosa) (acessíveis através de www.dgsi.pt).


5. No caso sub judice, porém, não se nos coloca nenhuma das referidas questões. A acção foi instaurada em 6-9-2011, isto é, depois da entrada em vigor o novo regime que em exclusivo é aplicável ao caso.

O facto de naquele período intercalar, entre a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do nº 1 do art. 1817º do CC e a alteração introduzida pela Lei nº 14/09, terem sido propostas e julgadas procedentes acções que não sofreram o efeito extinto emergente da caducidade do direito, não permite concluir, como pretende o recorrente, pela inconstitucionalidade do art. 1817º, nº 3, al. c), do CC, que, desde a data de entrada em vigor da referida Lei, rege um dos casos de extensão do prazo de caducidade de acções de investigação da paternidade.

Ou seja, os efeitos jurídicos que, por via directa ou indirecta, foram extraídos do juízo de inconstitucionalidade firmado sobre o que se dispunha na anterior redacção do nº 1 do art. 1817º do CC em determinadas acções já definitivamente julgadas não interferem nem impedem a extracção dos efeitos que decorrem de normas infraconstitucionais que, como a do art. 1817º, nº 3, al. c), foram posteriormente aprovadas.

O sistema normativo, designadamente o que regula a matéria da investigação de paternidade, é por natureza dinâmico, sofrendo modificações impulsionadas pela alteração das circunstâncias de ordem social, por via de meras opções de natureza legislativa ou, como ocorreu no caso, em função das regras de controlo da constitucionalidade.

Naturalmente que é expectável que das modificações legais possa decorrer a modificação do resultado da resolução de conflitos de interesses ou da apreciação de interesses juridicamente relevantes, estando os tribunais obrigados a aplicar em cada momento as normas constitucionais e infraconstitucionais que estejam em vigor e que, de acordo com as regras, sejam aplicáveis a cada caso.

Por isso, o facto de alguns investigantes terem obtido o reconhecimento da paternidade em circunstâncias semelhantes àquelas em que o A. se encontrava e de, por via da caducidade em face do actual regime que é de aplicar, ser negado ao A. esse mesmo efeito não implica, por si, a formulação de um juízo de desconformidade constitucional das normas que ao caso são aplicáveis.

A negação de qualquer violação do princípio da igualdade emerge do simples facto de naquelas acções e na presente acção não existir uma total identidade do regime jurídico que deve ser aplicado, tendo em conta as modificações que entretanto ocorreram e que se repercutem, sem dúvida alguma, nas acções de investigação de paternidade que foram instauradas depois da entrada em vigor do novo regime legal.

Por conseguinte, improcede a argumentação em torno da alegada violação do princípio da igualdade resultante da aplicação ao presente caso do que se dispõe do art. 1817º, nº 3, al. c).


6. Também não encontra sustentação a invocação da inconstitucionalidade do art. 1817º, nº 3, al. c), do CC, com fundamento na violação do direito à identidade pessoal.

Sobre esta vertente não se irá discorrer em demasia. Afinal, a questão já foi suscitada diversas vezes perante o Trib. Const. e foi apreciada sempre no sentido negativo, nada mais se exigindo do que assumir na presente decisão aquilo que o órgão especialmente vocacionado para a formulação daqueles juízos já decidiu.

O direito à identidade pessoal, com tutela constitucional, não é incompatível com o estabelecimento de prazos de caducidade para a instauração de acções de investigação de paternidade, desde que estes sejam de considerar razoáveis, confluindo para que o regime globalmente apreciado permita uma tutela adequada daquele direito.

Como ocorre com a generalidade dos direitos fundamentais, designadamente os de natureza pessoal, o direito à identidade pessoal deverá compatibilizar-se com outros direitos e com outros interesses de que ressalta a necessidade de encontrar mecanismos de pacificação social e de tutelar factores de segurança e de estabilidade das relações jurídicas, designadamente as de natureza familiar.

Ora, se, como foi generalizadamente reconhecido pelo Trib. Const., o estabelecimento de um prazo de 2 anos posteriores à maioridade ou emancipação se mostrava insuficiente para assegurar a tutela do direito à identidade pessoal, tal asserção já não pode ser formulada relativamente à norma que fixou o prazo de 10 anos a partir da maioridade do investigando (art. 1817º, nº 1, do CC), como concluiu anteriormente a Relação, por acórdão transitado em julgado, nem poderá ser dirigida, agora, ao novo regime de extensão de prazo previsto no nº 3, maxime ao que emerge da sua al. c) que, para o caso, se revela pertinente.


7. Aquele juízo de desconformidade constitucional mostra-se ainda mais injustificado quando reportado a esta última norma que estabeleceu o prazo suplementar de 3 anos após o conhecimento de algum facto superveniente justificativo da instauração da acção de investigação da paternidade.

Numa anterior redacção do art. 1817º prescrevia-se um prazo de 6 meses que, independentemente do decurso do prazo de 2 anos previsto no nº 1, permitia a interposição de acção de investigação de caducidade, designadamente nos casos em que existia posse de estado entretanto negada pelo progenitor ou em face do conhecimento ex novo de escrito recognitivo da paternidade subscrito pelo pretenso pai.

No Acórdão nº 626/2009 o Trib. Const., reafirmando a legitimidade na previsão de prazos de caducidade para a interposição de acções de investigação de paternidade, veio a declarar inconstitucional o que estava preceituado no anterior texto do art. 1817º, nº 3, sem negar, contudo, a legitimidade de uma norma infraconstitucional prescrevendo um outro prazo que respeitasse o princípio da proporcionalidade.

Refere-se em tal aresto que:

“Todavia, o prazo especial previsto no nº 3 do art. 1817º do CC, na redacção do Dec. Lei nº 496/77, de 25/11, apresenta uma diferença assinalável relativamente ao prazo-regra outrora consagrado no n.º 1 do mesmo artigo, quando aplicável às acções de investigação de paternidade (…) o prazo especial ora sob análise, apenas começa a correr a partir do momento em que o investigante – com mais de 20 anos de idade – conheceu ou devia ter conhecido o conteúdo do escrito do pai (…). Não estamos aqui perante um prazo “cego” que começa a correr independentemente de poder haver qualquer justificação para o exercício do direito pelo respectivo titular, como sucede com o prazo estabelecido no nº 1, mas sim perante um prazo cujo início de contagem coincide com o momento em que o titular do direito tem conhecimento do facto que o motiva a agir. Nesta situação, pelo menos o direito à segurança jurídica, nomeadamente o direito do pretenso progenitor em não ver indefinida ou excessivamente protelada uma situação de incerteza quanto à sua paternidade, justifica que se condicione o exercício do direito do filho à investigação da paternidade, através do estabelecimento de um prazo para o accionar” (…)

A mesma doutrina foi assumida, relativamente ao novo regime introduzido pela Lei nº 14/09, pelo Ac. do Trib. Const. nº 247/2012, de 22-5-12, proferido no processo nº 638/10 e publicado no DR, II Série, de 25-6-12, no qual se conclui:

Não julgar inconstitucional a norma da al. b) do n.º 3 do art. 1817º do CC, quando impõe ao investigante, em vida do pretenso pai, um prazo de 3 anos para interposição da acção de investigação de paternidade”.

Ora como se refere no acórdão recorrido, são extensíveis à al. c) do mesmo nº 3 os argumentos que foram empregues pelo Trib. Const., quando refere que:

“Da jurisprudência do Tribunal decorre que, para que os prazos de caducidade das acções de investigação da maternidade e da paternidade respeitem o princípio da proporcionalidade, eles têm de deixar aos titulares do direito à identidade pessoal uma real e efectiva possibilidade de exercer o direito de investigação. Pode considerar-se, aliás, ser esse o conteúdo essencial do direito em causa, e não um suposto direito a investigar ad aeternum as referidas relações de filiação. (…)

É também essa a exigência mínima que decorre da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que aceita a sujeição das acções de estabelecimento da filiação ao cumprimento de determinados pressupostos, entre eles a exigência de prazos, desde que não se tornem impeditivos do uso do meio de investigação em causa ou representem um ónus exagerado (assim se referiu no caso Mizzi c. Malta). A existência de um prazo limite para a instauração duma acção de reconhecimento judicial da paternidade não é, só por si, violadora da Convenção, importando verificar se a natureza, duração e características desse prazo resultam num justo equilíbrio entre o interesse do investigante em ver esclarecido um aspecto importante da sua identidade pessoal, o interesse do investigado e da sua família mais próxima em serem protegidos de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima ocorridos há já muito tempo, e o interesse público da estabilidade das relações jurídicas, sustenta a jurisprudência do TEDH.

Para averiguar se o novo regime de prazos de caducidade das acções de investigação da filiação respeita o princípio da proporcionalidade e o conteúdo essência atrás delineado, há que ter em conta dois aspectos: em primeiro lugar, a fixação do início desses prazos e, em segundo lugar, os limites temporais adoptados, a sua duração.

No que toca ao primeiro aspecto, há que ter presente que o prazo em análise começa a contar a partir de factos subjectivos. A norma é clara quando refere que o mesmo só deve começar a contar “quando o investigante tenha tido conhecimento de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação”.

(…)

A mesma jurisprudência influiu também no Ac. do Trib. Const. nº 547/2014, de 15-7-14. Para além de neste aresto se reafirmar a não inconstitucionalidade do nº 1 do art. 1817º do CC, também se decidiu:

Não julgar inconstitucional a norma extraída do art. 1817º, nº 3, al. b), em conjugação com o art. 1873, ambos do CC, na redacção introduzida pela Lei nº 14/09, de 1-4, na medida em que prevê um prazo suplementar de 3 anos para a propositura da acção de investigação da paternidade, contado do conhecimento, pelo investigante, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, nomeadamente a cessação do tratamento como filho pelo pretenso pai”.


8. Improcede, assim, em toda a linha a argumentação proposta pelo recorrente a respeito da alegada inconstitucionalidade do art. 1817º, nº 3, al. c), do CC, cuja aplicação redunda na improcedência da acção por motivo de caducidade.


IV – Face ao exposto, declara-se improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente.

Notifique.

Lisboa, 28-5-15


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Bettencourt de Faria

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[1] Mesmo depois desta alteração legislativa continuou a discutir-se a constitucionalidade de um regime jurídico que fixava o prazo de caducidade de 10 anos após a maioridade ou emancipação para a interposição de acções de investigação de paternidade.
A mesma foi afirmada por este STJ no Ac. de 13-2-13 (Rev. nº 214/12.0TBVVD.G1.S1 – Rel. Salreta Pereira), no Ac. de 9-4-13 (Rev. nº 187/09.7TBPFR.P1.S1 – Rel. Fonseca Ramos), no Ac. de 18-12-13 (Rev. nº 3579/11.8TBBCL.S1 – Rel. Pires da Rosa), no Ac. de 18-2-05 (Rev. nº 4293/10.7TBSTS.P1.S1 – Rel. Fonseca Ramos) e no Ac. de 14-2-15 (Rev. nº 692/11.5TBPTG.E1.S1 – Rel. Júlio Gomes).
O juízo de inconstitucionalidade foi formulado no Ac. do STJ, de 21-3-13 (Rev. nº 1906/11.7T2AVR.P1.S1 – Rel. Paulo Sá), entretanto invertido pelo Trib. Const., dando origem, a novo aresto do STJ de 15-10-13. Também assim no Ac. de 14-1-14 (Rev. nº 155/12.1TTBVLC-A.P1.S1 – Rel. Martins de Sousa), seguido de novo aresto de 9-7-04 em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade afirmado pelo Trib. Const. Outrossim no Ac. de 27-5-04 (Rev. nº 165/13.1TBVLR.P1.S1 – Rel. Martins de Sousa), a que se sucedeu novo aresto de 13-1-05, depois de negado pelo Trib. Const. a inconstitucionalidade do preceito.
Ou seja, o Trib. Constitucional, por diversas vezes, vem negando o preceituado no art. 1817º, nº 1, do CC, na sua actual redacção, o juízo de inconstitucionalidade (v.g. o Ac. do Plenário nº 401/2011, o Ac. nº 704/2014, de 28-10-14, e o Ac. nº 547/2014, de 15-7-14).