| Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 3ª SECÇÂO | ||
| Relator: | MAIA COSTA | ||
| Descritores: | EXTRADIÇÃO COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM DIREITOS DE DEFESA PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE ARMAS PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE PROCESSO URGENTE ATRASO PROCESSUAL CONTAGEM DE PRAZO | ||
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| Nº do Documento: | SJ | ||
| Data do Acordão: | 11/12/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | EXTRADIÇÂO | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
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| Sumário : | I  -	O conceito de “processo equitativo”, consagrado pelo art. 6.º da CEDH, que foi igualmente acolhido pela CRP, no seu art. 20.º, n.º 4, designa um complexo de direitos de que as pessoas gozam, a começar pelo próprio direito à acção e direito a um tribunal independente, mas que abrange uma rede densa de direitos e faculdades atribuídos às partes processuais, em especial ao arguido em processo penal. II - O princípio compreende, nomeadamente, e reportando-nos especificamente ao processo penal, o direito à publicidade, o direito ao contraditório, o direito à igualdade de armas, o direito de presença, e o direito ao julgamento da causa em prazo razoável. III - A importância do direito ao julgamento num prazo razoável é de primeira grandeza, pois se considera que só quando decidida em tempo a decisão pode ser justa. A justiça da decisão é, pois, avaliada não só em função da qualidade intrínseca da mesma, como também do tempo em que é proferida. Por outras palavras, uma decisão intrinsecamente justa, segundo os critérios materiais e processuais, deverá ser considerada injusta (e não apenas ineficaz ou pouco credível) se for tardia. IV - O elemento “razoabilidade” aponta, desde logo, para uma certa indeterminação, que deverá ser preenchida analisando as circunstâncias do caso, mas mediante o recurso a certos critérios gerais que importa determinar, para evitar o casuísmo puro, que pode conduzir a soluções intoleravelmente divergentes. V - Assim, a razoabilidade da duração de um processo dependerá, antes de mais, da sua natureza, ou seja, de tratar-se ou não de um processo a que seja atribuída por lei a natureza urgente. Desta forma, todos aqueles processos que têm essa classificação legal não podem deixar de ter uma tramitação especialmente célere, para defesa dos interesses que o legislador pretendeu acautelar (interesses públicos ou de arguidos presos, menores, pessoas especialmente indefesas, etc.). VI - Depois, há que aquilatar da complexidade do processo, avaliada segundo características da própria matéria investigada, dificuldade e morosidade inerente às diligências indispensáveis a realizar, número de arguidos, de testemunhas, questões de direito de especial complexidade, eventualmente a resolver em foro diverso. VII - Também as próprias dificuldades, nomeadamente sobrecarga de serviço, dos tribunais e dos seus magistrados podem servir de parâmetro de avaliação da razoabilidade do prazo, mas só limitadamente. Na verdade, o Estado tem obrigação de organizar os seus serviços públicos, incluindo o de Justiça, de forma a corresponderem às necessidades e procura por parte dos cidadãos, garantindo-lhes com eficácia a salvaguarda dos seus direitos fundamentais. Daí que só uma ocasional e imprevista situação de acumulação de serviço possa ser legitimamente invocada como justificação para um atraso processual. Justificação que aliás deverá ser sempre concretamente fundamentada. VIII - É claro que só os atrasos provocados pelas autoridades podem servir como fundamento para o excesso de prazo. Os actos dilatórios do arguido, provocando deliberadamente o prolongamento anormal do processo, não podem evidentemente ser contabilizados contra as autoridades judiciárias. Mas também é óbvio que nesses actos (dilatórios) não podem ser incluídos os actos praticados no uso legítimo e razoável (não abusivo, não anormal) de direitos que a lei lhe atribui (direito de recorrer, direito de requerer, direito de expor), desde que necessário, adequado e proporcional ao exercício da defesa. IX - Para a “contagem” do prazo deve-se considerar o mesmo iniciado, em processo penal, com o conhecimento “oficial” que o arguido tem do processo, normalmente quando for constituído arguido, ou quando for ouvido pela primeira vez, pois é a partir daí que para ele, que é o “visado” no processo, nasce a expectativa (e o direito) de uma decisão em tempo razoável. X - A extradição é um processo urgente, como é expressamente afirmado no art. 46.º, n.º 1, da LCJI (Lei de Cooperação Judiciária Internacional), e é confirmado pelos prazos especiais e reduzidos que são estabelecidos para a sua tramitação, quer na fase administrativa (arts. 48.º e 49.º da LCJI), quer na fase judicial (arts. 50.º a 61.º da LCJI). XI - No caso dos autos, o processo esteve parado durante cerca de ano e meio na fase administrativa, e aproximadamente um ano e três meses na fase judicial, por motivos não só não imputáveis ao extraditando (pois a única “dilação” que provocou – arguição de nulidade da primeira decisão final – foi julgada procedente), como exclusivamente imputáveis às autoridades administrativas, num primeiro momento, e judiciárias, depois, não tendo estas últimas justificado ou sequer adiantado qualquer explicação para os atrasos. XII - Tendo, assim, passado quatro anos sobre o início do processo de extradição, a decisão proferida – que autorizou a extradição do recorrente para a República da Moldávia – não respeitou o “prazo razoável” a que se refere o art. 6.º da CEDH (e o art. 20.º, n.º 4, da CRP), pelo que o pedido de extradição deverá ser recusado, por força do art. 6.º, n.º 1, al. a), da LCJI. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO Por acórdão da Relação de Évora de 21.4.2009, foi autorizada a extradição para a República da Moldávia de AA, cidadão daquele país. Interpôs o extraditando recurso para este Supremo Tribunal que, por acórdão de 18.6.2009, anulou aquela decisão, por ter sido omitida a notificação do extraditando para a apresentação de alegações, nos termos do art. 56º, nº 2 da Lei nº 144/99, de 31-8 (Lei de Cooperação Judiciária Internacional – LCJI). Sanada a nulidade, a Relação proferiu novo acórdão, a 29.9.2009, julgando de novo procedente o pedido de autorização da extradição. Desse acórdão recorreu novamente o extraditando, concluindo assim as suas alegações: 1ª O acórdão autorizativo da extradição, proferido em 29 de Setembro de 2009, baseia-se em prova produzida em 30 de Outubro de 2007, a qual é ineficaz. 2ª Ao decidir não ordenar a repetição da prova produzida, o Tribunal omitiu diligências essenciais à descoberta da verdade. 3ª A dilação temporal não é compatível com as garantias de defesa que a lei reconhece ao extraditando, porquanto a prova produzida não mantém actualidade. 4ª Se inquiridas no momento presente, o depoimento das testemunhas poderia ser diferente, já que na altura em que depuseram havia pouco tempo que estavam em Portugal e prestaram depoimento condicionado pelo receio de represálias da polícia Moldávia. 5ª Os artigos 56° e 57° da Lei de Cooperação Judiciária Internacional reflectem um princípio de concentração e de celeridade processuais e pretendem obviar a que sejam produzidas decisões que não correspondam à realidade no momento em que são proferidas. 6ª Os mesmos princípios emanam dos artigos 328° e 373° do CPC, direito subsidiariamente aplicável e é na lei subsidiariamente aplicável que se encontram as cominações para a violação desta regra de concentração processual. 7ª A cominação é, a nulidade, ao abrigo do disposto no artigo 120°, n.° 2, al. d), por terem sido omitidas diligências posteriores essenciais à descoberta da verdade material. 8ª A busca da verdade material exige que o julgador possa decidir habilitado por uma prova que tenha sido produzida em momento imediatamente anterior, estando ainda bem presente na sua memória. 9ª Não tendo acontecido assim, A DECISÃO RECORRIDA É NULA! 10ª Não é impeditivo de tal arguição de nulidade o facto de o Acórdão do STJ ter anulado apenas os actos posteriores à omissão de notificação para produção de declarações escritas. 11ª Independentemente disso, o que se invoca é que constitui nulidade o facto de o Tribunal decidir baseado em prova ineficaz. 12ª Viola o artigo 32° n.° 2 da CRP o entendimento da norma contida no artigo 56°, n.° 2 da Lei da Cooperação Judiciária no sentido de as alegações escritas nele previstas poderem ser prestadas independentemente do tempo que tenha já passado sobre a produção de prova, porquanto o extraditando tem direito a uma decisão célere. 13ª As alegações escritas têm de ser produzidas imediatamente a seguir à produção de prova, pois só nesse momento é que têm utilidade - fazer a súmula da prova que há-de servir de fundamento à decisão. 14ª A dilação que nestes autos teve lugar entre a data da produção de prova e a apresentação de alegações não é compatível com as garantias de defesa do extraditando. 15ª Mais é inconstitucional a interpretação do disposto no artigo 56°, n.° 2 da Lei da Cooperação Judiciária no sentido de que as alegações escritas podem ser apresentadas independentemente do tempo que tenha passado sobre a produção de prova, porquanto admite apresentação de alegações sobre prova ineficaz. 16ª Essa interpretação viola as garantias de defesa do arguido que o artigo 32°, n.° 1 da CRP consagra. 17ª As vicissitudes que este processo de extradição tem conhecido desde o seu início fazem com que o mesmo tenha deixado de ser justo e equitativo. 18ª E, por isso, não satisfaz as exigências da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, designadamente devido à morosidade processual (o extraditando tem conhecimento de este processo correr em Portugal contra si desde 10 de Novembro de 2005). 19ª Desde então vive em sofrimento e em sobressalto relativamente à decisão que venha a ser proferida, além de que se encontra sujeito a medidas de coacção (designadamente proibição de se ausentar para o estrangeiro e obrigação de apresentação periódica semanal) desde 27 de Setembro de 2009. 20ª O processo tornou-se uma tortura para o extraditando e, atendendo à dilação temporal, é o próprio processo que perdeu legitimidade para nele ser produzida uma decisão que autorize a extradição de AA. 21ª O extraditando não encontra justificação para a morosidade processual, sendo que a necessidade de tradução de documentos de língua moldava apenas terá tido lugar no início do processo e não já posteriormente. 22ª A rapidez na conclusão do processo é uma garantia constitucional e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art. 6º), é um direito do arguido (e também do extraditando), sendo igualmente do interesse da comunidade em geral. 23ª Um processo que se arrasta por tempo superior ao necessário para entrega do extraditando ao Estado requerente converte-se num sofrimento quotidiano para o extraditando. 24ª O artigo 6º, n.° 1, al. a) da Lei da Cooperação Judiciária Internacional determina que o pedido de cooperação deverá ser recusado quando "O processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal'. 25ª Este processo não respeita o disposto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e por isso verifica-se um requisito negativo da cooperação judiciária (Art. 6º, n.° 1, al. a) da LCJMP). 26ª Portugal é um Estado de direito democrático, que obedece estritamente à lei e consagra o respeito pelos Direitos e Liberdades fundamentais, assegurando aos arguidos todas as garantias de defesa. 27ª Por isso, não é admissível um Estado que tenha atingido um tal estalão de protecção dos direitos humanos venha a extraditar um cidadão estrangeiro no âmbito de um processo que, conforme se expôs, conta com vários atropelos aos direitos do extraditando. 28ª Em sede de oposição à extradição, o extraditando alegou maus tratos sofridos quer durante a detenção, junto das autoridades policiais, quer quando cumpriu pena de prisão, tendo o Tribunal a quo considerado que "nestes autos, o extraditando não logrou a demonstração do alegado". 29ª O art. 55°/1 da Lei de Cooperação Judiciária Internacional permite que o extraditando indique todos os meios de prova admitidos pela lei portuguesa, estabelecendo o artigo 125° do CPP que "São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei". 30ª Não obstante o Tribunal a quo ter admitido a inquirição de todas as testemunhas arroladas pelo extraditando, não produziu sobre estas provas a análise que se impunha, o que demonstra violação e mau uso do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127° do Código de Processo Penal. 31ª A desconsideração por completo do depoimento da mulher do extraditando carece de fundamentação e afigura-se ilegal. 32ª A lei não veda o depoimento de cônjuges, sendo hoje regra que toda a prova testemunhal é admitida, salvo quando for directa ou indirectamente afastada, aceitando-se como princípio o da capacidade. 33ª A testemunha prestou juramento antes de iniciar o seu depoimento (artigo 132°, n.° 1, al. b) do C.P.P.), foi alertada de que incorreria na prática de ilícitos criminais caso prestasse falso testemunho e foi alertada de que poderia não testemunhar, querendo, sendo tudo isto circunstâncias que reforçam a credibilidade do depoimento. 34ª O princípio da livre apreciação da prova não autoriza o Tribunal a desconsiderar depoimentos apenas porque a parte poderá ter interesse no destino dos autos, quando nada nesse depoimento autoriza a que se conclua que o mesmo não foi prestado de forma imparcial. 35ª E quanto às testemunhas BB e CC, tais testemunhas foram arroladas para prestar depoimento sobre toda a matéria alegada na oposição, nomeadamente para provar o preenchimento do requisito negativo de cooperação previsto no artigo 6º, al. a) da Lei de Cooperação Judiciária. 36ª O depoimento destas testemunhas se considerado, teria permitido, em conjugação com os demais documentos juntos aos autos, comprovar a situação de desrespeito pelos Direitos Humanos que se vive na República da Moldávia. 37ª Mais uma vez, o Tribunal a quo não fez um bom uso da livre apreciação da prova, porquanto tal liberdade de apreciação não permite pura e simplesmente ignorar os depoimentos, mas sim conjugá-los com os demais meios de prova a fim de verificar-se o que se pode ter como provado e não provado. 38ª A decisão produzida pelo Tribunal recorrido enferma do vício de erro notório na apreciação da prova. 39ª Não fora a total desconsideração da prova testemunhal e documental junta pelo extraditando, ter-se-ia dado como provado o preenchimento do requisito negativo da cooperação previsto na alínea a) do artigo 6º da Lei da Cooperação Judiciária. 40ª Tanto devido aos maus tratos de que o extraditando foi vítima como devido à situação de desrespeito pelos direitos humanos em geral neste país. 41ª O depoimento de DD foi prestado de forma espontânea e coerente e deveria ter sido considerado para prova dos maus tratos a que o extraditando foi sujeito perante as entidades policiais moldavas. 42ª Tais maus tratos deveriam ter resultado provados, até porque resulta do depoimento das demais testemunhas e dos documentos juntos aos autos que a situação de desrespeito dos direitos humanos é prática corrente na Moldávia. 43ª E por força de todos os depoimentos conjugados com a documentação junta aos autos - Relatório da Amnistia Internacional de 2007 sobre a situação dos direitos Humanos na Moldávia e Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem proferido no caso O… Vs. Moldávia, em 2006 - e com os relatos de casos verídicos retirados do relatório Anual da Amnistia Internacional do ano de 2007, deveria ter resultado provada a situação de desrespeito dos direitos Humanos na Moldávia. 44ª Erro notório na apreciação da prova verifica-se também quanto aos documentos, porquanto o Tribunal a quo entendeu que "as decisões e considerações documentadas pelo oponente para sustentar o alegado desrespeito pelos Direitos do Homem na Moldávia reportam-se a factos de 2000 e 2003”. 45ª Quando na verdade foi junto e traduzido o Relatório da Amnistia Internacional relativo ao ano de 2007, que relata algumas situações de maus tratos passadas nos anos de 2004, 2005 e 2006. 46ª Não fora a errada localização temporal dos factos alegados pelo extraditando, ter-se-ia de ter dado como provada a alegação do extraditando relativa a desrespeito dos Direitos do Homem neste país. 47ª E quanto ao alegado Plano Nacional de Acção os Direitos do Homem que o Parlamento Moldavo alegadamente terá instituído para os anos de 2004-2008, desconhece o extraditando de que documento se trate. 48ª De todo o modo, as informações neles contidas são contraditórias com outras mais recentes, como é o caso do Relatório da Amnistia Internacional relativa ao ano de 2008, disponível em http://thereport.amnesty.org/eng/regions/europe-and-centraasia/moldova, no qual se continuam a relatar casos de tortura e maus tratos físicos na Moldávia. 49ª Por isso, não só pelas vicissitudes que este processo de extradição já conheceu em Portugal, como também pelo facto de neste país não serem respeitados os direitos humanos, verifica-se que se mostra preenchido o requisito negativo da cooperação previsto no art. 6º n° 1 alínea a) da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal. 50ª A decisão que autoriza a entrega do extraditando ao Estado requerente, constitui uma Violação da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos, da Convenção Contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a Resolução 45/111, de 14 de Dezembro de 1990, que proclama os Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos. 51ª As notícias das violações dos direitos do Homem nas prisões moldavas são bastante conhecidas pelas organizações internacionais que tratam directamente com direitos humanos. 52ª E existindo elementos probatórios - prova testemunhal e documental -da existência de riscos de o extraditando ser torturado, caso seja entregue à República da Moldávia, uma decisão que considere não se verificar o requisito negativo de cooperação previsto na alínea a) do n° 1 do artigo 6.° da Lei de Cooperação - como entende a decisão recorrida - será inconstitucional, por violação dos artigos 8.°, 24.° e 25.° da Lei Fundamental. 53ª Inconstitucionalidade que desde já se suscita para todos os efeitos legais. 54ª Sendo que no caso sub judice, o risco de maus tratos e torturas não é só verificável em abstracto, mas já foi verificado em concreto, pois durante o tempo de pena que o extraditando já cumpriu na Moldávia foi reiteradamente vítima de maus tratos físicos bem como de tortura. 55ª Pelo que é manifesto concluir que os prejuízos que o envio de AA para a República da Moldávia acarreta, não são justificáveis pela necessidade da sua punição - na Moldávia - pelo crime em apreço. 56ª Acrescido do facto de o Estado requerente manifestar desinteresse na extradição, pois sabendo do seu paradeiro pelo menos desde 10 de Novembro de 2005, só em 2007 o pedido de extradição foi formalmente apresentado. 57ª Donde, deveria o pedido de cooperação ter sido recusado, por verificação do requisito negativo previsto na alínea a) do n° 1 do artigo 6.° da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal. 58ª Não tendo entendido assim, a decisão recorrida violou os normativos constantes nos arts. 3.°, n.° 2, 6.° n° 1 alínea a), 56°, n°s 1 e 2 e 57° da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal); os arts., 125°, 127.°, 165° e 410.°, n.° 2 alínea c) do Código de Processo Penal; o art. 32.°, n.°s 1, 2 e 5 da Lei Fundamental; os arts. 2º e 3.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; o art. 5º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; o art. 7º do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos; o art. 3º da Convenção Contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes e os arts. 3º e 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 59ª Porquanto, nos termos supra expostos, deferiu o presente pedido de extradição fora do condicionalismo legal e constitucional que regula o instituto da extradição, sem consideração pela condição pessoal e processual do Extraditando, em clara e frontal violação dos direitos individuais e inalienáveis que assistem a qualquer cidadão, bem como contra os limites soberania do Estado português. Termos e fundamentos por que, fazendo V.as Ex.as Senhores Juízes Conselheiros, a costumada Justiça, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, e, em consequência: a) Ser declarada a nulidade do Acórdão recorrido por omissão de diligências necessárias à descoberta da verdade material. b) Ser revogada a decisão recorrida indeferindo-se o pedido de extradição. Respondeu o sr. Procurador-Geral Adjunto na Relação de Évora, extraindo-se dessa resposta as seguintes passagens: 1. O primeiro argumento foi já devidamente rebatido quer no Parecer exarado a fls. 652 quer, fundamentalmente, no Acórdão recorrido, e em termos que merecem a nossa inteira adesão. E que, por isso mesmo, aqui se dão por inteiramente reproduzidos. Na verdade, a anterior decisão desse Supremo Tribunal de Justiça foi a de declarar a nulidade do processado por omissão da notificação, ao Extraditando, para apresentar as suas alegações nos termos do artigo 56° n° 2º da Lei n° 144/99 e, consequentemente, a de declarar nulos todos os termos posteriores, incluindo a Sentença que decretou a Extradição. Decisão bem clara no sentido de serem nulos, apenas e exclusivamente, os termos e actos posteriores à referida omissão. E não os a ela anteriores, aqui se incluindo, portanto, a prova testemunhal cuja ineficácia agora se pretende. Como bem se diz no aludido Parecer, "até àquela omissão tudo se mantém válido!", sendo certo que o Recorrente nem sequer convocou a existência de novas provas. Pretende apenas (e pelos vistos), que se proceda à reinquirição das referidas Testemunhas, com o insólito argumento de que, talvez agora, pudessem adiantar novos e mais pormenores sobre a situação do respeito pelos Direitos Humanos na Moldávia ou mesmo eventualmente sobre a situação concreta do Extraditando. Mas porquê só agora? Porque é que só agora estariam em condições de prestar depoimentos mais pormenorizados sobre tais aspectos, designadamente sobre a situação concreta do Recorrente? Tanto mais quanto, como se pode facilmente verificar dos Autos de Inquirição de fls. 429 e seguintes, não só a elas esteve presente a Ilustre Mandatária do Extraditando, como ela mesma e o Representante do Ministério Público suscitaram diversos esclarecimentos relativamente aos depoimentos então prestados, num sadio exemplo de manifestação do princípio do contraditório. Não se argumente, de resto, com as normas processuais penais cuja aplicação subsidiária se invoca. É que elas se reportam a uma realidade processual totalmente diferente (Julgamento em Processo Comum) à que subjaz à situação ora em análise, peio que tal relação de subsidiariedade nem sequer existe ou se justifica. Não se está, aqui, na verdade, perante qualquer interrupção da Audiência (acto que inexiste neste tipo de Processos) e da inevitável necessidade de concentração da prova ou, sequer, da normal tramitação do processado de acordo com a Lei que a regula. Com a apresentação da Oposição o Extraditando requereu diligências de prova (a Inquirição das aludidas Testemunhas como aquela Lei permite) e esta foi efectivada em ordem à prolação da decisão final. Vir agora (ou seja, em Recurso da decisão final) pretender que tal prova seja declarada ineficaz é, quanto a nós, argumento injustificável de qualquer ponto de vista, designadamente do ponto de vista da normalidade da tramitação processual específica do Processo de Extradição, nos exactos termos em que vem regulada na Lei n° 144/99. Sempre se dirá, em qualquer caso, que entendimento diverso jamais poderia conduzir à nulidade pretendida pelo Recorrente (a omissão de diligências essenciais para a boa decisão da causa, prevista no segmento final da alínea d) do n° 2 do artigo 120° do C.P.P.), pela liminar razão de que tais diligências foram oportunamente realizadas e, como tal, não foram omitidas. 2. Não se vislumbra, por outro lado e consequentemente, a inconstitucionalidade invocada, nem qualquer outra. De uma parte porque, como acima defendemos, a prova Testemunhal anteriormente produzida mantém toda a sua eficácia. De outra parte porque, respeitada que foi a tramitação processual nos exactos termos regulados pela Lei, nenhum direito de defesa do Recorrente foi posto em crise. Em terceiro lugar porque, como se pode comprovar pela análise da Motivação do Recorrente, este nem sequer explicita em concreto onde vislumbra tal inconstitucionalidade, limitando-se a invocar preceito de ordem constitucional que mal ioga com a exposição efectuada. Finalmente porque, como se diz no Acórdão recorrido, foi ele próprio quem, no efectivo exercício do direito de defesa que diz agora não respeitado, suscitou a nulidade que determinou a anterior decisão do STJ que, de facto, a declarou. Mas nos exactos termos em que a declarou, reafirma-se! 3. No que ao terceiro argumento diz respeito a decisão sob Recurso é, só por si, suficientemente esclarecedora. Basta percorrer os Autos para se poder constatar que a (pretensa) morosidade deste Processo teve a ver, essencialmente, com as dificuldades inerentes à natureza do Processo, à nacionalidade do Recorrente e ao seu exercício dos direitos de defesa. Não descartando que aqui ou ali ela possa ter tido ainda o contributo do Tribunal, o certo é que todo o processado obedeceu à tramitação normal regulada na Lei e que o lapso de tempo decorrido desde a detenção do Recorrente até à primeira decisão final proferida nos aparece ainda com a razoabilidade temporal prevista no normativo invocado como fundamento. 4. Pretende ainda o Recorrente que a decisão ora impugnada errou notoriamente na apreciação da prova e violou o princípio da sua livre apreciação. Ora, relativamente ao vício previsto na alínea c) do n° 2º do artigo 410° do C.P.P. (o erro notório na apreciação da prova convocado pelo Extraditando), haverá que referenciar, desde logo, que características comuns a todos os vícios previstos nas diversas alíneas do referido inciso legal são o de fundamentarem o reenvio do processo para outro julgamento quando insanáveis no tribunal de recurso e o de resultarem do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum. (…) Devidamente delimitado, assim, o conceito do vício processual contido na alínea c) do n° 2º do artigo 410° do C.P.P. parece-nos evidente que o Tribunal "a quo" não errou (e notoriamente, como se exige) na apreciação da prova. Na verdade, aquilo que o Recorrente entende como "erro notório na apreciação da prova" mais não é do que a sua diferente e particular visão e compreensão da prova produzida, em contraponto com a apreciação que dela fez o Tribunal recorrido no exercício da formação livre da sua convicção. O que o Recorrente verdadeiramente pretende impugnar é, cremos, o processo de formação da convicção do Tribunal recorrido que levou à fixação da matéria de facto, no sentido em que o foi, esquecendo que nos termos do disposto no art° 127° do C.P.P., "a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da autoridade competente" (aqui o Julgador), constituindo seu objecto "...todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis..." (art° 124° do C.P.P.) (…) Neste contexto haverá que afirmar que a fundamentação do Acórdão "sub judicio" cumpre os respectivos requisitos legais, ali se encontrando devida e exaustivamente explicitado e explicado o processo de formação da convicção do Tribunal e o exame crítico das provas que o alicerçou, nomeadamente o raciocínio lógico-dedutivo seguido e o porquê, a medida e a extensão da credibilidade que mereceram (ou não mereceram) os depoimentos prestados, não se perfilando a violação de qualquer regra da lógica ou ensinamento da experiência comum. Pelo que nenhuma razão assiste ao Recorrente quando pretende, apenas, que ela fosse valorada de forma diferente, mais consoante com os respectivos interesses. Não deixaremos, contudo, de aqui transcrever excertos do que, a propósito, já exaramos em sede das Alegações previstas no artigo 56° n° 2 da Lei n° 144/99: "... o Extraditando não logrou fazer prova, nos Autos, de que o que ali expôs lhe aconteceu em concreto. a. 2. É certo que, inquirida a pedido do Extraditando, a esposa veio relatar um conjunto de situações por si vividas e que são idênticas às que este refere ter sofrido. Dado, porém, o seu inequívoco interesse no desfecho do Processo, tais declarações não têm, em si mesmo consideradas, e só por si, qualquer virtualidade que permita dar como assente tal matéria. a. 3. Não se deixará de referir, em qualquer caso, que a Testemunha BB, vizinha do Extraditando na Moldávia e também oportunamente inquirida a seu pedido, esclareceu que nada sabia em concreto sobre tais factos e, quando perguntada sobre se tinha visto a mulher do Extraditando com nódoas negras e outros ferimentos no dia seguinte aos acontecimentos que relatou, respondeu que apenas a viu passadas duas semanas e que, então, aquela não apresentava quaisquer ferimentos exteriores, estando apenas muito magra e com olheiras. O que, realce-se, parece muito pouco compaginável com as reiteradas e violentas agressões que diz ter sofrido, apesar do decurso das aludidas duas semanas. a. 4. Também a Testemunha CC veio afirmar desconhecer, em concreto, as agressões e maus tratos invocados como sofridos pelo Extraditando. a. 5. Tudo o mais que uma e outra das referidas Testemunhas expôs são afirmações de natureza genérica e não fundamentada e, por isso mesmo, meramente conclusivas. a. 6. Sublinhe-se, a finalizar e como contraponto, que na Fundamentação do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça da República da Moldávia a Recurso do Ministério Público, que tornou definitiva a Sentença proferida no Tribunal da 1ª Instância (que nos é vedada sindicar por estranha ao objecto do Processo de Extradição), se afirma claramente que não se confirmaram/provaram nem as ofensas corporais que os aí Arguidos (entre os quais se inclui o Extraditando) declararam ter sofrido por parte dos agentes da polícia, nem o argumento de que as declarações prestadas em sede de Inquérito por aquele e pelos restantes intervenientes seriam falsas porque obtidas sob coacção dos mesmos agentes, já que foram prestadas na presença dos respectivos Advogados...” "... a. 10. Relativamente ao desrespeito dos Direitos do Homem pela República da Moldávia, designadamente os respectivos reflexos no seu sistema prisional onde, segundo o Extraditando com o apoio das decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Relatório da Amnistia Internacional que junta, os presos são sujeitos a tortura e a tratamentos inumanos e degradantes, haverá que realçar que tais documentos se referem a factos e situações ocorridos entre 2000 e 2003. a. 11. Sucede, porém, que em 24 de Outubro de 2003 o Parlamento Moldavo adoptou a Decisão n° 415-XV que instituiu o Plano Nacional de Acção para os Direitos do Homem para 2004-2008, com o qual se pretendeu alcançar um determinado número de objectivos tendentes a melhorar as condições de detenção, incluindo a redução da sobrelotação das prisões, a melhoria da prestação de cuidados médicos, a reintegração dos detidos e o seu envolvimento laboral, bem como o treino do respectivo pessoal de guarda (cfr. a decisão do TEDH de 10/05/07, proferida no Processo n° 14437/05, "Caso Modarca versus Moldova"). a. 12. É certo que quer o Ministério da Justiça, quer a Comissão Parlamentar dos Direitos do Homem da Moldávia, em Relatórios separados elaborados em 2005, vieram concluir que, por falta do necessário financiamento, o referido Plano Nacional de Acção não se havia conseguido implantar completamente até então (idem). a. 13. Não menos certo é, porém, que na visita recentemente efectuada à República da Moldávia entre 14 e 24 de Setembro de 2007 pelo Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e dos Tratamentos ou Penas Inumanas e Degradantes, o Presidente da respectiva Delegação elaborou Observações Preliminares ao Relatório Final a apresentar nas quais se saúda, relativamente aos Estabelecimentos Prisionais sob tutela do Ministério da Justiça, as medidas já tomadas para reformar o sistema penitenciário Moldavo, das quais sobressaem a redução da população prisional e da sobrelotação das cadeias, bem como a mudança de mentalidades que se alcançou pela via do melhoramento da formação profissional do pessoal e dos procedimentos do seu recrutamento. a. 14. Ali se registando, igualmente, a inexistência genérica de relatos de maus tratos físicos aos detidos e as boas relações entre estes e o pessoal em funções nos EP's. a. 15. Da leitura destas Observações Preliminares, disponíveis no sítio "www.cpt.coe.int/documents/mda/2007-43-inf-fra-pdf", resulta que muitas das situações de fragilidade do sistema penitenciário Moldavo em termos dos Direitos do Homem (o tutelado pelo Ministério da Justiça, que é exclusivamente aquele que nos interessa visto o motivo que justifica o Pedido de Extradição - cumprimento de pena), estão já resolvidos ou em vias de resolução.” Uma última palavra sobre os Relatórios da Amnistia Internacional para dizer que, sendo embora esta uma Instituição Internacional que deve merecer todo o respeito, os seus Relatórios não são normalmente imunes a contra-críticas dos Estados visados nem constituem regras de obrigatório e internacional acatamento, tanto mais que se desconhece - também neste caso concreto - a metodologia utilizada na sua elaboração, a forma como são escolhidos os testemunhos em que se baseiam e a respectiva representatividade. Diga-se, aliás, que se tais Relatórios tivessem a força probatória que o Recorrente lhes parece atribuir chegar-se-ia ao absurdo de nenhum cidadão poder ser extraditado, do estrangeiro, para cumprimento de pena em Portugal, já que a mesma Amnistia Internacional tem vindo sucessivamente a criticar o sistema prisional português, apontando-lhe as mesmas falhas que, em geral, aponta ao sistema prisional moldavo (sobrelotação, maus tratos, péssimas condições sanitárias e de alimentação, perigo de contracção de doenças infecto-contagiosas, nomeadamente o HIV-SIDA e a Hepatite B). Colhidos os vistos, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO São as seguintes as questões colocadas pelo recorrente: 1. Ineficácia da prova testemunhal produzida em 30.10.2007, nos termos dos arts. 328º e 373º do Código de Processo Penal (CPP) e daí a nulidade da decisão, por força do art. 120º, nº 2, d) do CPP; 2. Inconstitucionalidade do art. 56º, nº 2 da LCJI, interpretado no sentido de as alegações escritas poderem ser apresentadas independentemente do tempo já passado sobre a produção da prova; 3. Erro notório na apreciação da prova; 4. Violação do art. 6º, nº 1, a) da LCJI, por infracção do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). I. Começaremos a análise do recurso por esta última questão, porque a sua eventual procedência implicará que o conhecimento das restantes fique prejudicado. Alega o recorrente que este processo de extradição viola o princípio do processo justo e equitativo, devido à morosidade processual, que não é explicável pela necessidade de tradução dos documentos ou qualquer outro motivo atendível ou razoável. Assim, tendo-se arrastado o processo de extradição para além do tempo necessário para a concretização da entrega do extraditando ao Estado requerente, não há legitimidade para deferir a extradição. O art. 6º, nº 1, a) da LCJI dispõe que o pedido de cooperação é recusado quando o processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da CEDH ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal. Por sua vez, o art. 6º da CEDH consagra o “direito a um processo equitativo”, conceito que compreende diversas vertentes, entre as quais a do direito a julgamento “num prazo razoável”. (1) Antes de analisarmos mais desenvolvidamente estas noções, vejamos as vicissitudes sofridas pelo processo, percorrendo a sua evolução desde o início. Os autos foram desencadeados pelo cumprimento, em 10.11.2005, de um mandado internacional de detenção emitido pela República da Moldávia para extradição do ora recorrente para cumprimento de uma pena de 14 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio, pelo qual foi condenado em 24.11.1999, em 1ª instância, decisão confirmada por sentença do Supremo Tribunal de Justiça da Moldávia em 13.6.2000. Foi o extraditando ouvido em interrogatório no dia 11.11.2005, tendo sido confirmada a detenção, e ordenado que o extraditando ficasse na situação de prisão a aguardar o prazo de 18 dias a que alude o art. 38º, nº 5 da LCJI. Posteriormente, e ao abrigo do mesmo preceito, veio o Ministério Público (MP) requerer o prolongamento desse prazo para 40 dias (pois o Ministério da Justiça da Moldávia informara que o pedido de extradição seria apresentado logo que possível, após redacção e tradução), o que foi deferido. Em 16.12.2005 foi realizado novo interrogatório do extraditando, através de intérprete, tendo ele requerido a alteração da situação de “detenção provisória”, o que foi indeferido. Contudo, porque entretanto não foi apresentado o pedido formal de extradição pelo Estado requerente, o extraditando foi libertado em 19.12.2005. Posteriormente, a República da Moldávia informou que existiam problemas relacionados com a tradução dos documentos necessários para a extradição, solicitando que o extraditando fosse “colocado em observação”, manifestando desta forma interesse na extradição. Desde essa data (23.12.2005) e até 20.8.2007, os autos ficaram a aguardar a apresentação do pedido de extradição, que vem a ser efectuada pelo MP em 23.8.2007, depois de recebida a documentação da República da Moldávia, com o pedido de extradição traduzido em francês, entretanto traduzido para português na Procuradoria-Geral da República. No dia imediato são emitidos mandados de detenção contra o extraditando, que veio a ser detido em 26.9.2007. Ouvido no dia seguinte, foi decidido que ele aguardasse os ulteriores termos do processo em liberdade, mas sujeito à medida de obrigação de apresentação semanal no posto da GNR e à proibição de se ausentar do concelho de residência, bem como do território nacional, devendo proceder à entrega do passaporte. Por despacho de 30.10.2007, e a pedido do extraditando, foram alteradas as medidas de coacção no sentido de ficar autorizado a ausentar-se do concelho de residência no exercício da actividade profissional. Foi ordenado o cumprimento do art. 56º, nº 2 do LCJI por despacho de 13.11.2007. Concluso o processo, para decisão final, ao juiz relator em 4.12.2007, só em 27.6.2008 foi proferido despacho, ordenando que fosse inscrito na tabela do dia 15.7.2008. Contudo, a extradição não foi decidida nesse dia, não se encontrando nos autos acta do adiamento, nem despacho a justificar o facto. O processo manteve-se concluso ao juiz relator até ao dia 30.12.2008, quando dá entrada um requerimento do extraditando pedindo a entrega do passaporte. Os autos são de novo conclusos ao relator em 14.1.2009 com a informação de que tinham sido retirados da tabela da sessão de 25.11.2008 (facto não documentado nos autos) e de que tinham estado na posse do mesmo magistrado até ao dia 30.12.2008. Segue-se a essa conclusão um termo de cobrança com data de 10.3.2009, com a informação de que o relator do processo cessara funções no tribunal. A 12.3.2009 o processo é redistribuído. E a 24.3.2009, o novo juiz relator manda inscrever o processo na sessão seguinte, sendo proferida finalmente a decisão no dia 21.4.2009, autorizando a extradição. Desse acórdão interpôs o extraditando recurso para este Supremo Tribunal, que, por acórdão de 18.6.2009, anulou a decisão recorrida, por omissão de notificação do extraditando para os efeitos do art. 56º, nº 2 da LCJI. Sanada a nulidade, foi proferido novo acórdão pela Relação em 29.9.2009, sendo deste acórdão que vem interposto o presente recurso. II. Elencados os factos relevantes que marcam a tramitação do processo, importa agora regressar à matéria de direito, para caracterizar os conceitos de “processo equitativo” e de “prazo razoável”.(2) O conceito de “processo equitativo”, consagrado pelo art. 6º da CEDH, que foi igualmente acolhido pela Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu art. 20º, nº 4, designa um complexo de direitos de que as pessoas gozam, a começar pelo próprio direito à acção e direito a um tribunal independente, mas que abrange um rede densa de direitos e faculdades atribuídos às partes processuais, em especial ao arguido em processo penal. Sem preocupação, nem necessidade, de esgotamento da matéria, refira-se que o princípio compreende nomeadamente, e reportando-nos especificamente ao processo penal, o direito à publicidade, o direito ao contraditório, o direito à igualdade de armas, o direito de presença, e o direito ao julgamento da causa em prazo razoável. Especificamente quanto ao arguido, o processo equitativo impõe uma constelação de direitos muito extensa (direito ao silêncio, princípio da presunção de inocência, direito de recurso, etc.), visando compensar a desigualdade congénita que o processo penal encerra (Estado versus cidadão). Para o caso dos autos, importa analisar o direito ao julgamento num prazo razoável. A importância deste direito é de primeira grandeza, pois se considera que só quando decidida em tempo a decisão pode ser justa. A justiça da decisão é, pois, avaliada não só em função da qualidade intrínseca da mesma, como também do tempo em que é proferida. Por outras palavras, uma decisão intrinsecamente justa, segundo os critérios materiais e processuais, deverá ser considerada injusta (e não apenas ineficaz ou pouco credível) se for tardia. Realçada a importância deste direito, como caracterizar o “prazo razoável”, como medir a razoabilidade da duração de um processo? O elemento “razoabilidade” aponta, desde logo, para uma certa indeterminação, que deverá ser preenchida analisando as circunstâncias do caso, mas mediante o recurso a certos critérios gerais que importa determinar, para evitar o casuísmo puro, que pode conduzir a soluções intoleravelmente divergentes. Assim, a razoabilidade da duração de um processo dependerá, antes de mais, da sua natureza, ou seja, de tratar-se ou não de um processo a que seja atribuída por lei a natureza de urgente. Desta forma, todos aqueles processos que têm essa classificação legal não podem deixar de ter uma tramitação especialmente célere, para defesa dos interesses que o legislador pretendeu acautelar (interesses públicos ou de arguidos presos, menores, pessoas especialmente indefesas, etc.). Depois, há que aquilatar da complexidade do processo, avaliada segundo as características da própria matéria investigada, dificuldade e morosidade inerente às diligências indispensáveis a realizar (perícias, cartas rogatórias, diligências a efectuar no estrangeiro, pedidos de cooperação internacional, tradução de documentos, mormente de línguas de reduzida circulação, dificuldades de identificação e localização de pessoas, por exemplo), número de arguidos, de testemunhas, questões de direito de especial complexidade, eventualmente a resolver em foro diverso. Também as próprias dificuldades, nomeadamente sobrecarga de serviço, dos tribunais e dos seus magistrados podem servir de parâmetro de avaliação da razoabilidade do prazo, mas só limitadamente. Na verdade, o Estado tem obrigação de organizar os seus serviços públicos, incluindo o de Justiça, de forma a corresponderem às necessidades e procura por parte dos cidadãos, garantindo-lhes com eficácia a salvaguarda dos seus direitos fundamentais. Daí que só uma ocasional e imprevista situação de acumulação de serviço possa ser legitimamente invocada como justificação para um atraso processual. Justificação que aliás deverá ser sempre concretamente fundamentada. É claro que só os atrasos provocados pelas autoridades podem servir como fundamento para o excesso de prazo. Os actos dilatórios do arguido, provocando deliberadamente o prolongamento anormal do processo, não podem evidentemente ser contabilizados contra as autoridades judiciárias. Mas também é óbvio que nesses actos (dilatórios) não podem ser incluídos os actos praticados no uso legítimo e razoável (não abusivo, não anormal) de direitos que a lei lhe atribui (direito de recorrer, direito de requerer, direito de expor), desde que, insiste-se, exercidos de forma necessária, adequada e proporcional ao exercício da defesa. Importa ainda frisar que, para “contagem” do prazo, se deve considerar o mesmo iniciado, em processo penal (ao qual, aliás, sempre nos temos estado a referir), com o conhecimento “oficial” que o arguido tem do processo, normalmente quando for constituído arguido, ou quando for ouvido pela primeira vez, pois é a partir daí que para ele, que é o “visado” no processo, nasce a expectativa (e o direito) de uma decisão em tempo razoável. Posto isto, importa agora analisar, com a ajuda destas considerações de direito, os factos acima descritos. Antes de mais, é de notar que a extradição é um processo urgente, como é expressamente afirmado no art. 46º, nº 1 da LCJI, e é confirmado pelos prazos especiais e reduzidos que são estabelecidos para a sua tramitação, quer na fase administrativa (arts. 48º e 49º a LCJI), quer na fase judicial (arts. 50º a 61º da LCJI). Percorrendo os autos, podemos concluir que a sua tramitação foi inteiramente regular e atempada desde a detenção do recorrente, em 10.11.2005, até 23.12.2005, data em que se fica a aguardar a apresentação do pedido de extradição por parte da República da Moldávia. Contudo, só em 23.8.2007, o MP vem requerer a extradição, ou seja cerca de ano e meio depois! É certo que foram invocadas dificuldades de tradução dos documentos, e essas dificuldades seriam compreensíveis, até certo ponto, se a tradução viesse em português… Mas não, veio em francês. Ora, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Moldávia usa necessariamente uma ou duas línguas de circulação internacional (no caso recorreu ao francês), pelo que para essas não haveria dificuldade de tradução. A demora não pode deixar de ser tida como desleixo ou negligência, o que objectivamente terá de ser qualificado como desinteresse na extradição por parte do Estado requerente. Mas há mais. O processo de extradição, embora tenha voltado a “carrilar” após o início da fase judicial (23.8.2007), “encalhou” novamente em 4.12.2007, quando é concluso ao juiz relator para decisão final. O processo fica então paralisado, nas mãos do relator, até 10.3.2009, altura em que é redistribuído, ou seja, durante um ano e três meses, sem que seja dada qualquer explicação, muito menos justificação, para o facto pelo juiz relator ou pelo tribunal. Ignoram-se as razões que provocaram essa paralisação. E nem se pode sequer atribuir a responsabilidade exclusivamente ao juiz relator que provocou o atraso. É que o tribunal (seja de 1ª instância, seja um tribunal superior) tem de ter mecanismos de controlo ou fiscalização que permitam detectar situações anómalas, para as remediar em tempo útil. Note-se que, desde 27.9.2007, o extraditando tem estado sujeito a medidas de coacção restritivas da sua liberdade de circulação: sujeição a apresentação semanal junto das autoridades e proibição de se ausentar da área do concelho, a não ser para o desempenho de funções de carácter profissional, e proibição de se ausentar do território nacional. Ou seja: o processo esteve parado durante cerca de ano e meio na fase administrativa, e aproximadamente um ano e três meses na fase judicial, por motivos não só não imputáveis ao extraditando (pois a única “dilação” que provocou - arguição de nulidade da primeira decisão final - foi julgada procedente!), como exclusivamente imputáveis às autoridades administrativas, num primeiro momento, e judiciárias, depois, não tendo estas últimas justificado ou sequer adiantado qualquer explicação para os atrasos. E entretanto passaram-se quatro anos sobre o início do processo de extradição, que é, recorda-se, um processo urgente. Não se tornam necessárias seguramente outras considerações para concluir que a decisão proferida, ainda que nos reportemos (e devemos fazê-lo, porque a partir daí o processo seguiu normalmente os seus trâmites) à primeira decisão final, não respeitou o “prazo razoável” a que se refere o art. 6º da CEDH (e o art. 20º, nº 4 da CRP). Consequentemente, o pedido de extradição deverá ser recusado, por força do art. 6º, nº 1, a) da LCJI. Ficam, assim, prejudicadas as restantes questões colocadas pelo recorrente. III. DECISÃO Com base no exposto, revoga-se o acórdão recorrido e recusa-se a extradição, com fundamento no art. 6º, nº 1, a) da LCJI, conjugado com o art. 6º da CEDH, assim se concedendo provimento ao recurso. Cessam de imediato as medidas de coacção impostas ao recorrente. Sem custas. Remeta-se certidão do presente acórdão ao Conselho Superior da Magistratura, para os efeitos tidos por convenientes. Lisboa, 12.11.2009 Maia Costa (Relator) Raul Borges __________________________________________ (1) É o seguinte o texto do nº 1 do artigo: “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público (…)”. (2) Sobre esta matéria, ver Ireneu Cabral Barreto, A convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 2ª ed., pp. 144-150; J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª ed., pp. 414-416; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, p. 192 |