Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
786/20.6T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: PROCESSO DE ACOMPANHAMENTO DE MAIORES
MAIOR ACOMPANHADO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
PROVA PERICIAL
PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
FORÇA PROBATÓRIA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
PODERES DE COGNIÇÃO
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Face ao art. 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça não deve pronunciar-se sobre os resultados da livre apreciação da prova pericial pelas instâncias.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



i. — RELATÓRIO


 1. AA instaurou a presente acção especial de acompanhamento relativamente à maior BB requerendo que, fosse decretada a medida de “acompanhamento da Ré pelo Autor na vida social, financeira e familiar, sobretudo nas decisões que digam respeito aos seus atos da vida civil quotidianos, nomeadamente a sua saúde, moradia e alimentação […]”.


2. O Tribunal de 1.ª instância proferiu sentença com o seguinte teor:

“julgo a presente ação procedente por provada e em consequência nomeio AA, residente na Rua ..., ..., ..., como acompanhante de BB, a quem cometo as seguintes medidas de acompanhamento:

Representação especial, incluindo nos cuidados relativos ao alojamento e bem-estar, incluindo fixar domicílio; perante a autoridade tributária, caixa geral de aposentações e segurança social, identificação civil, entidades bancárias, perante instituições de saúde mormente decisão sobre marcação de consultas, comparência às mesmas, adesão às terapêuticas prescritas, toma de medicação e necessidade de intervenções cirúrgicas, bem como abertura/tratamento de correspondência associada.

Administração total dos bens e rendimentos de que a beneficiária é titular.

Inibo a beneficiária de fixar domicilio e de testar.

Fixo como data da necessidade das medidas aplicadas, novembro de 2013.

As medidas aplicadas deverão ser revistas no prazo de 5 anos.

Consigno que não há registo de que a beneficiária outorgou testamento vital ou procuração de cuidados de saúde.”


4. A beneficiária BB interpôs recurso de apelação.


5. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) A presente decisão recorrida ao fixar apenas como válido o primeiro Relatório Pericial do Dr. CC e ao rejeitar liminarmente o segundo Relatório Pericial elaborado pelo médico perito do INML ..., com larga experiencia nos exames psiquiátricos, fez uma valorização e uma rejeição erradas quanto à livre apreciação da prova dos mesmos;

B) A rejeição pela Srª. Juiz a quo do pedido do M.P. de uma terceira perícia, porque dos autos constavam duas, foi claramente tendenciosa na exata medida em que já pressupunha a sua opção pela rejeição da segunda perícia, na exata medida em que esta é oposta ao teor da primeira;

C) Salvo melhor opinião e com a devida vénia, a Exmª. Srª. Juiz a quo não possui conhecimentos médicos especializados em psiquiatria e nomeadamente na área do Síndrome Demencial que lhe permitam sequer fundamentar a rejeição do carácter cientifico do relatório médico da segunda perícia como a mesma faz;

D) A avaliação da Srª. Juiz relativamente ao facto de o Tribunal não ter remetido ao segundo perito todos os elementos que constam nos presentes autos e os elementos clínicos da Requerida, respondendo que este os não pediu, na sessão de esclarecimentos, não pode manter-se na medida em que demonstra a pré-decisão da rejeição do segundo relatório pericial com total desprezo pelo carácter cientifico do mesmo;

E) O que é inequívoco, pois que face à oposição deste com o do primeiro relatório, justificava que a Srª. Juiz a quo pedisse esclarecimentos a ambos, se não mesmo remetesse reciprocamente os relatórios tendo em vista perguntar a cada um deles, se mantinham o teor dos relatórios ou se teriam algumas diligências a efetuar;

F) Porém a Exmª. Srª. Juiz tinha pressa em declarar a Requerida totalmente incapaz com efeitos retroativos a novembro de 2013 sem que vislumbrem quais os fundamentos médicos, clínicos e científicos em que tal se sustente;

G) Na verdade a Exmª. Srº. Juiz não ignora que a Requerida não foi notificada para a sua audição e exame em outubro de 2020 e que foi com total surpresa e inusitadamente que viu a sua suite invadida pelo aparato da Srª. Juiz, a funcionária, a magistrada do MP, o Advogado do Requerente e a pessoa do Requerente, de quem a mesma já se queixava e cuja presença recusava, para além do pessoal da instituição;

H) E que a audição da Requerida naquelas condições foi totalmente condicionada pelo estado de exaltação e desassossego e perturbação que lhe provocaram irritação total e a perturbaram psiquiatricamente de modo a de nada se lembrar;

I) Já na audição que ocorreu em fevereiro de 2021 apesar do stress da deslocação tardia para o Tribunal, porque já com a presença do seu Advogado lhe permitiu de forma tranquila explanar o seu percurso de vida e responder a todas as questões;

J) Para além da ausência do Requerente, facto que lhe não causou perturbação, salvo quando foi instada sobre a pessoa do mesmo, no que logo demonstrou total oposição e que de imediato a irritou;

K) Da prova documental existente nos autos resulta que a Requerida foi vitima de burlas, nomeadamente burlas informáticas, à semelhança de muitas outras pessoas novas, de média idade ou de idade avançada;

L) Não se provou que a Requerida tivesse acesso a quaisquer extratos bancários nos quais pudesse visualizar todos os valores que lhe foram e vinham sendo retirados sem que a mesma soubesse do que se estava a passar, sendo que a sua noção era de que gastava pouco e pedia que lhe levantassem o dinheiro;

M) Não é pelo facto de a Requerida, à semelhança de muitos idosos, decorridos mais de 20 anos sobre a entrada do euro, não ter a noção do valor dos euros, só percebendo o valor do dinheiro se as quantias forem traduzidas para a anterior moeda, ou seja, os “escudos” e os “contos”

N) A Requerida tem a noção de que precisa de alguém para cuidar dos seus bens, valores, pensões e despesas, bem como para tratar de todos os assuntos perante todas as entidades, seja porque depende de cadeira de rodas, seja porque não sabe do valor do dinheiro, seja porque não sabe quanto custam as coisas e os serviços e não tem qualquer quadro referencial de comparação;

O) Porém a Requerida não quer que seja o Requerente a pessoa que cuide da sua vida, não se escudando a dar autorização ao tribunal a que seja pago um valor a quem ficar a cuidar das suas coisas já que tem dinheiro e rendimentos capazes de suportar essa despesa;

P) A Requerida entende que tem direito a ser assistida por pessoa que lhe não cause repulsa e que não tenha interesse na sua morte e que não esteja à espera que morra para herdar.

Q) A decisão recorrida viola o disposto nos arts.º 138º, 139º e 140º do C.C. por lhe nomear pessoa que lhe não assegura o seu bem-estar, bem o pleno exercício dos seus direitos enquanto pessoa, com ressalva dos relativos à administração do seu património financeiro;

R) A livre apreciação pelo tribunal dos laudos periciais em causa nestes autos não pode ser feita com base nas leituras que a Exmª. Srª. Juiz fez em livros de psiquiatria clínica, mas tem de ser feita por quem tenha a competência científica para reanalisar os relatórios das duas perícias, os relatórios clínicos anteriores e o do Hosp. De ... e efetue novas entrevistas à Requerida e efetue relatório final.

S) A decisão recorrida viola o disposto nos arts.º 388º e 389º do C.C. e o disposto no art.º 489º do C.P.C..

Nestes Termos e nos mais de direito aplicáveis que mui doutamente serão supridos deve o presente recurso ser dado como procedente por provado e, em consequência deve ser revogada a sentença recorrida quanto à pessoa nomeada bem como quanto à incapacidade da requerida para testar e fixar domicilio.

Assim decidindo, farão como sempre V. Exas. Inteira JUSTIÇA!”


6. O Requerente AA e o Ministério Público contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.


7. O Tribunal da Relação julgou o recurso de apelação parcialmente procedente:

I. —Em primeiro lugar, anulou a sentença recorrida “apenas quanto à nomeação do acompanhante”, “com vista a que [fosse] averiguada a hipótese de ser nomeada pessoa em quem a recorrente [expressasse] no presente ter confiança e que simultaneamente [oferecesse] idoneidade para exercer o cargo, em alternativa ao requerente nos autos”.

II. — Em segundo lugar, determinou que o Tribunal de 1.º instância apurasse “qual o valor do património da Recorrente à data em que a acção foi instaurada e no presente”.

III. — Em terceiro lugar, determinou que o Tribunal de 1.ª instância apurasse “se a [Recorrente] outorgou alguma disposição de última vontade”.

IV. — Em quarto lugar, determinou que se fixasse o prazo para revisão das medidas de acompanhamento em um ano.


8. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar a presente apelação parcialmente procedente, consequentemente anulando parcialmente a decisão recorrida para que sejam efetuadas as diligências acima notadas e após seja proferida nova decisão quanto à nomeação do acompanhante.

No mais se mantendo a decisão recorrida.


9. A beneficiária BB interpôs recurso de revista.


10. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) Os meios de prova pericial da 1ª e da 2ª perícia, esta feita pelo INML ... impunham de per si que o Tribunal recorrido procedesse à alteração da decisão da matéria de facto nos termos do art.º 662º do C.P.C.;

B) Validando as conclusões da 1ª perícia médico legal em detrimento da 2ª, sem prejuízo de, por força de por força de outros factos dados como provados, ter de ser nomeado acompanhante à Recorrente/Requerida, para efeito de alienação de bens, administração de rendimentos, a partir de determinado montante, nunca pondo assim em risco a sua subsistência, a curto, médio ou longo prazo;

C) Mas se não se entender validar a 2ª prova pericial, sempre oficiosamente, nos termos do nº 2 do art.º 662º do C.P.C., se impunha ao Tribunal recorrido, que, na dúvida sobre as duas provas periciais antagónicas entre si ordenasse a realização de uma 3ª perícia de preferência colegial, no INML;

D) Uma vez que está em causa uma pessoa com 92 (noventa e dois) anos de idade, cujo funcionamento cerebral, não é seguramente equiparável a quem faz a sua avaliação;

E) Sendo certo que no domínio do psíquico a avaliação do funcionamento cerebral, não se valida apenas por exames científicos feitos ao cérebro e aos sistemas nervosos, mas também pelo histórico do comportamento, da ficha e registos clínicos, para além das provas de entrevistas;

F) A rejeição da análise e apreciação da matéria de facto dada como prova, mas retirada do relatório da 1ª prova pericial, devidamente impugnada nos termos do art.º 640º do C.P.C., impunha que o Tribunal a quo tivesse procedido à apreciação dos dois relatórios dos exames periciais, para em função do princípio da livre apreciação da prova, verificar qual dos dois exames periciais e respectivos relatórios deveria ser valorado, ou se se impunha a realização de terceiro;

G) A rejeição da apreciação da valoração daqueles meios de prova, antagónicos e excludentes entre si, apesar de sujeitos à livre apreciação do julgador, não permitiam a qualquer dos tribunais, muito menos ao recorrido fazer opção pelo 1º em detrimento do 2º, quando este aparece à luz das regras de análise mais bem fundamentado e esclarecedor do que o do 1º, mera soma de factos relatados por terceiros que não percepcionados pelo perito;

H) As duas audições da Recorrente, pelo médico perito autor da 1ª perícia foi realizada em condições adversas e hostis à mesma, porque na presença “do inimigo” na 1ª, e porque de baixo de “fogo cerrado” (interrogatório” pela Srª. Juiz quanto à segunda e em voz alta, atenta a deficiência auditiva da Recorrente;

I) A repulsa que pode advir para o julgador de ter de dar como provados factos prejudiciais ao património da Recorrente, que eventualmente até podem constituir natureza criminal de burla, abuso de confiança e crime informático, não se pode voltar de novo contra a vitima em termos de juízo final no que respeita à sua dignidade como pessoa, ao direito a expressar a vontade, ao direito às suas satisfações emocionais e afectivas, não impedindo contudo a aplicação de medidas protectoras, mas não castradoras da pessoa da Recorrente;

J) A qual, salvo melhor opinião, até direito tem a gastar mais do que a satisfação das suas necessidades básicas, conformes ao seu estatuto social de professora reformada, em coisas que lhe dêem prazer, nomeadamente na compra diária de revistas para ler, ir à cabeleireira, etc.;

K) Se é certo que as duas provas periciais não estão sujeitas ao regime da prova legal, não deixa o julgador de estar condicionado pelas suas conclusões cientificas, considerando a natureza e a especialização da ciência em apreço e por isso até sujeita ao Instituo Legalmente estatuído para o efeito o INML, devendo por isso o julgador seguir as conclusões do cientista;

L) Face às conclusões científicas contraditórias dos Srs. Peritos da 1ª e 2ª perícias, impunha-se necessariamente, salvo melhor opinião, que o Tribunal recorrido eliminasse da matéria de facto, os factos extraídos do relatório da 1ª perícia e ordenasse a baixa dos autos para realização de perícia colegial no INML, razão da violação do disposto no nº 2 do art.º 662º do C.P.C.; e

M) A recusa da apreciação da violação da livre apreciação dos relatórios periciais equivale a omissão de pronúncia e consequentemente à nulidade do acórdão revidendo nos termos do art.º 615º do C.P.C., o que para os devidos efeitos e por cautela se argui.

Nestes Termos e nos mais de direito aplicáveis que mui doutamente serão supridos por V. Exªs. deve a Revista ser dada como provada e procedente e em consequência revogado o acórdão revidendo e ordenada a eliminação da matéria de facto dada como provada que foi extraída do 1º relatório pericial e ordenada a realização de uma nova perícia à Recorrente desta feita colegial, sob a direcção do médico Chefe do Serviço de psiquiatria do INML, com exclusão de qualquer dos peritos que já teve intervenção.

Assim decidindo, farão como sempre V. Exas. Inteira JUSTIÇA!


11. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se a Recorrente impugnou a matéria de facto;

II. — se, ao impugnar a matéria de facto, a Recorrente observou os ónus do art. 640.º do Código de Processo Civil;

III. — se o Tribunal da Relação tinha o dever de alterar a matéria de facto, eliminando os factos dados como provados a partir do 1.º relatório pericial;

IV. —  se o Tribunal da Relação tinha o dever de anular a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e de ordenar a realização de uma 3.ª perícia médico-legal;

V. — se o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


   OS FACTOS


12. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

1. A beneficiária nasceu no dia .../.../1930, na freguesia ..., ....

2. Casou com DD, em ... . ... .1955, cujo casamento foi dissolvido por óbito do marido a 2.11.2014.

3. Do mencionado casamento não nasceram filhos e a beneficiária e marido eram também filhos únicos.

4. A beneficiária foi professora do ensino primário e o marido inspector do mesmo ensino.

5. O casal viveu em ..., desde, pelo menos, 1970.

6. Em 18.03.1998 a Ré, juntamente com o marido, subscreveu um contrato de prestação de serviços com a C.... nos termos do qual, mediante o pagamento do preço acordado, esta se comprometeu a fornecer estadia vitalícia na suite 722, da sua clínica, sita em ..., alimentação, serviço de limpeza e tratamento de roupa e assistência médica.

7. Em 29.04.2015 entre a beneficiária e EE foi outorgado um acordo denominado “Confissão – Reconhecimento de Dívida e Plano de Pagamento”, nos termos do qual este declarou que, acompanhado da beneficiária, mas sem que esta tivesse consciência do que estava a tratar, no dia 22 de Janeiro de 2015, dirigiu-se à Estação dos Correios ..., e transferiu o montante de 122.331,19 € para a conta que a mesma titula no Banco 1.... No dia 25 de Fevereiro de 2015, na mesma Estação dos Correios, procedeu à transferência do montante de 243.685,19 € para a mesma conta. Mais confessou que, sem o conhecimento da beneficiária, obteve o cartão multibanco da referida conta e apoderou-se, sem consentimento ou conhecimento daquela, da quantia de 202.270,79 €, da qual se confessou devedor comprometendo-se a pagar a mesma em 101 prestações mensais e sucessivas de 2.000,00 €.

8. Entre Julho de 2018 e Abril de 2020, a Requerida emitiu os seguintes cheques a favor de FF:

Em 9.07.2018, cheque nº ...57, da Caixa Geral de Depósitos, no valor de 5.000,00 €, debitado na conta em 11.07.2018;

Em 30.08.2018, cheque nº ...58, da Caixa Geral de Depósitos, no valor de 5.000,00 €, debitado na conta em 4.09.2018;

Em 24.11.2018, cheque nº ...60, da Caixa Geral de Depósitos, no valor de 5.000,00 €, debitado na conta em 27.11.2018;

Em 3.03.2019, cheque nº ...19, da Caixa Geral de Depósitos, no valor de 5.000,00 €, debitado na conta em 6.03.2019;

Em 1.07.2019, cheque nº ...32, da Caixa Geral de Depósitos, no valor de 10.000,00 €, debitado na conta em 2.07.2019;

Em 21.12.2019, cheque nº ...42, da Caixa Geral de Depósitos, no valor de 6.000,00 €, debitado na conta em 26.12.2019;

Em 23.03.2020, cheque nº ...45, da Caixa Geral de Depósitos no montante de 17.000,00 €, debitado na conta em 24.03.2020;

Em 10.04.2020, cheque nº ...44, da Caixa Geral de Depósitos no montante de 5.000,00 €, debitado na conta em 15.04.2020.

9. A Requerida emitiu a favor de GG, em 3.03.2019, o cheque nº ...18, da Caixa Geral de Depósitos no montante de 5.000,00 €, debitado na conta em 6.03.2019.

10. A Requerida emitiu a favor de HH, em 11.05.2019, o cheque nº ...21, da Caixa Geral de Depósitos, no montante de 5.000,00 €, debitado na conta em 15.05.2019.

11. HH é filha de FF.

12. Entre Junho de 2018 e Maio de 2020 foram efectuados os seguintes movimentos a débito na conta titulada pela Requerida na Caixa Geral de Depósitos, com o nº ...00:

19.06.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

20.06.2018, levantamento em ..., no montante de 600,00 €;

21.06.2018, levantamento em ..., no montante de 600,00 €;

7.07.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

8.07.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

21.07.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

22.07.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

3.08.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

4.08.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

13.08.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

15.08.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

29.08.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

30.08.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

19.09.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

20.09.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

6.10.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

7.10.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

19.10.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

20.10.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

21.10.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

8.11.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

9.11.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

28.11.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

29.11.2018, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

20.01.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

21.01.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

14.02.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

15.02.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

3.03.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

11.03.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

16.03.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

17.03.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

2.04.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

3.04.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

5.04.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

6.04.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

20.04.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

22.04.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

26.04.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

27.04.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

3.05.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

8.05.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

9.05.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

18.05.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

26.05.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

27.05.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

4.06.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

14.06.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

17.06.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

18.06.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

21.06.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

29.06.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

18.07.2019, levantamento na P..., no montante de 300,00 €;

19.07.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

23.07.2019, levantamento na P..., no montante de 300,00 €;

28.07.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

3.08.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

4.08.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

14.08.2019, levantamento na P..., no montante de 300,00 €;

20.08.2019, levantamento na P..., no montante de 300,00 €;

23.08.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

25.08.2019, levantamento na P..., no montante de 700,00 €;

31.08.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

1.09.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

6.09.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

9.09.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

11.09.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

12.09.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

13.09.2019, levantamento na P..., no montante de 600,00 €;

26.09.2019, levantamento na Av. ..., no montante de 300,00 €;

27.09.2019, levantamento na P..., no montante de 300,00 €;

1.10.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

9.10.2019, levantamento na P..., no montante de 300,00 €;

10.10.2019, levantamento na P..., no montante de 300,00 €;

11.10.2019, levantamento na P..., no montante de 300,00 €;

12.10.2019, levantamento na P..., no montante de 300,00 €;

18.10.2019, levantamento na P..., no montante de 400,00 €;

20.10.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

21.10.2019, levantamento no Hospital, no montante de 200,00 €;

25.10.2019, levantamento no Hospital, no montante de 300,00 €;

30.10.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

31.10.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

3.11.2019, levantamento no Hospital, no montante de 350,00 €;

5.11.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

10.11.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

14.11.2019, levantamento no Hospital, no montante de 350,00 €;

15.11.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

17.11.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

23.11.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

28.11.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

29.11.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

1.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

4.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

5.12.2019, levantamento na P..., no montante de 400,00 €;

6.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

7.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

8.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

11.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

13.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

15.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

17.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

18.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

19.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

20.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

21.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

22.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

24.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 300,00 €;

28.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

29.12.2019, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

29.01.2020, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

2.02.2020, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

4.02.2020, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

8.02.2020, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

11.02.2020, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

15.02.2020, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

16.02.2020, levantamento no Hospital, no montante de 300,00 €;

22.02.2020, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

27.02.2020, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

5.03.2020, levantamento no Hospital, no montante de 300,00 €;

7.03.2020, levantamento no Hospital, no montante de 300,00 €;

8.03.2020, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

14.03.2020, levantamento no Hospital, no montante de 300,00 €;

19.03.2020, levantamento no Hospital, no montante de 300,00 €;

29.03.2020, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

6.04.2020, levantamento no Hospital, no montante de 200,00 €;

7.04.2020, levantamento no Hospital, no montante de 300,00 €;

10.04.2020, levantamento no Hospital, no montante de 200,00 €;

17.04.2020, levantamento no Hospital, no montante de 300,00 €;

24.04.2020, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

2.05.2020, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

9.05.2020, levantamento no Hospital, no montante de 200,00 €;

13.05.2020, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €;

16.05.2020, levantamento no Hospital, no montante de 200,00 €;

24.05.2020, levantamento no Hospital, no montante de 400,00 €.

13. Foram sacados sobre a referida conta, os seguintes cheques:

2.10.2018, cheque nº ...59, no valor de 500,00 €;

20.12.2018, cheque nº ...17, no valor de 400,00 €;

26.12.2018, cheque nº ...15, no valor de 400,00 €;

26.12.2018, cheque nº ...63, no valor de 400,00 €;

26.12.2018, cheque nº ...12, no valor de 400,00 €;

27.12.2018, cheque nº ...14, no valor de 400,00 €;

27.12.2018, cheque nº ...16, no valor de 400,00 €;

31.12.2018, cheque nº ...61, no valor de 400,00 €;

31.12.2018, cheque nº ...62, no valor de 1.000,00 €;

7.01.2019, cheque nº ...13, no valor de 400,00 €;

31.05.2019, cheque, no valor de 3.000,00 €;

7.06.2019, cheque nº ...30, no valor de 500,00 €;

3.09.2019, cheque nº ...31, no valor de 500,00 €;

29.11.2019, cheque nº ...35, no valor de 400,00 €;

2.12.2019, cheque nº ...37, no valor de 500,00 €;

4.12.2019, cheque nº ...36, no valor de 400,00 €;

5.12.2019, cheque nº ...33, no valor de 400,00 €;

13.12.2019, cheque nº ...34, no valor de 1.000,00 €;

20.12.2019, cheque nº ...40, no valor de 500,00 €;

20.12.2019, cheque nº ...36, no valor de 400,00 €;

31.12.2019, cheque nº ...37, no valor de 400,00 €;

31.12.2019, cheque nº ...38, no valor de 400,00 €;

13.02.2020, cheque nº ...46, no valor de 6.000,00 €;

14. A beneficiária não tem noção do dinheiro e do seu valor nem tem percepção dos movimentos bancários supra elencados.

15. No dia 17 de Janeiro de 2020, no Cartório Notarial ..., a beneficiária outorgou escritura, exarada a fls. 41 verso do livro ...17..., de “...”, nos termos da qual doou a FF, a fracção autónoma identificada pelas ..., correspondente ao rés-do-chão direito, trás, lado poente, destinada a habitação, no bloco sete, T-1, com entrada pela Rua ..., ..., na cave, parte integrante do prédio em regime de propriedade horizontal denominado “Varandas ...”, com reserva de usufruto a favor da doadora e subordinada à obrigação de prestar à doadora, até á sua morte, todos os cuidados e amparo que ela carecer, tano na saúde, como na doença, prestando-lhe todos os cuidados pessoais e doméstico de que ela necessitar, assegurando-lhe tratamento médico e de medicamentos, alimentação e vestuário, à custa dos rendimentos da doadora, suprindo a donatária o que faltar, obrigações a serem cumpridas sempre que a doadora não se encontre no Clihotel; de fazer e custear o funeral da doadora e mandar rezar missas, zelar e cuidar da sepultura.

16. Tal fracção havia sido adquirida pela beneficiária e marido em Janeiro de 2001.

17. A beneficiária é titular de uma pensão de aposentação, desde 1.02.1991, no valor mensal ilíquido de 2.219,31 € e de uma pensão de sobrevivência desde 2.11.2014, no valor mensal ilíquido de 1.300,26 €.

18. A beneficiária é titular do direito de propriedade sobre os prédios rústicos inscritos na matriz predial, da União de freguesias ... e ..., concelho ..., sob os artigos 577, 722, 942 e 1008.

19. A beneficiária é titular do direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial, da União de freguesias ... e ..., concelho ..., sob o artigo ...8.

20. A beneficiária é titular da concessão de terreno para sepultura perpétua no cemitério de ..., ..., ....

21. A beneficiária é titular da conta bancária nº ...00, sediada na Caixa Geral de Depósitos.

22. A beneficiária é titular da conta bancária nº ..., sediada no Banco 1....

23. II foi contratada ao serviço da C...., para desempenhar funções de auxiliar de cozinha, em 8.03.2001.

24. Paralelamente, prestava serviços de limpeza à beneficiária no apartamento que a mesma era titular na P....

25. A beneficiária não tem noção de quantas horas a D. FF trabalhava para si e quanto ganhava.

26. Corre termos pelo Juízo de Trabalho ..., sob o nº 3629/20...., os autos de despedimento contra FF.

27. Corre termos nos serviços do Ministério Público ..., sob o nº 1065/20...., os autos de inquérito, em que é ofendida a beneficiária e denunciados FF, HH e GG.

28. O Requerente era primo do marido da beneficiária.

29. A beneficiária e marido foram padrinhos de casamento do Requerente e padrinhos de baptismo dos filhos deste.

30. Em 18.03.1998, data em que a Ré e o marido celebraram o contrato com a C...., assinaram uma declaração nomeando o aqui Requerente como seu representante legal perante a C.... em caso de impedimento ou impossibilidade.

31. Em 30.10.1998 a Ré, conjuntamente com o marido, emitiu uma declaração, no âmbito do contrato com a C...., na qual declarou que em caso de falecimento pretendem que seja notificado do facto o aqui Requerente (“seu representante legal”) a quem deverão ser entregues os espólios existentes na suite nº 722, pretendendo, ainda, ser sepultada no cemitério de .... Mais declarou que em caso de sinistro ou acidente pretende ser tratada na C.....

32. Em 25.09.2013, no Cartório Notarial .... Senhora Notária, Dr.ª JJ, a beneficiária outorgou procuração a favor do Requerente, nos termos da qual lhe conferiu poderes para, entre outros:

Para a representar junto da C.... Hospital ... podendo celebrar quaisquer acordos quanto ao seu internamento e quanto à saúde da outorgante;

Para representar a mandante junto de quaisquer repartições publicas, particulares ou administrativas (…) designadamente serviço de finanças (…) serviços de viação e conservatórias de registo automóvel (…) centros regionais de segurança social e caixa geral de aposentações (…O EDP (…) Portugal Telecom e serviços municipalizados (…) CTT (…);

Para representar a mandante junto de quaisquer Companhias de Seguros (…);

Para junto da Caixa Geral de Depósitos, S.A., movimentar as suas contas bancárias com os ...00 e ...61 (…);

Para renovar as contas que possui ou venha a possuir na Caixa Económica Montepio Geral (…);

Para representar a mandante perante Tribunais de qualquer espécie ou categoria (…) a fim de a representar em quaisquer processos (…)”.

Para a representar em assembleia gerais de condóminos (…);

Para vender qualquer viatura automóvel (…);

Esta procuração é feita para vigorar, mesmo em caso de viuvez de outorgante. (…)”.

33. Actualmente a beneficiária acusa o Requerente de a roubar, “foi o AA que fez os levantamentos”, sem qualquer argumento objectivo que sustente as suas afirmações.

34. A beneficiária reside na C.... desde, pelo menos, 2001.

35. Os cuidados básicos com a vida da Requerida têm sido desenvolvidos pela C.... – C..., S.A., actualmente designada por Hospital ....

36. A beneficiária padece de hipoacusia progressiva, com prótese auditiva à direita desde 9.04.1997.

37. A beneficiária padece de doença cardíaca isquémica e hipertensão arterial desde 2000.

38. Em 2002 era seguida em psiquiatria e a 28.02.2002 queixava-se “Tenho medo de tudo, até do meu marido, são uns nervos, tenho medo de ter a doença da minha mãe”.

39. Em 4.11.2013 revelava-se muito ansiosa em relação à possibilidade de ter alzheimer.

40. Em 5.10.2015 queixava-se que a andam a envenenar e que lhe roubaram o terço. Acusava a mesma funcionária dos dois comportamentos e recusava as refeições quando esta estava.

41. Em 29.07.2016 sofreu queda com traumatismo da grade costal esquerda e região supraciliar esquerda.

42. Em 14.11.2017 sofreu queda frontal.

43. Em 11.03.2018 sofreu queda com fractura do fémur proximal.

44. Desde então perdeu capacidade de marcha e deambula em cadeira de rodas.

45. Desde Agosto de 2018 que se encontra medicada com rivastigmina – psicofármaco demencial – por se encontrar “mais confusa, confabulante, troca os medicamentos”.

46. Em 6.02.2019 apresentava queixas do pessoal que lhe presta cuidados. “Tem ideia de que todos a roubam”.

47. A beneficiária padece de síndrome neuro degenerativo em estadio moderado a avançado, de provável etiologia mista, inexorável e progressivo, sem cura à luz dos conhecimentos da medicina actual.

48. Dado não se tratar de um quadro de progressão rápida e uma vez que já apresentava sintomas psicóticos desde Outubro de 2015 estima-se que tal quadro se verificava já um ano antes do marido falecer, ou seja, Novembro de 2013.

49. A medicação é administrada por uma enfermeira na sequência de vários episódios de sobredosagem de medicação.

50. Não há registo de que a beneficiária outorgou testamento vital nem procuração de cuidados de saúde.


   O DIREITO


13. A questão prévia da admissibilidade do recurso deve apreciar-se e decidir-se atendendo a quatro disposições legais — ao art. 901.º, ao art. 988.º, n.º 2, ao art. 671.º, n.º 1, e ao art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.


14. O art. 901.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo especial de acompanhamento de maiores, determina:

Da decisão relativa à medida de acompanhamento cabe recurso de apelação, tendo legitimidade o requerente, o acompanhado e, como assistente, o acompanhante.


15. O texto do art. 901.º do Código de Processo Civil, ao dizer cabe recurso de apelação”, causa dúvidas sobre se é ou não admissível o recurso de revista nas acções de acompanhamento de maiores [1].


16. A doutrina e a jurisprudência, designadamente a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, têm considerado que é admissível o recurso de revista, nos termos gerais — o art. 901.º do Código de Processo Civil não deve interpretar-se a contrario sensu, no sentido de que da decisão relativa à medida de acompanhamento não cabe recurso de revista [2].


17. O acórdão do STJ de 14 de Janeiro de 2021 — processo n.º 4285/18.8T8MTS.P1.S1 — diz, de forma impressiva, que

I. Na interpretação do art. 901.º do CPC deve atender-se a que, estando em causa, nas acções de acompanhamento de maiores, o direito à capacidade civil, consagrado nos n.os 1 e 4 do art. 26.º da CRP, se justifica plenamente a possibilidade de o STJ sindicar as decisões da Relação quanto às quais não se verifica dupla conforme, tal como sucede, em geral, nos demais processos especiais.

II. Assim, e uma vez que a letra do art. 901.º do CPC não o exclui, entende-se que não vigora neste tipo de processos um princípio de irrecorribilidade para o STJ, sendo de concluir que o sentido útil da norma legal será o de regular especificamente a legitimidade para recorrer de decisão relativa a medida de acompanhamento de maior.


18. O raciocínio é retomado no acórdão de uniformização de jurisprudência de 12 de Outubro de 2021 — processo n.º 1132/18.4T8LRA-C1.S1-A:

“… é notório que a alusão ao recurso de apelação não visa afastar a admissibilidade do recurso de revista, o que seria verdadeiramente estranho numa ação que envolve a tutela de interesses imateriais, mas apenas afirmar, ainda que tal não fosse estritamente necessário, a admissibilidade do recurso de apelação […] .Neste processo, a menção feita à admissibilidade do recurso de apelação surge associada à regulação do pressuposto processual da legitimidade ativa, tal como já ocorria com o anterior art. 902.º, a respeito da impugnação da sentença declarativa da interdição ou da inabilitação (‘da sentença de interdição ou inabilitação definitiva pode apelar o representante do requerido; pode também apelar o requerente, se ficar vencido quanto à extensão e limites da incapacidade’)”.


19. Esclarecido que o art. 901.º do Código de Processo Civil não deve interpretar-se a contrario sensu, no sentido de que da decisão relativa à medida de acompanhamento não cabe recurso de revista, deve atender-se ao disposto no art. 891.º:

1. — O processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.

2. — Em qualquer altura do processo, podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente as medidas cautelares que a situação justificar.


20. O texto do art. 891.º do Código de Processo Civil, ao dizer que ao processo de acompanhamento maior se aplica o disposto nos processos de jurisdição voluntária, causa dúvidas sobre se é ou não admissível o recurso de revista das decisões proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade.


21. O problema está em que o art. 988.º, n.º 2, do Código de Processo Civil determina que, “[d]as resoluções proferidas [em processos de jurisdição voluntária] segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.


22. A doutrina divide-se [3]; ainda que a doutrina se divida, a jurisprudência, designadamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, tem considerado que não é admissível o recurso de revista das decisões proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade [4]:[a] remissão do art. 891º, 1, do CPC (norma do processo especial de ‘acompanhamento de maiores’) para o ‘disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes’ não” [5].


23. Em todo o caso, de acordo com uma interpretação constante do art. 988.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, deve distinguir-se quatro coisas:

Em primeiro lugar, a interpretação e/ou da integração, feita pelas instâncias, das normas aplicáveis ao caso concreto; em segundo lugar, o preenchimento dos pressupostos da atribuição de competência para proferir uma decisão segundo critérios de conveniência ou de oportunidade; em terceiro lugar, a prossecução do fim e o respeito dos limites estabelecidos na lei; e, em quarto e último lugar, a própria conveniência ou oportunidade da decisão proferida.


 24. O recurso de revista fundado sobre a (in)conveniência ou (in)oportunidade da decisão está excluído [6]. Excluído o recurso fundado sobre a inconveniência ou sobre a inoportunidade da decisão, fica o recurso de revista fundado sobre a ilegalidade da decisão proferida — o Supremo  Tribunal de Justiça pode pronunciar-se sobre a interpretação e sobre a integração das normas aplicáveis ao caso; sobre o preenchimento dos pressupostos, sobre a prossecução do fim e sobre o respeito dos limites estabelecidos na lei.


25. O sumário do acórdão de 25 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 945/13.8T2AMD-A.L1.S1, diz, de forma esclarecedora, que:

“II. — […] importa ter em linha de conta que, em muitos casos, a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza a decisão.

III. — Quando, no âmbito dessas decisões, estejam em causa a interpretação e aplicação de critérios de legalidade estrita, já a sua impugnação terá cabimento em sede de revista, circunscrita ao invocado erro de direito”.

O corolário da distinção está no abandono do critério da “mera qualificação abstracta de resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade”, em favor de uma qualificação concreta do fundamento do recurso, como referido a uma questão de legalidade, de legalidade estrita, ou a uma questão de conveniência e/ou de oportunidade [7].


26. Ora, em concreto, o recurso refere-se a questões de legalidade estrita:

I. à questão da interpretação do art. 640.º do Código de Processo Civil, para averiguar se a Recorrente impugnou a matéria de facto e se, ao impugnar a matéria de facto, a Recorrente observou o ónus de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação [8];

II. — à questão da interpretação do art. 662.º do Código de Processo Civil, para averiguar se o Tribunal da Relação cumpriu os deveres previstos nas alíneas b) e c) do n.º 2.


27. Esclarecido que a decisão do acórdão recorrido foi proferida segundo critérios de legalidade, deve atender-se ao disposto no art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil: “[c]abe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.


28. O acórdão recorrido conheceu, ainda que parcialmente, do mérito da causa, devendo coordenar-se se à primeira alternativa prevista no art. 671.º, n.º 1:

Em primeiro lugar, o acórdão recorrido confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª instância de aplicar á Recorrente a medida de representação especial, “incluindo nos cuidados relativos ao alojamento e bem-estar, incluindo fixar domicílio; perante a autoridade tributária, caixa geral de aposentações e segurança social, identificação civil, entidades bancárias, perante instituições de saúde mormente decisão sobre marcação de consultas, comparência às mesmas, adesão às terapêuticas prescritas, toma de medicação e necessidade de intervenções cirúrgicas, bem como abertura/tratamento de correspondência associada”.


Em segundo lugar, o acórdão recorrido confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª instância de aplicar à Recorrente a medida de administração total dos bens e rendimentos [9].

Em terceiro lugar, confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª instância de inibir a Recorrente da faculdade de fixar domicílio e, em quarto lugar, confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª instância de inibir a Recorrente da faculdade de testar [10].

Em quinto lugar, confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª instância de fixar, “como data da necessidade das medidas aplicadas”, Novembro de 2013.


29. Esclarecido que a decisão proferida pelo acórdão recorrido conheceu, ainda que parcialmente, do mérito da causa, deve atender-se ao art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil: “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.


30. Em relação a cada um dos segmentos referidos — representação especial, administração total de bens, inibição da faculdade de fixar domicílio, inibição da faculdade de testar, … —, o acórdão da Relação confirmou por unanimidade, a decisão e aderiu em tudo à fundamentação da decisão proferida pela 1.ª instância.


31. Em todo o caso, o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que

I - A dupla conformidade, como requisito negativo geral da revista excepcional, supõe duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito, ambas determinantes para a decisão, sendo a segunda confirmatória da primeira.

II - Quando o tribunal da Relação é chamado a intervir para reapreciação das provas e da matéria de facto, nos termos dos arts. 640.º e  do NCPC (2013), move-se no campo de poderes, próprios e privativos, com o conteúdo e limites definidos por este último preceito, que não encontram correspondência na decisão da 1.ª instância sobre a mesma matéria.

III - Embora haja urna decisão sobre a matéria de facto da 1.ª instância e, uma outra, da Relação, que reaprecia o julgamento da matéria de facto, não poderá afirmar-se que, quando se questiona o respeito pelas normas processuais dos arts. 640.º e 662.º pela Relação, existe uma questão comum sobre a qual tenham sido proferidas duas decisões conformes” [11] [12].


32. O ponto foi reiterado, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 2019 — processo n.º 363/07.7TVPRT-D.P2.S1 —: “[d]e acordo com a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, a rejeição da impugnação da matéria de facto pela Relação, com fundamento em incumprimento do ónus do art. 640.º do Código de Processo Civil, pode, se tal rejeição for injustificada, configurar uma violação da lei processual que, por ser imputada à Relação, descaracteriza a dupla conforme entre as decisões das instâncias enquanto obstáculo à admissibilidade da revista”.


33. Face à jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, deve distinguir-se:

I. — a violação de lei, adjectiva ou substantiva, imputada em primeira linha ao Tribunal da Relação descaracteriza a dupla conforme;

II. — a violação da lei substantiva imputada em primeira linha ao Tribunal da 1.ª instância, ainda que confirmada pelo Tribunal da Relação, não descaracteriza a dupla conforme, como obstáculo à admissibilidade do recurso de revista.


34. A Recorrente invoca a violação de lei adjectiva (processual), e a violação da lei adjectiva (processual) é imputada pela Recorrente ao Tribunal da Relação — daí que a violação da lei processual, imputada pela Recorrente ao Tribunal da Relação, descaracterize a dupla conforme.


35. Entrando na apreciação das questões suscitadas pela Recorrente, dir-se-á o seguinte:


36. A primeira e a segunda questões suscitadas pela Recorrente consistem em determinar:

I. — se a Recorrente impugnou a matéria de facto;

II. — se, ao impugnar a matéria de facto, a Recorrente observou os ónus do art. 640.º do Código de Processo Civil.


37. O acórdão recorrido afirma que “a recorrente não impugnou a decisão de facto” e que, ainda que a tivesse impugnado, não observou nenhum dos ónus do art. 640.º do Código de Processo Civil: “inexiste a observância de qualquer um dos requisitos do artigo 640º do CPC, pelo que e se acaso era intenção da recorrente deduzir impugnação sobre a decisão de facto, nesse caso a mesma seria liminarmente indeferida como consequência do previsto neste mesmo artigo 640º nº 1 do CPC” [13].


38. A Recorrente impugna a afirmação do acórdão recorrido:

I. — alega que impugnou os factos dados como provados sob os n.ºs 47 e 48;

II. — alega que a impugnação dos factos dados como provados sob os n.ºs 57 e 48 está implícita nas conclusões A), B), C), D), E), G), H), J) e R) do recurso de apelação:

“Mal se compreende”, alega a Recorrente, “que, no acórdão recorrido se diga que a Recorrente, não impugnou a matéria de facto, em total oposição não só à fundamentação desenvolvida nas alegações, mas essencialmente por tal impugnação constar das conclusões das als. A); B); C); D); E); G); H); J) e R), porquanto como resulta da matéria de facto dada como provada, aquele que foi relevante, foram os excertos que a Srª. Juiz da 1ª Instância retirou do relatório da avaliação psiquiátrica – 1º exame pericial que essencialmente consta os factos 47 e 48, porquanto os demais foram transcritos do relatório clínico da Recorrente, junto, pela H... S.A.”


39. A alegação da Recorrente encontra alguma correspondência, ainda que imperfeita, na conclusão F) do recurso de revista, em que se sugere que “[a] “matéria de facto dada como prova[da], […] retirada do relatório da 1ª prova pericial, [foi] devidamente impugnada nos termos do art.º 640º do C.P.C.”.


40. O art. 640.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

1. — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3. — O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º [14].


41. O Supremo Tribunal de Justiça tem interpretado o art. 640.º do Código de Processo Civil em termos de distinguir um ónus primário e um ónus secundário — o ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, e o ónus secundário de facilitação do acesso “aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida”, consagrado no n.º 2 [15].


42. Em concreto, o problema relaciona-se com o ónus primário de delimitação do objecto do recurso — e, em particular, com os requisitos de que “[o] recorrente [indique] sempre os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões” [16] e de que o recorrente “[indique], na motivação, “a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” [17].


43. O critério relevante para apreciar a observância ou inobservância dos ónus enunciados no art. 640.º do Código de Processo Civil há-de ser um critério adequado à função [18], conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade [19] [20].


44. Em concreto, os factos dados como provados sob os n.ºs 47 e 48 são do seguinte teor:

47. A beneficiária padece de síndrome neuro degenerativo em estadio moderado a avançado, de provável etiologia mista, inexorável e progressivo, sem cura à luz dos conhecimentos da medicina actual.

48. Dado não se tratar de um quadro de progressão rápida e uma vez que já apresentava sintomas psicóticos desde Outubro de 2015 estima-se que tal quadro se verificava já um ano antes do marido falecer, ou seja, Novembro de 2013.


45. As conclusões A), B), C), D), E), G), H), J) e R) do recurso de apelação são as seguintes:

A) A presente decisão recorrida ao fixar apenas como válido o primeiro Relatório Pericial do Dr. CC e ao rejeitar liminarmente o segundo Relatório Pericial elaborado pelo médico perito do INML ..., com larga experiencia nos exames psiquiátricos, fez uma valorização e uma rejeição erradas quanto à livre apreciação da prova dos mesmos;

B) A rejeição pela Srª. Juiz a quo do pedido do M.P. de uma terceira perícia, porque dos autos constavam duas, foi claramente tendenciosa na exata medida em que já pressupunha a sua opção pela rejeição da segunda perícia, na exata medida em que esta é oposta ao teor da primeira;

C) Salvo melhor opinião e com a devida vénia, a Exmª. Srª. Juiz a quo não possui conhecimentos médicos especializados em psiquiatria e nomeadamente na área do Síndrome Demencial que lhe permitam sequer fundamentar a rejeição do carácter cientifico do relatório médico da segunda perícia como a mesma faz;

D) A avaliação da Srª. Juiz relativamente ao facto de o Tribunal não ter remetido ao segundo perito todos os elementos que constam nos presentes autos e os elementos clínicos da Requerida, respondendo que este os não pediu, na sessão de esclarecimentos, não pode manter-se na medida em que demonstra a pré-decisão da rejeição do segundo relatório pericial com total desprezo pelo carácter cientifico do mesmo;

E) O que é inequívoco, pois que face à oposição deste com o do primeiro relatório, justificava que a Srª. Juiz a quo pedisse esclarecimentos a ambos, se não mesmo remetesse reciprocamente os relatórios tendo em vista perguntar a cada um deles, se mantinham o teor dos relatórios ou se teriam algumas diligências a efetuar;

G) Na verdade a Exmª. Srº. Juiz não ignora que a Requerida não foi notificada para a sua audição e exame em outubro de 2020 e que foi com total surpresa e inusitadamente que viu a sua suite invadida pelo aparato da Srª. Juiz, a funcionária, a magistrada do MP, o Advogado do Requerente e a pessoa do Requerente, de quem a mesma já se queixava e cuja presença recusava, para além do pessoal da instituição;

H) E que a audição da Requerida naquelas condições foi totalmente condicionada pelo estado de exaltação e desassossego e perturbação que lhe provocaram irritação total e a perturbaram psiquiatricamente de modo a de nada se lembrar;

J) Para além da ausência do Requerente, facto que lhe não causou perturbação, salvo quando foi instada sobre a pessoa do mesmo, no que logo demonstrou total oposição e que de imediato a irritou;

R) A livre apreciação pelo tribunal dos laudos periciais em causa nestes autos não pode ser feita com base nas leituras que a Exmª. Srª. Juiz fez em livros de psiquiatria clínica, mas tem de ser feita por quem tenha a competência científica para reanalisar os relatórios das duas perícias, os relatórios clínicos anteriores e o do Hosp. De ... e efetue novas entrevistas à Requerida e efetue relatório final.


46. Entende-se que das conclusões A), B), C), D), E), G), H), J) e R) do recurso de apelação não decorre a impugnação dos factos dados como provados sob os n.ºs 47 e 48.


47. A Recorrente não indica, nem directa, nem (tão-pouco) indirectamente, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados:

I. — das conclusões A), B), C), D), E), G), H), J) e R) do recurso de apelação não decorre a impugnação do facto dado como provado sob o n.º 47, ou seja, de que “[a] beneficiária padece de síndrome neuro-degenerativo em estádio moderado a avançado, […] inexorável e progressivo, sem cura à luz dos conhecimentos da medicina actual”;

II. — das conclusões A), B), C), D), E), G), H), J) e R) do recurso de apelação  não decorre a impugnação do facto dado como provado sob o n.º 48, ou seja, de que o quadro clínico da Recorrente “se verificava já um ano antes do marido falecer, ou seja, Novembro de 2013”.


48. O caso concreto é especialmente grave, porque as conclusões do recurso de apelação não fazem referência alguma nem aos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados [21], nem ao sentido que deve ser dado à decisão de facto [22].


49. Entendendo-se — como deve entender-se — que das conclusões A), B), C), D), E), G), H), J) e R) do recurso de apelação não decorre a impugnação dos factos dados como provados sob os n.ºs 47 e 48, deve subscrever-se a decisão do Tribunal de 1.ª instância:

I. — no sentido de que não houve impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

II. — no sentido de que, ainda que houvesse impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sempre a impugnação haveria de ser rejeitada, por não estarem preenchidos os ónus processuais do art. 640.º., n.º 1, alíneas a) e d), do Código de Processo Civil.


50. Face à resposta dada à primeira e à segunda questões, deve apreciar-se a terceira e a quarta:

III. — se o Tribunal da Relação tinha o dever de alterar a matéria de facto, eliminando os factos dados como provados a partir do 1.º relatório pericial;

IV. —  se o Tribunal da Relação tinha o dever de anular a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e de ordenar a realização de uma 3.ª perícia médico-legal.


60. O art. 662.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

1. — A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2. — A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.


61. O texto do art. 662.º do Código de Processo Civil deixa claro que estão em causa deveres [23] ou deveres funcionais [24]: caso a Relação esteja convencida de que a decisão proferida pelo Tribunal de 1.º instância está errada, deve (i.e, tem o dever de) actuar de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 662.º; caso a Relação não esteja convencida de que a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância está certa, deve (i.e., tem o dever de) actuar de actuar) de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 662.º.


62. Entre os pontos consensuais está em todo o caso o de que “[o]s poderes atribuídos à Relação pelo artigo 662.º só podem ser exercidos a propósito das questões de facto impugnadas, ou seja, dentro do âmbito do recurso, definido pelo recorrente” [25].


63. O facto de a Recorrente não ter impugnado a decisão sobre a matéria de facto, observando os ónus do art. 640.º do Código de Processo Civil, impede o exercício dos poderes atribuídos à Relação pelo art. 662.º; ainda que o facto de a Recorrente não ter impugnado a decisão sobre a matéria de facto, observando os ónus do art. 640.º do Código de Processo Civil, não impedisse o exercício dos poderes atribuídos à Relação pelo art. 662.º, sempre deverá atender-se a que o acórdão recorrido deixa claro que a Relação estava convencida de que a decisão do Tribunal de 1.ª instância estava certa.


64. O Tribunal da Relação considerou não haver nenhuma dúvida fundada sobre a prova realizada, relevante para efeitos do art. 640.º, n.º 1, alínea b); não haver nenhuma razão para que a decisão sobre a matéria de facto fosse reputada deficiente, não haver nenhuma razão para que a decisão sobre a matéria de facto fosse reputada contraditória ou obscura.


65. Em contraste com uma decisão deficiente, com uma decisão contraditória ou com uma decisão obscura, o Tribunal da Relação considerou a decisão clara e coerente — dizendo, p. ex., que os resultados da 1.ª perícia médico legal eram confirmados pelo facto de “a recorrente se deixa[r] influenciar e ou enganar por terceiros que aproveitando a sua fragilidade atuam de forma contrária aos próprios interesses da recorrente”.


66. Em rigor, a Recorrente pretende que o Supremo Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a apreciação das provas e sobre a fixação dos factos relevantes para a decisão.


68. Ora art. 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil determina que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.


69. Como se escreve, p. ex., nos acórdãos de 14 de Dezembro de 2016 — proferido no processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1 —, de 12 de Julho de 2018  — proferido no processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1 — e de 12 de Fevereiro de 2019 — proferido no processo n.º 882/14.9TJVNF-H.G1.A1 —, “… o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa escapa ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674º nº 3 e 682º nº 2 do Código de Processo Civil), estando-lhe interdito sindicar a convicção das instâncias pautada pelas regras da experiência e resultante de um processo intelectual e racional sobre as provas submetidas à apreciação do julgador. Só relativamente à designada prova vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige certa espécie de prova para a demonstração do facto ou fixa a força de determinado meio de prova, poderá exercer os seus poderes de controlo em sede de recurso de revista” [26];

“… está vedado ao STJ conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhe sendo permitido sindicar a actuação da Relação nos casos da designada prova vinculada ou tarifada, ou seja quando está em causa um erro de direito (arts. 674.º, n.º 3, e 682.º, nº 2)” [27].


70. Ora a força probatória das perícias, incluindo das perícias médico-legais, é apreciada livremente pelo tribunal [28] — daí que o Supremo Tribunal de Justiça não possa pronunciar-se sobre os resultados da livre apreciação da prova pericial.


71. Em contraste com aquilo que alega a Recorrente [29], a livre apreciação as perícias, com o corolário da possibilidade de rejeição do juízo científico ou parecer pelo juiz, “não implica tornar o juiz num peritus peritorum, porque não requer uma crítica material e científica” [30].


72. Finalmente, a Recorrente suscita uma quinta questão — se o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia.

M) A recusa da apreciação da violação da livre apreciação dos relatórios periciais equivale a omissão de pronúncia e consequentemente à nulidade do acórdão revidendo nos termos do art.º 615º do C.P.C., o que para os devidos efeitos e por cautela se argui.


73. Face ao teor das respostas dadas à primeira, à segunda, à terceira e à quarta questões, fica prejudicada a resposta à quinta questão:


74. A nulidade por omissão de pronúncia pressupõe que “[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” [cf. art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos da Relação por remissão do art. 666.º do Código de Processo Civil]; ora o facto de o Tribunal da Relação não ter nem o dever de se pronunciar sobre a alegada impugnação da matéria de facto, nem o dever de alterar a decisão sobre a matéria de facto, nem (tão-pouco) o dever de anular a decisão sobre a matéria de facto, designadamente por deficiência, contradição ou obscuridade, determina que não tenha deixado de se pronunciar sobre nenhuma das questões que devia apreciar e decidir.


III. — DECISÃO


Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Sem custas — art. 4.º, n.º 2, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais.


Lisboa, 15 de Setembro de 2022


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

_____

[1] Cf. acórdão do STJ de 14 de Janeiro de 2021 — processo n.º 4285/18.8T8MTS.P1.S1.

[2] Cf. designadamente Miguel Teixeira de Sousa, “O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspectos processuais”, in: Centro de Estudos Judiciários, O novo regime jurídico do maior acompanhado, Lisboa, 2019, págs. 39-60 (53) — com a concordância, na doutrina, de António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 901.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Processo de execução, processos especiais e processo de inventário judicial (arts. 703.º a 1139.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2020, pág. 342, e, na jurisprudência, p. ex., acórdão do STJ de 14 de Janeiro de 2021 — processo n.º 4285/18.8T8MTS.P1.S1 — e a fundamentação do acórdão de uniformização de 12 de Outubro de 2021 — processo 1132/18.4T8LRA-C1.S1-A.

[3] No sentido da inaplicabilidade do art. 988.º, n.º 2, do Código de Processo Civil ao processo especial de acompanhamento de maior, vide Miguel Teixeira de Sousa, “O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspectos processuais”, cit., pág. 53, e  António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 901.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Processo de execução, processos especiais e processo de inventário judicial (arts. 703.º a 1139.º), cit., pág. 342, com o argumento de que  “não se compreenderia que uma decisão relativa a aspectos fundamentais da liberdade pessoal não pudesse ser sindicada pelo Supremo”; no sentido da aplicabilidade do art. 988.º, n.º 2, vide, tendencialmente, Maria dos Prazeres Beleza, “Brevíssimas notas sobre a criação do regime do maior acompanhado, em substituição dos regimes da interdição e da inabilitação – Lei n.o 49/2018, de 14 de agosto”, in: Centro de Estudos Judiciários, O novo regime jurídico do maior acompanhado,.Lisboa, 2019, págs.13-22 (20): “Admito que a previsão de recurso de apelação “da decisão relativa à medida de acompanhamento” (artigo 901.º), interpretada em conjunto com a consagração de discricionariedade na escolha da medida a decidir (n.º 1 do artigo 891.º), queira significar o que já decorreria do n..o 2 do artigo 988.º para a jurisdição voluntária; mas, se assim é, talvez tivesse bastado qualificar o processo como de jurisdição voluntária”.

[4] Cf. acórdãos do STJ de 10 de Novembro de 2020 — processo n.º 122/11.2T2ALB-D.P1.S1 — e de STJ de 17 de Dezembro de 2020 — processo n.º 5095/14.7TCLRS.L1.S1.

[5] Expressão do sumário do acórdão do STJ de 10 de Novembro de 2020 — processo n.º 122/11.2T2ALB-D.P1.S1.

[6] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 5 de Novembro de 2009 — processo n.º 1735/06.OTMPRT.S1 — , de 24 de Setembro de 2015 — processo n.º 202/08.1TMLSB.L1.S1 —, de 14 de Julho de 2016 — processo n.º 8605/13.3TBCSC.L1.S1 —, de 25 de Maio de 2017 — processo n.º 1041/13.3TBCLD.C1.S1 —, ou de 30 de Novembro de 2017 — processo n.º 579/11.1TBVCD-E.P1.S1.

[7] Como se diz, designadamente, nos acórdãos do STJ de 20 de Janeiro de 2010, proferido no processo n.º 701/06.0TBETR.P1.S1, de 22 de Abril de 2015, no processo n.º 17892/12.3T2SNT.L1.S1, de 25 de Maio de 2017, no processo n.º 945/13.8T2AMD-A.L1.S1, e de 16 de Novembro de 2017, no processo n.º 212/15.2T8BRG-A.G1.S2: “há que ajuizar sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respectivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstracta de resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade”.

[8] Cf. acórdão do STJ de 2 de Junho de 2016 — processo n.º 725/12.8TBCHV.G1.S1 —, cuja distinção é retomada, p. ex., no acórdão do STJ de 3 de Outubro de 2019 — processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2.

[9] Em relação ao primeiro e ao segundo segmentos referidos, o Tribunal da Relação diz que “[n]ão há […] como censurar a nomeação de um acompanhante à recorrente; nem a atribuição ao mesmo da administração total dos bens e rendimentos de que a beneficiária é titular; ou sequer a especificada medida de representação especial com os poderes indicados na decisão recorrida […]”.

[10] Em relação ao terceiro e ao quarto segmentos referidos — inibição da faculdade de fixar domicílio da faculdade de testar —, o Tribunal da Relação diz que, “[n]um contexto apurado de fragilidade física e saúde que demanda cuidados, com a consequente dependência de terceiros quer para atividades da via diária [na medida em que perdeu capacidade de marcha] quer para satisfação de necessidades e desejos pessoais que impliquem a ajuda e recursos de outras pessoas, associada ao síndrome neuro degenerativo em estádio moderado a avançado, inexorável e progressivo sem cura à luz dos conhecimentos da medicina atual, mostram os factos provados […] que a recorrente se deixa influenciar e ou enganar por terceiros que aproveitando a sua fragilidade atuam de forma contrária aos próprios interesses da recorrente. E nesta medida e à luz dos factos provados e analisados, conclui-se não  usufruir a recorrente do pleno das suas capacidades para de forma esclarecida, consciente e independente, sem a influência de terceiros testar ou sequer decidir pela sua fixação de domicílio, de acordo com o que será a defesa dos seus próprios interesses. Nesta medida concluímos não merecer censura este segmento decisório atacado - relativo à inibição de testar e fixar domicílio”.

[11] Cf. acórdão do STJ de 14 de Maio de 2015 — processo n.° 29/12.6TBFAF.G1.S1. [12] Em termos em tudo semelhantes, vide, p. ex., os acórdãos do STJ de 28 de Janeiro de 2016 — processo n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1-A.S1 —, de 3 de Novembro de 2016 — processo n.º 3081/13.3TBBRG.G1.S1 —, de 24 de Novembro de 2016 — processo n.º 296/14.0TJVNF.G1.S1 —, de 17 de Maio de 2017 — processo n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1 —, de 18 de Janeiro de 2018 — processo n.º 668/15.3T8FAR.E1.S2 —, de 8 de Novembro de 2018 — processo n.º 48/15.0T8VNC.G1.S1 —, de 30 de Maio de 2019 — processo n.º 156/16.0T8BCL.G1.S1 — ou de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 617/14.6YIPRT.L1.S1.

[13] Em complemento da afirmação de que “a recorrente não impugnou a decisão de facto”, o acórdão recorrido esclarece que a recorrente não impugnou a decisão de indeferimento da realização de uma 3.ª perícia médico-legal: “Sem prejuízo de uma vez mais a recorrente em concreto sobre tal não formular qualquer pretensão, sempre se dirá que do indeferimento de pretensões relativas a meio de prova se recorre autonomamente, pelo que este não seria o meio processual adequado para tanto – vide artigo 644º nº 2 al. d) do CPC”.

[14] Sobre a interpretação do art. 640.º do Código de Processo Civil, vide António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 640.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 162-178; Rui Pinto, anotação ao art. 640.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 546.º-1085.º, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 280-288; António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 640.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs, 769-771; e José Lebre de Freitas / Armindo Ribeiro Mendes / Isabel Alexandre, anotação ao art. 640.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. III — Artigos 627.º-877.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2022, págs. 92-100.

[15] Cf. acórdão do STJ de 2 de Junho de 2016 — processo n.º 725/12.8TBCHV.G1.S1 —, cuja distinção é retomada, p. ex., no acórdão do STJ de 3 de Outubro de 2019 — processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2.

[16] Cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 640.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 165.

[17] Cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 640.º, cit., in: Recursos no novo Código de Processo Civil, pág. 166.

[18] Vide, p. ex., os acórdãos do STJ de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 889/10.5TBFIG.C1-A.S1 —, de 2 de Junho de 2016 — processo n.º 725/12.8TBCHV.G1.S1 — e de 14 de Dezembro de 2017 — processo n.º 2190/03.1TBPTM.E2.S1.

[19] Vide, p. ex., na jurisprudência das Secções Cíveis, os acórdãos do STJ de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 889/10.5TBFIG.C1-A.S1 —, de 8 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1 —, de 11 de Julho de 2019 — processo n.º 121/06.6TBOBR.P1.S1 —ou de 3 de Outubro de 2019 — processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2 — e, na jurisprudência da Secção Social, os acórdãos do STJ de 11 de Setembro de 2019 — processo n.º 42/18.0T8SRQ.L1.S1 — ou de 6 de Novembro de 2019 — processo n.º 1092/08.0TTBRG.G1.S1.

[20] Como sintetiza António dos Santos Abrantes Geraldes, “… o Supremo tem realçado a necessidade de extrair do texto legal soluções capazes de integrar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando prevalência aos aspectos de ordem material” (anotação ao art. 640.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 174). 

[21] Em consequência, ainda que se adoptasse uma interpretação flexível do art. 640.º do Código de Processo Civil no sentido de que “deve aceitar-se […] que deve ser dirigido ao recorrente um convite para o aperfeiçoamento da alegação quando, fazendo alguma referência aos meios probatórios e ao sentido que deve ser imprimido à decisão de facto, no entanto, ele não haja cumprido com rigor os ónus que a lei lhe impõe” (cf. José Lebre de Freitas / Armindo Ribeiro Mendes / Isabel Alexandre, anotação ao art. 640.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. III — Artigos 627.º-877.º, cit., pág. 95), sempre haveria que rejeitar a impugnação da matéria de facto, por sempre ser de ressalvar o caso da alínea a) do n.º 1 do art. 640.º (ob. cit., pág. 95).

[22] Em consequência, ainda que se adoptasse uma interpretação flexível do art. 640.º do Código de Processo Civil no sentido de que “deve aceitar-se […] que deve ser dirigido ao recorrente um convite para o aperfeiçoamento da alegação quando, fazendo alguma referência aos meios probatórios e ao sentido que deve ser imprimido à decisão de facto, ele não haja cumprido com rigor os ónus que a lei lhe impõe”, sempre haveria que rejeitar a impugnação da matéria de facto, por sempre ser de ressalvar o caso em que o recorrente não tenha feito referência alguma ao sentido que deve ser imprimido à decisão.

[23] José Lebre de Freitas / Armindo Ribeiro Mendes / Isabel Alexandre, anotação ao art. 662.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. III — Artigos 627.º-877.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2022, págs. 164-177 (166 e 170).

[24] José Lebre de Freitas / Armindo Ribeiro Mendes / Isabel Alexandre, anotação ao art. 662.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. III — Artigos 627.º-877.º, cit., pág. 168.

[25] Cf. acórdão do STJ de 8 de Março de 2022 — processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1 —, ainda que ressalvando 2a eventual necessidade de ‘mexer’ em outros pontos, com o objectivo de evitar contradições com as alterações que eventualmente a Relação venha a introduzir — vejam-se os casos paralelos da repetição de julgamento previstos nas als. b) e c) do n.º 3 do artigo 662.º”.

[26] Cf. do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1.

[27] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2018  — processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1.

[28] Cf. art. 389.º do Código Civil e art. 489.º do Código de Processo Civil

[29] Em particular, na conclusão K): “Se é certo que as duas provas periciais não estão sujeitas ao regime da prova legal, não deixa o julgador de estar condicionado pelas suas conclusões cientificas, considerando a natureza e a especialização da ciência em apreço e por isso até sujeita ao Instituo Legalmente estatuído para o efeito o INML, devendo por isso o julgador seguir as conclusões do cientista”.

[30] João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, Manual de processo civil, vol. I, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pág. 554.