Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2340/16.8T8LRA.C2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ILICITUDE
NEXO DE CAUSALIDADE
PRESUNÇÃO DE CULPA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
VALORES MOBILIÁRIOS
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
Data do Acordão: 02/21/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO MOBILIÁRIO – INFORMAÇÃO / QUALIDADE DA INFORMAÇÃO – INTERMEDIAÇÃO / ACTIVIDADES / NOÇÃO / SERVIÇOS E ACTIVIDADES DE INVESTIMENTO / INTERMEDIÁRIOS FINANCEIROS / AVALIAÇÃO DO CARACTER ADEQUADO DA OPERAÇÃO.
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / VIGÊNCIA, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS.
Doutrina:
- Agostinho Cardoso Guedes, A Responsabilidade do Banco por informações à Luz do art. 485º do Código Civil in Revista de Direito e Economia , Ano XIV , 1988, p. 147 e 148;
- António Pedro Azevedo Ferreira, A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura, Quid Juris, 2005, p. 652 a 654;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, p. 654;
- Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, p. 85-86;
- Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, n.º 31, de Dezembro de 2008, p. 74 e ss.;
- Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Almedina, 2008, p. 135;
- Jorge Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Livraria Almedina, Coimbra, 1989, p. 290;
- José Engrácia Antunes, Os contratos de intermediação financeira, BFDC, vol. LXXXV, Coimbra 2007, p. 281-282;
- Margarida Azevedo de Almeida, A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros, Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, p. 411-424;
- Menezes Cordeiro, Direito Bancário, Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 1997, p. 24;
- Paulo Câmara, Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, p. 684, 685, 691 e 692 ; Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, 2011, p. 198 ; Direito e Economia, Ano XIV, 1988, p. 147 e 148;
- Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 1388-1389 e 1060-1064;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, p. 548.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 7.º, 289.º, N.º 1, 290.º, N.º 1, ALÍNEA B), 293.º, N.º 1, ALÍNEA A) E 314.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.º 2.
REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (RGICSF), APROVADO PELO DL N.º 298/92, DE 31 DE DEZEMBRO: - ARTIGOS 3.º, ALÍNEA A) E 4.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 06-06-2013, PROCESSO N.º 364/11. 0TVLSB.L1.S1;
- DE 13-09-2018, PROCESSO N.º 13809/16.4T8LSB.L1.S1;
- DE 11-10-2018, PROCESSO N.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1;
- DE 19-12-2018, PROCESSO N.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

-DE 02-11-2017, PROCESSO N.º 6295-16.0T8LSB.L1-8, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O Banco réu, além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, pois tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações ...., executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas pelos autores, das obrigações emitidas por uma terceira entidade – a ...., SA (artigos 289º nº 1, 290º nº 1 alª b) e 293º nº 1 alª a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro.

II - Donde resulta que a qualificação jurídica da intervenção do réu não pode deixar de ser considerada como um serviço e uma actividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o autor e o réu um contrato de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira.

III - A informação constitui um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na própria eficiência do mercado, nela devendo cumprir-se os requisitos qualitativos estabelecidos no artigo 7º do CVM.

IV - O dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto – o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento.

V - A circunstância de ter sido transmitido aos autores por funcionário do réu que lhe sugeriu esse produto, que o reembolso do capital aplicado era garantido pelo Banco ...., que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros periodicamente pagos (ponto 2, 7 e 9, da Fundamentação de facto), é, por si, claramente insuficiente para configurar uma violação do dever de informação.

VI - Este quantum de informação que o .... estava obrigado a prestar, no quadro da relação jurídica que o ligava aos seus clientes, inclui todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

VII - A matéria de facto não permite identificar qualquer falha de informação que fosse imputável ao réu e cuja verificação tenha sido causal do que veio a ocorrer relativamente ao investimento que os autores através dele realizaram.

VIII - A presunção de culpa prevista no artigo 314º do CVM não inclui presunções de ilicitude e de causalidade, desde logo, por tal amplitude não encontrar um “mínimo de correspondência” na letra da lei (cfr. artº 9º nº 2, do Código Civil) Defendemos já posição contrária – que abandonámos - no nosso Acórdão da Relação de Lisboa de 02.11.2017, Proc.º nº 6295-16.0T8LSB.L1-8, in www.dgsi.pt/jtrl..

IX - Atendendo à matéria de facto dado como provada, não se pode concluir que o réu tenha faltado ao cumprimento dos deveres a que estava obrigado ou que não tenha observado os ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões de diligência, lealdade e transparência exigíveis.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO


AA, BB, CC e DD intentaram acção contra Banco EE, S.A., pedindo:

a) a condenação do réu a pagar aos autores o capital e juros vencidos e garantidos que, à data da entrada da petição inicial, perfaziam a quantia de € 57.000,00, bem com os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Subsidiariamente:

b) a declaração de nulidade de qualquer eventual contrato de adesão que a ré invoque para ter aplicado os € 50.000,00 que os autores lhe entregaram e que aquela aplicou em obrigações subordinadas FF;

c) a declaração de ineficácia em relação aos autores da aplicação que a ré tenha feito daquele montante;

d) a condenação da ré a restituir aos autores € 57.000,00 que ainda não receberam dos montantes que lhe entregaram e de juros vencidos à taxa contratada, acrescida de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento.

E sempre:

e) - a condenação da ré a pagar aos autores a quantia de € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais.


Em síntese, alegaram que foram clientes da ré (então GG), com uma conta de depósitos à ordem. Em Outubro de 2004, um funcionário daquele disse ao 2º autor que dispunha de uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo GG e com rentabilidade assegurada.

O funcionário da ré sabia que o 2º autor não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

O seu dinheiro (€ 50.000,00) viria a ser colocado em obrigações FF, sem que os autores soubessem, em concreto, o que era, desconhecendo inclusivamente que a HH era uma empresa.

De todo o modo, sempre foi dito ao 2º autor que o capital era garantido pelo Banco réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.

Os autores sempre estiveram convencidos que o dinheiro tinha sido aplicado numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo; caso tivessem percebido que poderiam estar a dar ordem de compra de obrigações FF, produto de risco e que o capital não era garantido pelo GG, não consentiriam nem autorizariam.

A partir de Novembro de 2015, a ré deixou de pagar juros e, agora, atribui a responsabilidade pelo pagamento à HH, entidade que os autores nem sabiam existir.

Nunca qualquer contrato lhes foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas HH, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelos autores, nem nunca conheceram qualquer título demonstrativo de que possuíam obrigações HH, não lhes tendo sido entregue documento correspondente.

Foi omitido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que os autores nunca aceitariam se conhecessem os seus reais termos.

O prazo de maturidade ocorreu em Novembro de 2014 e o capital investido não foi restituído aos autores.

A ré colocou os autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem o seu dinheiro, computando o respectivo dano não patrimonial em €3.000,00.


O réu contestou, dizendo, em substância, que os autores tinham conhecimentos e experiência suficientes para um tal tipo de investimento, sabendo da respectiva natureza, riscos e rentabilidade. As Obrigações FF foram emitidas, como o próprio nome indica, pela HH, SGPS, S.A., sociedade titular de 100% do capital social do Banco réu.

Qualquer obrigação é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente; no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal activo do seu património, do que concluiu que “dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro com a subscrição daquelas obrigações” e que o risco de um depósito a prazo seria, então, semelhante a uma tal subscrição por o risco da HH ser indexado ao risco do próprio Banco.

O incumprimento foi determinado por circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais.

Foi explicado aos autores que se tratava da sociedade-mãe do Banco, pelo que se tratava de um produto seguro e foram apresentadas as respectivas condições.

Nunca a ré disse aos autores que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das obrigações da HH.


Os autores responderam às excepções alegadas na contestação, terminando como na petição inicial.


Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o réu dos pedidos.


Os autores recorreram e a Relação de Coimbra, por acórdão de 09.10.2018, julgou o recurso parcialmente procedente, revogou parcialmente a decisão recorrida e, mantendo o demais decidido, condenou o réu Banco EE, SA, a pagar aos autores a quantia de € 50.000 (cinquenta mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde Novembro de 2014 até efectivo e integral pagamento.


O réu interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª -O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss do CC . 

2ª - A forma como a decisão recorrida valoriza e interpreta o depoimento da testemunha II, contrariando o entendimento e a livre apreciação da 1ª instância, quando não teve contacto directa com a mesma e com o seu testemunho, ultrapassa em muito aquilo que o legislador pretendia da Relação na reapreciação da matéria de facto.

3ª - A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco réu ter assegurado ao autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, configura a prestação de uma informação falsa.

4ª - Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

5ª - De facto, o uso de uma tal expressão apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.

6ª - É utópico pretender ver nesta singela referência qualquer espécie de garantia absoluta de investimento. Até porque essa garantia não existe!

7ª - O investimento efectuado era um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.

8ª -Temos para nós por evidente que, à data da subscrição das Obrigações, o intermediário financeiro não tinha obrigação legal de informar o investidor sobre os riscos do instrumento financeiro subscrito (Obrigações) e que, mesmo actualmente (depois de entrar em vigor o DL 357-A/2007 de 31/10), o intermediário financeiro não está obrigado a informar o investidor acerca dos efeitos do risco de insolvência dos emitentes ou do mero risco de não retorno do capital investido na data de maturidade do investimento, ou sequer de analisar a robustez financeira do emitente, ou da posição dos credores em caso de insolvência da entidade emitente.

9ª - Ainda relativamente à característica da subordinação, a explicação da regra da subordinação que, à data, em face das relações entre o Banco e entidade emitente seria certamente irrelevante para a decisão de subscrição, por ninguém supor um cenário de incapacidade financeira do banco ou da sua sociedade-mãe.

10ª - Em lado algum se vislumbra se os mesmos clientes, e especialmente, em concreto, o autor, agiriam de forma distinta acaso tivesse convicção diferente, em particular se conhecessem a característica da subordinação.

11ª - O que está em causa nos presentes autos, até tendo em conta a respectiva causa de pedir, é o dano do incumprimento do dever de reembolso das obrigações pela emitente, não tendo qualquer relevância a natureza subordinada das obrigações. Diga-se aliás, que não ficou de forma alguma demonstrado que, se as obrigações não fossem subordinadas, o autor teria recebido o seu capital.

12ª - Da mesma forma, repetimos, o que levou o autor a subscrever o produto foi a sua aparente segurança e o facto de seu emitido pela dona do banco. Nestas circunstâncias, saber a sua posição numa possível situação de insolvência da entidade emitente não mudaria ou teria qualquer influência na decisão de aplicar ou não o seu dinheiro no produto.

13ª - O que o CdVM exige é que seja prestada a informação, o que foi feito.

14ª - Cumprido o dever de informação, e porque o diálogo e processo negocial é dinâmico, não estava o funcionário do Banco réu impedido de – em boa fé – acrescentar ao seu argumentário o seu juízo pessoal sobre a segurança do produto.

15ª - A recomendação do funcionário do Banco réu e juízo de valor acerca da segurança do produto não constitui qualquer violação do dever de informação que impendia sobre o intermediário financeiro, em 2006, no que toca ao esclarecimento quanto ao risco da subscrição do produto “Obrigações”.

16ª - Quer o artº 314º do CdVM, quer os artigos 798º e 799º do C.C. estabelecem unicamente presunções de culpa dos devedores, como aliás decorre do próprio texto legal dos referidos preceitos.

17ª - Fica por isso, e nos termos do artº 342º do CC, a cargo dos credores/autores alegar e provar a ilicitude que serve de esteio à pretensão que trazem a juízo!

18ª - Mesmo que se defendesse (juntamente com alguma doutrina) a existência de uma presunção de ilicitude, sempre diremos que essa presunção apenas poderá existir no caso de incumprimento dos deveres principais do contrato, mas já não assim no caso de incumprimento de deveres acessórios, como é o caso do dever de informação no contrato de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

19ª - No caso dos deveres acessórios, a ilicitude não pode surgir por automatismo, porque esse dever não se insere na prestação principal do contrato, porventura até realizada pelo devedor.

20ª - É que a origem dos deveres acessórios não radica no contrato, mas sim no princípio da boa fé na execução dos contratos, previsto no artº 762º nº 2 do CC.

21ª - E, uma vez que o dever acessório é decorrência deste princípio, que orbita em torno da obrigação principal, é necessário que o credor alegue e prove não só a existência desse dever acessório (como fonte de responsabilidade) como, sobretudo, o seu não cumprimento, pois a maioria das vezes não se pode socorrer da evidência da falta de resultado prefigurado (a prestação principal inserta no contrato) para implicar o raciocínio lógico-dedutivo da afirmação da ilicitude!

22ª - Assim, a violação do dever de informação no contrato de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens não implica qualquer (inexistente!) presunção de ilicitude.

23ª - E, portanto, tinha que ser o autor a alegar e provar que concretas informações é que o Banco réu estava obrigado a lhe ter dado, que não deu!

24ª - Sucede que, tal matéria não consta da matéria de facto provada, precisamente porque o autor se demitiu de a alegar...

25ª - E, não o tendo feito, tem a presente acção necessariamente que claudicar!

26ª - Em lado algum do CdVM se levou tão longe a obrigação do intermediário financeiro e se lhe impôs a obrigação de se assegurar que o investidor compreendeu a informação que lhe foi prestada!

27ª - O artº 312º-A nº 1 alínea c) obriga que a informação seja apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio! E este é um critério objectivo de prestar a informação.

28ª - O destinatário médio é um destinatário com o cuidado, zelo, e atenção médios, colocado na situação do destinatário concreto, nomeadamente no que toca às capacidades, conhecimentos e experiência deste.

29ª - Um declaratário normal e médio colocado no lugar do autor, não teria depreendido daquelas singelas expressões utilizadas de “garantia e segurança” que era afinal o Banco quem caucionava as obrigações da HH ou que o investimento estava imune a toda e qualquer vicissitude ou fracasso!

30ª - Não houve da parte do Banco réu a prestação de qualquer informação falsa, ou a utilização de qualquer artifício falacioso ou subterfúgio ardiloso que fosse apto a enganar o autor.

31ª - O que nos parece a nós é que, quando muito, houve da parte do autor um erro espontâneo, mas nunca um erro provocado!

32ª - Assim sendo, nenhuma culpa pode ser assacada ao Banco réu.

33ª - A condenação do Banco réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo autor é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério da teoria da diferença prevista no artº 566º nº 2 do CC, uma vez que dá azo a que o autor venha depois a receber o que lhe couber do emitente do título e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo réu e equivalente ao montante por ele desembolsado na subscrição do valor mobiliário.

34ª - Do texto do artº 799º nº 1 não resulta qualquer presunção de causalidade.

35ª - Parece-nos que esta construção - da existência de uma presunção de causalidade - é uma forma de tentar ver na lei, uma coisa que ela manifestamente não diz.

36ª - Do artº 563º do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

37ª - Resulta sim o acolhimento, em parte, dos ensinamentos da causalidade adequada, na vertente em que arreda, como regra, a necessidade da absoluta confirmação do decurso causal: não há que provar tal decurso, mas simplesmente, a probabilidade razoável da sua existência.

38ª - Porém, a substituição de uma prova absoluta por uma prova de probabilidade razoável, não faz com que desse downgrade de exigência probatória se possa concluir existir uma inversão do ónus da prova, como afirma o acórdão da Relação, ao estabelecer abertamente a existência de uma presunção de causalidade.

39ª - Tal, o que significa, é que o julgador se terá que bastar, em sede de causalidade, com um juízo de razoável probabilidade de que o dano foi originado por aquele facto!

40ª - Mas já não significa que tenha que ser o agente a provar que o facto não é adequado a provocar aquele dano ao lesado (situação esta que seria própria de uma presunção)!

41ª - O autor não logrou provar – como era seu ónus, por não gozar de qualquer presunção de causalidade – que, se a informação lhe fosse prestada (mormente a característica da subordinação), não teria subscrito a aplicação financeira em Obrigações HH!

42ª - Destarte, não sabemos nem alcançamos o que é que o A. não sabia que, se porventura soubesse, teria determinado a sua recusa em efectuar o investimento!

43ª - O que se passa é que a falta de informação está agora a servir de bode expiatório a um investimento que se veio a revelar ser um mau investimento...

44ª - Assim, ou o autor alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls!

45ª - A censura da conduta do Banco réu nunca poderá ser reconduzida a um dolo ou a uma culpa grave.

46ª - O funcionário do Banco réu nem sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado.

47ª - O funcionário do Banco réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do autor.

48ª - Uma tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência – a negligência inconsciente –, pois revela que o agente agiu por imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, não chegando sequer a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida.


Termina, pedindo que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, a sentença recorrida seja substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente, absolvendo o réu.


Os recorridos responderam, pugnando pela manutenção do acórdão da Relação.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto


As instâncias deram como assentes os seguintes factos:

1º - Os autores eram clientes do GG, S.A. (actualmente o réu), na sua agência de …, com a conta à ordem n.º 13…1, onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças.

2º - Em Outubro de 2004, um funcionário da Agência de … do réu disse ao 2.º autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com o capital garantido e rentabilidade assegurada.

3º - O 2º autor subscreveu o produto acima mencionado convencido de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, no sentido de se tratar de risco reduzido ou de risco mais aproximado ao risco de um depósito a prazo.

4º - Os autores estiveram sempre convencidos que o réu lhe restituiria o capital e os juros quando os solicitasse.

5º - O funcionário do banco sabia que o 2º autor não possuía a qualificação ou formação técnica que permitisse saber avaliar os riscos do produto.

6º - O 2º autor tinha um perfil conservador, aplicando o dinheiro em depósitos a prazo e em Fundo de Investimento no Offshore da ….

7º - Após a subscrição do produto acima referido, os respectivos juros foram sendo periodicamente pagos.

8º - O que manteve até Novembro de 2015, data em que o Banco réu deixou de pagar os juros respectivos.

9º - Não foi emitido qualquer outro documento a esse propósito, como não foi assinado qualquer documento pelos autores, para além das habituais comunicações/avisos/extractos relativos ao pagamento dos juros periódicos, acima mencionados.

Os autores não sabiam que estavam a dar ordem de compra de obrigações.

Não foi explicado aos autores que o GG e a HH eram duas entidades distintas e que investir em HH era diferente de aplicar dinheiro no GG.

As obrigações foram vendidas como equivalentes a um depósito a prazo.

O seu reembolso garantido pelo Banco GG.

Os autores nunca teriam adquirido tais obrigações se tivessem percebido que o capital não era garantido[1].

10º - Na data de vencimento contratada, o réu não restituiu aos autores o montante que estes subscreveram.

11º - Em consequência, os autores ficaram impedidos de usar o montante subscrito como bem entendessem.

12º - As orientações e comunicações internas existentes no GG e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade com um risco semelhante a um depósito a prazo junto do próprio Banco.

13º - As Obrigações em causa foram emitidas, como o próprio nome indica, pela HH, SGPS, S.A..

14º - Esta sociedade era titular de 100% do capital social do Banco-réu.

15º - Participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008.

16º - Altura em que foi nacionalizada.

17º - Nesta sequência, porque a HH, SGPS, S.A., detinha o Banco GG, qualquer obrigação por si emitida é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, sendo este necessariamente um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal activo do seu património.

18º - O risco de um Depósito a Prazo seria semelhante a uma tal subscrição por o risco da HH ser indexado ao risco do próprio Banco.

19º - Consideração válida sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data no valor máximo de €25.000,00.

20º - Foi explicado ao 2º autor o prazo de 10 anos do referido produto que subscreveu.

21º - E das condições de reembolso.

22º - E de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso.

23º - E que era à data extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

24º - O 2º autor sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um depósito a prazo.


B) Fundamentação de direito


O acórdão da Relação revogou parcialmente a decisão recorrida e, mantendo o demais decidido, condenou o réu Banco EE, SA, a pagar aos autores a quantia de € 50.000 (cinquenta mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde Novembro de 2014 até efectivo e integral pagamento.


O réu pede a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da decisão da 1ª instância que havia julgado a acção improcedente.

O núcleo essencial da sua alegação centra-se na não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, mormente a ilicitude e o nexo de causalidade.


Antes de mais, importa saber qual o quadro legal aplicável perante os factos que se mostram provados. Assim, o circunstancialismo legal que existia na data em que se operou o investimento (Outubro de 2004) é o Código de Valores Mobiliários, na redacção anterior ao DL nº 357-A/2007, de 31 de Outubro (Declaração de Rectificação de nº 117-A/2007, de 28 de Dezembro).


Comecemos por afirmar que a natureza jurídica da operação bancária entre os autores e o réu deve ser qualificada como uma actividade de intermediação financeira. O banco réu, além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, pois tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações HH, executando ordens de subscrição que lhe foram transmitidas pelos autores, das obrigações emitidas por uma terceira entidade – a HH, SA (artigos 289º nº 1, 290º nº 1 alª b) e 293º nº 1 alª a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro.


Donde resulta que a qualificação jurídica da intervenção do réu não pode deixar de ser considerada como um serviço e uma actividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre os autores e o réu um contrato de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira[2].

A intermediação financeira designa o conjunto de actividades destinadas a mediar o encontro entre oferta e procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento.


O papel comercial, cujo regime jurídico está definido no DL nº 69/2004, de 25-03, está qualificado como um valor mobiliário de natureza monetária (cf. artº 1º nº 1) e é utilizado para suprir necessidades de liquidez imediata ou para servir de sucedâneo à emissão de garantias sobre contratos de concessão de crédito[3].


Os intermediários financeiros são agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transacções por sua conta; ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos.

Os intermediários financeiros estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. E daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem os deveres de informação ao cliente e de adequação.


Assim, interessa decidir se o GG violou, quanto aos autores, deveres que sobre si impendiam enquanto intermediário financeiro para tanto autorizado, aquando da aquisição, por estes, do produto financeiro acima identificado e, consequentemente, se é responsável pelo pagamento da indemnização peticionada.


Os Bancos são instituições de crédito que podem efectuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei, designadamente actividades de intermediação financeira – cf. artigos 3º alª a) e 4º nº 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), na redacção em vigor à data dos factos e artigo 293º nº 1 alª a) do CVM.


Nas relações com os autores, o Banco réu, como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta fixadas no RGICSF, designadamente as constantes dos artigos 73º, 74º e 75º, na redacção então em vigor.


Assim:

Artigo 73.º (Competência técnica)

As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência.

Artigo 74.º (Relações com os clientes)

Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.

Artigo 75.º (Dever de informação)

1 - As instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles.

2 - O Banco de Portugal regulamentará, por aviso, os requisitos mínimos que as instituições de crédito devem satisfazer na divulgação ao público das condições em que prestam os seus serviços.


Enquanto intermediário financeiro (cf. artigos 289º nº 1 alª a) e 290º nº 1 alª c) do CVM), estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304º a 342º do CVM.


A violação dos deveres de informação


Há que ter presente que, como se estabelece no artigo 7º do CVM, a qualidade da informação deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação.


A informação constitui um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na própria eficiência do mercado, nela devendo cumprir-se os requisitos qualitativos estabelecidos no artigo 7º do CVM.


E o artigo 304º, sob a epígrafe (Princípios), estabelece que:

1- Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2- Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.


Quanto à prevalência aos interesses dos clientes (nº 3 do artº 309º), designadamente dispõe o nº 1 do artº 310º, sob a epígrafe (Intermediação excessiva), que “o intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efectuar operações repetidas sobre valores mobiliários ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objectivo estranho aos interesses do cliente”


E o artigo 312.º (Deveres de informação) preceitua o seguinte:

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.


Como refere Agostinho Cardoso Guedes[4]: Sempre que alguém se dirige a um banco para com ele celebrar um contrato (um depósito bancário, um empréstimo, a compra de títulos da sociedade proprietária do banco, um desconto, um empréstimo hipotecário, depósito de títulos etc.) e se inicie «uma actividade comum dos contraentes destinada à análise e elaboração do projecto de negócio» não parece restar qualquer dúvida que qualquer dos contraentes fica imediatamente vinculados aos deveres resultantes do artº 227º e consequentemente o banco pode ser obrigado a prestar informações ou conselhos ou, quando tal dever não surja por força do dever de agir com boa fé, responsabilizado, ainda assim, por informações ou conselhos inexactos (desde que, com esse comportamento, se violem outros deveres de conduta, tal como acontecia com os deveres laterais de origem contratual de que resultem danos”.


Também Gonçalo André Castilho dos Santos[5] se pronunciou sobre o assunto: “são precisamente as avaliações e recomendações prestadas pelos intermediários financeiros que habitualmente motivam os investidores a fundamentar a sua decisão inicial de investimento ou a modificar uma decisão anterior. (…) A crescente complexidade dos serviços e dos produtos financeiros não só justifica uma gradual sofisticação da informação que tenha de vir a ser recolhida e tratada para efeitos de formulação de juízos sobre a qualidade e quantidade dos investimentos em mercado, como também implica, em termos exponenciais, que os custos e riscos envolvidos nessa operação sejam proibitivos para a esmagadora maioria dos investidores, em geral, e dos clientes, em particular. Esta envolvente repercute-se numa especial posição de confiança e dependência do cliente face ao profissional do mercado que, enquanto intermediário financeiro, assume funções significativas na gestão do património daquele”.


António Pedro Azevedo Ferreira[6] refere que o dever geral de informar que impende sobre o banco é, “ forçosamente enquadrado pelo âmbito da relação negocial estabelecida entre o banco e o seu cliente, não incidindo sobre o banco relativamente a matérias que não tenham a ver, directa ou indirectamente, com tal relação. Isto é, o banco não está obrigado a tomar a iniciativa de informar o seu cliente sobre matérias que não tenham a ver com o âmbito do contrato bancário geral desenhado entre as partes, nomeadamente o banco não está obrigado a informar o cliente sobre eventuais oportunidades de negócio. Se, no entanto, o banco prestar tal tipo de informações, “motu próprio”, fica naturalmente obrigado a agir com a correcção, a veracidade e a prudência que lhe são exigíveis por força da sua condição específica de profissional habilitado para o exercício da actividade, por força da confiança que tal facto inspira no cliente e por força de tal comportamento ser adoptado no âmbito de uma relação negocial de natureza vasta, complexa e diversificada.

(…). Em síntese, pois, parece poder concluir-se que a relação negocial estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina, para aqueles e a favor destes, a configuração de uma obrigação de prestar informações segundo duas vertentes complementares:

Por um lado, o banco deve informar sempre que, no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correcta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.

Por outro lado, se e quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respectiva actuação, no âmbito daquela relação, pelos vectores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes”.


Citando Menezes Cordeiro[7], “ o Direito dos actos bancários é, fundamentalmente, um direito contratual: ele submete-se ao Direito das Obrigações, com os desvios ditados pela natureza comercial dos actos em causa e, ainda, com as especificidades propriamente bancárias, que tenham aplicação. Ao lado do Direito dos actos bancários, encontramos outras áreas normativas relevantes, (…) o que se poderá chamar de vinculações extra negociais, que incluem os deveres de informação e de lealdade pré contratuais e pós-eficazes (…) matéria que traduz o prolongamento dogmático dos deveres acessórios e pode ser considerada do tipo contratual”.


Como refere Paulo Câmara[8], “um dos alicerces do sistema mobiliário reside na função de apoio, assistência, aconselhamento e conselho que os intermediários financeiros desempenham relativamente aos seus clientes”.

A informação – salienta o mesmo autor – constitui, por um lado, “um instrumento de protecção dos investidores, uma vez que estes poderão avaliar melhor os riscos de ganhos e de perdas ligados ao seu investimento” e, por outro lado, salvaguarda o regular e eficiente funcionamento dos mercados”[9].


Relativamente ao desenho do âmbito funcional do dever de informação, refere o acórdão do STJ de 11.10.2018[10], que”:

O cumprimento dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário financeiro é, porém, de geometria variável. Quer isto significar que a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente.

Assim, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há-de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objecto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação[11].


Em todo o caso, o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto – o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento[12].


Por outro lado, como adverte Paulo Câmara, “com a cominação de uma malha apertada de deveres ligados à informação não se anula o risco do investimento (…). Assim, são, à partida, lícitas as decisões irracionais do ponto de vista económico, ainda que potenciando prejuízos. (…)”[13].


Será o banco réu, enquanto intermediário financeiro, civilmente responsável para com os danos sofridos pelos autores?


É esta a questão de fundo que agora importa resolver.


O artigo 314º do CVM (Responsabilidade civil) preceitua o seguinte:

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.


A presunção de culpa prevista naquele preceito não inclui presunções de ilicitude e de causalidade, desde logo, por tal amplitude não encontrar um “mínimo de correspondência” na letra da lei (cfr. artº 9º nº 2, do Código Civil).

Neste sentido, entre outros:

Acórdão do STJ de 06.06.2013:[14] “A responsabilidade civil assacada ao intermediário financeiro, designadamente no âmbito de contrato de consultadoria para investimento em valores mobiliários, pressupõe a prova da ilicitude resultante do incumprimento de deveres legais ou contratuais, numa relação de causalidade adequada com o sinistro financeiro verificado”.

E ainda o acórdão do STJ de 13.09.2018[15]:

“I - A lei portuguesa não permite que o nexo de causalidade seja retirado ou obtido por via de uma presunção (arts 563º e 799º, conjugados com os arts 342º e ss, todos do CC).

II - O artº 799º do CC aplica-se apenas à culpa e não ao nexo de causalidade.

III - Ainda que se presuma a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano não se podendo, em caso algum, presumir-se quer o nexo de causalidade quer o dano”.


Está em causa, como já referimos, um contrato de intermediação financeira relativo à “recepção e transmissão de ordens por conta de outrem”, que são serviços de investimento em valores mobiliários – artº 290º nº 1 alª a) do CVM.


As normas do CVM, na redacção anterior à entrada em vigor do DL nº 357-A/2007 de 31.10, não densificavam o dever de informação, como hoje resulta das disposições dos artigos 312º-A a 312º-G, que apenas foram aditadas por aquele Decreto-lei.


Efectivamente, o Código dos Valores Mobiliários, na redacção vigente à data da subscrição das obrigações aqui em causa (10.04.2006), para além do cumprimento do dever geral de informação previsto no artº 312º, apenas afirmava no artº 323º uma regra geral quanto ao dever de informação, donde resultava a obrigação do intermediário informar os clientes com quem tenha celebrado contrato sobre:

a) A execução e os resultados das operações que efectue por conta deles;

b) A ocorrência de dificuldades especiais ou a inviabilidade de execução da operação;

c) Quaisquer factos ou circunstâncias de que tome conhecimento, não sujeitos a segredo profissional, que possam justificar a modificação ou a revogação das ordens ou instruções dadas pelo cliente.


Posto isto, há que reconhecer que, no caso sub judice, a matéria de facto provada não permite imputar ao Banco réu qualquer violação dos deveres que sobre si impendiam, mormente deveres de informação.


A circunstância de ter sido transmitido aos autores que o reembolso das obrigações era garantido pelo Banco GG, que as obrigações foram vendidas como equivalentes a um depósito a prazo, que os autores estiveram sempre convencidos que o réu lhe restituiria o capital e os juros quando os solicitasse (factos provados 9º e 4º), é, por si, claramente insuficiente para configurar uma violação do dever de informação.


Este quantum de informação que o GG estava obrigado a prestar[16], no quadro da relação jurídica que o ligava aos seus clientes, inclui “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” (artº 312º do CVM).


O 2º autor sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um depósito a prazo (facto provado nº 24). Subscreveu o produto convencido de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, no sentido de se tratar de risco reduzido ou de risco mais aproximado ao risco de um depósito a prazo (facto provado sob o nº 3).


A par disso, também ficou provado que:

- Nesta sequência, porque a HH, SGPS, S.A., detinha o Banco GG, qualquer obrigação por si emitida é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, sendo este necessariamente um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal activo do seu património – (facto provado nº 17).

- O risco de um Depósito a Prazo seria semelhante a uma tal subscrição por o risco da HH ser indexado ao risco do próprio Banco – (facto provado nº 18).

- Consideração válida sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data no valor máximo de €25.000,00 – (facto provado nº 19).


E ainda que:

- Foi explicado ao 2º autor o prazo de 10 anos do referido produto que subscreveu.

- E das condições de reembolso.

- E de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso.

- E que era à data extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta - (Factos provados nºs 20, 21, 22 e 23).


Por outro lado, a afirmação de que o reembolso dessas obrigações era garantido pelo GG (ponto 9 da Fundamentação de facto) não significa que a decisão dos autores de subscrever as obrigações se tivesse ficado a dever a tal circunstância, não cabendo, aliás, nas funções habituais dos intermediários financeiros assumir o compromisso de reembolsar os clientes pelos investimentos efectuados em produtos emitidos por outras entidades.


Tal facto não traduz omissão de qualquer informação relevante ou informação não verdadeira, sendo expressão corrente para explicar ao cliente, sem especiais conhecimentos, que se tratava de um produto seguro e que os riscos, na prática, não divergiam em muito dos riscos de um depósito a prazo – Cfr facto provado nº 3..


Demonstrou-se que o banco réu prestou informação exacta sobre a remuneração e demais elementos caracterizadores do produto.(Cfr factos provados sob os nºs 20 a 24).

Por outro lado, em momento nenhum se celebrou acordo entre o Banco e os autores, através do qual aquele tivesse prestado garantia pessoal da obrigação de restituição do capital investido, a qual incumbia exclusivamente à entidade emitente.


A garantia mencionada no número 9 da Fundamentação de facto não faria sentido à data da subscrição das obrigações. A HH detinha a totalidade do capital do GG e ela própria, enquanto emitente, respondia pelo cumprimento do dever de pagamento de juros à taxa acordada e pela restituição do capital ao fim de dez anos.


Por outro lado, nenhum conforto poderia aportar aos clientes do GG que este garantisse o cumprimento daqueles deveres, uma vez que o património deste banco já integrava na totalidade o património daquele emitente. – Cfr Parecer de António Pinto Monteiro, a fls 205 e vº.

No mesmo parecer é ainda referido o seguinte:

“ O escopo dos preceitos do CVM que impõem deveres de informação ao GG, enquanto intermediário financeiro no âmbito de um contrato de recepção e transmissão de ordens, têm principalmente a finalidade de “protecção dos legítimos interesses dos seus [do intermediário financeiro] clientes e da eficiência do mercado”, nos termos do princípio fixado no nº 1 do artigo 304º. Estes deveres não têm, portanto, a finalidade de proteger estes investidores do incumprimento improvável e de difícil previsibilidade do emitente de uma obrigação.

Causa dos danos sofridos pelos clientes, pela falta de restituição do capital investido e juros, teria sido o incumprimento do dever de prestar a cargo da HH – e só este incumprimento. É o artigo 798º CC que tem justamente por fim proteger o credor de um dever de prestar – a restituição do capital e pagamento dos juros – em relação ao incumprimento desse dever” – fls 218.


O produto subscrito pelos autores era de complexidade mínima, facilmente apreensível mediante a apresentação de informações simples.


Conforme decidiu este Supremo, no seu acórdão de 06.06.2013, já mencionado:

“… tudo levar a concluir que, não fora a crise financeira do sub prime que se propagou a todo o sistema financeiro e que se concretizou, além do mais, na ruptura do mercado financeiro islandês e ainda mais concretamente, na ruptura financeira do banco que emitiu as obrigações em que o A. investiu as suas poupanças, este teria muito provavelmente recebido todos os juros pretendidos no período de duração do investimento e, depois, o respectivo capital. Enfim, a causa dos danos correspondentes à desvalorização absoluta dos títulos encontra-se num factor que era estranho à R. (a crise financeira global despoletada em 2007), sem que algo permita concluir que a mesma pudesse antecipar e comunicar ao A. o risco da sua ocorrência.

A R. forneceu ao A. as informações de que dispunha e tudo se desenhava para que esse investimento fosse rentável, tanto mais que nada fazia antever nem a degradação do mercado financeiro mundial, nem a do mercado islandês, nem a da concreta instituição financeira emitente das obrigações.

Nem sequer as características específicas das obrigações intermediadas fariam supor algum risco que devesse ser assinalado ao A., antes de este decidir, pois que na referida ocasião era praticamente indiferente que as obrigações tivessem uma ou outra característica, já que nada fazia supor o default da instituição financeira bem cotada pelas agências de rating.

Pode existir a tentação de encontrar nas entrelinhas da situação uma falha a que deva imputar-se o que veio a ocorrer, mas trata-se de uma tentativa que não suporta uma tal conclusão, tanto mais que o ponto de referência para a avaliação da diligência no cumprimento dos deveres deve situar-se na data em que ocorreram os factos, e não nas actuais circunstâncias em que, para além da inflação informativa, nos confrontamos com os factos consumados”.


É, pois, de concluir que o réu forneceu aos autores as informações de que dispunha e tudo se desenhava para que esse investimento fosse generosamente rentável, tanto mais que nada fazia antever nem a degradação do mercado financeiro mundial, nem a da emitente das obrigações.


Em concreto, a matéria de facto não permite identificar qualquer falha de informação que fosse imputável ao réu e cuja verificação tenha sido causal do que veio a ocorrer relativamente ao investimento que os autores através dele realizaram.

Aliás, os autores, que eram, afinal, os principais interessados na operação nunca questionaram a bondade da referida aplicação que, durante um prolongado período de 11 anos (Outubro de 2004 a Novembro de 2015), lhs garantiu efectivamente a rentabilidade que procuraram com a mencionada aplicação do capital.

Por conseguinte, atendendo à matéria de facto dado como provada, não se pode concluir que o ré tenha faltado ao cumprimento dos deveres a que estava obrigado ou que não tenha observado os ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões de diligência, lealdade e transparência exigíveis.


Deste modo, conclui-se pela inexistência de ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada ao réu.

A tese dos autores estará ainda condenada ao insucesso, por não ter sido feita a prova do nexo de causalidade.


Dispõe o artigo 563º do Código Civil que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.


Consagra este preceito a teoria da “causalidade adequada” ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”[17].

Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, que “a fórmula usada no artigo 563º deve, assim, interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito”[18].


É aos autores, enquanto clientes do GG, que cabe provar que não teriam realizado a subscrição da obrigação caso lhe tivesse sido prestada a informação alegadamente em falta. Pelo que não é possível estabelecer um nexo causal entre um putativo incumprimento dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro GG, no âmbito de um contrato de recepção e transmissão de ordens, e os danos que os clientes sofreram em virtude do incumprimento do dever primário de prestação, num outro contrato, celebrado entre estes clientes e a emitente da obrigação, a HH – Parecer citado, fls 218 vº e 219.


Terminando, diremos que o alegado dano ocorreu em consequência da insolvência da emitente, o que constitui uma circunstância anómala e não previsível, à data da subscrição das obrigações, não sendo devido a qualquer violação de deveres de informação ou de obrigação contratual a que o GG estivesse vinculado[19].


“ A lei portuguesa não permite que o nexo de causalidade seja retirado ou obtido por via de uma presunção (arts 563.º e 799.º, conjugados com os arts 342º e ss, todos do CC).O art. 799º do CC aplica-se apenas à culpa e não ao nexo de causalidade. Ainda que se presuma a culpa,



caberá a quem alega o direito demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano não se podendo, em caso algum, presumir-se quer o nexo de causalidade quer o dano”[20].


CONCLUSÕES[21]:

I - O Banco réu, além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, pois tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações HH, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas pelos autores, das obrigações emitidas por uma terceira entidade – a HH, SA (artigos 289º nº 1, 290º nº 1 alª b) e 293º nº 1 alª a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro.

II - Donde resulta que a qualificação jurídica da intervenção do réu não pode deixar de ser considerada como um serviço e uma actividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o autor e o réu um contrato de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira.

III - A informação constitui um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na própria eficiência do mercado, nela devendo cumprir-se os requisitos qualitativos estabelecidos no artigo 7º do CVM.

IV - O dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto – o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento.

V - A circunstância de ter sido transmitido aos autores por funcionário do réu que lhe sugeriu esse produto, que o reembolso do capital aplicado era garantido pelo Banco GG, que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros periodicamente pagos (ponto 2, 7 e 9, da Fundamentação de facto), é, por si, claramente insuficiente para configurar uma violação do dever de informação.

VI - Este quantum de informação que o GG estava obrigado a prestar, no quadro da relação jurídica que o ligava aos seus clientes, inclui todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

VII - A matéria de facto não permite identificar qualquer falha de informação que fosse imputável ao réu e cuja verificação tenha sido causal do que veio a ocorrer relativamente ao investimento que os autores através dele realizaram.

VIII - A presunção de culpa prevista no artigo 314º do CVM não inclui presunções de ilicitude e de causalidade, desde logo, por tal amplitude não encontrar um “mínimo de correspondência” na letra da lei (cfr. artº 9º nº 2, do Código Civil)[22].

IX - Atendendo à matéria de facto dado como provada, não se pode concluir que o réu tenha faltado ao cumprimento dos deveres a que estava obrigado ou que não tenha observado os ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões de diligência, lealdade e transparência exigíveis.



III - DECISÃO


Atento o exposto, concedendo-se provimento à revista, revoga-se o acórdão recorrido e absolve-se o réu dos pedidos.

Custas pelos recorridos.


Lisboa, 21.02.2019


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Nuno Manuel Pinto Oliveira (vencido nos termos da declaração anexa)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

_____

Declaração de voto

    Vencido. Entendo que os factos dados como provados sob o n.º 5 depõem fortemente no sentido que os deveres de esclarecimento do intermediário financeiro eram particularmente intensos e os factos provados sob o n.º 9, no sentido de que os deveres em causa não foram observados — “Os autores não sabiam que estavam a dar ordem de compra de obrigações; [n]ão foi explicado aos autores que o GG e a HH eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no GG; [a]s obrigações foram vendidas como equivalentes a um depósito a prazo [e o] seu reembolso garantido pelo Banco GG”; finalmente, “[o]s autores nunca teriam adquirido tais obrigações se tivessem percebido que o capital não era garantido”.

     O problema do ónus da prova da causalidade na responsabilidade pela violação de deveres de esclarecimento e de informação deve autonomizar-se, em termos de se admitir desvios em relação aos princípios e às regras gerais. Entre os desvios relevantes está o de que deverá facilitar-se a prova da causalidade através de uma presunção de que o credor da informação se teria comportado de forma adequada, tendo em conta a informação devida [1].

     Em primeiro lugar, poderá dizer-se que a decisão tomada sem informação “é um resultado diverso, na sua configuração concreta, da decisão que o interessado teria tomado com informação, pelo que tem de afirmar-se a causalidade entre a violação do dever de informação e este dano, consistente na concreta decisão não informada”. Em segundo lugar, ainda que as duas decisões não fossem diferentes, na sua configuração concreta, sempre poderia dizer-se que a demonstração de que o credor da informação teria actuado de igual forma, ainda que o devedor tivesse adoptado um comportamento conforme ao dever, é a prova de um comportamento alternativo lícito.

     Ora, o ónus da prova de um comportamento alternativo lícito deve recair sobre o lesante, “sobre a base de que ale agiu ilicitamente, colocando uma condição equivalente para o dano”:


“… seria onerar duplamente o lesado […] se este houvesse de suportar também as consequências da dúvida sobre se um comportamento conforme ao direito do seu adversário teria igualmente produzido as mesmas consequências” [2].


    Os argumentos deduzidos, em geral relevantes para os casos de violação de deveres de esclarecimento e de informação, são reforçados pela circunstância de estarem em causa assimetrias informacionais dos mercados de valores mobiliários:


“… a inversão do ónus da prova”, escreve, em estudo recente, Margarida Azevedo de Almeida, “traz como consequência o risco de o intermediário financeiro suportar danos não causados pelo seu comportamento. Não obstante,” continua, “cremos que a importância fundamental que as obrigações de informação e de adequação assumem na superação das assimetrias existentes no mercado de valores mobiliários, bem como a cooperação que caracteriza a relação de intermediação financeira, são de molde a justificar que a violação destas obrigações sirva de base a uma presunção de causalidade entre estas condutas e os danos sofridos pelo investidor” [3].


    Entendo de qualquer forma que o facto dado como provado sob o n.º 9 — “[o]s autores nunca teriam adquirido tais obrigações se tivessem percebido que o capital não era garantido” — seria suficiente para que se desse como provado o nexo de causalidade.  Existindo, como se admite que exista — considerando, designadamente, os factos dados como provados sob os n.ºs 20 a 24 —, uma inobservância do ónus de o cliente-investidor “adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento”, a circunstância deverá ser apreciada, exclusiva ou essencialmente, para efeitos da culpa do lesado (arts. 570.º-572.º do Código Civil).

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[1] Cf. designadamente Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 1388-1389 e 1060-1064; Margarida Azevedo de Almeida, “A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 411-424 (421-422).

[2] Jorge Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Livraria Almedina, Coimbra, 1989, pág. 290.

[3] Margarida Azevedo de Almeida, “A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros”, cit., pág. 422.

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[1] Aditado pelo acórdão da Relação – fls 260.
[2] José Engrácia Antunes, «Os contratos de intermediação financeira», BFDC, vol. LXXXV, Coimbra 2007, p. 281-282).
[3] Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, 2011, p. 198.
[4] A Responsabilidade do Banco por informações à Luz do art. 485º do Código Civil in Revista de Direito e Economia , Ano XIV , 1988, págs 147 e 148.
[5] A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Almedina, 2008, pág. 135.
[6] “ A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura”, Quid Juris, 2005, págs 652 a 654.
[7] Direito Bancário, in Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 1997, pág 24.
[8] Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, pág. 691.
[9] Ob cit pág. 685.
[10] Proc.º nº 2339/16.4T8LRA.C2.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[11] Paulo Câmara, ob. cit. pág. 692 e Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, págs. 85-86.
[12] Cf., a propósito, Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, nº 31, de Dezembro de 2008, págs. 74 e segs
[13] Ob cit pág. 684.
[14] Proc.º nº 364/11. 0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[15] Proc.º nº 13809/16.4T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[16] Vide Factos provados sob os nºs 12, 20, 21, 22, 23 e 24.

[17] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, página 654.
[18] Código Civil Anotado, Volume I, 3ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, em anotação ao artigo 563º, pág. 548.
[19] Cfr Ac STJ de 11.10.2018 já citado na nota nº 9.
[20] Ac STJ de 13.09.2018, Proc.º 13809/16. 4T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj .
[21] Da responsabilidade do relator nos termos do artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil, tal como já haviam sido elaboradas no seu acórdão deste STJ de 19.12.2018, Proc.º nº  1479/16.4T8LRA.C2.S1, in www.dgsi.pt/jstj.
[22] Defendemos já posição contrária – que abandonámos - no nosso Acórdão da Relação de Lisboa de 02.11.2017, Proc.º nº 6295-16.0T8LSB.L1-8, in www.dgsi.pt/jtrl.