Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
33/08.9YRGMR.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LEITE
Descritores: INVENTÁRIO
TESTAMENTO
INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO
DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA
HERDEIRO
FIDEICOMISSO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - No domínio da interpretação das disposições testamentárias, o intérprete deve procurar o sentido mais ajustado à vontade do testador, atendendo ao contexto do testamento, podendo, todavia, lançar mão de elementos exteriores à declaração testamentária, capazes de auxiliar na determinação da vontade real daquele, devendo, porém, ser objecto de exclusão, aquela interpretação que não recolha um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa, no conteúdo formal do documento lavrado (art. 2187.º do CC).
II - Não tendo sido carreados para os autos quaisquer elementos, documentais ou testemunhais, susceptíveis de enquadramento no âmbito da aludida prova complementar, ter-se-á de proceder à interpretação do testamento com o exclusivo recurso ao respectivo conteúdo.
III - No testamento em causa, o testador declarou que instituía como seus únicos herdeiros os ora inventariados, seus primos M e marido J, com a obrigação de conservarem e transmitirem os bens que viessem a constituir a herança aos descendentes legítimos de ambos.
IV - Tal disposição testamentária configura uma substituição fideicomissária, em que aqueles inventariados assumem a posição de fiduciários e os seus “descendentes legítimos” a de fideicomissários (art. 2286.º do CC), cumprindo proceder à determinação do grau de parentesco a considerar quanto a estes últimos, se apenas os filhos ainda vivos dos inventariados, como consideraram as instâncias, ou se é extensiva à recorrente, filha de um fideicomissário pré-falecido, igualmente filho daqueles.
V - Tendo o testamento em causa sido lavrado em 18-10-1976, à data, englobavam-se na primeira classe de sucessíveis, na sucessão legítima, os descendentes e, dentre estes, os filhos, com prevalência dos legítimos sobre os ilegítimos quanto ao montante do respectivo quinhão hereditário, em detrimento dos descendentes em segundo grau, que apenas seriam chamados à sucessão por direito de representação (arts. 2133.º, al. a), 2139.º e 2140.º do CC, na redacção anterior ao DL n.º 496/77, de 25-11), pelo que, atendendo a que os netos, em relação ao respectivo progenitor comum, se não encontram no mesmo grau de parentesco dos seus próprios progenitores (arts. 1578.º a 1581.º do mesmo diploma), a vontade real do testador, constante da utilizada expressão “descendentes legítimos”, não poderá deixar de ser a de que, no fideicomisso pelo mesmo instituído, aquele apenas quis contemplar, como fideicomissários, os filhos legítimos dos fiduciários, tendo sido empregue tal terminologia, dada a vigência legal, à data, de tal inconstitucional descriminação (arts. 36.º, n.º 4, da CRP e 1583.º do CC).
VI - Na substituição fideicomissária não há lugar a nenhuma transmissão da herança do fiduciário para o fideicomissário, pois tal substituição configura uma dupla disposição testamentária, ou seja, o testador dispõe dos seus bens a favor de dois beneficiários, primeiro a favor do fiduciário, depois a favor do fideicomissário, sendo, portanto, este, sucessor do testador, em virtude da designação efectuada (art. 2286.º do CC).
VII - Tendo ocorrido o decesso do testador em 17-02-1977, data em que teve lugar a abertura do seu processo de sucessão, apesar da recorrente ter nascido em momento posterior e não se encontrar desprovida de capacidade sucessória (arts. 2031.º e 2033.º, n.º 2, al. a), do CC), a mesma não pode concorrer à herança em pé de igualdade com os fideicomissários instituídos. Com efeito, àquela data da abertura da sucessão, estatuía o art. 2139.º, n.º 2, do CC que “se algum dos parentes não puder aceitar, a sua parte acrescerá à dos outros parentes da mesma classe e grau”, sendo certo também que, tendo o seu progenitor falecido em momento posterior ao testador, a mesma não pode ser encabeçada no quinhão hereditário daquele, por direito de representação (arts. 2039.º e 2041.º, n.º 1, do CC).
Decisão Texto Integral: