Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3316/10.4TBLRA.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 01/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 640.º, N.ºS 1 E 2, AL. A), 662.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 1 DE JULHO DE 2014; DE 9 DE JUNHO DE 2015, PROCESSO N.º 1514/12.5TBBRG.G1.S1; DE 15 DE OUTUBRO DE 2013, PROCESSO N.º 5756.2TVLSB.L1.S1; DE 4 DE JULHO DE 2013, PROCESSO N.º 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1.
-DE 19 DE FEVEREIRO DE 2015, PROCESSO N.º 299/03.6TBMGD.P2.S1.
-DE 26 DE FEVEREIRO DE 2015, PROCESSO N.º 8423/06.TBMTS.P1.S1.
-DE 22 DE SETEMBRO DE 2015, PROCESSO N.º 29/12.6TBFAF.G1.S1.
-DE 22 DE OUTUBRO DE 2015, PROCESSO N.º 212/06.3TBSBG.C2.S1.
Sumário :

1) A impugnação da decisão sobre a matéria de facto impõe ao recorrente que, nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil especifique os pontos concretos que considera incorrectamente julgados (a); os concretos meios probatórios constantes do processo, ou de registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (b); a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (c).

2) Os recursos não se destinam, exactamente, a um completo/novo julgamento global da causa mas, em regra, apenas a uma reapreciação do julgado para corrigir eventuais erros da deliberação posta em crise.

3) O que for encontrado em sede de reapreciação da matéria de facto limita-se aos juízos probatórios parcelares sobre cada um dos factos pertinentes, alegados ou adquiridos no decurso do processo, em coerência com os respectivos fundamentos, tudo sem olvidar os poderes oficiosos elencados no artigo 662.º do diploma adjectivo.

4) Após a apreciação da prova produzida e da que, eventualmente, renovou ou produziu “ex novo” o Tribunal de recurso forma a sua própria convicção deliberando em conformidade.

5) A falta da indicação exacta e precisa do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC não implica, só por si a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório.

6) A assim não se entender, cair-se-ia num excesso de formalismo e rigor que a dogmática processual, hoje mais agilizada e célere, pretende evitar.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.


AA intentou acção, com processo ordinário, contra BB, CC e “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de..., C.R.L.” pedindo

— a declaração de nulidade, por simulação, da escritura de compra e venda outorgada em 6 de Dezembro de 2006;

— o cancelamento de todas as inscrições registrais feitas com base no negócio jurídico cuja nulidade pede;

— a declaração de nulidade das escrituras de hipoteca celebradas entre os Réus BB e CC e a Ré “Crédito…” com o cancelamento de todas as inscrições registrais efectuadas com base no negócio jurídico cuja nulidade pede.

Alegou, nuclearmente, que, com receio de ser condenado no pagamento de uma indemnização como consequência de um acidente de viação causador de morte em que interveio, em Outubro de 2004, outorgou a favor dos los Réus em 22.2.2006 uma escritura de mútuo com hipoteca a favor daqueles, na qual declarou dever-lhes a quantia de € 50.000,00, e constituiu hipoteca sobre a fracção autónoma que identifica.

— Posteriormente, de acordo com os Réus e ainda com o intuito de salvaguardar o seu património dos credores, outorgou, em 6.12.2006, uma escritura pública de compra e venda daquela fracção, pelo preço de €45.000,00, tendo os Réus como compradores renunciado à hipoteca que sobre aquela incidia.

— Nem a Autora quis vender a fracção nem os Réus a quiseram comprar, continuando a Autora a residir na mesma.

— Os Réus recusaram-se a efectuar a venda do imóvel a favor da Autora, tendo celebrado com a 2ª Ré dois contratos de mútuo, garantidos por duas hipotecas sobre a fracção em causa.

Os Réus contestaram, alegando que a entrega da fracção pela Autora se traduziu na forma de pagamento do mútuo.

Deduziram pedido reconvencional em que, alegando que a Autora permaneceu na fracção contra a sua vontade, pediram que a mesma fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 11.000,00, correspondente à ocupação da casa desde 6.12.2006 a 30.8.2010, acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação da reconvenção e até efectivo pagamento.

Pediram ainda a condenação daquela como litigante de má-fé.

A 2ª Ré declarou desconhecer os negócios entre a Autora e os outros Réus, concluindo pela improcedência da acção.

A Autora apresentou réplica, pedindo igualmente a condenação dos Réus como litigantes de má-fé.

Na 1.ª Instância foi proferida sentença nos seguintes termos:

“1. Julgar improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência:

1.1.  absolvem-se os RR dos pedidos;

1.2.  condena-se a Autora nas custas da ação, atento o seu decaimento integral.

2. Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a reconvenção e, em consequência:

2.1.  condena-se a Autora a entregar aos l°s RR a fração autónoma designada pela letra C do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de... sob o n.°... da freguesia de..., inscrito na respetiva matriz sob o art. 2538;

2.2.  absolve-se a Autora dos demais pedidos reconvencionais;

2.3.  condena-se a Autora e os 1° RR nas custas da reconvenção, atento o decaimento de ambos, fixando-se a responsabilidade de cada parte em 50%.

3. Condena-se a Autora como litigante de má fé, em multa que se fixa em cinco UC’s, determinando-se a notificação das partes nos termos e para os efeitos do art° 543°, n° 3, do CPC.”

A Autora apelou para a Relação de Coimbra, formulando as seguintes conclusões:

I. Não obstante o disposto no artigo 394.°, n.° 2 do C. Civil, é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que a prova de que o negócio é simulado é, em princípio, livre, isto é, pode ser feita por todos os meios de prova incluindo a testemunhal.

II. Provar a existência de simulação é, tarefa extremamente árdua, pois os simuladores procuram rodear-se das maiores cautelas, não deixando vestígios que possam servir para contrariar os seus intentos.

III. A doutrina admite claramente a produção de prova testemunhal relativamente à existência de um acordo simulatório, desde que, a mesma se destine a comprovar e completar a prova documental que possa ser produzida nos autos relativamente à existência do acordo simulatório.

IV. No caso dos autos, a prova documental carreada para o processo, nomeadamente a análise da documentação junta pela Segurança Social aos autos, através de ofício datado de 13 de Maio de 2013, o histórico dos rendimentos declarados pelos Apelados, as declarações de rendimentos dos Apelados de 2002 a 2007, os extratos bancários juntos aos autos pela Apelante e os extratos bancários juntos pelos Apelados, bem como os valores dispares resultantes da escritura pública de confissão de dívida com constituição de hipoteca e da escritura pública de compra e venda, temperados por uma análise efetuada à luz do conhecimento do cidadão comum, constituem indícios documentais bastantes, que permitem o recurso à prova por testemunhas da simulação pelos próprios simuladores - in casu pela Apelante.

V. Nos termos em que se deixam alegados, a aplicação do artigo 394.°, n.° 2 ao caso concreto consubstancia uma violação ao disposto no artigo 20.°, n.° 4 da CRP, inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

VI. A não admissão de prova testemunhal relativamente aos factos que constituem simulação viola o disposto no art. 4.° do C.P.C, que dispõe que "O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício- de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais."

 VII. Pelo ora exposto, deve ser admitida a produção de prova testemunhal sobre a simulação em causa nos presentes autos, sob pena de não o fazendo se violar o disposto no artigo 394.°, n.°2 do C. Civil e o artigo 4.° do Código de Processo Civil.

VIII. A Meret.ª Juiz do Tribunal a quo fez uma errónea interpretação do disposto nos supra mencionados normativos, assim incorrendo na sua violação.

IX. Perante toda a prova documental, deveria a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo ter valorado a prova testemunhal supra transcrita, à luz dos conhecimentos do cidadão comum, e consequentemente deveria ter considerado que os Apelados não fizeram prova de que efetivamente entregaram à Apelante o montante declarado na escritura de 22 de Fevereiro e que, pelo contrário, a Autora fez tal prova.

X. Deveria a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo ter dado como provado que "Apesar do declarado na escritura referida em A), a Autora não recebeu dos réus BB e CC qualquer montante".

XI. Por todos os depoimentos supra transcritos, por toda a prova documental junta aos autos e tendo em conta a experiência do cidadão comum e os conhecimentos jurídicos dos nossos interlocutores e da Meret.ª Juiz do Tribunal a quo, deveria ter sido dado como provado que "Apesar do declarado na escritura referida em B), a Autora não pretendeu vender aos Réus BB e CC, a fração aí identificada" e que "os referidos Réus não queriam comprar a fração".

XII. A resposta ao quesito 4.° resultava, inequivocamente, da resposta dada ao quesito 1.°, assim, alterada a resposta àquele quesito, não poderá a mesma servir para prova do presente quesito.

XIII. Deveria ter sido dado como provado que "os Réus não pagaram qualquer quantia à Autora a título de preço".

XIV. Resulta assim de todo o supra alegado e dos depoimentos aqui recordados, sem necessidade de qualquer alegação adicional, que não existem dúvidas que os negócios referidos em A) e B) apenas tinham em vista evitar qualquer pagamento que pela Apelante fosse devido aos seus credores e proteger dos mesmos o prédio ali identificado.

XV.  Deveria ter sido dado como provado que "os negócios referidos em A) e B) apenas tinham em vista evitar qualquer pagamento que pela Apelante fosse devido aos seus credores e proteger dos mesmos o prédio ali identificado."

XVI. Desta forma, ao decidir como decidiu, a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo fez uma errónea interpretação da prova produzida e do disposto nos artigos 342.° e 349.°, n.° 2 do C. Civil, assim incorrendo na sua violação.

XVII. Considerando a matéria de facto alterada, não poderia a lide deixar de ter resultado diverso, devendo ser a ação julgada procedente.

XVIII. Ora, no caso vertente, estão demonstrados os requisitos da simulação, uma vez que se verifica que as partes fingiram realizar um determinado negócio quando, na realidade, não pretendiam vincular-se juridicamente de nenhuma forma ("colorem habet, substantiam vero nullam"), e que a Apelante e Apelados nunca quiseram comprar o vender o imóvel de que esta é proprietária.

XIX. À luz da legislação vigente, não se exige que a Apelante demonstre ter sido a simulação fraudulenta ou inocente, mas apenas que o negócio simulado o tenha sido com o intuito de enganar terceiros.

XX. Do supra alegado, resulta também inequívoco que o negócio simulado apenas foi realizado com a intenção de prejudicar terceiros que pudessem da Apelante vir a reclamar uma indemnização por força de um acidente de viação em que se viu envolvida.

XXI. Desta forma, perante toda a prova produzida, não restam dúvidas que se verifica a previsão do artigo 240.°, n.° 1 do Código Civil.

XXII. Pelo que, deve o negócio impugnado ser declarado nulo, nos termos do artigo 240.°, n.° 2 do C. Civil e consequentemente, deve a ação ser julgada totalmente procedente contra os Apelados BB e CC.

 XXIII. Ao decidir como decidiu, a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo violou o disposto no artigo 240.° do Código Civil.

Os Réus BB e CC defenderam a confirmação da decisão.

O Tribunal da Relação assim se pronunciou quanto à alteração da factualidade provada:

“A recorrente manifesta a sua discordância quanto ao julgamento da matéria de facto, pretendendo a sua reapreciação como vista à alteração das respostas dadas aos quesitos formulados na base instrutória sob os n.° 1º, 2º, 3º, 4º e 6º.

Para as alterações que pretende ver efectuadas a recorrente invoca quanto ao quesito 1º os extractos bancários entre os anos de 2002 a 2007, tanto os seus como os dos apelados, as declarações das remunerações dos apelados juntas pela Segurança Social, bem como as declarações dos rendimentos dos mesmos juntas pela Direcção de Finanças de....

Invoca ainda o depoimento do Réu, bem como os das testemunhas DD, EE, FF, GG, HH e o ainda o seu próprio depoimento.

Quanto aos quesitos 2º e 3º invoca tudo o que para a reapreciação da resposta ao quesito 1º invocou.

Quanto ao quesito 4º volta a dar como reproduzido tudo o que invocou para a reapreciação da resposta ao quesito 1º, alegando que sendo alterada a resposta ao quesito 1º a dada ao quesito 4º forçosamente também o será.

 No que respeita ao quesito 6º invoca os depoimentos de DD, EE.

No que respeita à impugnação da decisão da matéria de facto, dispõe o art.° 640° do N. C. P.Civil:

1— Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2— No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3— O disposto nos n.°s 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.°2 do artigo 636°.

Da leitura das alegações do recurso interposto resulta manifesta a discordância da Autora quanto às respostas dadas aos quesitos formulados na base instrutória sob os 1º, 2º, 3º, 4º, e 6º.

A recorrente entende que as respostas em causa devem ser alteradas, indicando as respostas que na sua perspectiva devem ser dadas a cada um dos quesitos.

Assim, no corpo das alegações a Recorrente deu satisfação à exigência contida no n.° 1, a), do artigo acima transcrito.

No que respeita à indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida - al. b), n.° 1 - a Recorrente no corpo da suas alegações invoca os depoimentos das testemunhas DD, EE, FF, GG, HH quanto a todos os quesitos, bem como os depoimentos de parte produzidos.

No que respeita aos depoimentos que pretende ver reapreciados a recorrente limita-se a transcrever excertos dos mesmos, sem proceder à sua localização no espaço temporal em que foi produzido cada um desses depoimentos, limitando-se a assinalar o tempo do início e fim da totalidade dos mesmos.

A Recorrente ao invocar, do modo como o fez, os depoimentos que, na sua perspectiva, tinham virtualidade para modificar a decisão da matéria de facto, não deu satisfação à exigência contida naquela alínea b).

A especificação dos concretos meios probatórios constantes da gravação deve ser acompanhada, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, da indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o seu recurso — art.° 640°, n.° 2, a), do Novo C. Processo Civil.

A transcrição das passagens dos depoimentos que o recorrente considere relevantes para a modificação pretendida, resultando da lei como uma faculdade que lhe é concedida, não configura uma alternativa à obrigatoriedade de indicação exacta das passagens da gravação.

Deste modo, não basta ao recorrente atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas, para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especificação impostos pelos n.°s 1 e 2, do art.° 640°, do Novo C. P. Civil, devendo ainda proceder a uma análise critica da prova, de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.

No caso em apreço a Recorrente, invocando os depoimentos, cujos autores identifica, não cumpriu, no entanto, o ónus de especificação imposto pelo n.° 2, a), do art.° 640°, do Novo C. P. Civil, ou seja, não indicou as passagens exactas da gravação em que funda a sua impugnação, sendo certo que tendo a mesma sido efectuada digitalmente, no sistema H@bilus Media Studio, conforme da acta consta, tal era possível.

Assim, considerando que as alegações da Recorrente não dão satisfação às mencionadas exigências legais, nos termos expostos, rejeita-se o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a matéria de facto provada, com fundamento na prova testemunhal e no depoimento de parte produzidos, ficando, deste modo prejudicada a questão da inconstitucionalidade suscitada quanto à admissibilidade daquela prova.”

 

 Passou, de seguida, a conhecer o mérito do recurso tendo concluído pela improcedência do mesmo, considerando “prejudicada a questão da inconstitucionalidade suscitada, uma vez que o recurso foi rejeitado na parte em que se pretendia a reapreciação da matéria de facto respeitante à prova testemunhal.”

Inconformada, a Autora pede revista, assim concluindo a sua alegação:

I- O acórdão recorrido entendeu que a especificação dos concretos meios probatórios constantes da gravação deve ser acompanhada, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, da indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o seu recurso - artigo 640.°. n.° 2, a) do Código de Processo Civil.

II. O douto acórdão recorrido é omisso quanto à fundamentação de como entende dever ser a indicação supra identificada realizada, podendo apenas a Recorrente depreender que o mesmo pretende que a indicação expressa fosse efetuada por referência ao início e fim de cada passagem transcrita.

III. O entendimento perfilhado no douto acórdão recorrido está em clara contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo 39/2002.El.SI, em 29 de Novembro de 2011.

IV.   O regime legal do ónus de alegação de quem impugna a matéria de facto, não foi alterado pela alteração ao Código de Processo Civil, mantendo-se plenamente válido o entendimento perfilhado no referido acórdão.

V. O douto acórdão recorrido encontra-se em contradição com o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.° 299/05.6TBMGD.P2.S1, proferido em acórdão de 19 de Fevereiro de 2015 e pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito de acórdão proferido no processo n.° 934/10, em www.dgsi.pt.

VI. Considerando que, conforme supra alegado, a obrigação resultante do atual artigo 640.°, n.° 2, a) já resultava do anterior artigo 685.°-B, n.° 2 do CPC, não restam dúvidas de que o acórdão ora recorrido se encontram em contradição com os supra identificados acórdãos, pelo que, não tendo sido proferido acórdão uniformizador de jurisprudência concordante com o douto acórdão recorrido, deve o presente recurso ser admitido, por preenchimento do requisito previsto no artigo 627.°, n.° 1, c) do CPC.

VII. Não obstante o disposto no artigo 394.°, n.° 2 do C. Civil, é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que a prova de que o negócio é simulado é, em princípio, livre, isto é, pode ser feita por todos os meios de prova incluindo a testemunhal.

VIII. Provar a existência de simulação é, tarefa extremamente árdua, pois os simuladores procuram rodear-se das maiores cautelas, não deixando vestígios que possam servir para contrariar os seus intentos.

IX. A doutrina admite claramente a produção de prova testemunhal relativamente à existência de um acordo simulatório, desde que, a mesma se destine a comprovar e completar a prova documental que possa ser produzida nos autos relativamente à existência do acordo simulatório.

X. No caso dos autos, a prova documental carreada para o processo, nomeadamente a análise da documentação junta pela Segurança Social aos autos, através de ofício datado de 13 de Maio de 2013, o histórico dos rendimentos declarados pelos Apelados, as declarações de rendimentos dos Apelados de 2002 a 2007, os extratos bancários juntos aos autos pela Apelante e os extratos bancários juntos pelos Apelados, bem como os valores dispares resultantes da escritura pública de confissão de dívida com constituição de hipoteca e da escritura pública de compra e venda, temperados por uma análise efetuada à luz do conhecimento do cidadão comum, constituem indícios documentais bastantes, que permitem o recurso à prova por testemunhas da simulação pelos próprios simuladores - in casu pela Apelante.

XI. Nos termos em que se deixam alegados, a aplicação do artigo 394.°, n.° 2 ao caso concreto consubstancia uma violação ao disposto no artigo 20.°, n.° 4 da CRP, inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

XII. A não admissão de prova testemunhal relativamente aos factos que constituem simulação viola o disposto no art. 4.° do C.P.C, que dispõe que "O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais."

XIII. Pelo ora exposto, deve ser admitida a produção de prova testemunhal sobre a simulação em causa nos presentes autos, sob pena de não o fazendo se violar o disposto no artigo 394.°, n.° 2 do C. Civil e o artigo 4.° do Código de Processo Civil

XIV. Com efeito, com a apresentação da sua alegação, a Recorrente indicou, por referência a cada um dos quesitos quais os concretos pontos em que pretendia ver a matéria de facto dada como provada alterada. Mais, indicou, relativamente a cada um desses pontos da matéria de facto, quais os testemunhos que, no seu entender, deveriam ser relevados para alteração da matéria de facto nos moldes propugnados, nomeadamente, indicando o Autor do depoimento, o dia em que o mesmo foi prestado, o local onde se encontra gravado e a hora, minutos e segundos em que o referido depoimento se iniciava e terminava.

XV. A Recorrente, procedeu a uma referência detalhada dos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo Tribunal para a prova dos quesitos, aludindo e transcrevendo as passagens dos depoimentos de onde é depreendida o entendimento que deveria ter suportado a convicção do juiz em sentido diverso, tendo assim efetuado uma análise crítica e detalhada desses depoimentos, de forma a demonstrar que a valoração efectuada pelo Tribunal da Ia Instância não foi a mais correcta face ao que foi dito (ou não) pelas testemunhas.

XVI. E fê-lo em moldes que permitissem identificar o seu objecto e que permitiriam a alteração da matéria de facto dada como provada.

XVII. Pelo exposto, guardado o devido respeito, os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra fizeram uma errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 640.°, n.° 2, a) do CPC, desta sorte incorrendo na sua violação, pelo que, deveria ter sido apreciado o recurso de Apelação interposto pela Recorrente na parte referente à impugnação da matéria de facto.

XVIII. Ao decidir como decidiu, a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo fez uma errónea interpretação do disposto nos supra mencionados normativos, assim incorrendo na sua violação.

XIX. Perante toda a prova documental, deveria a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo ter valorado a prova testemunhal supra transcrita, à luz dos conhecimentos do cidadão comum, e consequentemente deveria ter considerado que os Apelados não fizeram prova de que efetivamente entregaram à Apelante o montante declarado na escritura de 22 de Fevereiro e que, pelo contrário, a Autora fez tal prova.

XX. Deveria a Meret.º Juiz do Tribunal a quo ter dado como provado que "Apesar do declarado na escritura referida em A), a Autora não recebeu dos réus BB e CC qualquer montante".

XXI. Por todos os depoimentos supra transcritos, por toda a prova documental junta aos autos e tendo em conta a experiência do cidadão comum e os conhecimentos jurídicos dos nossos interlocutores e da Meret.ª Juiz do Tribunal a quo, deveria ter sido dado como provado que "Apesar do declarado na escritura referida em B), a Autora não pretendeu vender aos Réus BB e CC, a fração aí identificada" e que "os referidos Réus não queriam comprar a fração".

XXII. A resposta ao quesito 4.° resultava, inequivocamente, da resposta dada ao quesito 1.º, assim, alterada a resposta àquele quesito, não poderá a mesma servir para prova do presente quesito.

XXIII. Deveria ter sido dado como provado que "os Réus não pagaram qualquer quantia à Autora a título de preço".

XXIV. Resulta assim de todo o supra alegado e dos depoimentos aqui recordados, sem necessidade de qualquer alegação adicional, que não existem dúvidas que os negócios referidos em A) e B) apenas tinham em vista evitar qualquer pagamento que pela Apelante fosse devido aos seus credores e proteger dos mesmos o prédio ali identificado.

XXV. Deveria ter sido dado como provado que "os negócios referidos em A) e B) apenas tinham em vista evitar qualquer pagamento que pela Apelante fosse devido aos seus credores e proteger dos mesmos o prédio ali identificado."

XXVI. Desta forma, guardado o devido respeito, ao decidir como decidiu, a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo fez uma errónea interpretação da prova produzida e do disposto nos artigos 342.º e 349.°, n.° 2 do C. Civil, assim incorrendo na sua violação.

XXVII. Considerando a matéria de facto alterada, não poderia a lide deixar de ter resultado diverso, devendo ser a ação julgada procedente.

XXVIII. Ora, no caso vertente, estão demonstrados os requisitos da simulação, uma vez que se verifica que as partes fingiram realizar um determinado negócio quando, na realidade, não pretendiam vincular-se juridicamente de nenhuma forma ("colorem habet, substantiam vero nullam"), e que a Apelante e Apelados nunca quiseram comprar o vender o imóvel de que esta é proprietária.

XXIX. A luz da legislação vigente, não se exige que a Apelante demonstre ter sido a simulação fraudulenta ou inocente, mas apenas que o negócio simulado o tenha sido com o intuito de enganar terceiros.

XXX. Do supra alegado, resulta também inequívoco que o negócio simulado apenas foi realizado com a intenção de prejudicar terceiros que pudessem da Apelante vir a reclamar uma indemnização por força de um acidente de viação em que se viu envolvida.

XXXI. Desta forma, perante toda a prova produzida, não restam dúvidas que se verifica a previsão do artigo 240.°, n.° 1 do Código Civil.

XXXII. Pelo que, deve o negócio impugnado ser declarado nulo, nos termos do artigo 240.°. n.° 2 do C. Civil e consequentemente, deve a ação ser julgada totalmente procedente contra os Apelados Saúl e Maria de Fátima.

XXXIII. Guardado o devido respeito, ao decidir como decidiu, a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo violou o disposto no artigo 240.° do Código Civil.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo.
1- Reapreciação da matéria de facto
2- Conclusões.


*

1- Reapreciação da matéria de facto.

1.1 O ponto essencial, e único, do recurso prende-se com o não acolhimento pela Relação do pedido da reapreciação da matéria de facto.

Com efeito, embora como questão prévia, tivesse sido suscitada a admissibilidade de prova testemunhal, no confronto com o artigo 394.º n.º 2 do Código Civil, certo é que o Tribunal recorrido não afastou expressamente tal admissibilidade.

 Ao avançar para a apreciação do concurso dos pressupostos da valoração da prova testemunhal parece poder concluir-se que, implicitamente, terá admitido aquele tipo de prova.

Daí o passar-se a tratar da impugnação da factualidade que a 1.ª Instância deu por assente, em termos de lograr a sua modificação.

Os respectivos requisitos formais constam dos n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, que correspondem, com alterações, ao anterior 658.º-B, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

Resulta do diploma que aprovou o CPC vigente (2013) que os recursos não se destinam exactamente a um completo/novo julgamento global da causa mas, e tão somente, a uma reapreciação do julgado pelo juízo “a quo”, com o escopo de corrigir eventuais erros da deliberação, ou decisão, posta em crise.

Daí que, a impugnação da decisão de facto consista em obter nova pronúncia perante a prova já produzida sobre os factos que as partes alegaram, ou adquiridos no decurso da fase instrutória, e que importem para a decisão do litígio.

Do exposto resulta que o que for encontrado se limita aos juízos probatórios parcelares sobre cada um dos factos pertinentes, em coerência com os respectivos fundamentos ou com o alcance da motivação antes alcançada.

Tudo, e com a dogmática do n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, a permitir que se conclua que a apreciação do erro de julgamento dos factos está limitado aos segmentos impugnados, embora o Tribunal “ad quem” disponha de grande amplitude inquisitória, inclusivamente por poder fazer apelo aos meios de renovação ou de produção de nova prova nos termos do n.º 2, alíneas a) e b) daquele preceito.

E como estes poderes são oficiosos não ocorre limitação aos meios de prova que as partes invocaram ou de que o Tribunal “a quo” se serviu.

Não pode, contudo, olvidar-se que ao reapreciarem os factos perante eles questionadas as Relações não se limitam à sindicância de erro notório do juízo recorrido.

Devem, sim, reapreciar o julgado no tocante aos pontos impugnados, em termos de adquirirem a sua própria – e tantas vezes nova – convicção após o exame da prova produzida (e das provas que lhes é lícito renovar ou produzir “ex novo”).

Só depois, criada a nova convicção, o Tribunal de recurso delibera sobre se entende verificado, ou não, o erro imputado, seguindo-se a alteração, ou manutenção das conclusões fácticas postas em crise.

1.2 O “iter” enunciado implica que o impugnante seja preciso na delimitação do objecto do recurso, ou melhor, impõe-se-lhe que defina com detalhe as questões a reapreciar (“os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados” – alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º CPC); que especifique “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre pontos da decisão sobre a matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (alínea b) do n.º 1 do artigo citado); finalmente, deve culminar com pedido, ou proposta, de decisão sobre aqueles pontos (alínea c) do n.º 1 do mesmo preceito).

1.3 A alínea b) do n.º 1 acima citado, e seguindo o Acórdão do STJ de 22 de Outubro de 2015 – 212/06.3TBSBG.C2.S1, “…já não respeita propriamente à delimitação do objecto do recurso, mas antes à amplitude dos meios probatórios a tomar em linha de conta, sem prejuízo, porém, dos poderes inquisitórios do tribunal de recurso de atender a meios de provas não indicados pelas partes, mas constantes dos autos ou das gravações nele realizados” (cfr. ainda o Acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 2015 – 299/03.6TBMGD.P2.S1).

Atente-se ainda na alínea a) do n.º 2 daquele artigo 640.º da lei adjectiva a impor ao recorrente que indique “com exactidão as passagens da gravação” (caso não tenha havido omissão desse registo) “em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Certo, porém, que e como se julgou no último aresto citado,

“Já no que respeita à falta de imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos, a sua inobservância não se mostra, sempre, assim tão pertinente, tendo em conta o processo técnico dessas gravações e o modo como ficam registadas nos respectivos suportes magnéticos, com a indicação do início e fim da gravação em relação a cada depoimento.

Acresce que a indicação parcelada de determinadas passagens dos depoimentos convocados só raramente dispensam o tribunal de recurso de ouvir todo o depoimento, na medida em que os interrogatórios sobre determinado ponto de facto e as respectivas instâncias da parte contrária e do tribunal não são sequenciais, encontrando-se disseminadas ao longo de todo o depoimento.

Em face disso, afigura-se que a sanção prescrita no n.° 2, alínea a), do art.° 640.° do CPC deverá ser aplicada com algum tempero, em termos de só se justificar quando, perante extensos depoimentos a abarcar matéria bastante diversificada - a maior parte dela não impugnada -, a omissão ou inexatidão na indicação das passagens tidas por relevantes dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por banda do tribunal de recurso.''

Ademais, a faculdade que o recorrente tem de proceder à transcrição na parte que entender relevar, dos depoimentos gravados, mais convence da não rigidez da imposição da alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil.

Também no Acórdão deste Supremo Tribunal de 26 de Fevereiro de 2015 (8423/06.TBMTS.P1.S1) se deliberou que embora o recorrente não tivesse indicado com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, indicou os quesitos que considerou mal julgados e transcreveu os depoimentos que considerou relevantes para o seu ponto de vista o que não impede a Relação de reanalisar a prova e formar a sua própria convicção; e o Acórdão de 22 de Setembro de 2015 (29/12.6TBFAF.G1.S1) considerou que se a falta da indicação exacta das passagens da gravação “não dificulta de forma substancial e relevante o exercício do contraditório, nem o exame pelo Tribunal” (…) a rejeição do recurso neste contexto representa “uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável, já que, no essencial, se mostra satisfeito o objectivo prosseguido com a referida exigência legal”, (cfr. ainda Acórdãos de 1 de Julho de 2014; de 9 de Junho de 2015 – 1514/12.5TBBRG.G1.S1); de 15 de Outubro de 2013 – 5756.2TVLSB.L1.S1, em que foram Adjuntos os ora Adjuntos; de 4 de Julho de 2013 – 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1, igualmente com os mesmos Adjuntos).

1.4 Ora, tendo a recorrente indicado os pontos concretos que considera incorrectamente julgados os meios constantes do processo, como a gravação e transcrito os pontos a imporem decisão diversa sobre a matéria de facto; especificada a decisão que, na sua óptica deve ser proferida e municiando a alegação com a acima referida transcrição, nada impedia o Tribunal recorrido de proceder à respectiva reapreciação da factualidade assente.

Procede, assim o pertinente segmento recursório que se conheceu.


2- Conclusões.
Pode concluir-se que:
a)  A impugnação da decisão sobre a matéria de facto impõe ao recorrente que, nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil especifique os pontos concretos que considera incorrectamente julgados (a); os concretos meios probatórios constantes do processo, ou de registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (b); a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (c).
b) Os recursos não se destinam, exactamente, a um completo/novo julgamento global da causa mas, em regra, apenas a uma reapreciação do julgado para corrigir eventuais erros da deliberação posta em crise.
c) O que for encontrado em sede de reapreciação da matéria de facto limita-se aos juízos probatórios parcelares sobre cada um dos factos pertinentes, alegados ou adquiridos no decurso do processo, em coerência com os respectivos fundamentos, tudo sem olvidar os poderes oficiosos elencados no artigo 662.º do diploma adjectivo.
d) Após a apreciação da prova produzida e da que, eventualmente, renovou ou produziu “ex novo” o Tribunal de recurso forma a sua própria convicção deliberando em conformidade.
e) A falta da indicação exacta e precisa do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC não implica, só por si a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório.
f) A assim não se entender, cair-se-ia num excesso de formalismo e rigor que a dogmática processual, hoje mais agilizada e célere, pretende evitar.

Nos termos expostos acordam conceder a revista devendo o processo voltar à Relação para, se possível os mesmos Mºs Desembargadores reapreciarem a matéria de facto julgando, depois, e se for caso, o mérito da apelação.
Custas pela parte vencida a final.