Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
24554/15.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: TRANSPORTE AÉREO
CONTRATO DE TRANSPORTE
DIREITO INTERNACIONAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
JUROS LEGAIS
PEDIDO DE JUROS
TAXA DE JURO
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / DIREITOS DOS ESTRANGEIROS E CONFLITOS DE LEIS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CONSTITUCIONAL – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS / DIREITO INTERNACIONAL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 22.º, N.º 3, 23.º, N.º 1, 562.º, 564.º, 798.º, 799.º, 801.º E 804.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 8.º, N.º 2.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO DE MONTREAL, DE 28-05-1999, IN ANEXO AO DL N.º 39/2002, DE 27-11: - ARTIGOS 1.º, 19.º, 22.º, N.º 3 E 23.º, N.º 1.
Sumário :
I - As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna portuguesa após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português (art. 8.º, n.º 2, da CRP).

II - A um contrato de transporte de mercadorias por via aérea, de Portugal para o Brasil, é aplicável a Convenção de Montreal assinada em 28-05-1999 (publicada em anexo ao DL n.º 39/2002, de 27-11), dado que, face ao referido em I, esta se sobrepõe à lei ordinária portuguesa.

III - Em consequência, a indemnização por danos causados em virtude do incumprimento do aludido contrato de transporte deve ser calculada em obediência aos critérios previstos na referida Convenção (arts. 22.º, n.º 3, e 23.º, n.º 1) e não com recurso às regras do cumprimento defeituoso previstas no CC.

IV - Não tendo as autoras pedido a condenação da ré no pagamento de juros comerciais sobre a quantia indemnizatória que pretendiam receber, mas apenas a condenação da ré no pagamento de juros à taxa legal em vigor, deve este pedido ser entendido como referente aos juros civis por ser esta a taxa geral.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO

  

l. Vidreira AA, Lda e BB - Construção Civil e Obras Públicas, Lda intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra CC Portugal, Lda alegando:

As autoras incumbiram a ré de fazer o transporte aéreo de Portugal para o Brasil dos produtos e mercadorias que estariam em exposição na Feira Internacional a realizar entre 5 a 8 de maio de 2015, em Fortaleza, Estado do Ceará Brasil, como contrapartida do pagamento de €5.252,00 (incluindo o transporte e a taxa de combustível), acrescido de €36,00 (despacho de exportação).

A ré comprometeu-se a entregar as mercadorias no prazo máximo de cinco dias, em aditamento ao tempo de trânsito (três a quatro dias úteis).

Por descuido da ré, a mercadoria só chegou ao destino em 14/05/2015, o que deu azo aos prejuízos, bem como à perda de benefícios futuros no valor peticionado.

Concluem pedindo Pedido

Condenação da ré a pagar às autoras:

a) € 70,828,00 a título de prejuízos (directos);

b) € 78,615,00 a título de danos e prejuízos relacionados com benefícios que as autoras deixaram de obter em consequência do incumprimento da ré;

c) Acrescidas, as quantias referidas nas alíneas a) e b) anteriores, de juros, de mora à taxa legal em vigor, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento;

d) Relegar-se para decisão ulterior, a fixação de indemnização quanto aos danos futuros, por ora não determináveis (artigos 76º e 77º da PI).


2. A Ré citada contestou, defendendo-se por impugnação, alegando, em suma, que o serviço foi prestado em conformidade com o acordado em função da informação veiculada pela 1.ª autora, cumprindo os trâmites legais e procedimentais, e só não foi concretizado atempadamente, por razões às quais a ré é totalmente alheia.

Conclui pedindo a sua absolvição do pedido.


3. Foi proferido despacho saneador stricto sensu; fixado o valor da causa; o objecto do litígio e os temas da prova (fls. 207 a 209).

Realizado o julgamento foi proferida sentença em 28/06/2017 (Ref.ª 366265326- fls. 284-304), cuja parte dispositiva tem o seguinte teor:

«Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente por provada em parte e, consequentemente:

A. Condeno a ré a pagar às autoras, a título de indemnização o valor global de € 66.603,00 (sessenta e seis mil seiscentos e três euros), acrescido de juros de mora contados a partir da citação, vencidos e vincendos à taxa legal comercial, por ora de 7%.

B. Absolvo a ré do demais peticionado.

Custas a cargo da ré e das autoras na proporção da sucumbência (art.º 527.º/1/2 do C.P. Civil).».


4. Inconformada a Ré CC interpôs recurso de apelação, para o Tribunal da Relação do …, que, por Acórdão, decidiu julgar «procedente a apelação, e consequentemente:

a) - Revogam a sentença na parte em que condenou a ré a pagar às autoras a indemnização global de € 66.603,00, condenando-a, outrossim, no pagamento de 17 direitos de saque especiais por quilograma, sendo de considerar 1.250 Kg, a calcular em euros, em conformidade com o método de valoração aplicado pelo Fundo Monetário Internacional para as suas próprias operações e transações, à data da sentença (28/06/2017), valor a apurar em sede de liquidação de sentença;

b) - Revogam a sentença na parte em que condenou a ré no pagamento de juros moratórios comerciais, à taxa de 7%, e condenam as rés a pagarem à autora juros de mora (civis) à taxa de anual de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Custas nos termos sobreditos».

 

5. As Autoras Vidreira AA, Lda., e BB – Construção Civil e Obras Públicas, Lda., interpuseram Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam as seguintes conclusões:

1. Não tem razão o Acórdão recorrido proferido em 13-3-2018, pelo Tribunal da Relação de … ora em crise, ao revogar a decisão da 1ª instância e condenando, outrossim, a Ré a pagar às AA., no pagamento de 17 direitos de saque especiais por quilograma, sendo de considerar 1.250,kg., a calcular em euros, em conformidade com o método de valoração aplicado pelo FMI para as suas próprias operações e transacções, á data da sentença (28-6-2017), valor a apurar em sede liquidação de sentença,

2. Como também, não tem razão, o Acórdão recorrido ao revogar a decisão da sentença da 1ª instância na parte em que esta condenou a Ré no pagamento às AA. de juros moratórios comerciais, á taxa de 7%, condenando, outrossim, a Ré a pagar ás AA., os juros de mora civis, á taxa de 4% até integral pagamento,

3. O Acórdão recorrido não censura nem fez qualquer reparo ou põe em crise, que os danos sobrevindos às AA., são imputáveis á conduta da Ré, não tendo esta logrado provar, como lhe competia, que ela e os seus trabalhadores, adoptaram todas as medidas que poderiam ser exigidas para evitar o dano ou que lhes era impossível adoptar tais medidas,

4. A questão decidenda prende-se com a determinação do valor da Indemnização, aplicação do direito interno português (regras de cumprimento defeituoso e fixação da indemnização á luz das normas respectivas do Código Civil Português como se decidiu em 1ª instancia) ou, pela aplicação do Regime Instituído pela Convenção de Montreal como resultou da decisão constante do Acórdão Recorrido,

5. A interpretação constante do acórdão recorrido, quanto á determinação do valor da indemnização por excessivamente simplista e redutora, não consubstanciou uma correta determinação do valor da indemnização, por total indefinição concreta do dano (conceito “abstracto” contido na convenção de Montreal),

6. Não é definido no Acórdão recorrido o que seja “ Atraso Relevante “, para efeitos de responsabilização do transportador que, “in casu” sempre seria o de “Atraso na chegada” porque, só nesta, se cumpriria o contratado entre as partes, sendo que esta solução viria expressamente a ser consagrada na Proposta de Novo Regulamento Europeu e do Conselho que irá rever e unificar os regulamentos U.E. nº 261/2004 e 2027/97,

7. A sintética expressão de “ no transporte aéreo” constante da convenção de Montreal (artº 19), do período de transporte relevante para a responsabilidade por atraso e, no facto da indemnização dever ser calculada no destino final, fizeram com que a doutrina e jurisprudência, nesta matéria especifica, viesse a pressupor sempre, na definição de Dano, a amplitude deste (danos emergentes e lucros cessantes) ou a natureza diferente (patrimonial, moral e corporal), mas sempre (todas) como um Dano,

8. No plano dos princípios, nada justifica que se interprete o dano, referido em 19º da convenção de Montreal, limitado, quanto á sua amplitude ou quanto á sua Natureza,

9. Pelo contrário no próprio sistema estabelecido pela convenção, tal limitação não se justifica: Primeiro porque os limites estabelecidos por esta são diminutos. Depois, porque quando tais limites não funcionam, o dolo ou a negligência consciente ou grave, não justificam quaisquer limitações de responsabilidade do transportador. Por fim, no contexto comunitário é consensual que os longos atrasos, causadores de danos, pela sua gravidade, merecem tutela do direito (Regulamento U.E nº 261/2004) donde, nem a limitação aos danos patrimoniais é uma conclusão fundamentada e exclusiva do regime decorrente da Convenção de Montreal (artº 19º),

10. Nem a Convenção de Montreal, nem o Regulamento U.E. nº 261/2004 definem o que seja o Dano, para efeito de responsabilidade civil do transportador aéreo por atraso (o artº 19º da convenção de Montreal apenas diz que tem de ser “dano resultante de atraso”, ou seja dano causado por atraso),

11. Não tendo a convenção de Montreal definido o dano, essa determinação não cai no âmbito da sua exclusividade: cabe, em cada caso concreto, á Lei Nacional aplicável, segundo o Direito Internacional Privado (no caso concreto, a Lei Portuguesa), tal como interpretado pela respectiva Jurisprudência;

12. Os prejuízos sofridos, em consequência do atraso em causa nestes autos, já se encontram provados em sede de Factos Provados, no acórdão recorrido que, nesta parte, não censurou a sentença da 1ª instância,

13. Os danos indemnizáveis e o seu cálculo, já os AA.- recorrentes os provaram, bem como o nexo de causalidade adequada entre o dano e o atraso, como já provaram o valor do dano causado pelo atraso,

14. Feita esta prova da Ré ora recorrida é responsável e deve indemnizar as AA., do valor do dano bem como sendo este superior aos limites estabelecidos na citada convenção porquanto,

15. A Ré-recorrida, não provou, que adoptou as medidas razoavelmente exigidas para evitar ao atraso e os danos dele decorrentes ou que lhe era impossível adoptar tais medidas ou de que o atraso resultasse exclusivamente da acção ou omissão das AA.. Mais,

16. Provado ficou que, a Ré e os seus trabalhadores ou agentes em funções provocaram o atraso com dolo, ainda que eventual, ou com negligência consciente, grave e indesculpável, daí que a responsabilidade da transportadora (Ré) não terá limites e deverá indemnizar integralmente o dano provado;

17. A Jurisprudência da U.E. (TJUE) vem decidindo que, neste âmbito, a indemnização deve abranger danos patrimoniais e não patrimoniais e, de que, nada há na Convenção de Montreal a indicar que os Estados partes quiseram atribuir um sentido ou significado especial ao conceito de “DANO” no contexto do seu sistema harmonizado de responsabilidade civil,

18. É entendimento dominante que o contrato de transporte de mercadorias é um contrato de resultado – e não de meios - porquanto o transportador assume a obrigação de colocar a mercadoria no local do destino, sendo da sua conta e responsabilidade os meios humanos e materiais a utilizar para o efeito, abrangendo todo o período que medeia entre o momento em que o transportador recebe as mercadorias a transportar até que as mesmas sejam entregues no local convencionado,

19. O Ac. da Relação de Lisboa nº 4694/04.0TCLRS.L1-7 (noutro contexto, é certo), cogita a aplicação do direito interno (artº 484º C.C. – danos morais) pelo que, por maioria de razão e exclusão de partes, neste indicado acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa, viria a não interpretar “DANO”, como sendo de aplicação exclusiva pela Convenção de Montreal,

20. O Acórdão da Relação de … nº 5634/2008-7 refere que, no contrato de transporte, as cláusulas limitativas de responsabilidade não podem revestir uma abrangência tal, que acabem por esvaziar, na prática, o direito fundamental do consumidor á reparação dos danos, protegido constitucionalmente pelo artº 60º nº1 da CRP.;

21. Daí que, a obrigação de indemnizar, neste âmbito contratual não depende da expressão pecuniária, nem do valor do montante indemnizatório devido, mas do devido e integral ressarcimento dos danos, resultantes da obrigação de indemnizar;

22. O Acórdão da Relação de … nº 4453/15.4T8OER.L2-2, no âmbito do contrato de transporte aéreo internacional invoca a Jurisprudência do TJUE., quanto ao direito á indemnização, fundada no artigo 7º do Regulamento / U.E.) nº 251/2004 e que, os Estados membros da U.E., não podem deixar de tomar em consideração Jurisprudência do TJUE., relativamente á interpretação e aplicação dos Regulamentos Comunitários, por forma á salvaguarda da confiança jurídica;

23. Motivo porque, também pela via resultante da conclusão anterior, a responsabilidade da Ré (transportadora) não seja objecto da limitação constante da citada convenção, devendo esta indemnizar/compensar integralmente todo o dano ocorrido (e provado nestes autos) e, neste sentido, a apreciação da presente questão terá uma melhor e mais justa aplicação do direito, dada a particular relevância sócio-comercial do caso em apreço,

24. A Ré não provou nos autos que utilizou toda a diligencia exigível para assegurar o cumprimento do prazo estimado, nem que o atraso verificado fosse imputável às próprias AA., ora recorrentes, conforme se lhe impunha pela regra do ónus da prova que lhe incumbia, neste âmbito,

25. Daí que o acórdão recorrido não aplicou como devia, o direito interno português (Lei Nacional aplicável “ in casu”) para a determinação, em concreto, do dano ocorrido, segundo a normas do Direito Internacional Privado e em conformidade com a Jurisprudência do TJUE.,

26. E, em sede de 1ª Instancia, a sentença aí proferida (revogada pelo acórdão, ora em crise) já fora determinado, em concreto, o valor do dano e o “quantum” indemnizatório, pelo recurso ao direito interno português, computado no valor global de € 66.603,00 (sessenta e seis mil e seiscentos e três euros),

27. A determinação concreta do dano não resulta do conceito do mesmo constante da convenção de Montreal, pela forma genérica, abstracta e não concretizadora constante a sua definição de Dano (“Dano resultante de atraso” é o que diz esta convenção quanto á definição de dano),

28. As AA.- recorrentes bem como a Ré, são sociedades comerciais, sendo que o contrato celebrado entre as partes revestiu natureza comercial, daí que, errou o acórdão recorrido ao aplicar “in casu” á taxa de juro de mora civis (4%) inexistindo qualquer equivoco na natureza do pedido de juros pelas AA., antes devendo aplicar-se o disposto no Código Comercial Português e a taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais (7%),

29. Foram, pois violados entre outros, os artigos 342º, 562º, 564º, 798º, 799º, 801º e 804º, do Código Civil Português, os artigos 19º, 22º nºs 1 e 3 e 23º da Convenção de Montreal (aprovada pelo Decreto nº 39/2002 de 27-11, do Ministério dos Negócios Estrangeiros), o Regulamento (U.E) nº 261/2004 (e 2027/97), nomeadamente no seu artigo 7º (e o nº2 do artigo 6º da Proposta de Novo Regulamento do Parlamento Europeu e do Concelho para unificação dos Regulamentos nºs 261/2004 e 2027/97), o artigo 102º, parágrafo 3º do Código Comercial Português, em vigor no 1º semestre de 2017 – 7% - aviso nº 2583/2017 de 14-3 e, ainda, o artigo 60º nº1 da Constituição da República Portuguesa.

Conclui pedindo que seja concedida a presente revista e, em consequência, revogado o acórdão recorrido.


4. A Recorrida apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Entre as partes foi celebrado um contrato de transporte internacional de mercadorias por via aérea, de Portugal para o Brasil (Fortaleza).

2. A aplicação ao referido contrato da Convenção de Montreal de 28.5.1999, aprovada pelo DL n° 39/2002, de 27.11, não parece oferecer dúvidas, tendo reunido o consenso quer das instâncias, quer das partes.

3. O art. 19° da Convenção estabelece uma presunção de culpa da transportadora pelo atraso no transporte, ilidível mediante a prova de que esta ou as pessoas por si utilizadas no cumprimento da sua obrigação adoptaram todas as medidas que, razoavelmente, lhes eram exigíveis para prevenir o dano ou que lhes era impossível a adopção dessas medidas.

4. Importa reconhecer que os factos provados são insuficientes para ilidir aquela presunção de culpa pelo que é forçoso concluir pela responsabilidade da R. pelos danos resultantes do atraso na entrega das mercadorias, nos termos do art. 19° da Convenção.

5. Para determinar a medida da responsabilidade da R., há que recorrer ao art. 2273 da Convenção de Montreal, que estabelece as regras que, no transporte de mercadorias, devem ser observadas no cálculo da indemnização.

6. Nos termos dessa disposição, em caso de destruição, perda, avaria ou atraso, a indemnização a pagar pela transportadora não deve ultrapassar 17 DSE por quilograma, salvo se o expedidor fizer, no momento da entrega da mercadoria para transporte, declaração especial de interesse na entrega no destino, situação em que a transportadora responde até ao valor declarado.

7. As AA. não alegaram, e menos provaram, ter feito qualquer declaração especial de interesse na entrega no destino, pelo que a responsabilidade da R. se encontra limitada a 17 DSE por quilograma (ou seja, 17 DSE x 1.250 Kg).

8. O n° 5 do art. 22° da Convenção de Montreal (que as AA. parecem ter em mente na sua conclusão n° 16) não se aplica ao caso subjudice, pelas seguintes razões:

a) Como resulta dessa disposição, a prova do dolo da transportadora apenas afasta a aplicação dos n°s 1 e 2, que prevêem os limites de responsabilidade no transporte de pessoas e de bagagens, respectivamente, e não o n° 3, que prevê o limite de responsabilidade no transporte de mercadorias, e que é o único que aqui interessa;

b) Ainda que, por via do n° 5, fosse possível afastar, além dos limites dos n°s 1 e 2, o limite de responsabilidade previsto no n° 3 para o transporte de mercadorias, o que apenas se admite por mera hipótese académica, não se encontrariam reunidos, no caso sub judice, os pressupostos legais desse afastamento. E que as AA. não alegaram, e muito menos provaram, que o atraso no transporte fora causado pela R. dolosamente, pelo que a decisão de facto não deixa transparecer qualquer conduta dolosa da R. ou da CC Brasil, sua correspondente no destino, dela resultando, sim, que na origem da inobservância do tempo de trânsito estimado estiveram questões alfandegárias (embora, nos termos do n° 5 do art. 22° da Convenção, só o dolo da transportadora, e não a negligência consciente, pode obstar à limitação da sua responsabilidade, diga-se que a decisão de facto também não permite identificar qualquer acção ou omissão concreta praticada pela R. com negligência consciente).

9. Face à ausência de alegação e prova pelas AA. de declaração especial de interesse na entrega no destino, e de que o atraso resultara de dolo da R., não há por que não aplicar a limitação legal de responsabilidade prevista no n° 3 do art. 22° da Convenção de Montreal.

10. Na parte relativa aos juros moratórios, o pedido das AA. deve ser interpretado com recurso aos arts. 236/1 e 238/1 do CC.

11. Atendendo a que é prática corrente usar a expressão "juros à taxa legal" ou "juros legais" como significando juros civis, por contraposição à expressão "juros à taxa comerciar ou "juros comerciais", a R. interpretou o pedido das AA. no sentido de estas pretenderem a sua condenação em juros civis, razão pela qual não o contraditou, sendo que, de outro modo, lhe assistiriam fundamentos para tanto.

12. Por outro lado, a taxa de juros civis (4%) está, necessariamente, compreendida no pedido das AA., já que essa é a taxa mais baixa entre as de juros moratórios legais, (e, nessa medida, é a taxa geral). Pelo contrário, nada na letra do pedido permite que este seja interpretado no sentido de visar a condenação da R. numa taxa superior à dos juros civis. Assim, à luz do art. 238/1 do CC, não pode deixar-se de interpretar o pedido no sentido de incluir, apenas, juros moratórios civis de 4%.

13. Acresce que, na formulação do pedido, o autor não está dispensado da observância do disposto no n° 2 do art. 559° do CC e no parágrafo 1 do art. 102° do C. Com. Ora, por força dessas disposições legais, não tendo as AA. peticionado expressamente juros comerciais (ou à taxa de 7%), os juros devidos não podem deixar de ser os civis (de 4%).

14. Em qualquer caso, sobre o montante indemnizatório em que a R. foi condenada nunca poderiam incidir juros moratórios comerciais.

15. O pagamento em que a R. foi condenada não é de remuneração de transacções comerciais, pelo que o DL n° 62/2013, de 10.5, lhe é inaplicável, nos termos do seu art. 271; esse pagamento é de indemnização por responsabilidade civil, expressamente excluído do âmbito de aplicação daquele diploma pela al. c) do n° 2 do mesmo artigo. Do que resulta que os parágrafos 4 e 5 do art. 102° do C. Com., que fixam as taxas dos juros moratórios comerciais, e que foram introduzidos pelos DL n° 32/2003 e DL n° 62/2013, respectivamente (sendo que o último diploma alterou, também, o parágrafo 4), são inaplicáveis aos pagamentos indemnizatórios por responsabilidade civil; logo, as taxas de juros aí fixadas não se aplicam ao montante indemnizatório em cujo pagamento a R. foi condenada.

16. Os juros moratórios comerciais previstos no art. 102° do C. Com. aplicam-se a pagamentos directamente resultantes de operações comerciais (pressupondo, por conseguinte, a existência de créditos comerciais, conceito em que não se enquadra o crédito das AA), e não a pagamentos indemnizatórios por responsabilidade civil, sobre o qual incidem juros moratórios civis.

17. O acórdão recorrido não violou quaisquer disposições legais, nomeadamente as invocadas pelas AA.; pelo contrário, a referida decisão reflecte o disposto nos arts. 19°, 2273 e 2371 da Convenção de Montreal, o art. 102° (parágrafos 1, 3, 4 e 5) do C. Com., os arts. 271 e 2 c) do DL n°62/2013, de 10.5, e o art. 55971 e 2 do CC

Conclui pedindo que seja negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida


5. O Tribunal da Relação de … proferiu, a fls. 409, despacho a admitir o recurso e a ordenar a subida dos autos ao STJ.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



II – FUNDAMENTAÇÃO


A factualidade com relevo a ponderar é a seguinte:

1º- A 1ª autora é uma empresa comercial que se dedica à indústria e comercialização vidreira para a construção civil e afins, com o Código de Acesso de Certidão Permanente da Conservatória do Registo Comercial: 15…-6…1-4…5,

2º- A 2ª autora é uma empresa comercial que se dedica à construção civil, serralharia civil, indústria e comercialização de alumínios, caixilharias, indústria e comercialização de casas modulares e, ainda, obras públicas, com o Código de Acesso de Certidão Permanente da Conservatória do Registo Comercial: 1…1- 6…8-3…7,

3º- Mercê da actual conjuntura de crise na construção civil em Portugal, 1ª e 2ª AA., vem procurando internacionalizar a sua actividade, procurando novos mercados no estrangeiro,

4º- 1ª e 2ª AA. realizaram entre si, uma parceria, por forma a entrarem no mercado da construção civil no Brasil,

5º- Foi assim que decidiram, em parceria e conjuntamente, realizar exposição dos produtos por si fabricados e comercializados na Feira Internacional de Construção Civil (" BRAZIL STONE FAIR"), realizada entre 5 a 8 de Maio de 2015, no Centro de Eventos de Fortaleza, Estado de Ceará, no Brasil (Docs. 1 e 2 juntos),

- A 2ª autora contratou um espaço para exposição, no dito centro de Eventos de Fortaleza no Ceará, no Pavilhão Oeste - Porta C, tendo-se inscrito e cadastrado para o efeito (Doc. 3),

7º- Indicando os produtos/serviços oferecidos nessa exposição, que consistiam em janelas de vidro duplo térmico acústico, pranchas termo acústicas em betão leve, casas modulares de luxo, casa modulares populares e galpões termo acústicos (Doc. 3),

8º- Bem como identificando os profissionais que iriam prestar serviços no "Stand" de exposição nessa data (Doc. 3),

9º- Tendo as AA. publicitado este evento e a sua presença no mesmo na exposição (Doc. 4)

10º- E, neste sentido, as AA. entregaram mais de 1.000 (mil) convites para a comparência no evento a diversas empresas e operadores, do ramo da construção, no Brasil e, em especial, no Estado do Ceará entre empresários, arquitectos, engenheiros e potenciais futuros clientes,

11º- A 2ª autora, aliás, já vinha, há muito, preparando a sua exposição nesse evento.

12º- Já tinha, entretanto, constituído, no Estado do Cerá - Brasil, uma empresa, denominada BB - Brasil - L TOA. e

13º- Através desta, celebrado em 27-5-2014, um protocolo com o Estado do Ceará, para a implantação de uma sociedade empresarial destinada á fabricação de insumos, Termo acústicos para utilização em edifícios (janelas e portas em alumínio, painéis termo acústicos em chapa e outros produtos), aprovado na 4ª reunião do CEDIN, em 27 de Maio de 2014 (Doc. 5 junto),

14º- Bem como celebrara, então, protocolo de intenções, com o escopo referido no artigo anterior, com a prefeitura Municipal da Cidade de Horizonte, no Estado do Ceará (Doc. 6),

15º- A 2ª A contratou a empresa especializada DD, Lda, "Creative Solutions" com sede na Rua …., nº … - … - 2480 - Porto de mós, NIPC 51…6, o aluguer de espaço na citada feira "Brazil Stone Fair 2015", bem como equipamento para stand, aluguer de transporte marítimo, aluguer de serviço de alfândega, aluguer de transporte terrestre e aluguer de serviços de montagem de stand,

16º- O que tudo importou em €53.505,00, conforme a factura emitida em 27-4-2015 à 2ª A, pela empresa DD, Lda., nº FA 2015/25, com o comprovativo de pagamento anexo, junta como Doc. 7,

17º- Aliás, a 2ª A já tinha propostas para a realização de negócios que se encontravam em curso e pendentes de encontro no local da Feira, perante a exposição física dos produtos fabricados e comercializados e serviços prestados pelas AA.,

18º- Nomeadamente perante as seguintes empresas brasileiras, da cidade de Fortaleza - Estado do Ceará a seguir referidas,

19º- EE CONSTRUTORA, com sede na Av. …, 2122 - loja … - Fortaleza CE, para negócios de valores de C 183.819,07 e de C 341.267,20 (Docs. 8 e 9 juntos),

20º- FF (Sr. GG), com sede na rua …, 150 - Cidade … (Parque dei Sol) - Fortaleza - Ceará - Brasil, para negócios de €1.201.820,49 e de €926.932,35 (Docs. 10 e 11 juntos).

21º- Em consequência as AA, atempadamente, realizaram reservas de viagens, por forma a que os seus legais representantes e profissionais especializados estivessem presentes na aludida feira (Docs. 12, 13, 14 e 15 juntos),

22º- A 2ª A, pagou, assim, 4 (quatro) viagens (ida e volta), hotel, seguros multiviagens, a 4 (quatro) representantes / profissionais para estarem presentes na referida feira,

23º- Como melhor se alcança das facturas, emitidas pela empresa de viagens, com sede em …, denominada HH, Lda., a seguir descritas:

a) Factura nº 15-…80, de 24-04-2015 (para II), no valor de €3.285,00,

b) Factura nº 15-…81, de 24-04-2015 (para JJ), no valor de €3.271,00

c) Factura nº 15-…82, de 24-4-2015 (para KK) no valor de €3.271,00

d) Factura nº 15-…83, de 24-04-2015, (para LL), no valor de €3.271,00 (Docs. 16, 17, 18 e 19 juntos),

24º- As facturas referidas no ponto anterior ascendem ao montante total de €13.098,00 (Docs. 16 a 19), valor este pago à empresa HH, Lda. pela 2ª Autora,

25º- As AA (através da 1ª A) para a exportação e transporte aéreo, de Portugal para o Brasil, dos produtos e mercadorias que estariam em exposição na mencionada Feira Internacional, a realizar entre 5 a 8 de Maio de 2015, na Cidade de Fortaleza, Estado do Ceará - Brasil, contrataram a Ré CC Portugal, Lda.,

26º- A Ré comprometeu-se com as autoras na realização deste serviço, pelo custo de €5.252,50 (incluindo o transporte e a taxa de combustível) + €36,00 (despacho de exportação),

27º- Pelo tempo de trânsito estimado de 3 a 4 dias úteis, sem contar com a data da recolha do envio (Doc. 20 junto),

28º- Em 28-04-2015 a Ré emitiu a Factura Outbound, junta como documento 21, em nome da 1 ª autora nº CVA0369003, a qual com IVA importa no valor de €6.698,50,

29º- Foi acordado entre AA. e Ré, em aditamento ao tempo de trânsito indicado em 27º (3 a 4 dias úteis), o prazo máximo estimado de entrega das mercadorias no local (Fortaleza-Ceará- Brasil) em 5 (cinco) dias,

30º- Em 30-4-2015, os representantes e profissionais das AA. Chegaram ao Brasil (Fortaleza - Ceará) - Docs. 16 a 19.

31º- A mercadoria foi levantada pela Ré nas instalações da 2ª A. em 14 de abril de 2015. (Doc. 22)

32º- Como a mesma não chegava a Fortaleza Ceará- Brasil), o representante das AA. no Brasil, Sr. MM, inicia contactos telefónicos com a central de atendimento da Ré (CC).

33º- É informado de que a mercadoria tinha sido seleccionada para despacho formal,

34º- Tendo o citado Sr. MM pedido urgência no tratamento do assunto,

35º- Como, em 27-4-2015, nada fora feito pela Ré, o Sr. MM desencadeia um "ALARME" por escrito (via e-mail) junto da Ré (Doc. 23).

36º- Nesse mesmo dia (27-4-2015) pela 1ª vez e em resposta, a Ré (CC) informa, por escrito, junto como documento 24 da necessidade de processo de desalfandegamento,

37º- Passaram, pois, 13 dias entre o levantamento da mercadoria na sede da 2ª A. e o contacto da Ré (CC),

38º- Ao contacto da Ré em 27-4-2015, o Sr. MM, de imediato, respondeu por escrito (e-mail) junto como documento 25, pedindo, novamente, urgência no desalfandegamento, informando que o STAND iria ser montado em 4 de Maio de 2015, no Centro de Eventos de Fortaleza,

39º- O Sr. MM (representante das AA. No Brasil), nesse mesmo dia 27-4-2015 enviou, novamente, mensagem junta como documento 26 à Ré (CC) insistindo com a necessidade de receber a mercadoria na Exposição na Feira Internacional de Fortaleza e que a poderiam entregar no sábado ou domingo se necessário, mostrando-se disponível para a receber a qualquer dia e hora,

40º- É, pois, intensa a troca de correio electrónico em 27-4-2015 com a intervenção do citado MM, em que este chama a atenção para a gravidade da situação e dos prejuízos que a mesma poderia dar lugar (Docs. 27 e 28),

41º- E, ainda em 27-4-2015, o representante das AA. No Brasil, Sr. MM, apercebendo-se de que a situação se complicava, (porque a troca de correspondência anterior não estava a resultar), disponibilizou-se para ir pessoalmente a São Paulo (Docs. 29 e 30),

42º- Em 28-4-2015 a Ré (CC) pede ajuda a um dos seus despachantes e o citado representante das AA. No Brasil, entra, imediatamente em contacto com esse despachante (Doc. 31),

43º- Em 29-4-2015, a Ré (CC) em vez de se deslocar logo para a alfândega inicia outro procedimento burocrático, apesar da insistência do Sr. MM em ir a São Paulo, uma vez que tinha poderes para tratar e assinar o que fosse necessário para o efeito (Doc. 32),

44º- Como em 29-4-2015 a Ré (CC) nada responde em concreto, o representante das AA. No Brasil, Sr. MM, toma a iniciativa de ir a São Paulo, informando a Ré por mensagem junta como documento 33,

45º- Em 30-4-2015, ás 10,45 Horas, chegado a São Paulo (aeroporto de Guarulhos) o Sr. MM dirige-se imediatamente para o Centro de despacho da CC e,

46º- Fala com o funcionário da "CC" Sr. NN, explicando a gravidade da situação, o qual se mostrou atónito.

47º- O processo em causa não tinha, sequer, chegado ao Centro de despacho e esse Sr. Funcionário não sabia de nada, tendo resultado infrutífero o contacto com o Sr. Despachante indicado pela CC (Ré),

48º- Dá-se, então, inicio a um contra relógio:

O funcionário NN pede o processo à CC (Ré) e, os documentos que o Sr. MM levava consigo são enviados, do local, por e-mail, para o despachante da CC, Sr. OO,

49º- O Sr. NN, procura falar com as autoridades aduaneiras para explicar a situação e,

50º- Informou o Sr. MM que não tinha conseguido falar com “quem de direito”

51º- O Sr. MM começa, então, a "correr por conta própria" e, ás 14,30 horas de 30-4-2015 (em S. Paulo) pede para falar com o director, Dr. PP e, por este não estar, explica a situação ao subdirector, Dr. QQ, ao qual explica e documenta a situação, que a percebe e telefona imediatamente ao respectivo Técnico Operacional.

52º- Este técnico operacional (a quem o Sr. MM recorrera, por instruções do Dr. QQ) diz-lhe para «ir imediatamente ao despachante e ele que introduza já o despacho no sistema» (faltavam 5 minutos para o sistema fechar).

53º- Ás 16,30 horas de 30-4-2015 (em S. Paulo) o despacho é concluído e o documento correspondente emitido, pelo que é proferida ordem imediata de libertação da mercadoria,

54º- Ás 17,25 horas de 30-04-2015 (em S. Paulo) o Sr. MM volta à CC (Ré) e pede seja feita reserva de carga para 2ª feira, de São Paulo para Fortaleza, porque a mercadoria estava liberada pela alfândega,

55º- Acontece que no dia 5-5-2015 a mercadoria não chegou a Fortaleza.

56º- Em 6-5-2015 o citado representante das AA. No Brasil (Sr. MM) desloca-se ao aeroporto de Fortaleza (Ceará) onde falou com o funcionário Sr. RR, da SS, o qual o informou que em nome das AA. não localiza nada, sugerindo-lhe, então, que pedisse à CC (Ré) para informar o número do conhecimento aéreo,

57º- Então, o citado MM de imediato telefonou para a CC - S. Paulo, onde quem o atendeu (Sra. TT) o informa de que não conseguiu ver no sistema o nº de conhecimento aéreo,

58º- Veio, depois, o citado representante das AA., a apurar que a mercadoria se encontrava, ainda, no armazém da CC em S. Paulo,

59º- Então, a CC informou que a mercadoria não podia ser enviada por avião de S. Paulo para Fortaleza, porque cada pacote excedia o peso máximo de 180 Kg e, então, a mercadoria iria seguir por transporte terrestre para Fortaleza, onde deveria chegar no dia 19-5-2015 (Doc. 39), tendo efectivamente chegado a mercadoria em 14-5-2015 (Doc. 40),

60º- A Ré não tratou a encomenda em causa com urgência e celeridade,

61º- Apesar da viagem propositada a São Paulo do aludido Sr. MM, para desbloquear a situação (Docs. 34, 35 e 36),

62º- Em consequência, a mercadoria, não pôde ser exposta pelas AA., na Feira Internacional de Construção Civil ("Brasil Stone Fair"), que se realizou entre 5 a 8 de maio de 2015, no Centro de Eventos da Cidade de Fortaleza, Estado do Ceará - Brasil,

63º- O "Stand" de exposição das AA., na citada feira ficou, assim "VAZIO", sem qualquer mercadoria para ser vista pelos visitantes e convidados nessa feira.

64º- Além de todas as despesas feitas pelas AA., em viagens, estadias, aluguer de espaço na Feira, taxas, transportes, seguros, etc., sem a possibilidade da realização do escopo desta deslocação/viagem de negócios (apresentação física, pelas AA., na mencionada Feira Internacional, das mercadorias e materiais por ambas produzido e comercializado),

65º- As autoras suportaram as despesas alfandegárias com o desalfandegamento no Brasil, no valor, em Reais (moeda brasileira) de R$ 13.687,68, correspondendo nesta data, (a 3.40 o Real), o seu contra valor em euros a €4.025,00 (Docs. 37 e 38),

66º- A primeira autora era à data um cliente com «conta aberta» na ré, significando que «gozava» de um serviço gratuito que lhe permitia aceder online e em cada momento à localização da mercadoria objecto do transporte.

67º- A mercadoria não seguiu o seu curso com destino a Fortaleza no dia 20 de abril de 2015, por decisão da Autoridade Alfandegária Brasileira que a seleccionou para despacho formal.

68º- A CC Brasil deu início às diligências necessárias ao processo de desalfandegamento nos termos exigidos pela Lei Brasileira.

69º- O transporte contratado com a ré não incluiu quaisquer custos de desalfandegamento, que são a cargo do cliente.

70º- A ré não prestou qualquer garantia de prazo de entrega, tendo apenas indicado um prazo estimado.

71º- Como o peso da mercadoria ascendia a 1.250 kg, o respectivo transporte desde a Alfândega Brasileira até ao seu destino em Fortaleza teve de ser processado por via ferroviária, ao invés do transporte aéreo inicialmente projectado e ao contrário do previsto pelos serviços da CC no Brasil.


Factos Não Provados


- Artigos 64º a 66º, 74º alínea c), e 76º a 82º da petição.


- Artigo 19º, na parte em que o peso do serviço de frete foi alterado por má-fé, 29º na parte em que as autoras souberam desde logo que a mercadoria iria seguir por transporte ferroviário desde o aeroporto de S. Paulo para Fortaleza, 46º, 48º, 56º, 57º e 58º da contestação.



III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO


Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.


A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação da Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pela Recorrente a questão concreta de que cumpre conhecer é apenas a seguinte:


1ª- O valor da indemnização deve ser determinado aplicando o direito interno português (regras do cumprimento defeituoso e fixação da indemnização à luz das normas respectivas do Código Civil Português como se decidiu em 1ª instância) ou, pela aplicação do Regime Instituído pela Convenção de Montreal, como resulta do Acórdão recorrido?

 

B) Vejamos

1 - No recurso de apelação interposto da sentença da 1ª instância a Ré CC insurgia-se contra a indemnização fixada pois que a sentença não teria atentado devidamente no regime que resulta dos artigos 19.º e 22.º, n.º 3, da Convenção de Montreal.

Tendo o Acórdão aderido à posição da Ré CC e aplicado o regime que resulta da Convenção de Montreal são agora as Autoras quem pretendem alterar o assim decidido.

Dúvidas não subsistem em como as autoras sofreram prejuízos com a conduta da Ré (sendo que a Ré nem sequer provou que tomou as medidas necessárias para evitar o dano ou que era impossível ter adoptado tais medidas) estando em discussão o modo de fixação do quantum indemnizatório, se o correspondente à soma dos danos patrimoniais apurados, que ascende ao total de € 66.603,00, valor que corresponde ao da condenação, ou se ao valor que resulta da aplicação do artigo 222.º, n.º 3, da Convenção de Montreal, como bem se equacionou no Acórdão recorrido.

  Na sentença da 1ª instância determinou-se o valor da indemnização aplicando as regras do cumprimento defeituoso e atendeu-se ao disposto nos artigos 798.º, 799.º, 801.º, 804.º, 562.º e 564.º do Código Civil.

    Já o Acórdão recorrido entendeu-se que apesar do regime legal nacional prever as citadas regras era necessário atender ao regime instituído pela Convenção de Montreal e, por isso fixou a indemnização nos termos previstos naquela Convenção.

  2 – Entendemos que a razão se encontra do lado do Acórdão recorrido, devendo a indemnização a atribuir às Autoras ser calculada segundo os critérios legais fixados na Convenção de Montreal.

  Ninguém questiona a qualificação jurídica do contrato em causa – contrato de transporte de mercadorias por via aérea – nem que as autoras sofreram danos pelos quais é responsável a Ré.

   Assim teremos de atender à referida Convenção de Montreal, assinada em 28.05.1999, a qual está publicada em anexo ao DL nº 39/2002 de 27.11., muito concretamente aos seus artigos 1.º, 19.º, 22 nº 3 e 23 nº 1.

    Dispõe o nº 3 do artigo 22.º referido que «No transporte de mercadorias, a responsabilidade da transportadora em caso de destruição, perda avaria ou atraso está limitada a 17 direitos de saque especiais por quilograma, salvo declaração especial de interesse na entrega no destino feita pelo expedidor no momento da entrega da mercadoria à transportadora e mediante o pagamento de um suplementar eventual. Nesse caso, a transportadora será responsável pelo pagamento de um montante igual ou inferior ao montante declarado, excepto de provar que tal montante +e superior ao real interesse do expedidor na entrega no destino.»

     E, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, da citada Convenção de Montreal, «Os montantes expressos em direitos de saque especiais (…) referem-se ao direito de saque espacial tal como é definido pelo Fundo Monetário Internacional. A conversão dos montantes em moeda nacional efetuar-se-á, em caso de processos judicial, de acordo com o valor dessa moeda expresso em direitos de saque especiais à data da sentença.»

Acrescentando ainda que: «O valor em direitos de saque especiais da moeda de um Estado Parte que seja membro do Fundo Monetário Internacional será calculado em conformidade com o método de valoração aplicado pelo Fundo Monetário Internacional à data da sentença para as suas operações e transacções.»

     Por último, temos de atender ao estatuído no artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna portuguesa após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.


   3. Face ao normativo constitucional citado dúvidas não subsistem, tal como defendeu o Acórdão recorrido, que a Convenção de Montreal, se sobrepõe à lei ordinária portuguesa, pelo que a indemnização não poderá ser calculada com recurso às regras do cumprimento defeituoso previstas no Código Civil, tal como fez a decisão da 1ª instância, mas sim deve ser calculada com obediência aos critérios previstos na Convenção de Montreal, tal como efectuou o Acórdão recorrido.

    E, ao contrário do que pretende a Recorrente, o cálculo da indemnização feito pelo Acórdão recorrido mostra-se correcto e em obediência ao disposto nos artigos 22 e 23 da Convenção em causa.

    A indemnização, atento os factos provados, que não integram a excepção prevista no n.º 3 do artigo 22, deve ser limitada «a 17 direitos de saque especiais por quilograma», estando em questão um volume total de 1.250Kg de bens transportados.

    Por último, refira-se que esta interpretação não afronta qualquer orientação do TJUE, sendo certo que o Regulamento Comunitário invocado não tem aplicação ao presente caso, uma vez que se aplica ao transporte de passageiros.

   Uma palavra ainda quanto aos juros, uma vez que em 1ª instância se fixou uma taxa de juro de 7% (juros moratórios comerciais) e no acórdão recorrido de 4% (juros de mora civis).

     Não temos dúvidas em afirmar que a decisão de fixar à taxa de 4% (juros civis) se mostra correcta.

    Aliás, é a única que está de acordo com o pedido formulado pelas Autoras, que pediram a condenação da Ré no pagamento de juros, à taxa legal em vigor, a qual deve ser entendida como referente aos juros civis que é a taxa geral.

     As autoras não pediram a condenação da Ré no pagamento de juros comerciais pelo que os juros devidos são os civis, tal como decidido no Acórdão recorrido.

    Assim nenhuma censura merece o Acórdão recorrido que condenou «a ré a pagar às autoras uma indemnização calculada nos termos conjugados dos artigos 19.º, 1.ª parte, 22.º, n.º 3, e 23.º da referida Convenção, levando em conta a data da sentença proferida na 1.ª instância, a apurar em sede de sentença».

      Em suma, entendemos que se impõe a improcedência das conclusões das Recorrentes e, em consequência, nega-se a Revista.


   III – DECISÃO

     Pelo exposto, e pelos fundamentos enunciados, decide-se negar a Revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

    Custas pelas Recorrentes.


Lisboa, 11 de outubro de 2018


José Sousa Lameira (Relator)

Hélder Almeida

Oliveira Abreu