Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1849/21.6T8PTM.E1.S1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Sumário :

I- O depoimento de parte como a prova testemunhal estão sujeitos à livre apreciação da prova pelo Tribunal e a respetiva decisão do Tribunal da Relação não é sindicável por este Supremo Tribunal de Justiça.

II- Provado o incumprimento do contrato de trabalho pelo empregador presume-se a culpa deste, como decorre do artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1849/21.6T8PTM.E1.S1.S2


Acordam em Conferência na Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


Ababuja – Empreendimentos Turísticos, Lda. veio interpor reclamação ou pedido de reforma do Acórdão da Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do CPC junto desta Secção Social. A mencionada reclamação/pedido de reforma inicia-se assim:


“ÁBABUJA - EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS, Lda, na qualidade de Autora nos autos à margem identificados, não se conformando com o Douto Acórdão proferido no dia 14/12/2023. VEM. por do mesmo constarem obscuridade e contradições, que prejudicam a compreensão e aceitação da decisão judicial proferida, à luz das regras da lógica e racionalidade jurídicas, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 3.°, 4.°, 5.°, 6.°. 7.°, 8.° e 9.°, 49.°. 607.° a 612.°, 614.°, 616.°, n.° 2. alíneas a) e b), 619.°. 625.°. 627." a 643.°, 644.°. n.° I. alínea b), do Código de Processo Civil, e artigos l.°. 2.°, 9.°. alínea b), 13.°. 20.°, n.os I, 4 e 5. 202.°. n.os I e 2. e 204.°. 205.°. da Constituição da República Portuguesa. REQUERER a admissão da presente: RECLAMAÇÃO PARA O PLENO STJ REFORMA DE ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 14/12/2023 NULO QUE INDEFERE REVISTA EXCEPCIONAL Ex vi artigo 616.°, n." 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil” (maiúsculas no original).


Antes de mais, importa afirmar que o Acórdão da Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do CPC não é suscetível de qualquer reclamação para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça.


Aliás, o n.º 4 do artigo 672.º estabelece expressamente que “a decisão referida no número anterior, sumariamente fundamentada, é definitiva, não sendo suscetível de reclamação ou de recurso”.


No entanto e como se trata de um pedido de reforma – o artigo 616.º n.º 2 do CPC é expressamente invocado – convola-se o pedido dirigido ao Pleno em pedido dirigido à Conferência, já que “a retificação ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade, são decididas em conferência” (n.º 2 do artigo 666.º do CPC aplicável ao recurso de revista ex vi artigo 685.º do CPC).


À luz do disposto no artigo 616.º n.º 2 do CPC a reforma do Acórdão supõe que por lapso manifesto tenha havido ou erro na determinação do regime aplicável ou na qualificação jurídica dos factos (alínea a) ou constem do processo documentos ou outros meios de prova plena que só por si impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.


Nada disso ocorre no caso concreto: a Formação aplicou, como devia, o disposto no artigo 672.º números 1 e 2 do CPC e não existem quaisquer documentos ou outros meios de prova plena que implicassem decisão diversa da proferida.


Não procede, pois, o pedido de reforma do Acórdão.


Relativamente à arguição de nulidades, a Reclamante invoca a omissão de pronúncia. Recorde-se que se trata de uma revista excecional fundada exclusivamente na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º (ver n.º 3 das alegações), tendo a Recorrente ora Reclamante afirmado que “a questão que está em causa, nos presentes autos, é a que se reporta à tutela dos Deveres do Empregador, nos casos em que existe uma manifesta intenção do Trabalhador em "penalizar" e "locupletar-se" à custa do Empregador” (n.º 4 das alegações) e que “o principal problema que se coloca, com forte relevância numa aplicação do Direito, é saber se será possível a um Trabalhador pôr termo ao seu Contrato de Trabalho, alegando verificar-se justa causa, sem que existam quaisquer testemunhas da factualidade relatada (nomeadamente por lhe terem sido dirigidas expressões violadoras do dever de urbanidade e respeito pelo empregador), subsumindo-se a questão à "palavra de um outro contra a palavra do outro" (n.º 5 das alegações) e “[t]ambém está em causa saber se em casos semelhantes será aplicável o disposto no artigo 799. 0, n. 0 1, do Código Civil, ou seja, presumindo-se desde logo que o Empregador é culpado e incumbindo-lhe provar que a conduta que lhe é imputada tem ou não correspondência com a realidade” (n.º 6 das alegações).


Relativamente à primeira questão o Acórdão objeto da presente reclamação pronunciou-se, assim:


“Porém, para além de a trabalhadora AA ter confirmado tais expressões nas suas declarações de parte, também foram confirmadas pela trabalhadora BB (a partir de 4m44s do seu depoimento), que declarou estar no restaurante, a preparar a abertura ao público e ter assistido à discussão motivada pela recusa da AA em limpar as casas de banho dos clientes e ouvido as referidas expressões.

Ademais, a testemunha CC também referiu que, apesar de não ter assistido à discussão, chegou pouco depois ao trabalho e viu a AA chorar e queixar-se da forma como tinha sido tratada pelas referidas gerentes e alvo daquelas expressões, ouvindo também a BB relatar, naquele mesmo momento, a versão dos factos que foi apresentada em julgamento.

Ponderando estes meios de prova, não se vislumbra que a decisão recorrida tenha cometido lapso relevante no processo valorativo da prova, tanto mais que foram produzidos depoimentos isentos - a BB e a CC ainda trabalham no restaurante - que confirmam a versão dos factos declarada provada na sentença.”

Como se vê, o Tribunal da Relação apreciou depoimentos de parte e prova testemunhal tendo formado livremente a sua convicção – a qual, de resto, não é sindicável por este Tribunal – face à prova produzida, pelo que aquela primeira questão (ser “a palavra de um contra outro”) nem sequer se coloca nos presentes autos.”

Ou seja, não é exato, como a Reclamante pretendeu nas alegações, e reitera na presente reclamação, que seja “a palavra de um contra o outro”. Mas, e em todo o caso “[é] definitivo o juízo formulado pelo Tribunal da Relação, no âmbito do disposto no art.º 662.º. n.º 1, do CPC, sobre a prova sujeita à livre apreciação, como é o caso do depoimento de parte em que não houve confissão escrita e de fotografias, não podendo ser modificado ou censurado pelo STJ, cuja intervenção está limitada aos casos da parte final do n.º 3 do art.º 674.º do mesmo Código” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de outubro de 2020, processo n.º 1185/16.0T8VCT.G2.S1).


Quanto à segunda questão afirmou-se, designadamente, o seguinte:

“Perante estas violações extremamente graves por parte do empregador de deveres que para si decorrem do contrato de trabalho o Acórdão recorrido considerou que o empregador não logrou ilidir a presunção de culpa que efetivamente existe na responsabilidade contratual e que não se vê razão alguma para não aplicar neste contexto, depois de terem sido provados os factos que inequivocamente traduzem a violação objetivamente grave pelo empregador de deveres contratuais. Não há, pois, qualquer questão que mereça ou suscite a intervenção deste Tribunal, tanto mais que mesmo sem qualquer presunção a grave censurabilidade do comportamento do empregador no caso dos autos é por demais evidente”.

Com efeito não é questão que mereça qualquer intervenção deste Tribunal a aplicação da presunção de culpa prevista no Código Civil à responsabilidade do empregador no caso de violação por parte deste do contrato de trabalho. O contrato de trabalho é, antes de mais, um contrato. E a afirmação da Reclamante segundo a qual “o artigo 799.°, n.º1, do CC. não pode. sem mais. ser aplicável ao direito laboral, quando, na verdade, no mundo civilístico, rege uma simples e pura igualdade das partes, cuja mitigação, em sede laboral, é notoriamente imposta, dada a especificidade deste ramo de direito” (n.º 9 da Reclamação) não colhe tanto mais que no caso de incumprimento do contrato pelo empregador redundaria paradoxalmente num agravamento da situação do trabalhador subordinado face a qualquer outro credor contratual. E, reitere-se, mais uma vez, que, mesmo sem a referida presunção a culpa do empregador é evidente face aos factos dados como provados mo processo.

Não há, pois, qualquer omissão de pronúncia, como não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão ou obscuridade da mesma: tratando-se de questões que carecem de relevância jurídica e que nem sequer eram decisivas para o processo dos autos não se admitiu a revista excecional.

E não há qualquer contradição – que aliás não vem referida no elenco das nulidades do artigo 615.º n.º 1 do CPC – com outros Acórdãos da Formação. Não só a apreciação do fundamento previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º depende em grande medida do circunstancialismo do caso concreto, como não se vê qualquer paralelismo com decisões sobre a invocação da nulidade do registo face a um novo Código da Propriedade Industrial, situação aduzida pela Reclamante para basear uma pretensa contradição.

Decisão: Indeferem-se o pedido de reforma e a arguição de nulidade.

Custas pela Reclamante.

Lisboa, 8 de fevereiro de 2024

Júlio Gomes (Relator)

Mário Belo Morgado

Ramalho Pinto