Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
846-F/1997.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO CRUZ
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
TRATO SUCESSIVO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AGRAVO EXECUTADA; PROVIDO AGRAVO EXEQUENTE
Sumário :
I. Um título executivo com trato sucessivo é aquele do qual emergem obrigações periódicas ou continuadas, ao longo do tempo.
II. O que terá de averiguar-se em sede de embargos, é se a obrigação exequenda que dele emana, e que ao longo do tempo vai reproduzindo obrigações sucessivas, passou a ser cumprida ou se a obrigação se extinguiu por qualquer outro meio.
III. Podem existir uma ou várias execuções com o mesmo título executivo dotado de trato sucessivo. O que é essencial é que, em cada pedido exequendo não se sobreponham os mesmos factos ou os mesmos concretos incumprimentos, pois em cada nova utilização do trato, terão de corresponder obrigações geradas pelas respectivas situações de incumprimento.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

I-A) Síntese do prolongado conflito entre os recorrentes (Exequente e Executada) até aos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.02.12 e 2008.05.06, que formam uma única unidade:

O AA, Ld.ª (conhecido por Club B…) instaurou em 1997.10.07 acção executiva contra a “BB, Ld.-Resort Turístico de Luxo, SA”, hoje “V… de L… Resort Turístico de Luxo, SA, para cobrança de 16.463.276$56 ( = € 82.118,47), acrescida de 75.000$00 diários (= € 374,10), até que a Executada reinicie o integral cumprimento das obrigações que lhe advêm do designado “Corporate Golf Title”, (futuramente designado por CGT.)
O título executivo consubstanciava-se numa sentença de Tribunal arbitral proferida em 1997.06.25, já transitada em julgado, complementada com um despacho de esclarecimento de 1997.07.30.
Alegava então o Exequente que a Executada não havia reiniciado o integral cumprimento das obrigações que lhe advinham do designado CGT tal como fora definido no contrato e na própria sentença arbitral.

A Executada deduziu embargos, mas a execução foi entretanto julgada extinta pelo depósito da quantia liquidada antes que os embargos fossem julgados, tendo estes também terminado por inutilidade superveniente.

O Exequente veio entretanto dizer que a quantia depositada não estava de acordo com o tempo já decorrido pois que haviam já decorrido mais 203 dias, não havendo sido contemplados na importância depositada as multas e os juros entretanto vencidos, que na altura somavam já 4.888.637$00 (= € 24.384,42)

A Executada voltou a pagar a quantia em causa, pelo que a execução voltou a ser declarada extinta em 1998.11.24.


Em 1999.03.29 voltou o Exequente a pedir a renovação da instância executiva alegando novo incumprimento por parte da Executada das decisões arbitrais, referindo estarem em dívida mais 25.125.000$00 (= € 125.322,97).
Em 1999.12.16 veio o Exequente elevar esse montante para 44.625.000$00 (= € 222.588,56), contando para tal com a quantia indicada em 1999.03.29 acrescida da indemnização de que entendia beneficiar face ao tempo decorrido desde então, situando essa importância em 19.500.000$00 (= € 97.265,59)

A Executada opôs-se novamente mediante embargos referindo não existir qualquer incumprimento seu desde 1997.10.04, ou seja, a partir do momento em que fora notificada da decisão arbitral, e que só efectuara o pagamento que levara à extinção da instância executiva devido a estado de necessidade, para não paralisar completamente a empresa, já que não podia esperar pelo resultado definitivo dos embargos.
Referiu ainda que havendo transitado em julgado a sentença que julgara extinta a execução fundada na sentença arbitral e havendo-se o Exequente conformado com tal extinção, deixara de haver título executivo, não lhe reconhecendo o trato sucessivo.

O Exequente contestou os embargos, alegando que a Executada nunca chegou a cumprir integralmente o contrato e a decisão arbitral, insistindo que o título executivo em que a execução se apoia tem e continua a ter trato sucessivo.
Em 2000.03.10 foi feito novo pedido de actualização da quantia exequenda, dizendo que entretanto se haviam passado mais 321 dias de incumprimento, a que correspondia o valor vencido de 24.075.000$00 ( = € 120.085,59), fazendo assim passar o valor da quantia exequenda para 68.700.000$00 (= € 342.674,16)

A execução ficou entretanto suspensa porque a Executada prestou caução.

Em 2000.03.28 foi proferida uma segunda sentença arbitral, que veio a interpretar duas cláusulas do contrato sobre as quais as partes divergiam.

Os embargos vieram a ser julgados na primeira instância parcialmente procedentes, ficando decidido que a execução apenas poderia prosseguir para pagamento da quantia de € 748,20 (= 150.000$00) correspondente ao incumprimento contratual verificado em dois dias (2000.05.21 e 2001.10.10).
Ambas as partes recorreram para a Relação, que por Acórdão de 2007.01.25, depois de ter procedido a alteração parcial da matéria de facto, veio a ordenar que a execução prosseguisse para pagamento da quantia de apenas € 374,10, correspondente ao incumprimento contratual verificado no dia 2000.05.21.
Esse Acórdão foi objecto de recurso interposto pela Embargada-Exequente para o STJ.
Por Acórdão de 2008.02.12 o STJ (fls. 147 a 166) veio a dar-lhe parcial razão, exprimindo-se nos termos seguintes:
Na concessão parcial da Revista, revoga-se o não obstante douto Acórdão da Relação no segmento que confirmou parcialmente a decisão da primeira instância, substituindo essa decisão por outra em que, julga os embargos parcialmente procedentes na parte anterior à segunda decisão arbitral (2000.03.28), mas manda no entanto prosseguir a execução pelo tempo correspondente de incumprimento entre essa data e 2000.11.02, ou seja, ao longo de 219 dias, o que vem a dar 16.424.889$00, correspondentes hoje a € 81.927,60”

A Embargante-Executada veio arguir a nulidade do Acórdão do STJ.
No entanto, por novo Acórdão do STJ de 2008.05.06 (fls. 191 a 196 dos autos), todas as alegadas nulidades foram indeferidas, ficando assim transitadas em julgado ambas as decisões, que formam um corpo único.


I-B) A situação que presentemente se vive:

Em 2008.06.09 o Exequente, apoiado no decidido no Supremo (a que fizemos referência), e alegando a situação de continuação de incumprimento por parte da Executada, veio reatar o processo executivo que se encontrava suspenso, actualizando o montante exequendo para € 1.120.424,82, (sendo € 81.927,60 relativos à continuação da execução pelo montante determinado no STJ até 2000.11.02, e € 1.038.497,22, desde então até 2008.06.09, ou seja, quanto a esta última verba, referente a 2.776 dias à razão de € 374,10 diários), alegando o continuado incumprimento da Executada.
Para o efeito alegou que
“(…) A situação de incumprimento do contrato por parte da Executada mantém-se precisamente nos mesmos termos apreciados no douto Acórdão do STJ, desde o dia 2 de Novembro de 2000, até hoje.
Com efeito, durante todo o período de tramitação deste processo, e dos embargos agora decididos, a Executada manteve exactamente a mesma atitude que foi considerada pelo STJ como violadora do contrato e proibida pela douta sentença arbitral que constitui o título executivo do presente processo.
Assim, durante todo o período considerado, a Executada continuou a não deixar jogar qualquer cliente da Exequente sem haver reserva ou pedido de alteração de jogadores com pelo menos sete dias de antecedência.
O título executivo deste processo, como está já decidido, é de trato sucessivo, nos termos do art. 920.º do CPC.
A Exequente pode por isso, actualizar o seu pedido, de forma a abranger também todo o período de incumprimento posterior à última actualização. (…)”- fls. 197-198.

A Executada foi notificada do requerimento apresentado, tendo vindo a requerer a suspensão da instância, fundada no propósito de nova intervenção arbitral para efeitos de determinação de cominações por alegado incumprimento contratual, e, ao mesmo tempo, pedindo que se procedesse á compensação da importância determinada pelo Supremo com um crédito que a Executada reconheceu em transacção judicial no Tribunal de Loulé.
Sobre a renovação da execução pela alegada actualização do valor exequendo, pronunciou-se pelo indeferimento, sustentando não haver a Exequente indicado factos consubstanciadores do incumprimento face ao título, nem se estar perante um título com trato sucessivo, sendo que a decisão anterior que assim o determinou não fez caso julgado material nem formal, em relação à situação concreta vivida nestes embargos, mas tão só relativamente àqueles.

O Exequente reiterou a existência de caso julgado e a natureza de trato sucessivo dos títulos dados à execução, sustentou a regularidade do requerimento de renovação da instância executiva e declarou aceitar a compensação.
A Executada respondeu solicitando que fosse operada a compensação e sustentando que o Exequente aproveitou o seu requerimento de resposta para introduzir factos novos e complementares da causa de pedir.

Por despacho de 2008.09.24, foi decidido na primeira instância:
a) indeferir o pedido de suspensão da execução;
b) considerar como estando já decidido haver trânsito em julgado relativamente à decisão que se pronunciou sobre a natureza do título como dotado de trato sucessivo;
c) não se verificar o vício de falta de alegação de factos atinentes ao alegado incumprimento;
d) declarar compensado o crédito de € 77.541,40 que a Executada detém sobre a Exequente.
e) ordenar a citação da Executada para pagar ou nomear bens à penhora – art. 811.º-1 do CPC – tendo-se em conta a redução da quantia exequenda face à compensação.- fls. 260 a 264.

A Executada não se conformou com essa decisão tendo interposto recurso.
Pediu que subisse imediatamente, em separado e com efeito suspensivo, alegando factos para o efeito pretendido.
O despacho subsequente assim o admitiu.
Alegou a Executada (fls 45 a 83) e contra-alegou o Exequente.(fls. 103 a 110).

A Relação veio a decidir o recurso pela forma seguinte:
a) alterar para efeito meramente devolutivo o efeito de subida do agravo em primeira instância intentado pela Executada Vale de Lobo Resort Turístico de Luxo, SA”;
b) não exercer pronúncia quanto à questão de saber se o título executivo consubstanciado na sentença do tribunal arbitral datada de 25 de Junho de 1997 (conjugada com a lavrada em 28 de Março de 2000) perdeu ou não a sua eficácia vinculativa, uma vez que tal é, nesta (nessa) instância de recurso, legalmente impossível;
c) declarar que se formou caso julgado formal, vinculativo para as duas partes em litígio, quanto á atribuição do título referido em b) da natureza de título executivo de trato sucessivo;
d) declarar que o requerimento cuja cópia constitui fls. 197 a 198 deste processado não preenche os requisitos exigidos pelos arts. 48.º, 45.º, 811.º-A, 813.º e 814.º do CPC (na versão aplicável), pelo que se revoga a decisão recorrida, decretando-se em sua substituição o indeferimento liminar desse requerimento executivo.”

Relativamente à parte d) da decisão houve apenas vencimento por maioria, tendo sido exarado quanto a esse ponto, no voto de vencido, o seguinte:
“Quanto ao indeferimento liminar entendo que, consistindo o incumprimento tão somente na exigência de uma antecedência de sete dias na indicação ou alteração dos jogadores (como foi afirmado no Ac. do STJ a fls. 162 e 163 dos autos), o requerimento executivo contém alegação suficiente.”

O Exequente interpôs recurso da parte d) da decisão.
A Executada interpôs recurso das partes b) e c).


Ambos os recursos foram aceites como agravo, com efeito devolutivo.
Houve alegações e contra-alegações.

Só o recurso do Exequente foi aceite pelo Supremo em toda a sua latitude.
O da Executada só foi admitido quanto à questão da não pronúncia da Relação sobre a perda de validade do título executivo com trato sucessivo a ele ligado.
As razões para essas decisões foram longamente explicitadas já em despacho proferido em 2009.10.13.


II. Análise dos recursos


Vamos começar por transcrever as conclusões apresentadas pelos recorrentes nas alegações de recurso respectivas:

II-A) Conclusões das alegações do Exequente:

“ a) O comportamento violador do contrato, tal como definido no douto acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Fevereiro de 2008 (fis. 147/166), consiste na exigência por parte da Agravada de que a Agravante reserve nominalmente os tempos de partida com pelo menos sete dias de antecedência, e não proceda a alterações nas reservas nesses sete dias.
b) Esse comportamento verificou-se entre 28 de Março e 2 de Novembro de 2000, o que ocasionou a condenação da Agravada no pagamento da indemnização fixada na Sentença Arbitral, operada pela douta decisão deste Supremo Tribunal de 12 de Fevereiro de 2008, junta a fis. 147.
c) Esse mesmo comportamento continuou a verificar-se entre 2 de Novembro de 2000 e 9 de Junho de 2008, tendo dado lugar ao pedido de renovação (cumulativo) apresentado nesta última data pela Agravante, cuja cópia está junta a fls. 197/198 destes autos.
d) Nesse requerimento de 9 de Junho de 2008, a Agravante alegou precisamente os factos de que deriva o incumprimento por parte da Agravada, e que são, como atrás se viu, a exigência que esta continua a fazer de reservas nominais com pelo menos sete dias de antecedência, e a proibição de alteração dessas reservas nesse mesmo período de sete dias.
e) Esta alegação, como se reconhece no douto voto de vencido proferido na Relação, e na douta decisão de primeira instância (a fis. 260/264), é suficiente para permitir à Agravada e ao tribunal conhecer o fundamento do pedido, não configurando qualquer inépcia.
f) Ao contrário, as supostas deficiências do requerimento de 9 de Junho de 2008, apontadas pela maioria na Relação, não têm qualquer relevância para a lide, pois não se prendem com a causa de pedir que está na base deste processo, a qual foi definida com um escopo totalmente diferente no douto acórdão já citado deste Supremo Tribunal.
g) Acresce ainda que o aludido requerimento, na parte em que simplesmente pede o prosseguimento da execução já pendente, por estarem resolvidos os embargos, nunca deveria ter sido indeferido, por nessa parte não se lhe aplicarem as razões que levaram a maioria, na Relação, a decidir como o fez.
Requer-se, assim, a revogação do douto acórdão recorrido, na parte em que indeferiu o requerimento de 9 de Junho de 2008, a fls. 197/198, ordenando-se o prosseguimento (e renovação cumulativa) da execução com base no mesmo requerimento, repondo-se a douta decisão de primeira instância.”

II-B) Conclusões das alegações da Executada:

“A) O Tribunal da Relação não podia deixar de apreciar a questão da extinção do título executivo por via da verificação de uma condição resolutiva, por tal questão ser de conhecimento oficioso.
B) Assim, não era necessário que a Recorrente suscitasse a questão junto do Tribunal de 1.ª instância, por o mesmo estar obrigado a analisá-la, obrigação essa que igualmente impendia sobre o Tribunal da Relação;
C) Dado que a validade e existência do título executivo é um pressuposto processual para a renovação da execução, pelo que não necessitaria a Recorrente de alegar a sua invalidade, para que o tribunal tivesse de apreciar tal questão.
D) Porém, não corresponde sequer à verdade que a Recorrente não tivesse invocado a questão da validade e existência do título executivo junto do tribunal de 1.ª instância, tendo sido exactamente com base nessa questão que foi intentado o recurso de Agravo;
E) O que a Recorrente não fez foi desenvolver, junto daquele tribunal de 1.ª instância, todos os fundamentos / argumentos por que considerava que tal título era inválido;
F) O que não precisava de fazer, dado que os fundamentos / argumentos para que se considerasse tal título como inválido podem ser livremente apreciados pelo Tribunal, não estando o tribunal da Relação vinculado aos fundamentos de Direito dados pelas partes a uma determinada questão;
G) Nestes termos, ao ter considerado que não podia analisar a questão da invalidade do titulo executivo, com base no facto da sua eficácia estar extinta (por via da verificação da condição resolutiva a que tal título estava sujeito), cometeu o Tribunal da Relação uma omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 668°, n.º 1, alínea d), do CPC;
H) Pelo que se requer que tal decisão seja revogada, e que o processo seja remetido ao Tribunal da Relação para que o mesmo se pronuncie sobre tal questão, ao abrigo do disposto no artigo 762°, n.º 2, do CPC.
I) Por força de despacho proferido em anteriores embargos de executado, sobre um anterior pedido exequendo, considerou o tribunal da Relação que a questão sobre o trato sucessivo já estaria definitivamente resolvida, não podendo as partes suscitá-la novamente, ainda que em renovações posteriores da execução;
J) Porém, não pode existir qualquer caso julgado relativamente a tal questão, dado que o tribunal, em cada requerimento de renovação da execução, terá sempre de analisar novamente todos os pressupostos processuais de que depende a execução (maxime, a existência de título válido e a possibilidade daquele título ser de trato sucessivo, nos termos do artigo 920.º do CPC);
K) Pois tal requerimento de renovação da execução respeita a um pedido e a uma causa de pedir totalmente nova, não coincidente com a da decisão anterior execução;
L) Não se pode considerar que o tribunal se podia furtar a tal análise com base no argumento de que tal questão já estaria decidida, escudando-se no caso julgado, porque a mesma foi decidida em relação a um pedido diferente (relativamente a um requerimento executivo anterior) e não forma caso julgado material ou formal em relação a ulteriores renovações da instância executiva;
M) Caso assim não se entendesse, extremamente gravoso seria para todos os executados que não pretendem impugnar determinadas execuções, antes preferindo liquidar o valor exequendo, e que posteriormente pretendam apresentar defesa;
N) E seria ainda mais gravoso, tendo em conta que os títulos executivos também podem ter a sua eficácia extinta, e que os mesmos, ainda que tenham sido considerados como títulos executivos para uma determinada execução, podem não ser títulos executivos para uma outra execução (ou renovação da execução);
O) Se tal análise não pudesse ser feita novamente pelo tribunal, considerando a decisão anterior como vinculativa, tal levaria a que, no limite, pudessem existir execuções sem título válido;
P) Acresce que nunca qualquer tribunal se pronunciou sobre a extinção de tal trato sucessivo do título, não tendo essa questão sido objecto de qualquer decisão anterior, pelo que deveria sempre o tribunal a quo ter verificado a existência de título de trato sucessivo;
Q) Nestes termos, deverá ser considerado que não existe caso julgado relativamente à decisão proferida anteriormente - sobre o título ser ou não de trato sucessivo - em virtude daquela decisão respeitar um pedido e causa de pedir totalmente autónomos do presente, ao abrigo do disposto nos artigos 497°, 498°, n.º 1, 672° e 673° do CPC;
R) E que, o tribunal da Relação, ao considerar que se formou caso julgado sobre tal questão (independentemente de admitir que o pedido e a causa de pedir são diversos), violou o disposto no artigo 497° e 498° do CPC;
S) Devendo tal decisão ser revogada por V. Exas., e os autos remetidos ao tribunal da Relação, para que o mesmo aprecie a validade e eficácia do título executivo, no que respeita ao seu trato sucessivo.”

II-C) Apreciação dos recursos:

Vamos começar por apreciar a parte admitida do Agravo interposto pela Executada:

Refere a Executada que a Relação recusou pronunciar-se quanto à questão de saber se o título executivo consubstanciado na sentença do Tribunal arbitral datada de 25 de Junho de 1997 (conjugada com a lavrada em 28 de Março de 2000) perdeu ou não a sua eficácia vinculativa.
Ora bem:
A natureza jurídica do título já foi definida por decisão transitada em julgado, que lhe atribuiu trato sucessivo.
O título continua a ser o mesmo e a ter a mesma natureza. A obrigação reclamada emerge, segundo o alegado, do reiterado incumprimento da mesma obrigação que o Supremo já antes sancionara, e que continuará, segundo a Exequente, a ser desrespeitado.
O que terá de averiguar-se, mas isso então em sede perfunctória dos embargos, é se a obrigação exequenda que dele emana, e que ao longo do tempo vai reproduzindo as mesmas obrigações, alegando-se não estarem a ser cumpridas pela Executada, passaram a ser cumpridas ou se a referida obrigação se veio a extinguir por qualquer meio.

O que terá de ser considerado é o que vier a resultar dos novos factos, ou novos incumprimentos, e aos quais se reporta o novo e concreto pedido exequendo.
Não tinha a Relação que pronunciar-se sobre a validade de título, uma vez que considerado por decisão transitada em julgada como tendo a natureza de trato sucessivo e não haver decisão alguma que o considerasse extinto.
O reconhecimento do trato sucessivo está inerente ao título e só se extingue com a extinção da fonte da obrigação, o que significa que opera à medida que novos e reiterados incumprimentos se forem vencendo enquanto a fonte da obrigação existir.
É no entanto ainda cedo para se emitir pronúncia sobre a consistência da obrigação reclamada, ou sua eficácia, porque só caso a caso será possível determinar se a actuação da Executada continuou ou não a desrespeitar a obrigação exequenda, tarefa que só no final do processo de oposição será possível decidir, ou se entretanto, por outra qualquer razão que como Juízes desconhecemos ainda nesta fase do processo, a obrigação decorrente do contrato firmado que levara à decisão arbitral, veio a ser declarada extinta ou se se tornou inexigível a obrigação.
Improcede por isso o agravo da Executada.

Vejamos agora o Agravo do Exequente:

Entendemos muito pertinente começar por fazer duas pequenas observações:

Com toda a certeza que houve manifesto lapso da Relação ao revogar a decisão da 1.ª instância pelo menos na parte que se relacionava com a quantia já decidida anteriormente pelo Supremo como sendo aquela que era devida ao Exequente pela Executada (€ 81.927,6 até 2000.11.02.), ainda que agora haja de se lhe descontar o crédito que o Exequente veio entretanto a reconhecer dever-lhe, por ter havido já acordo das partes quanto à respectiva compensação.
Assim, quanto mais não fosse, o requerimento para prossecução da execução não poderia ser, pelo menos, totalmente indeferido, já que o Supremo a mandara prosseguir para cobrança da quantia então determinada. (€ 81.927,6)
Só vemos nisso um manifesto lapso dos dois Senhores Juízes Desembargadores que maioritariamente fizeram vencimento na Relação, dada a habitual postura de obediência e de respeito que lhes reconhecemos pelas decisões do Supremo Tribunal de Justiça nos processos em que actuam.

Quanto aos novos pedidos formulados pelo Exequente, entendemos ser apenas exigido que enunciasse os factos onde assenta a imputação de continuação de incumprimento da Executada, pois é nesse eventual incumprimento de obstáculos injustificáveis face ao estipulado no CGT e definido nas decisões arbitrais que brota o direito de crédito que sustenta, e, ao mesmo tempo, permitirá à Executada defender-se através de oposição à Execução.
Olhando agora para o despacho recorrido e para o requerimento executivo de actualização que lhe subjaz, vemos que efectivamente o Exequente continua a imputar à Executada o mesmo tipo de actuação que já lhe vinha fazendo antes, ou seja, o de “não deixar jogar qualquer cliente da Exequente sem haver reserva ou pedido de alteração de jogadores com pelo menos sete dias de antecedência.”, obrigação que a Executada alegadamente lhe continua unilateralmente a impor, apesar de já na decisão anterior do Supremo se considerar esse comportamento como imposição unilateral violadora do título executivo, e no qual assenta a aplicação da sanção pecuniária compulsória prevista no título para a criação de qualquer tipo de obstáculos ao direito de jogar ( € 374,00 = 75.000$00 ao dia determinado no título executivo), e que consubstancia a base previamente definida para a liquidação da quantia exequenda.

Essa alegação afigura-se-nos suficiente para a Executada poder defender-se através de oposição à execução ou ao montante da quantia exequenda. (ex-denominados embargos de executado) no momento próprio.
Assim, consideramos que deve ser dado provimento ao Agravo do Exequente.

III. Decisão

Na negação do segmento do agravo admitido da Executada e no provimento do Agravo do Exequente, revoga-se o Acórdão recorrido quanto à decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo, repondo-se o decidido na primeira instância.
Custas pela Executada em ambos os agravos.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2010
Mário Cruz (Relator)
Garcia Calejo
Hélder Roque