Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02P472
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA MADEIRA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
DISSIMULAÇÃO DE BENS
CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES
JOVEM DELINQUENTE
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
OBJECTO DO RECURSO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MEDIDA DA PENA
ATENUANTES
Nº do Documento: SJ200206200004725
Data do Acordão: 06/20/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 10598/01
Data: 11/07/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIAL.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
DIR PROC PENAL - RECURSOS.
Legislação Nacional: DL 401/82 DE 1982/09/23.
DL 15/93 DE 1993/01/22 ARTIGO 21 N1 ARTIGO 24 B C ARTIGO 23 A.
CPP98 ARTIGO 432 B.
CP95 ARTIGO 30 N1 ARTIGO 71.
Sumário : 1 - É de concurso real, a relação existente entre o crime de tráfico de estupefacientes e o de branqueamento de capitais praticados pelo mesmo agente.
2 - Tratando-se de crime de tráfico agravado de estupefacientes e de subsequente dissimulação de bens, deve considerar-se excluída a possibilidade de aplicação, ao arguido, do regime penal especial para jovens.
3 - Ressalvadas as questões do conhecimento oficioso, os recursos são meios de reformar decisões proferidas e não de obter decisões novas. Assim, os recorrentes não podem questionar, perante o STJ, a perda de bens decretada pela 1º instância, se, antes, o não fizeram no recurso para a Relação.
4 - Ainda que não se justifique a aplicação do regime penal especial para jovens, a pouca idade (17/18 anos) é um factor de valor não despiciendo já que, tratando-se de indivíduos cuja personalidade ainda está em formação, sempre haverá que ponderar a eventual insuficiência de padrões de referência que só a experiência da vida consente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Na 4ª Vara Criminal do Porto, o M.º P.º requereu o julgamento, em processo comum colectivo, dos arguidos A, B e C, todos identificados nos autos, imputando:
a) Aos três arguidos, a co-autoria material de um crime consumado de dissimulação de bens, p. e p. pelo art.º 23º, n.º 1, do Dec.Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;
b) Ao A e à B, também a co-autoria material de um crime consumado de tráfico agravado de estupefacientes, p. e p. pelos art.º 21º, n.º 1, e 24º, als b), c) e l), do citado Dec.Lei n.º 15/93;
c) Ao A, ainda a autoria material de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo art.º 359º, n.º 1 e 2, do C.Penal/95 e da Lei 65/98, de 2 de Setembro; um crime de condução sem carta, p. e p. pelo art. 3º, n.º 2, do Dec.Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro; um crime de detenção de arma proibida (pistola CZ), p. e p. pelo art.º 1º, n.º 1, al. b), e 2, e 6º da Lei 22/97, de 27 de Junho; um crime de detenção de arma proibida (pistola MS), p. e p. pelos art.º 4º do Dec.Lei n.º 48/95, de 15 de Março, e 275º, n.º 3, do C.Penal/95, Lei 65/98, de 2 de Setembro, e art.º 3º, n.º 1, al. f), do Dec.Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril.
Efectuado o julgamento, foi proferido acórdão, pelo qual foram os arguidos condenados nos termos seguintes:
- O A:
- Como co-autor material de um crime de tráfico agravado de estupefacientes, p. e p. pelos art.º 21º, n.º 1, e 24º, als. b) e c), e Tabela I-A do Dec.Lei n.º 15/93, na pena de dez anos de prisão;
- Como co-autor material de um crime de branqueamento simples, p. e p. pelo art.º 23º, nº 1, al. a), do mesmo Dec.Lei n.º 15/93, na pena de oito anos de prisão;
- Como autor material de um crime de detenção de arma proibida (a pistola CZ), p. e p. pelos art.º 1º, n.º 1, al. b), e 2, e 6º da Lei 22/97, na pena de um ano de prisão;
- Como autor material de um crime de detenção de arma proibida (a pistola MS), p. e p. pelos art.º 4º do Dec.Lei n.º 48/95, 275º, n.º 3, do C.Penal, na redacção do art.º 1º da Lei 65/98, e 3º, n.º 1, al. f), do Dec.Lei n.º 207-A/75, na pena de um ano de prisão;
- Como autor material de um crime de condução de motociclo e automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, n.º 2, do Dec.Lei n.º 2/98, na pena de um ano de prisão;
- Como autor material de um crime de falsas declarações quanto aos seus antecedentes criminais, p. e p. pelo art.º 359º, n.º 2, do C.Penal, na pena de um ano de prisão;
Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi o A condenado na a pena única de catorze anos de prisão.
- A " B":
- Como co-autora material de um crime de tráfico agravado de estupefacientes, p. e p. pelos art.º 21º, n.º 1, e 24º, als b) e c), e Tabela I-A do Dec.Lei n.º 15/93, na pena de nove anos de prisão.
- Como co-autora material de um crime de branqueamento simples, p. e p. pelo art.º 23º, n.º 1, al. a), do mesmo Dec.Lei n.º 15/93, na pena de sete anos de prisão.
Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi a B condenada na pena única de doze anos de prisão.
- A C, como co-autora material de um crime de branqueamento agravado, p. e p. pelos art.º 23º, n.º 1, al. c), e 24º, al. b), do citado Dec.Lei n.º 15/93, na pena de três anos e seis meses de prisão. Ao abrigo dos art.º 35º, n.º 1 e 2, e 36º, n.º 2 e 3, do mesmo Dec.Lei n.º 15/93, foi declarada a perda a favor do Estado de todos os bens apreendidos, designadamente, produtos estupefacientes, sacos plásticos, bolsa e dinheiros, telemóveis, carregador, sinalizador, spray, binóculos, artefactos, armas, carregadores, munições, veículos motorizados e capacetes, que constituíram instrumento ou produto das actividades de tráfico de estupefacientes ou de branqueamento desenvolvidas pelo A e B.
Finalmente, foram ainda os arguidos condenados nas custas.
Inconformados com esta decisão os arguidos recorreram à Relação do Porto, que, por acórdão de 7/11/01, além do mais:
a) concedeu provimento ao recurso da arguida C, revogando o acórdão recorrido na parte em que a condenou pela prática do crime de dissimulação de bens, p. e p. pelo art.º 23º, n.º 1, al. c), e 24º, al. b), do Dec.Lei n.º 15/93, que lhe fora imputado, crime de que a arguida foi então absolvida;
b) concedeu provimento parcial aos recursos dos arguidos A e B, alterando o mesmo acórdão nos termos seguintes:
1. condenou o arguido A, pelo crime de tráfico agravado de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1, e 24º, al. b) e c), do citado Dec.Lei, na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, e pelo crime de dissimulação de bens, p. e p. pelo art.º 23º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
e, em cúmulo jurídico com as demais penas parcelares impostas ao arguido na 1ª instância e que se mantêm, condenar o arguido na pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão;
2. condenou a arguida B, pelo mesmo crime de tráfico agravado de estupefacientes, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, e pelo crime de dissimulação de bens, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.
3. revogou a decisão da 1.ª instância na parte em que declarou a perda a favor do Estado dos artefactos em ouro que, na ocasião da busca a que se procedeu às suas residências, os arguidos A e B usavam no seu corpo e então lhes foram apreendidos, objectos cuja restituição aos arguidos ordenou;
c) confirmou, em tudo o mais, o acórdão recorrido.
De novo inconformados, recorreram, agora a este Supremo Tribunal, os arguidos A e B, culminando a respectiva motivação com o extenso e processualmente inadequado (1) teor conclusivo que segue transcrito ipsis verbis:
"Em conclusão:
I. Verifica-se violação dos seguintes normativos:
O crime de Dissimulação de bens, não pode ser aplicado ao próprio arguido, conforme se pode se pode aferir de acórdão do S. T . J, de 15 de Março de 2000, com origem no proc. n. 16.00 da 5.ª. Vara Criminal de Lisboa.
O arguido detinha tais quantitativos monetários em conta própria e por este titulada, não investiu o dinheiro em títulos ou acções, isso sim poderia evidenciar conduta de eventual branqueamento, é caso para questionar qual a diferença entre o dinheiro depositado no banco e guardado num colchão.
A simples posse do dinheiro traduz " Branqueamento"?!
O crime de Dissimulação pressupõe, ocultar a sua proveniência de forma a furtar-se à acção da justiça, o que não é certamente o caso de quem titula, movimenta, levanta, deposita, gere duas contas, o que foi o caso do A.
A titulo de exemplo sempre se dirá o arguido que faz o furto não é o mesmo que faz a receptação são crimes distintos entre si, e nos presentes autos o apuro da venda levou à indiciação por tráfico agravado.
Ao incriminar-se o arguido está-se igualmente a violar o art.º. 1 do C.P. princípio da legalidade.
No que refere à dissimulação de bens por parte da arguida a matéria provada é insuficiente, nos termos do art.º 410 n°. 2 refere-se apenas que a arguida depositou dinheiro na conta do A, ter-se a que ter em conta a relação de afectividade, ademais a arguida não titulou tais montantes na conta dela mas do arguido, sendo normal o seu acompanhamento com o arguido pelo a arguida deverá ser absolvida do crime de branqueamento e capitais, e tal a não se entender deveria ser condenada a titulo de cumplicidade e não Co-autora, limita-se num mero auxilio, os depósitos poderiam ser efectuados sem a sua pessoa, e prova disso é que o foram inúmeras vezes, pelo próprio A, o que fez qualquer pessoa o faria, a sua conduta não é determinante.
O mesmo se diz no que refere ao crime de tráfico de estupefacientes não se refere qualquer acto de execução praticado por esta, vista á janela, com o A não integra qualquer acto incriminador, e muito menos pelas agravantes não se provam preços, margens de venda, rendimentos por parte, da B.
A não se entender tal a pena aplicada à arguida deveria situar-se no limite mínimo.
Sem prescindir
Foi violado o regime especial para jovens delinquentes D.L. 401/82, de 23 de Setembro.
O tribunal salvo o devido respeito, "esqueceu-se " no caso sub judice do espírito pedagógico e ressocializador de que o nosso Cód. está imbuído, sendo certo que é do domínio publico que as cadeias funcionam como escolas de crime e propagação de doenças.
Se tal é uma realidade, aliado à tenra idade, 17 anos e 18 anos respectivamente, sendo certo que o A é a primeira vez que delinquiu, neste tipo de crime, e no que refere á arguida B ausência total de antecedentes criminais, primária, inserida sócio profissionalmente.
Verdade que os A não prestou depoimento, optou por exercer um direito legal que lhe está consagrado, mas não podemos por uma conduta que tem cobertura legal penalizar o arguido, mais do que a confissão dos arguidos, a sua personalidade, a sua maneira de estar resulta do seu comportamento antes durante e após, da capacidade de interiorizarem a pena no sentido reeducador, no que refere à B esta deu provas ao processo que evidencia uma prognose favorável processo de reinserção citámos" a B vive com a avó materna, cuida de um irmão com deficiência mental (factos provados).
Embora a aplicação de tal normativo fique ao critério do julgador, entendemos que mais do que a postura processual, muitas vezes aconselhada pela própria defesa, e pela pressão do próprio julgamento, de quem se vê pela primeira vez num processo desta natureza, deve ser aferida, por todo um conjunto de situações no seu todo, sendo certo que entendemos que o relatório social efectuado por técnicos especializados, é de facto o instrumento mais importante para se poder decidir tal, e embora o tribunal se socorra do mesmo para fundamentar o acórdão, na aplicação deste normativo ignorou-o o que não deveria ter acontecido atenta a gravidade dos crimes, e a tenríssima idade dos arguidos, que quiçá tivessem tido outras oportunidades de vida, não estariam na situação em que se encontram e ainda andariam nos bancos de escola-
3. Foram indevidamente declarados perdidos a favor do estado os quantitativos depositados anteriormente à data da instauração do presente inquérito, extravasando-se o âmbito da acusação.
Na verdade, a noticia do crime surge em Janeiro de 1999 tendo sido solicitadas buscas domiciliárias em 28 de Janeiro de 1999 e concretizadas em Maio seguinte.
Nesta sequência a Caixa Geral de depósitos comunica em 26 de Março de 1999.
Inexiste qualquer referência a datas anteriores nomeadamente à data de Abertura de conta 27 de Março de 1998,
Forçoso, será de concluir que foram indevidamente declarados perdidos a favor do estado, os depósitos efectuados anteriormente a Janeiro de 1999, não se vislumbrando a origem de tal decisão, aliás constata-se que o arguido nesta data tinha 16 anos e que exercia actividade profissional conforme é referido no acórdão e constata-se que é extravasado o âmbito da acusação, data da instauração do respectivo inquérito e circunstancialismo inerente.
4. Da medida da pena aplicada aos arguido A e B: Summum jus Suma injuria.
A medida da pena, além da sua necessidade terá que ter em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agente, sendo certo que na sua determinação ter-se-á que entrar em linha de conta que se deve evitar a dessocialização do agente.
Entende a defesa que nas penas o tribunal " a quo" não alterou as penas impostas ao arguido A quanto aos crimes de detenção de arma proibida (dois) de condução de motociclo e automóvel sem habilitação legal e de falsas declarações quanto aos seus antecedentes criminais nas quais foi condenado nas penas de um ano de prisão, por considerar que não foram questionadas e porque não viram razão para alterar.
O recorrente questionou as penas parcelares impostas na globalidade pelo que também nesta parte não pode deixar de considerar injusta o quantum da pena individualmente considerada a cada um dos crimes mencionados.
Ao aplicar penas tão excessivas, e severas que foram inclusive objecto de é noticia publica, e só por isso sobressaíram conforme se pode colher de recorte de jornal incluso aos autos, atenta a grandeza imposta, e se é verdade que o crime de tráfico de droga provoca alarme social pois a opinião publica preocupa-se com este flagelo não é menos verdade que tais condenações atenta a severidade a que foram votadas provocaram igualmente alarme social, atenta a desconformidade com casos idênticos.
O tribunal não teve em conta a sua jovem idade, 17 anos, 18 anos, ao aplicar-se uma pena desta natureza aos arguidos é ceifar de forma drástica, cruel e desumana toda a possibilidade de ressocialização futura, sendo certo que se encontravam ambos em formação de personalidade, veja-se que o A teve o pai detido, faleceu-lhe a mãe em período recente, era um jovem, sem orientação, influenciado pelo meio social donde era oriundo, bairro conotado com a prática de crimes, e que vai ser seriamente afectado pelo meio onde se encontra, igualmente no que refere á B que embora jovem já era o sustentáculo do agregado, atenta a detenção dos pais e irmão deficiente, a aplicar-se uma pena desta natureza está-se a criar um estigma que os marcará para toda um a vida futura.
Inúmeras circunstâncias militam a favor dos arguidos veja-se o teor dos relatórios sociais que se dão ora por reproduzidos. O A, pese ter idade escolar, já desempenhava actividades profissionais, está inserido no estabelecimento revelando um comportamento adaptada ás normas institucionais.
A arguida B está em regime de apresentações, em liberdade integrada socio-profissionalmente, sendo o sustentáculo do seu agregado familiar, revela uma personalidade adaptada, e pese os factos se reportarem acerca de quase três anos e estando em liberdade não mais delinquiu o que vem na esteira do evidenciado no seu relatório Social incluso aos autos, o tribunal ao aplicar as penas aos arguidos destruiu toda a possibilidade de ressocialização futura, alheando-se do facto que estavam em formação de personalidade e que são fruto de uma conjuntura social desfavorável detenção de progenitores, morte de outro meio adverso, falta de estruturas), não tendo mente criminosa" são metidos no crime quiçá por circunstâncias adversas à sua vontade, termina-se dizendo quem não faz asneiras na adolescência ?
É Obvio que estamos a falar de "asneira", considerada crime e grave, mas não podemos olvidar a adolescência patente e patenteada em toda a conduta evidenciada.
O Foram também violados os artigos 71 e seguintes do Cod. Penal.
Caso seja outro o entendimento de V. Ex.cia.
4. O acórdão recorrido deverá ser revogado por outro que absolva os arguidos do crime de Dissimulação de Bens e condenar-se os arguidos por um crime de tráfico de estupefacientes da previsão do art.º 21.º, n.º 1, com a agravação do art.º. 24 alínea c) em relação ao A e no que refere à B que pugnámos pela pena a titulo de cumplicidade e tão somente conduta sem qualquer agravante, pois dos factos apurados não se provou qualquer venda efectuada por esta tão pouco, diz-se que é vista com o A, à janela, não se dá como provado qualquer acto de execução praticado por esta, nem vendas nem lucros, os dinheiros não os podia movimentar conforme se afere dos autos.
A pena dos arguidos atenta a tenra idade á data da prática dos factos devem ser especialmente atenuadas
Decidindo em conformidade será feita melhor justiça!"

Terminam por formular o pedido de alegações por escrito.

Respondeu o MP junto do tribunal recorrido, defendendo o julgado.
Subidos os autos, manifestou-se a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, declarando que o MP se opunha às requeridas alegações por escrito.
Mas por despacho do relator, foi considerado que tal oposição era extemporânea.
A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, requereu a submissão à conferência, daquele despacho do relator. Mas por acórdão de 2/5/02 - fls. 913 a 918 - o STJ, em conferência, confirmou-o na íntegra.
Apresentou então o MP alegações escritas, secundando a resposta à motivação apresentada no tribunal da Relação.
Porém, os arguido não produziram as requeridas alegações escritas.
O que significa que ficou precludido o direito de as produzirem sem que tal implique o regresso ao regime geral das alegações orais, tal como foi decidido em caso idêntico, no recurso n.º 2765/00-5, com o mesmo relator deste, pelas razões que aqui se têm como reproduzidas. Assim, sendo os autos sertão julgados em conferência, tal como se os requerentes tivessem produzido as mencionadas alegações escritas.

2. Colhidos os vistos legais, cumpre, assim, decidir.

As questões que se surpreendem na motivação recursiva são assim sumariadas:
1. Não há concurso entre o crime precedente (no caso de tráfico de estupefacientes) e o de «branqueamento de capitais», quando da mesma autoria;
2. Os recorrentes, atenta a sua idade - 17 e 18 anos respectivamente -, deveriam ter beneficiado do regime especial para jovens delinquentes, previsto no D.L. n.º 401/82, de 23 de Setembro;
3. Foram indevidamente declarados perdidos a favor do Estado os quantitativos depositados anteriormente à instauração do presente inquérito, extravasando-se o âmbito da acusação;
4. São exageradas as penas concretas aplicadas aos recorrentes;

Em todo o caso, os recorrentes devem ser absolvidos do crime de dissimulação de bens, o A condenado pela prática do crime do artigo 21.º, n.º 1, com agravação do art.º 24.º, c), do DL n.º 15/93, de 22/1, e a B como mera cúmplice, penas que devem ser especialmente atenuadas.
Vejamos os factos que as instâncias deram como provados:
Mercê da actividade de agentes, designadamente das BAC do Porto da PSP de combate ao tráfico e consumo de droga no Bairro S. João de Deus, Porto, policialmente constatados os afluxos de indivíduos de ambos os sexos à Entrada 91 da Rua A, os quais, quando interceptados, inclusive na posse de pequenas embalagens, contendo heroína ou cocaína, verbalizavam àqueles agentes, como local de venda desses produtos, a habitação 1º d.to daquela Entrada 91, a qual, desde algum tempo depois de 29/5/97, era maritalmente partilhada pelos arguidos A e B, cujas deambulações, a uma qualquer hora do dia, pelas Ruas do Bairro e presença de AMBOS ou apenas da B a 1 das 2 janelas da frente da aludida habitação era policialmente percepcionada naquele Bairro.
Judicialmente autorizada a realização de buscas domiciliárias a tal habitação e à residência entretanto policialmente conhecida como sendo a de pernoita do A e da B, distante daqueloutra habitação entre 600 e 700 metros e sita na próxima Urbanização ........., Entrada ......., 3º, dt.º, Porto, a elas se procedeu em 25/5/99, em acção conjunta e concertada das BAC do Porto da PSP com a PJ do Porto, posto que:
Desde logo, esta Directoria recebera, em 26.3.99, o Inquérito n.º 2341/99.9 TDPRT-A, por despacho de 11.6.99 apensado ao Inquérito n.º 10/99.9 P6PRT-C que deu origem a este CC 27/2000, aqueles autos com origem no ofício, de 8.3.99, da Direcção de Auditoria e Inspecção da Caixa Geral de Depósitos, documentalmente instruído, denunciando a existência de 2 contas de depósito, abertas em 27.3.98 na Agência da Areosa pelo A, que então declarara ser mecânico, e logo autorizara a C a movimentá-las, apresentando saldos a favor do A nos valores de 154.433$00 na conta à ordem e 13.727.312$50 na conta poupança projecto, onde tinham sido efectuados, entre 27.3.98 e 4.2.99, 13 depósitos em numerário de montantes oscilando entre 300.000$00 e 1.600.000$00, sendo que, judicialmente ordenada, em 12.5.99, a apreensão dos saldos bancários, a tal se procedeu em 25.5.99, constatando-se depositados 154.433$0 na conta à ordem e 22.846.827$00 na conta poupança projecto, como saldo, quer contabilístico quer disponível, de cada uma delas;
Depois, pelas 20h 30m daquele 25.5.99, um indivíduo que solicitou o anonimato denunciou telefonicamente às BAC do Porto da PSP que a B, filha da C, tinha penetrado naquela Entrada 91, nas proximidades da qual já se encontravam dezenas de indivíduos aparentando serem consumidores e toxicodependentes.
Pelo exposto, além de agentes afectados ao perímetro de segurança, foram constituídas 2 equipas de abordagem, tantas quantas as residências a buscar.
Assim que os Guardas se apearam do veículo automóvel perto da Entrada 91, há muito referenciado naquele Bairro como utilizado no serviço das BAC do Porto da PSP, a B, que se encontrava à janela da sala da habitação 1º Dto em missão de vigia da ½ inicial da referida Rua A, apercebendo-se da iminência de busca domiciliária, logo se retirou da janela e alertou o A que, de uma só vez, conseguiu arremessar para o exterior daquela habitação 1º d.to pela janela da cozinha sita às traseiras:
Um saco plástico, acondicionando 227 pequenas embalagens de plástico recortado, com o peso bruto total aproximado de 64,49 gramas, contendo produto em pó de cor creme, aparentando tratar-se de heroína, assim vulgo "panfletos" ou "pacotes", o qual, posteriormente submetido na SITESP do Porto da PSP a Teste Rápido para detecção da presença de tal estupefaciente, deu resultado positivo;
Uma caixa plástica, de cor preta, com a marca CZ, constituindo o estojo de transporte de comercialização das armas de tal marca, o qual acondicionava uma pistola semi automática de calibre 22 Long Rifle (equivalente a 5,6 mm no sistema métrico), marca CZ (Ceska Zbrojovka), modelo 75 Kadet, com o número de série rasurado, de origem checa, provavelmente fabricada em 1997, respectivos 2 carregadores, e uma caixa de plástico, acondicionando 76 munições de calibre 22 Long Rifle (equivalente a 5,6 mm no sistema métrico), sendo 40 da marca Remington e 36 da marca CCI, ambas de origem norte americana e todas com projéctil do tipo Hight Velocity, como melhor documentado na Foto da ½ inferior de fls. 86/I,
Tendo os Guardas prontamente acedido ao interior daquela habitação 1º d.to, por terem encontrado entreaberta a respectiva porta de entrada, no momento em que o A, junto ao parapeito da janela da cozinha, concluía o gesto de lançamento daqueles saco plástico e caixa com descritos conteúdos, prontamente recuperados do solo por outro Guarda.
Entrados os Agentes no interior da buscada habitação 1º d.to da Rua A, no quarto do casal A e B, donde esta fora vista sair, foi encontrado e apreendido:
Em cima da cama:
Uma bolsa de toilette, de cores azul, branco e amarelo e com a inscrição Royal Marine, como melhor documentado na Foto da ½ superior de fls. 97, sem qualquer valor comercial, a qual continha as seguintes notas do Banco de Portugal: 3 de 10.000$00, 67 de 5.000$00, 105 2.000$00 e 125 de 1.000$00, perfazendo a quantia total de 700.000$00;
Os seguintes 43 artefactos em metal amarelo: 9 pulseiras; 4 fios, tendo 1 coração, 1 crucifixo, 1 medalha, 1 crucifixo; 15 anéis; 4 argolas; 3 medalhas; 1 figa; 1 mão; 1 corno; e 1 par de brincos com pedras brancas, melhor documentados na Foto da ½ inferior de 97/I;
1 telemóvel, marca Nokia, modelo GSM, com bateria respectiva e o IMEI n.º 490544-10-391 317-8, tendo nele introduzido um cartão da operadora Optimus com o n.º 120101515428, usado e sem qualquer valor comercial;
Em cima da mesinha de cabeceira do lado da janela:
1 saca em plástico contendo a granel as seguintes notas do Banco de Portugal: 12 de 5.000$00, 49 de 2.000$00, 150 de 1.000$00, 117 de 500$00, perfazendo a quantia total de 366.500$00, e ainda 54.230$00 em moedas;
E dispersos por tal quarto do casal, onde foi vista roupa da B própria para uso exterior:
1 talão com indicação do PIN (3535) do PUK (49021808) e de Código (893510312010151 5428) relativos ao telemóvel Nokia 5110 que operava na rede Optimus com o n.º 0933 842 25 58, papel a fls. 52/I;
1 talão com indicação do PIN (9012) do PUK (11756489) e de Código (893510302010158 0432), relativos ao telemóvel Ericsson GF 788 que operava na rede Optimus com o n.º 0933 636 54 59, papel a fls. 52/I; e
1 cartão, a fls. 52/I, de recarregamento por Multibanco relativo ao produto Optimus Boomerang e telefone n.º 09338422558.
Já coarctada a liberdade de movimentação do A e B no interior da habitação 1º d.to, integrada também pelo W.C. apenas, prosseguiu tal busca, mais tendo os Agentes das BAC do Porto da PSP encontrado e sido apreendidos:
Na gaveta da cómoda existente no quarto ao fundo da habitação 1º d.to e à esquerda para quem nela entra:
1 pistola transformada, inicialmente de calibre nominal 8 mm e destinada unicamente a deflagrar munições de gás lacrimogéneo ou alarme, mas depois adaptada para disparar munições com projéctil, assim tratando-se actualmente de pistola semi automática, de calibre 6,35 mm Browning (.25 ACP ou .25 AUTO na designação anglo-americana), de provável marca MS (Mayer & Sohne), modelo G8, sem número de série visível, de fabrico alemão e munida do respectivo carregador, apresentando-se com a sua superfície metálica cromada, tendo sido ocultadas as inscrições originais e apostas as inscrições "BROWNING CAL 6,35" bem como um falso logotipo da marca FN - Fabrique Nationale - Bélgica, municiada com 6 munições de calibre 6,35 mm Browning (.25 ACP ou .25 AUTO na designação anglo-americana), de marca GFL / FIOCCHI, de origem italiana, como melhor documentado na foto da ½ superior de fls. 96/I;
1 porta chaves com mecanismo comportando laser de direcção, vulgo "sinalizador luminoso", sem qualquer valor comercial;
Na sala:
Em cima do móvel de sala:
1 botija de spray neutralizante, marca Nidja, melhor documentado na foto da ½ inferior de fls. 98/I, sem qualquer valor comercial;
1 par de binóculos, de cor preta, marca Carena Laser 10 x 50, em razoável estado de conservação, no valor comercial atribuído de 2.000$00;
1 carregador de telemóvel, modelo HKA-0930EC-230, sem qualquer valor comercial;
vários sacos plásticos transparentes;
1 telemóvel marca Ericsson modelo GF 788e, com bateria respectiva e o IMEI n.º 520003-19-255257-0, tendo nele introduzido o cartão da operadora Optimus com o n.º 02010158 0432, usado e sem qualquer valor comercial;
No interior do móvel de sala:
1 embalagem de plástico contendo um produto em pó de cor branca com o peso bruto total aproximado de 269,82 gramas, o qual posteriormente submetido na SITESP do PRT da PSP a Teste Rápido para detecção da presença de cocaína, deu resultado negativo;
E ainda, dispersos na sala:
173 pequenos plásticos com tesoura recortados de saco plástico, juntos a fls. 53/I e 54/I, apresentando aqueles dimensões adequadas a ulteriores acondicionamento de produtos estupefacientes para venda ao consumidor final destes;
1 Caderneta da Caixa Geral de Depósitos, a fls. 51/I, relativa à conta de depósitos à ordem n.º 0103024659000 titulada única e exclusivamente, desde 27.3.98, pelo Ana Agência da Areosa - Porto documentando as seguintes movimentações nela efectuadas:
A abertura da mesma em 27.3.98 com o depósito de 300.000$00,
O levantamento de 5.000$00 em 17.4.98,
O levantamento de 5.000$00 em 17.4.98,
O levantamento de 40.000$00 em 05.5.99,
O levantamento de 40.000$00 em 09.5.98,
O levantamento de 200.000$00 em 14.7.98,
O depósito de 250.000$00 em 12.8.98,
O levantamento de 54.970$00 em 14.10.98,
O levantamento de 51.820$00 em 04.12.98,
Então apresentando saldo credor a favor do A de 153.210$00;
1 Caderneta da Caixa Geral de Depósitos, a fls. 50/I, relativa a uma conta especial de depósito a prazo, denominada Caixa Projecto n.º 0103024659 927 titulada única e exclusivamente, desde 27.3.98, pelo A, na Agência da Areosa - Porto, documentando as seguintes movimentações nelas efectuadas:
A abertura da mesma, em 27.3.98, com o depósito de 700.000$00,
O depósito de 300.000$00 em 20.5.98,
O depósito de 500.000$00 em 12.6.98,
O depósito de 500.000$00 em 02.7.98,
O depósito de 1.000.000$00 em 12.8.98,
O depósito de 1.100.000$00 em 14.9.98,
O crédito de 27.312$50 em 24.9.98 por juros vencidos,
O depósito de 900.000$00 em 30.9.98,
O depósito de 1.000.000$00 em 14.10.98,
O depósito de 500.000$00 em 21.10.98,
O depósito de 1.600.000$00 em 27.11.98,
O levantamento de 1.000.000$00 em 04.12.98,
O depósito de 1.500.000$00 em 05.1.99,
O depósito de 1.500.000$00 em 20.1.99,
O depósito de 1.400.000$00 em 04.2.99,
O depósito de 700.000$00 em 11.2.99,
O depósito de 1.500.000$00 em 02.3.99,
O depósito de 1.500.000$00 em 12.3.99,
O crédito de 119.514$50 em 24.3.99 por juros vencidos,
O depósito de 1.400.000$00 em 24.3.99,
O depósito de 1.000.000$00 em 30.3.99,
O depósito de 1.450.000$00 em 16.4.99,
O depósito de 900.000$00 em 23.4.99,
O depósito de 1.450.000$00 em 03.5.99,
O depósito de 1.300.000$00 em 12.5.99,
apresentando saldo credor a favor do A no total de 22.846.827$00 ou 113 959.49 Euros;
Vários papéis juntos a fls. 55/I a 68/I, salientando-se o talão de pedido, da B à TV Shop, de 1 aparelho de ginástica denominado smart gym, no valor de 13.900$00, pagos pelo A, pedido aquele efectuado em nome da B, indicando-se como residência a buscada habitação 1º d.to; 38.680$00 em notas e moedas do Banco de Portugal, dinheiro este encontrado solto;
E ainda, dispersos na habitação 1º d.to:
1 saca plástica contendo 1 cartão de telemóvel da operadora TMN com o n.º 0000023553 280, sem qualquer valor comercial;
1 capacete da marca Shoei, amarelo e preto, para motociclista, documentado na foto da ½ superior de fls. 98/I, sem qualquer valor comercial;
1 capacete da marca Bell Helmets, modelo GR 1300, branco e encarnado, para motociclista, documentado na foto da ½ superior de fls. 98/I, sem qualquer valor comercial.
Mais foram encontrados e apreendidos pelos Agentes das BAC do Porto da PSP, os seguintes veículos motorizados, estacionados junto da referida Entrada 91, já sobejamente conhecidos daqueles Agentes como sendo sempre conduzidos pelo A:
O motociclo marca Honda, modelo CBR600F, 599 cc, a gasolina, de 1993 com lotação de 2 passageiros, cores azul e vermelha, matrícula CP e suas chaves, documentado fotograficamente a fls. 95/I, em bom estado de conservação quando examinado em 12.10.99, apresentando 18.857 km, no valor comercial então atribuído de 350.000$00;
O veículo automóvel, ligeiro de passageiros, serviço particular, marca Opel, modelo Astra GSI 16V, 1799 cc, a gasolina, de 1993, 3 portas, 5 lugares inclusive condutor, cor vermelha, matrícula KD, equipado com 1 auto rádio marca Sony modelo XR C5100R e 1 caixa própria para compact disc marca Sony montado na mala do veículo e "kitado" com jantes especiais de liga leve, pára choques dianteiro e traseiro e embaladeiras laterais a acompanhar, e 2 molhos das respectivas chaves com os comandos, documentado fotograficamente a fls. 94/I, em bom estado de conservação quando examinado em 12.10.99, apresentando 90.195 km, no valor comercial então atribuído de 1.400.000$00;
Foi ainda apreendido ao A, que tinha no seu corpo, os seguintes artefactos, em metal amarelo quando não expressamente indicado diversamente:
1 anel com uma pedra de cor preta,
1 anel em metal amarelo e branco com 1 pedra brilhante de cor branca,
1 anel com 10 pedras brilhantes de cor branca,
1 fio com 1 medalha com a cara de Cristo,
2 pulseiras,
1 relógio de pulso, marca Swatch, de cor azul tal como a sua pulseira, em razoável estado de conservação, no valor comercial de 2.000$00.
E foram apreendidos à B, que tinha no seu corpo, os seguintes artefactos, em metal amarelo quando não expressamente indicado diversamente:
1 volta com 5 bolas,
1 volta com 1 coração e 7 pedras de cor branca,
1 pulseira com 4 bolas,
1 pulseira com 3 corações,
2 argolas, 1 com crucifixo, a outra com uma mão,
1 anel com 9 pedras de em cor branca,
1 anel,
1 anel com 1 pedra de cor vermelha,
1 anel de criança com 1 pedra em cor branca.
Conduzida a B à residência onde, desde data não apurada concretamente, mas não anterior a Abril/98, A e B diariamente vinham maritalmente pernoitando, o ...... d.to da Entrada ..... na Urbanização Vale da Figueira, próxima do Bairro S. João de Deus, Porto, foi realizada a busca domiciliária, nada de ilícito ou comprometedor para A e B tendo ali sido encontrado, assim confirmando-se a policialmente representada separação de actividades (ilícitas/lícitas) e de residências (sobejamente referenciada/não referenciada), respectivamente.
Uma vez detidos o A e a B, em 25.5.99, após primeiro interrogatório judicial, em 26.5.99, foi-lhes aplicada: ao A a prisão preventiva; à B, a liberdade mediante apresentações todas as quartas e sábados entre as 10h e as 20h no posto policial da área de sua residência; medidas de coacção sucessivamente mantidas até esta data.
Ulteriormente submetido o produto contido nos 227 "pacotes" com o peso bruto de 61,5 gr. a exame no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária (adiante LPC da PJ), confirmou-se a presença de heroína com grau de pureza não determinado no produto com o peso líquido de 32,383 gr., sendo 29,117 gr. a tara estimada e 32,368 gr. o estimado peso líquido da amostra cofre.
Ulteriormente submetido o produto de cor branca contido na embalagem com o peso bruto total de 270,800 gr. a exame no LPC da PJ, não se detectou a presença naquele de alguma das substâncias abrangidas pela legislação vigente sobre estupefacientes e psicotrópicos.
Em 30.9.99, submetidos a exame directo e avaliação os artefactos em metal, amarelo, se não expressamente indicado diversamente, apreendidos alguns no corpo de A e B e os demais no decurso da busca à habitação 1º d.to, precisou-se serem:
1. 1 pulseira, formada por 4 secções de malha dupla, em forma de cilindro e unida por argolas, em razoável estado de conservação, pesando 17,75 gr., com o valor comercial aproximado de 17.750$00;
2. 1 pulseira em malha tipo cadeado, malha larga com fracções lisas e outras trabalhadas, em razoável estado de conservação, pesando 39,24 gr., com o valor comercial aproximado de 39.240$00;
3. 1 pulseira com malha em argolas e losangos, em razoável estado de conservação, pesando 27,36 gr., com o valor comercial aproximado de 27.360$00;
4. 1 pulseira com malha dupla e larga, em razoável estado de conservação, pesando 33,6 gr., com o valor comercial aproximado de 33.600$00;
5. 1 pulseira com malha em forma oval, em razoável estado de conservação, pesando 10,48 gr., com o valor comercial aproximado de 10.480$00;
6. 1 pulseira com malha fina, com placa com a inscrição "21-2-90", em mau estado de conservação (partida), pesando 2,2 gr., com o valor comercial aproximado de 2.200$00;
7. 1 pulseira com malha em dois formatos, com placa, em razoável estado de conservação, pesando 2,64 gr., com o valor comercial aproximado de 2.640$00;
8. 1 pulseira com malha fina, contendo 3 bolas em cor cinza, em mau estado de conservação (partida), pesando 1,99 gr., com o valor comercial aproximado de 1.990$00;
9. 1 pulseira com malha em 2 formatos, em razoável estado de conservação, pesando 2,38 gr., com o valor comercial aproximado de 2.380$00;
10. 1 pulseira em malha batida, com 3 corações, pesando 4,14 gr., com o valor comercial aproximado de 4.140$00;
11. 1 pulseira com malha fina e cilindros, com 4 bolas, pesando 2,71 gr., com o valor comercial aproximado de 2.710$00;
12. 2 pulseiras em malha dupla, pesando 37,37 gr., com o valor comercial aproximado de 37.370$00;
13. 1 volta em malha larga, com crucifixo de "Jesus Cristo", em razoável estado de conservação, pesando 68,89 gr., com o valor comercial aproximado de 68.890$00;
14. 1 volta em malha batida, com medalha representando um crucifixo em razoável estado de conservação, pesando 10,42 gr., com o valor comercial aproximado de 10.420$00;
15. 1 volta em malha fina, com coração, em razoável estado de conservação, pesando 4,02 gr., com o valor comercial aproximado de 4.020$00;
16. 1 volta em malha fina, em mau estado de conservação (partida), com medalha letra "A", pesando 2,87 gr., com o valor comercial aproximado de 2.870$00);
17. 1 volta em malha enroscada, com 5 bolas, em razoável estado de conservação, pesando 32,47 gr., com o valor comercial aproximado de 32.470$00;
18. 1 volta em malha enroscada, com coração, em razoável estado de conservação, pesando 32,17 gr., com o valor comercial aproximado de 32.170$00;
19. 1 volta em malha dupla, com placa com esfinge de "Cristo", em razoável estado de conservação, pesando 32,70 gr., com o valor comercial aproximado de 37.700$00;
20. 10 anéis, com pedras de várias cores e feitios, sendo que um que possui uma pedra encarnada encontra-se partido e os restantes em razoável estado conservação, com o peso total de 53,99 gr. e o valor comercial aproximado de 53.990$00;
21. 10 anéis sem pedras, vários formatos, em razoável estado de conservação, pesando 80,74 gr., com o valor comercial aproximado de 80.740$00;
22. 1 aliança, sem qualquer gravação, em razoável estado de conservação, pesando 2,22 gr. e o valor comercial aproximado de 2.220$00;
23. 1 anel com argola partida, pesando 0,6 gr. e com o valor comercial de 600$00;
24. 4 argolas, duas formando um par, pesando 8,07 gr. e o valor comercial aproximado de 8.070$00;
25. 1 medalha com a inscrição de duas letras, pesando 2,8 gr. e o valor comercial aproximado de 2.800$00;
26. 2 medalhas, uma em forma de "Anjo" e outra representando uma criança de joelhos, pesando 1,95 gr. e o valor comercial aproximado de 1.950$00;
27. 4 brincos, dois formando um par, pesando 2,41 gr. e o valor comercial aproximado de 2.410$00;
28. 3 peças, uma em forma de ½ lua, outra em forma de punho e outra em forma de corno, com o peso total de 0,55 gr. e o valor comercial de 550$00;
29. 2 argolas, uma com um punho e outra com crucifixo, com o peso total de 3,33 gr. e o valor comercial aproximado de 3.330$00.
Já abundando consideráveis rendimentos pecuniários líquidos da actividade de tráfico de A e B, no dia 27.3.98, o A, então com apenas 16 anos 5 meses 25 dias, e a C, "sogra" dele posto que mãe da B, companheira do A como se marido e mulher fossem, dirigiram-se à Agência da Areosa-Porto da C.G.Depósitos, onde o A, que anteriormente ali se informara das condições em que podia titular depósitos, então solicitou a abertura concretizada não só de uma Conta de Depósitos à Ordem, que recebeu o n.º 0103024659000, mas também de uma conta especial de depósito a prazo, denominada Conta Poupança Caixa Projecto, que recebeu o n.º 0103024659927, produto bancário este com um regime especial, quer de remuneração, semestral, em função do montante total depositado, por crédito imediato dos juros vencidos na própria conta, capitalizando-se e com taxa de juro superior ao de um corrente depósito a prazo, quer funcional, concebido de sorte a facilitar ao respectivo titular, até aos seus 30 anos de idade, ulterior concessão de crédito em melhores condições comerciais que as correntes no mercado das normais operações bancárias activas de crédito, para apoiar um investimento futuro ao nível de uma licenciatura ou de uma actividade profissional dispendiosas.
Ademais, não obstante o A, desde os 15 anos, poder ser titular exclusivo de conta bancária de depósitos susceptível de ser movimentada exclusivamente por si, nos termos e pelo modo que entendesse, apenas se exceptuando a celebração com o banco da convenção de uso de cheque, o A solicitou não só a abertura dessas 2 contas, na qualidade de único e exclusivo titular das mesmas, mas concomitantemente concedeu à sua "sogra" C, que, para tanto, com ele se deslocara àquela Agência, autorização de movimentação dessas contas, sendo que a C não ignorava a actividade de tráfico desenvolvida por sua filha B e "genro" A que, perante o funcionário bancário que o atendeu, propositadamente alegou ser mecânico auto de profissão;
e não ignorando a C que o A trabalhara algum tempo, em 1996 ou 1997, apenas como lubrificador de veículos automóveis para o dono de uma estação de serviço, um tal ........., a C prontamente assinou a Ficha Bancária, devidamente preenchida pelo funcionário bancário que os atendeu, na qualidade de autorizada mamposteira do A que, assim, concedeu poder à sua "sogra", a qualquer momento livre e potestativamente revogável pelo A, para proceder ao levantamento do dinheiro, assim por ela também detido mas, depositado em nome dele A, caso ele ficasse fisicamente impossibilitado de se deslocar à Caixa Geral de Depósitos para o levantar, como ficou, mercê da sua detenção em 25.5.99 seguida de prisão preventiva.
Ademais, não obstante a C.G.D. então exigir para abertura de conta o mínimo de 10.000$00, naquele dia 27.3.98 o A abriu a Conta de Depósitos à Ordem com um depósito logo de 300.000$00 em numerário, e a especial Conta Poupança Caixa Projecto com um depósito logo de 700.000$00 igualmente em numerário, para tanto tendo A assinado os respectivos Talões de Depósito de fls. 234/I e de fls. 196/I.
E seguidamente:
No dia 20.5.98, o A e a B dirigiram-se àquela Agência da CGD onde o A procedeu ao depósito de 300.000$00 em notas do Banco de Portugal naquela conta especial Poupança Caixa Projecto, para tanto tendo o A assinado o Talão de Depósito de fls. 197/I, previamente preenchido pelo funcionário bancário que os atendeu, com os necessários elementos de identificação fornecidos pelo A, o qual foi processado informaticamente;
Do mesmo modo tendo ambos procedido a mais depósitos nas datas e quantias a seguir indicadas:
No dia 12.6.98, 500.000$00 (Talão de Depósito de fls. 198/I);
No dia 2.7.98, 500.000$00 (Talão de Depósito de fls. 233/I);
No dia 12.08.98, 250.000$00 (Talão de Depósito de fls. 236/I);
No dia 12.08.98, 1.000.000$00 (Talão de Depósito de fls. 232/I);
No dia 14.9.98, 1.100.000$00 (Talão de Depósito de fls. 231/I, assinado pela B);
No dia 30.9.98, 900.000$00 (Talão de Depósito de fls. 230/I, assinado pela B);
No dia 14.10.98, 1.000.000$00 (Talão de Depósito de fls. 229/I); No dia 21.10.98, 500.000$00 (Talão de Depósito de fls. 228/I, assinado pela B);
No dia 27.11.98, 1.600.000$00 (Talão de Depósito de fls. 227/I, assinado pela B);
No dia 20.1.99, 1.500.000$00 (Talão de Depósito de fls. 199/I, assinado pela B);
No dia 4.2.99, 1.400.000$00 (Talão de Depósito de fls. 200/I);
No dia 11.2.99, 700.000$00 (Talão de Depósito de fls. 201/I, assinado pela B);
No dia 2.3.99, 1.500.000$00 (Talão de Depósito de fls. 202/I);
No dia 12.3.99, 1.500.000$00 (Talão de Depósito de fls. 203/I);
No dia 24.3.99, 1.400.000$00 (Talão de Depósito de fls. 204/I);
No dia 30.3.99, 1.000.000$00 (Talão de Depósito de fls. 205/I);
No dia 16.4.99, 1.450.000$00 (Talão de Depósito de fls. 206/I);
No dia 23.4.99, 900.000$00 (Talão de Depósito de fls. 207/I, não assinado);
No dia 3.5.99, 1.450.000$00 (Talão de Depósito de fls. 208/I, assinado pela B);
No dia 12.5.99, 1.300.000$00 (Talão de Depósito de fls. 209/I, assinado pela B).
Ainda no termos apontados, o A procedeu a levantamentos daquela conta à ordem nas datas e quantias seguintes:
No dia 14.07.98, 200.000$00 (Talão de Reembolso de fls. 235/I);
No dia 14.10.98, 54.970$00 (Talão de Reembolso de fls. 237/I);
No dia 04.12.98, 1.000.000$00 e 51.820$00 (Talões de Reembolso de fls. 226/I e 238/I).
Assim, abundando consideráveis rendimentos pecuniários líquidos da actividade de tráfico de B e A, o qual, até 19.4.99, não efectuara, nos anos de 1989 a 1998, nenhuma declaração de IRS, e, em 20.7.99, constava na Segurança Social como beneficiário, desde 21 FEV96 até OUT99, apenas de Pensão de Sobrevivência, tendo recebido o total de 81.900$00 ao longo do ano de 1998 e passado a receber mensalmente 6.520$ a partir de JAN99, por falecimento de sua mãe, posto que descendente menor, com aqueles rendimentos o A adquiriu os bens seguintes:
Os veículos motorizados, sem registar a propriedade dos mesmos para, pelo menos, esta lhe não ser desde logo documentalmente imputada, caso as Autoridades Judiciárias e os Órgãos de Polícia Criminal o investigassem criminalmente;
Em data não concretamente apurada, mas no período compreendido entre a data da abertura das duas referidas contas bancárias na C.G.D. com depósitos perfazendo 1.000.000$ (27.3.98) e a data do depósito de apenas 300.000$ na Conta Poupança Caixa Projecto (20.5.98), por 1.000.000$00, as chaves e, assim, a detenção da acima identificada residência ..... com a Entrada ...... pela Rua dos Currais na Urbanização Vale Figueira, residência essa propriedade do Município do Porto;
Em data não concretamente apurada posterior a 30.10.98, por valor não concretamente apurado, mas não inferior a 350.000$00 a já identificada Honda CBR 600 F;
Em data não concretamente apurada, mas posterior a 25.11.97 e anterior a 21.9.98, por valor não concretamente apurado, mas não inferior a 1.400.000$00, o já identificado Opel Astra GSI 16V, sendo que no interior de tal veículo automóvel foram encontrados, e no dia 12.10.99 arrolados, os seguintes documentos:
Livrete, junto, a ½ superior de fls. 287/II,
Título de registo de propriedade, ainda em nome de D, junto, a ½ inferior de fls. 287/II,
Requerimento-declaração para registo de propriedade, assinado pelo E, a fls. 288/II,
Cópia do BI do D, a fls. 289/II,
Apólice de seguro anual e pagamento semestral, com início em 30.9.98, nele constando, por um lado, como Tomador o referido E, por outro, como residência a buscada habitação 1º d.to do A onde aquele Tomador nunca residiu, a fls. 290/II,
Recibo do prémio de seguro anual e pagamento semestral relativo ao período de 30.9.98 a 29.3.99, nele constando, por um lado, como Tomador o referido E, por outro, como residência a buscada habitação 1º d.to do A onde aquele Tomador nunca residiu, a fls. 291/II,
Declaração da seguradora para efeitos de IRS, nela constando, por um lado, o referido E como destinatário, por outro, como residência a buscada habitação 1º d.to do Aonde aquele nunca residiu, a fls. 292/II,
Certificado internacional de seguro automóvel, nela constando, por um lado, o referido E como Tomador, por outro, como residência a buscada habitação 1º d.to do A onde aquele nunca residiu, a fls. 293/II,
A declaração de 22.8.98, de aprovação na inspecção periódica, a fls. 295/II.
O A e a B agiram de modo livre, consciente e deliberado, em comunhão de intentos e conjugação de esforços, na execução de plano entre ambos acordado, com o propósito conseguido, desde data não concretamente apurada, mas anterior a 27.3.98, de venderem, pelo menos, "pacotes" contendo heroína, ao preço de 1.000$00 cada um, aos inúmeros consumidores e toxicodependentes que, até à busca domiciliária em 25.5.99, às centenas, afluíram à habitação 1º d.to da Entrada 91 da Rua A no Bairro S. João de Deus,
Conhecendo o A e a B a natureza e características estupefacientes dos produtos que detiveram e para tanto detinham mesmo quando da descrita operação policial já devidamente acondicionados em 227 pequenas porções ou "doses" para venda a terceiros e ulterior consumo individual, então até já tendo 173 pequenos plásticos com tesoura recortados de sacos plásticos para preparar, talqualmente vinham fazendo, mais 173 "panfletos" ou "pacotes",
Conseguidamente a fim deles A e B, que não exerciam qualquer profissão regularmente remunerada, realizarem os avultados rendimentos pecuniários com os quais proveram desde logo à satisfação não só das suas necessidades de alimentação e vestuário, mas também de mais produtos estupefacientes para vender a terceiros, assim como para o A e a B adquirirem os vários bens que foram apreendidos quando da realização da busca, o A nomeadamente a disponibilidade da residência 3º d.to e os veículos motorizados, e efectuarem os descritos depósitos bancários igualmente aprendidos à ordem,
Bem sabendo A e B que, sem para tal se encontrarem autorizados, preparar, pôr à venda, vender, comprar, ceder ou, por qualquer título, proporcionar a outrem, fazer transitar ou ilicitamente deter, fora dos casos de consumo, substâncias compreendidas na Tabela I-A anexa ao DL 15/93 de 22/1, lhes era proibido e punido por Lei.
O A, a B e a C agiram de modo livre, consciente e deliberado, em comunhão de intentos e conjugação de esforços na sucessiva execução de plano acordado entre o A e a C e o A e a B, com convergente propósito mesmo conseguido por A e B de converter no sistema bancário os avultados ilícitos rendimentos pecuniários provenientes da venda de produtos estupefacientes em lícitos montantes depositados em conta a prazo com o acima exposto especial regime, quer de remuneração quer funcional,
Mediante concretizada utilização por A e B, através das descritas operações de depósito e de alguns levantamentos de montantes pecuniários que venceram juros creditados, do produto denominado Conta Poupança Caixa Projecto do comércio da Caixa Geral de Depósitos, propositadamente aberta pelo A como único e exclusivo titular de tal conta, e por C, como autorizada mamposteira dele, única e exclusivamente com poder para levantar e assim efectivamente ali deter e conservar, até determinação do A em contrário, a disponibilidade do dinheiro que nessa conta existisse, caso A ficasse impossibilitado de ele próprio o levantar,
Assim, perante terceiros, desde logo os funcionários bancários, mas também as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal, em caso de investigação-crime limitada apenas à actividade bancária, obnubilando a criminosa origem dessa fortuna, concomitantemente legitimando a sua movimentação no normal circuito económico - financeiro - bancário, contaminando-o com fundos provenientes de actividade ilícita,
Bem sabendo A, B e C que os montantes pecuniários canalizáveis para tal Conta Poupança Caixa Projecto eram os rendimentos pecuniários líquidos provenientes da actividade de tráfico de estupefacientes a que A e B se dedicavam desde data anterior a 27.3.98, e que as respectivas condutas lhes eram proibidas e punidas por Lei.
Aliás, "o jovem casalinho" A e B actuou de tal sorte, com o à vontade próprio da sua jovem idade, junto dos vários funcionários bancários que os atenderam na Agência de Areosa - Porto, da C.G.D., que somente em data não concretamente apurada de FEV99 é que a Gerência daquela Agência alertou a Direcção de Auditoria e Inspecção da Instituição Bancária, sediada em Lisboa, dos temporal, quantitativa e qualitativamente inusitados depósitos, em 2.3.99 totalizando 13.881.745$50 nas duas identificadas contas bancárias, posto que tituladas por um menor que alegara ser mecânico auto de profissão e que concedera a uma alegada singela costureira de profissão a autorização para as movimentar.
Congruentemente com os factos provados em Julgamento, todos os bens apreendidos, desde produtos estupefacientes, sacos plásticos, bolsa e dinheiros a telemóveis, carregador, sinalizador, spray, binóculos, artefactos, armas, carregadores, munições, veículos motorizados, capacetes, constituíram instrumento ou produto das actividades de tráfico de estupefacientes ou de branqueamento desenvolvidas por A e B.
Submetidas a Exame no LPC da PJ, a pistola da marca CZ e as 76 munições apreendidas ao A, precisou-se que tal pistola tinha, quando apreendida, as seguintes características técnicas:
Calibre 22 Long Rifle (equivalente a 5,6 mm no sistema métrico);
Funcionamento semi automático de movimento duplo (acção simples e acção dupla);
Percussão lateral, indirecta;
Cano com o comprimento aproximado de 117 mm, com 6 estrias dextrógiras no seu interior;
Alça de mira regulável horizontal e verticalmente;
Segurança por fecho e posição intermédia do cão;
2 carregadores com capacidade para 10 munições cada um.
Tal pistola era uma arma originalmente de calibre 22 Long Rifle, não tendo sido sujeita a qualquer tipo de transformação ou adaptação.
Efectuados testes de funcionamento com tal pistola e munições, encontrava-se em bom estado de funcionamento, sem qualquer problema que afectasse a realização de disparos e a obtenção da sequência de automatismo, encontrando-se os seus mecanismos de percussão e segurança em boas condições de actuação.
Não se mostrou tecnicamente viável a tentativa de reavivamento do número de série de tal pistola nos 4 locais em que o mesmo se encontrava gravado devido à profunda raspagem e subsequente martelamento do mesmo.
Todas as 76 munições encontravam-se em boas condições de utilização, pois deflagraram normalmente à primeira percussão.
O A agiu de modo livre, consciente e deliberado, ao deter tal pistola de marca CZ e calibre 5,6 mm, e respectivos 2 carregadores e 76 munições acondicionadas em estojo, próprio e de origem daquela, de transporte, bem sabendo que não estava manifestada nem registada, que não era possuidor de qualquer documento que legalmente o habilitasse a possuir tal arma e bem sabendo que a sua conduta proibida e punida por Lei.
Submetidas a Exame no LPC da PJ, a pistola da marca MS e as 6 munições apreendidas ao A, precisou-se que tal pistola tinha, quando apreendida, as seguintes características técnicas:
Calibre 6,35 mm Browning (.25 ACP ou .25 AUTO na designação anglo americana);
Funcionamento semi automático de movimento simples (acção simples);
Percussão central, directa;
Cano com comprimento aproximado de 57 mm, com 5 estrias dextrógiras no seu interior;
Segurança por fecho;
Carregador com capacidade para 7 munições;
Tal pistola era uma arma de fogo não registada nem legalizável, ao tempo da apreensão, de calibre considerado como de defesa, mas que fora alvo de transformação artesanal, pela adaptação de um cano, estriado rudimentarmente, com a câmara redimensionada ao calibre acima referido.
Efectuados testes de funcionamento com tal pistola e munições, encontrava-se em condições de efectuar disparos, apresentando problemas na introdução da nova munição na câmara, após cada disparo, problema este provavelmente originado por deficiente redimensionamento da câmara de disparo, originando a interrupção da sequência de automatismo, mas encontrando-se os mecanismos de percussão e segurança em boas condições de actuação.
As 6 munições encontravam-se em boas condições de utilização, pois deflagraram normalmente à primeira percussão.
O A agiu de modo livre, consciente e deliberado, ao deter tal pistola de marca MS e calibre 6,35 mm, e as respectivas 6 munições, bem sabendo que não estava manifestada, que não era registável já que transformada artesanalmente, que não era possuidor de qualquer documento que legalmente o habilitasse a possuir tal arma e que a sua conduta era proibida e punida por Lei.
A 22.9.98, o A foi transitadamente condenado, no SUMÁRIO 178/98 da 2ª Secção do TPIC do PRT, em 60 dias de multa a 300$00 diários pela autoria material em 21.9.98 de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3º, n.º 2, do DL 2/98, de 3/1, em 90 dias de multa, a 300$00 diários, pela autoria material, em 21.9.98, de um crime de detenção de arma de defesa sem autorização legal, p. p. pelo art. 6º da Lei 22/97, de 27/6, em cúmulo jurídico na pena única de 120 dias de multa a 300$00 diários, subsidiariamente em 80 dias de prisão, nos termos e para os efeitos do art.º 49º, n.º 1, do CP/95, e na pena acessória de proibição de obtenção de carta de condução pelo período de 1 ano;
e, em 17.11.98, foi transitadamente condenado, no SUMÁRIO 229/98 da 1ª Secção do TPIC do PRT, em 120 dias de multa a 300$00 diários desde logo fixando-se 80 dias de prisão subsidiária, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 49º, n.º 1, do CP/95, pela autoria material, em 22.10.98, de um crime de condução de veículo automóvel sem estar legalmente habilitado p.p. pelo art.º 3º n.º 2 do DL 2/98 de 3/1.
Não obstante tais 2 condenações transitadas em 2 penas de multa, efectivamente pagas em dinheiro, o A agiu de modo livre, consciente e deliberado, ao ter circulado, conduzindo na via pública, quando, por onde, como, com quem quis e até ser detido em 25.5.99, nomeadamente transportando-se e à companheira B, nas suas deslocações entre a habitação 1º d.to e a residência 3º d.to e a CGD, indistintamente os veículos motorizados ligeiro de passageiros Opel Astra e motociclo Honda CBR 600 F, posto que sem habilitação legal alguma para o efeito, bem sabendo sua conduta proibida e punida por Lei.
Não obstante tais condenações transitadas em multas efectivamente pagas em dinheiro, presente o A à M.mª JIC do Porto material e territorialmente para primeiro interrogatório judicial de arguido detido em 26.5.99, previamente advertido de que era obrigado a responder e com verdade às perguntas relativas aos seus antecedentes criminais para ficarem documentadas no respectivo Auto, o A de modo livre, consciente e deliberado respondeu que não tinha antecedentes criminais, bem sabendo que tal declaração não correspondia à verdade e que a sua conduta era proibida e punida por Lei.
Em Audiência, a pergunta do Tribunal, o A disse não desejar prestar declarações, assim fazendo uso do "direito ao silêncio" concedido pelo art.º 343º, n.º 1 (parte final) e 2 (1ª parte), do CPP, postura que manteve quando cumprido o disposto no art.º 361º, n.º 1, do CPP.
Em Audiência, a perguntas do Tribunal, a B optou por prestar declarações de sorte a negar a intimidade e o amplo período de tempo do relacionamento pessoal com o A, a intervenção dela em actividades de tráfico e/ou de branqueamento, o conhecimento das actividades de tráfico e de branqueamento do A, a persistir no enquadramento dela como singela estudante e do A como mecânico auto, não obstante não saber onde trabalhava, nem quanto ganhava, além deste não apresentar mãos "desfiguradas" por tal trabalho, como sucede quando efectivamente exercido, na natureza acidental da presença dela na habitação 1º d.to quando buscada, ao arrepio da lógica do provado circunstancialismo fáctico, tendo "fugido a boca para a verdade" quando B esclareceu, v.g., o contexto quer da aquisição do aparelho Smart Gym, quer das deslocações sempre de A e B à Caixa Geral de Depósitos para realização dos depósitos bancários, assinados umas vezes por ele, outras por ela, não obstante os 2 sempre presentes; cumprido o disposto no art.º 361º, n.º 1, do CPP, nada mais B quis dizer.
Em Audiência, a perguntas do Tribunal, cujo objecto, sentido e alcance sempre entendeu de imediato à sua realização, não obstante as Conclusões do Relatório do Exame Médico Forense de fls. 581-584/III parte integrante deste Acórdão, a C optou por prestar declarações, de sorte a negar o conhecimento das actividades, quer de tráfico, quer de branqueamento, quer do seu "genro" A, quer de sua própria filha B, a persistir na natureza ocasional da presença dela, C, com A na Caixa Geral de Depósitos quando da abertura das 2 contas bancárias com 2 depósitos totalizando 1.000.000$00, ao arrepio da lógica do provado circunstancialismo fáctico, tendo "fugido a boca para a verdade" quando C patenteou a estupefacção sentida quando constatou a dimensão do volume dos montantes pecuniários depositados nas 2 contas bancárias; cumprido o disposto no art.º 361º n.º 1 do CPP, nada mais C quis dizer.
Com efeito, só porque a C, no decurso do Inquérito, depois de prestar Declarações como Arguida, requereu ao "Director da Caixa Geral de Depósitos, Agência da Areosa", se dignasse "emitir documento onde conste o n. de contas bancárias tituladas pela requerente, bem ainda se digne emitir extracto detalhado das mesmas, onde conste quais os montantes que as mesmas possuem" "a fim de instruir processo judicial que corre termos", é que a Gerência daquela Agência apenas declarou, em 26.10.99, que a C "é autorizada da conta n.º 0103 024 659 000, titulada por A e cujo saldo nesta data é de 154.433$00", sem ali aludir à existência da especial conta a prazo Poupança Caixa Projecto para a qual tinham sido canalizados 23.846.827$00, incluindo juros que semestralmente foram creditados, a qual necessária porque tecnicamente estava associada àquela identificada normal Conta de Depósitos à Ordem para a qual tinham sido canalizados apenas 550.000$00 em numerário.
Solicitada à competente Equipa do IRS a realização de Relatório Social para Julgamento, (adiante RSJ), das diligências efectuadas junto de A, de familiares e da comunidade envolvente pela TRS, notando deverem ser relativizados os dados apurados sobre a conduta social do A por tal comunidade ser social e institucionalmente reconhecida como um foco residencial cuja dinâmica é plenamente condicionada pela problemática da toxicodependência, apurou-se quanto à história e condição sócio-económica, familiar, profissional e cultural do A, conforme RSJ de 2.6.2000 a fls. 531-536/III parte integrante deste Acórdão, sintetizada e actualizadamente que:
O A é oriundo de um agregado de condição sócio-económica modesto. Ingressou na escola em idade adequada, tendo registado desempenho regular até à conclusão do 6º ano, momento em que, por condicionalismos de índole económica, se viu compelido a abandonar o mesmo. Iniciou de imediato a vida activa, na área da construção civil, tendo-a desenvolvido conjuntamente com seu pai. Posteriormente trabalhou numa oficina de automóveis.
Com o falecimento da progenitora, em JAN96, a dinâmica familiar sofreu grandes alterações que se consubstanciaram, num 1º momento, na condenação a prisão efectiva do pai, num 2º momento no envolvimento pelo recluso de comportamentos que o conduziram à privação da liberdade.
No período que antecedeu a reclusão e dado que o pai se encontrava ainda recluso, o A vivia sozinho, mantinha um relacionamento afectivo, há cerca de 8 meses, com a B, sua co-Arguida, encontrando-se A laboralmente inactivo desde há 4 meses;
O A tem mantido ao longo do período de institucionalização um comportamento formalmente adequado ao ordenamento vigente. Encontra-se laboralmente inactivo por opção pessoal. É visitado pela companheira, mãe desta (recluída e também sua co-Arguida) e alguns amigos. Beneficiou recentemente da visita de seu pai que se encontra em liberdade condicional.
O A referiu à TRS que quando regressar a meio livre irá residir com a companheira, perspectivando trabalhar numa oficina de automóveis, propriedade de um seu amigo. Pela avaliação efectuada no meio de inserção comunitária, A e familiares não são alvo de quaisquer sentimentos de rejeição ou estigmatização que possam condicionar o seu processo de reinserção social.
Concluiu a TRS que o A dispõe de condições objectivas adequadas à promoção de um processo de vida estruturado, dependendo a sua utilização normativa da capacidade que, em meio livre, A vier a demonstrar.
Solicitada à competente Equipa do IRS a realização de RSJ, das diligências efectuadas junto de B e familiares pelo TRS, apurou-se quanto à história e condição sócio-económica, familiar, profissional e cultural da B, conforme RSJ de 15.5.00 a fls. 519-522/III parte integrante deste Acórdão, sintetiza e actualizadamente que:
Por ambos os progenitores se encontrarem detidos, na situação de prisão preventiva, sendo sua mãe co-Arguida neste processo, a B encontra-se a coabitar com a sua avó materna no mesmo Bairro, bloco 6, entrada 358, casa 22, Porto, onde se situa a sua residência;
O seu crescimento e desenvolvimento decorreu sempre inserida no seu agregado familiar de origem. Frequentou a escolaridade básica até ao 6º ano, o que se verificou até aos 16 anos de idade e não prosseguiu por falta de interesse e motivação. Ficou em casa ajudando a progenitora a cuidar de um seu irmão mais novo com problemas de deficiência mental;
A partir dos 18 anos de idade passou a trabalhar como empregada doméstica "a dias", actividade que vem mantendo em regime de prestação horária, de forma descontinuada, e assim o TRS notou, como contexto actual e perspectivas futuras da B, a inserção no agregado familiar da avó materna, o exercício eventual de actividade laboral e ser primária;
No que concerne à prática dos actos delituosos de que se encontra indiciada, a B não manifestou qualquer sentido crítico, procurando desvalorizar a sua responsabilidade e envolvência, não assumindo, de igual modo, a gravidade de que os mesmos revestem.
Concluiu o TRS que a B é uma jovem mulher que se mantém inserida no meio familiar de parentes próximos; possuindo como habilitação escolar apenas o nível primário do ensino e não dispondo de formação profissional vem, desde há pouco mais de 1 ano, exercendo a actividade de empregada doméstica, por conta própria, "a dias"; relativamente à prática dos actos delituosos assume postura de auto desculpabilização e falta de sentido crítico da sua responsabilidade, atitudes que ao TRS pareceram reveladoras de imaturidade e de incorrecta formação social.
Solicitada à competente Equipa do IRS a realização de RSJ, das diligências efectuadas junto de C, de familiares, da comunidade de inserção e do IRS pela TRS, apurou-se, quanto à história e condição sócio-económica, familiar, profissional e cultural da C, conforme RSJ de 2.6.2000 a fls. 527-531/III parte integrante deste Acórdão, sintetizada e actualizadamente que:
A C é proveniente de agregado de condição sócio-económica e cultural desfavorecida, inserido em bairro camarário, numa comunidade habitualmente confrontada com a problemática de consumo e tráfico de estupefacientes;
A C iniciou-se no mundo do trabalho com 12 anos, não chegando a completar a 3ª classe. Laborou sempre na área das confecções (22 anos na EMETÊXTIL), encontrando-se inactiva depois que a firma fechou e aconteceu o nascimento de seu filho mais novo, de 4 anos de idade que, sempre com grandes problemas de saúde, requer um acompanhamento personalizado;
O percurso vivencial da C foi normativo. Vive maritalmente há cerca de 20 anos com F. O casal tem 3 filhos: a B, com 19 anos, co-Arguida neste processo, a aguardar julgamento em liberdade; o G, de 16 anos; o H, de 4 anos. O filho mais novo encontra-se entregue aos cuidados da avó materna, residente no mesmo Bairro. Os mais velhos permanecem no agregado de origem, tomando as refeições junto da avó;
O seu companheiro encontra-se detido no EPP, co-Arguido no CC 116/2000 desta 4ª Vara, indiciados pelo crime de tráfico de estupefacientes de maior gravidade. O F não exerceu nunca uma actividade laboral regular, trabalhando sempre como biscateiro;
A C deu entrada no EPP, em 10.12.99, mantendo uma conduta adaptada às normas institucionais vigentes. Ali é visitada por sua mãe e irmã I. Uma vez em meio livre perspectiva trabalhar como vendedora ambulante ou eventualmente na Fábrica de Confecções;
Concluiu a TRS que a C disporá das condições mínimas para uma reinserção social normativa, uma vez no exterior, se a sua situação jurídico-penal o permitir.
Do CRC do arguido A nada mais consta e do CRC das arguidas nada consta.
E, em sede de matéria de facto não provada, consignou-se não se ter provado o seguinte:
Com referência à Acusação:
- Que o produto contido nos apreendidos 227 "pacotes" fosse heroína 100 % pura e que tivesse o peso global de 61,500 gramas;
- Que o A e/ou a B destinasse/m o apreendido produto em pó, no qual o LPC da PJ não detectou a presença de estupefaciente ou psicotrópico, a "traçar/em" a droga heroína;
- Que o A e/ou a B o tivesse/m feito de forma a maximizarem os elevados proveitos resultantes da actividade de tráfico e da droga heroína;
- Que o A e/ou a B tivesse/m adulterado a vendida heroína com aquele produto em pó no qual o LPC não detectou a presença de estupefaciente ou psicotrópico;
- E que o tivesse/m feito bem sabendo que com a mistura de tal produto em pó à heroína vendida aumentavam o risco de colocarem em causa a saúde dos consumidores adquirentes;
- Que o montante despendido pelo A na aquisição do motociclo Honda CBR 600 F tivesse sido 800.000$00;
- Que o montante despendido pelo A na aquisição do veículo automóvel Opel Astra GSI 16V tivesse sido 2.400.000$00;
- Que o pagamento do Opel Astra pelo A tivesse sido feito ao Stand A L Automóveis sito na Avenida Dr. ....., ....., Leça da Palmeira;
- E mediante a entrega pelo A à legal representante do Stand de um veículo Toyota Celica então avaliado em 1.950.000$00 e de 450.000$00 em dinheiro;
- Que o A não tivesse liquidado os 1.000.000$00 pela aquisição das chaves e assim da disponibilidade da residência 3º d.to;
- Que a actividade de tráfico de estupefacientes do A e da B tivesse constituído envolvimento de algum deles no tráfico internacional de estupefacientes;
Da Contestação da B:
- Que fosse falso viver com o A;
- Que nunca tivesse tido negócios de droga e desconhecesse tal;
Da Contestação da C:
- Que o A lhe tivesse dado como justificação para a abertura da conta a menoridade dele A e a necessidade de um adulto para lhe ser permitido proceder à abertura da mesma;
- Que, aquando de tal solicitação à C para abertura de conta, o A o tivesse pedido igualmente a uma senhora vizinha, e só tivesse sido a C por mero acaso;
- Que a C não tivesse assistido a qualquer depósito ou movimentação bancária;
- Que o motivo pelo qual a C diligenciou saber, depois de ter prestado declarações em Inquérito, quais as contas que efectivamente titulava, tivesse sido o seu desconhecimento da abertura da conta com o montante de cerca de 700.000$00;4
- Que, na altura da abertura da conta, a C desconhecesse o relacionamento entre o A e a B e nunca lhe tivesse dado importância por ambos serem muitos jovens;
- Que a intervenção da C na abertura das contas nada tivesse tido a ver com o relacionamento pessoal entre a sua filha B e o A;
- Que a C fosse quase analfabeta;
Nesta matéria de facto não se vislumbram nem lhe são assacados vícios que afectem a sua valia, nomeadamente os referidos no artigo 410, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Como assim, temo-la como definitivamente adquirida.
Encaremos então as questões postas:
Haverá concurso entre o tipo de crime precedente, nomeadamente, os de tráfico de drogas e o de branqueamento?
Referindo-se aos restantes «pós-delitos», como a receptação (art. 231), alguns autores (2) dão-nos conta de que a lei expressamente exclui a possibilidade de concurso.
E, baseados nesta constatação, partem para uma tomada de posição mais geral segundo a qual «estes dados constituem à partida um forte argumento porque indicam que no Código Penal as intervenções posteriores à consumação nunca são puníveis quando realizadas pelo agente do ilícito-típico precedente. Só assim não seria se no caso de branqueamento de capitais existissem fortes razões que apontassem em sentido diverso. Razões que cremos não existirem. Dever-se-á considerar que o intuito de evitar o confisco de bens ilicitamente adquiridos é conatural a qualquer crime de cunho aquisitivo, sendo um facto posterior impune quando praticado pelo agente do crime precedente.» E mais adiante: «Deve considerar-se, para este efeito, que as condutas de branqueamento de capitais não lesam um outro bem jurídico. Pese embora a realização da justiça ser formalmente um bem jurídico diverso, em termos materiais verifica-se que, uma vez consumada a lesão do bem jurídico tutelado pelo crime precedente, surge em seu lugar o bem jurídico que é a realização da justiça. (...) O branqueador terá pois de ser pessoa diversa da que cometeu a infracção geradora dos lucros. Pelo que não é punível o branqueamento de capitais obtidos pelo próprio através das infracções precedentes (...)» (3).
Porém, assentando numa real distinção entre os bens jurídicos protegidos - num caso como no de tráfico de estupefacientes, a saúde pública e em simultâneo a saúde física e psíquica bem como a própria liberdade individual dos cidadãos, noutro, como no branqueamento a ordem jurídica no seu todo, designadamente na perspectiva de que as enormes fortunas geradas pela criminalidade subjacente podem, se inseridas no circuito económico e financeiro «regular», corromper a contaminar toda a estrutura comercial e financeira legítimas, pondo em causa as próprias estruturas do Estado, e gerar novos fundos que, afinal, irão refinanciar as estruturas criminosas, desta forma reforçando a respectiva capacidade de actuação - outros (4) há que chegam exactamente à conclusão contrária, ou seja, de que o agente será punível pelo crime.
Discorrendo sobre esta questão, escreve Jorge Manuel Vaz Monteiro Duarte (5): "[...] Tendo em conta o já exposto, afigura-se-me que a resposta à questão acima colocada não pode deixar de ser positiva, isto é, o autor do crime de tráfico pode cometer, em concurso efectivo com o crime-base, o crime de branqueamento de capitais. (6)
Na realidade, os bens jurídicos tutelados por ambos os ilícitos em referência são efectivamente distintos.
Assim, a criminalização do tráfico de estupefacientes visa, em primeiro lugar, tutelar a saúde pública da comunidade e, reflexamente ou, melhor dizendo, em paralelo, a saúde (física e psíquica) de todos e de cada um dos membros da comunidade.
Por seu turno, o crime de branqueamento de capitais visa, para além do mais, tutelar a «saúde» do circuito financeiro, económico e jurídico dessa mesma comunidade, assim o visando resguardar de «contaminações» derivadas do afluxo, à respectiva corrente, de bens de origem criminosa que aí procuram a sua legitimação. Tais bens tenderiam a ser posteriormente reinvestidos, gerando novos meios de fortuna que fortaleceriam as entidades criminosas de que provêm os bens branqueados, e são, em simultâneo, susceptíveis de colocar em risco o próprio princípio da livre concorrência."
E mais adiante: "[...] poder-se-á objectar que a partir do momento em que o autor do crime-base consegue, para si próprio, meios de fortuna ou bens resultantes da prática daquele crime, não é exigível que o mesmo os mantenha «visíveis», quase «à disposição» das autoridades judiciárias e/ou policiais, pois que esses bens poderão ser, afinal, a prova que incriminará aquele agente pela prática do crime-base.
Tal objecção ganhará, aparentemente, ainda mais solidez, se pensarmos no caso do agente que se «limita» a depositar na agência bancária do banco com que normalmente trabalha os fundos provenientes da prática do crime-base.
É certo que dificilmente se poderá compaginar um exemplo de mais singela actuação do agente, que, aparentemente, nada faz para ocultar tais bens.
Todavia, tendo em atenção a natureza do bem jurídico tutelado pelo crime em apreço, afigura-se-me que a simples introdução do capital em questão no circuito bancário e/ou financeiro, é já susceptível de integrar a prática do crime de branqueamento.
Na realidade, tais fundos irão ser utilizados pelas entidades financeiras junto das quais o agente do crime-base os deposita, sendo direccionados para as mais diversas actividades económicas, gerando rendimentos que o agente do crime-base irá receber, maxime soba forma de juros, correspondentes à remuneração do capital, assim aumentando o seu poder económico.
Paralelamente, uma das ideias base de toda a legislação anti-branqueamento é a de preservar a economia legítima da contaminação por fundos de origem criminosa, contaminação essa que começa, desde logo, pelo simples aumento da massa monetária que operações tão simples como a acima referida desde logo potenciariam...
Afigura-se, pois, que à ideia de não exigibilidade de outra conduta por parte do agente que pratica o crime base, cuja actuação corresponderia, assim, a uma conduta posterior não punível, deve antes ser contraposta a noção de reforço da censurabilidade da conduta do agente de tal ilícito que sabe que, para além da punição pelo crime de tráfico (com a consequente perda dos bens pelo mesmo gerados, através do regime dos artigos 35.º a 38.º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro), será também punido por qualquer actividade relacionada com o aproveitamento que eventualmente pretenda fazer desse bens ou meios de riqueza, desde o momento em que, por qualquer forma, os introduza no circuito bancário, financeiro e/ou económico, pois então encontrar-se-á também incurso na prática, em concurso efectivo com aquele crime-base, de um crime da previsão do artigo 23.º do citado diploma legal».
Aqui chegados, há que dizê-lo de frente, esta última orientação merece a nossa preferência.
É ela, com efeito, que melhor se coaduna com a definição legal de concurso acolhida no artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, e, mais do que isso, com as concepções doutrinais dominantes (7).
Sem esquecer que a tese contrária, deixaria o sistema indefeso perante a colocação nos circuitos económicos-financeiros de dinheiro sujo, desde que tal feito lograsse a autoria singular do autor do crime-base.
O que, reconheça-se, constituiria um rombo de vulto na sua estrutura, que, assim, seria permissiva com o usufruto das vantagens do branqueamento pelos que, afinal, constituem o centro das preocupações legais.
Para além de que, ressalvado do devido respeito, parece difícil conceber e sustentar, com base nos princípios gerais referidos, e da própria finalidade essencial de aplicação das penas «protecção de bens jurídicos» - art. 40, n. 1, do Código Penal - a tese algo artificiosa, aliás não suficientemente demonstrada, segundo a qual, «uma vez consumada a lesão do bem jurídico tutelado pelo crime precedente, surge em seu lugar o bem jurídico que é a realização da justiça».
Deste jeito, temos a resposta - desfavorável às respectivas pretensões recursivas - para a primeira das sumariadas questões que a este Supremo Tribunal foram colocadas pelos recorrentes.
Assim sendo, há que avançar na solução das seguintes
A questão do regime aplicável a jovens delinquentes - D.L. n.º 401/82, de 23/9.
A Relação, debruçando-se sobre a questão dissertou:
«Antes de mais, reclamam os recorrentes A e B contra a não aplicação aqui do regime especial para jovens delinquentes, consagrado no Dec.Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, para que remete o art.º 9º do C.Penal, ao determinar que "aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial".
O que, como é evidente, não significa que, tratando-se de arguidos desse nível etário, esse regime especial tenha forçosamente de ser aplicado, mas apenas que sempre a sua aplicabilidade terá de ser ponderada, devendo ser aplicando se se mostrarem satisfeitos os respectivos requisitos.
E, no caso, não assiste qualquer razão aos recorrentes quando pugnam por essa aplicação.
Sendo irrecusável que os arguidos reúnem os pressupostos formais de aplicabilidade desse regime - cometeram facto qualificado como crime, tinham, à data da sua prática, idade compreendida entre os 16 e os 21 anos e não são penalmente inimputáveis em virtude de anomalia psíquica (art.º 1º do citado diploma) -, no entanto, essa aplicação não decorre automaticamente da verificação desses requisitos, exigindo ainda a verificação de pressupostos substanciais, de que vários dos preceitos seguintes do diploma dão nota.
Como sucede com o art.º 4º, aqui com específico interesse, mas cujo pressuposto de aplicação, no caso presente, se não tem por verificado.
Dispõe este art.º 4º que, "se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado".
Assim e na linha do que, reflectindo entendimento uniforme, se disse no Ac. do STJ, de 15/1/97, CJ/STJ, V, 1º, 182, para que a atenuação especial fundada neste preceito possa ocorrer "é necessário que se tenha estabelecido positivamente que há razões sérias para crer que dessa atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem delinquente, sem prejuízo da necessidade de prevenção geral", ou seja, que sem prejuízo das exigências de prevenção geral, se possa concluir por um juízo de prognose positiva quanto ao efeito que a atenuação especial da pena pode ter para a reinserção social do arguido.
Com efeito, lendo o preâmbulo do Dec.Lei n.º 401/82, logo se vê que o inspira uma ideia de que o jovem delinquente, personalidade ainda em formação, é merecedor de um tratamento penal especializado, mais orientado para a sua reeducação e correcção. Donde a preferência, quando estiver em causa a eventual aplicação de pena de prisão até dois anos, pela opção pela legislação relativa a menores, tratando-se de jovens com menos de 18 anos (art.º 5º), ou, para jovens entre os 18 e os 21 anos, por alguma das medidas de correcção referidas no art.º 6º.
Porém, como ali também se previne - n.º 7 desse preâmbulo -, "as medidas propostas não afastam a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos" .
Ora, no caso, tratando-se, como se trata, de crime de tráfico agravado de estupefacientes e de subsequente crime de dissimulação de bens, em que os arguidos nem sequer assumiram a sua culpa ou deram mostras de arrependimento e/ou protestaram arrepiar caminho, o que logo põe em crise aquele juízo de prognose positiva a que acima se aludiu, e, de resto, sendo, como são, fortíssimas as exigências de defesa da sociedade e de prevenção contra este tipo de criminalidade, da mais insidiosa e grave com que a sociedade hodierna se defronta, está claramente excluída a aplicação aos arguidos do regime penal especial para jovens, consagrado no Dec.Lei n. 401/82.»
Estas considerações são inteiramente pertinentes, tendo em conta a matéria de facto em causa, designadamente, que «os arguidos nem sequer assumiram a culpa ou deram mostras de arrependimento e/ou protestaram arrepiar caminho», circunstâncias que só com total ausência de senso poderiam fundar um favorável juízo prognóstico como bem salientou o tribunal recorrido.
Daí que também neste ponto soçobre a pretensão dos recorrentes.
Passemos ao seguinte: declaração de perdimento a favor do Estado de «quantitativos depositados anteriormente à data da instauração do presente processo».
Enredam-se os recorrentes em sofísticos raciocínios assim delineados: a notícia do crime surge em Janeiro de 1999. As buscas domiciliárias foram efectuadas em 28 desse mês e concretizadas em Maio seguinte. Não há referência a datas anteriores à data de abertura de conta em 27 de Março de 1998. Logo, foram indevidamente declarados perdidos a favor do Estado, os depósitos efectuados anteriormente a Janeiro de 1999...
Esquecem porém um pequeno pormenor: esta questão não foi posta ao tribunal recorrido pelo que, ilegalmente, «saltam» um grau de recurso, o que lhes é vedado nomeadamente pelo regime regra contido no artigo 427 do Código de Processo Penal.
E, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso - o que não é o caso - os recursos são meios de reformar decisões proferidas, não de obter decisões novas.
Donde a ilegitimidade de inclusão da questão posta naqueles termos a este Supremo Tribunal quando, perante a Relação, os recorrentes não questionaram o decretamento da perda dos depósitos de que agora se lembraram, antes, e apenas, (de resto, com sucesso parcial), a dos veículos automóveis, e artefactos de ouro.
Assim sendo não há que conhecer desta vertente do recurso, quanto mais não fosse por violação das regras da hierarquia dos tribunais - art.ºs 62.º, 71, 72, 101 e 102, do CPC, em aplicação subsidiária.
A medida das penas
Sustentam os requerentes que as penas aplicadas são exageradas em violação do disposto no artigo 71.º do Código Penal, mormente por não ter sido levada em conta a pouca idade de 17 e 18 anos respectivamente.
Neste particular discorreu o tribunal recorrido:
«Liminarmente, cabe anotar que não vem questionada a condenação que ao A foi imposta pelos crimes de detenção de arma proibida (dois), de condução de motociclo e automóvel sem habilitação legal e de falsas declarações quanto aos seus antecedentes criminais, por cada um dos quais lhe foi fixada a pena de um ano de prisão, penas que, por nossa parte, não vemos razão para alterar.
Resta, assim, apreciar as penas que, quanto a cada um dos arguidos, hão-de corresponder aos crimes de tráfico agravado de estupefacientes, p. e p. pelos art.º 21º, n.º 1, e 24º, al. b) e c), do Dec.Lei n.º 15/93 e Tabela I-A anexa, e de dissimulação de bens, p. e p. pelo art.º 23º, al. a), do mesmo diploma.
Consoante o art. 71 do C.Penal, a medida da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e atendendo ainda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, relevem a favor ou contra o arguido, nomeadamente as aludidas no n.º 2 desse preceito.
Nestes moldes, a pena concreta há-de ter na culpa do arguido o seu último limite que não poderá ultrapassar e, por outro lado, não deverá ficar aquém do necessário para satisfação dessas exigências de prevenção, sendo dentro dessas fronteiras que, tendo em conta ainda as demais circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao arguido, se terá de encontrar a pena tida como adequada e justa.
No caso presente, os arguidos agiram com dolo directo, o patamar mais elevado da culpa.
São muito acentuadas as exigências de prevenção reclamadas por este tipo de criminalidade que, pelos seus bem conhecidos efeitos negativos para a saúde dos consumidores e para o tecido social, se assume como um dos mais graves flagelos actuais e que, pelos avultados e fáceis lucros que proporciona, mais reclama medidas dissuasoras.
Também a ilicitude da conduta dos arguidos se situa em grau elevado: persistência do comportamento censurado ao longo de um lapso de tempo assinalável; tipo de droga transaccionada (heroína), justamente reputada como das mais perniciosas para a saúde dos consumidores, pela grande dependência física e psíquica que provoca e efeitos devastadores que, a longo prazo, produz; o modo organizado e intenso da actuação dos arguidos que se deram mesmo ao cuidado de dispor de local próprio, uma segunda residência, para o exercício dessa actividade delituosa, assim fazendo por salvaguardar aparências.
A par disso, remetendo-se o arguido A ao silêncio, direito que lhe assistia, nem mesmo pode beneficiar dos usuais confissão e arrependimento relativamente a uma conduta que, afinal, se provou; e, por sua vez, a B optou por negar qualquer intervenção sua em actividades de tráfico e/ou de branqueamento e mesmo conhecimento de tais actividades por parte do A. O que, atento o que, afinal, veio a apurar-se, não pode deixar de ser ponderado como indicador negativo da personalidade dos arguidos.
Enquanto a B não tem antecedentes criminais, já o A conta duas anteriores condenações, se bem que em penas de multa e por crimes de etiologia totalmente diversa dos que ora particularmente nos ocupam.
No entanto, a par de tudo isto, importa ponderar a pouca idade dos arguidos no período em que ocorreram os factos ajuizados - 17/18 anos -, factor a que, em nosso entender, se tem de conferir valor não despiciendo, pois que, a despeito de não ser aplicável aqui, pelas razões já atrás expostas, o regime penal especial para jovens, ainda assim não se poderá deixar de atentar nos princípios de que esse regime especial arranca; tratando-se de indivíduos cuja personalidade ainda está em formação, sempre será de ponderar a eventual insuficiência de padrões de referência que só a experiência de vida consente, justificando-se, assim, alguma benevolência no seu tratamento.
De considerar ainda a modesta condição social e familiar dos dois arguidos, com experiências familiares na área do tráfico de droga, o que, não sendo factor animador para o futuro, deixa, no entanto, também antever que não terão tido do meio familiar e social envolvente a orientação desejável para rejeitarem a via transviada que escolheram trilhar; ao invés, terão mesmo tido aí algum indesejável incentivo nesse sentido.
Duas últimas notas: confrontadas as condutas do A e da B, resulta claramente mais grave a do primeiro que a da segunda; e, quanto ao crime de dissimulação de bens, não poderá também deixar de ser ponderada a fase ainda incipiente que a respectiva conduta atingiu, a apontar para que a respectiva pena se fixe em valores próximos do mínimo legal.
Assim e tudo ponderado, crêem-se excessivas as penas parcelares que, na 1ª instância, foram impostas aos arguidos por cada um dos dois crimes em questão, afigurando-se que, pese embora a evidente gravidade dos crimes cometidos, será mais ajustado impor:
Ao arguido A, pelo crime de tráfico de estupefacientes, a pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, e pelo crime de dissimulação de bens, a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
À arguida B, pelo crime de tráfico de estupefacientes, a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, e pelo crime de dissimulação de bens, a pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão.
Quanto ao cúmulo jurídico efectuado no acórdão recorrido:
Sustentam, a propósito, os recorrentes que a respectiva decisão não está fundamentada, estando, por isso, o acórdão ferido de nulidade.
Porém, também aqui carecem de razão.
Na definição das penas parcelares, a decisão recorrida fez apelo aos vários factores e circunstâncias - grau da culpa dos arguidos, exigências de prevenção, ilicitude da conduta, etc. - e, depois, já no tratamento do cúmulo jurídico a efectuar, após indicar os factores a que a definição da pena única deve obedecer e os limites, mínimo e máximo, entre os quais pode oscilar (art.º 77º, n.º 1 e 2, do C.Penal), passou o acórdão recorrido a referir que, além do circunstancialismo agravativo e atenuativo já antes considerado, ainda havia que ponderar o especial entrosamento "tráfico de estupefacientes-branqueamento simples", sendo este sequência da ampla dimensão daquele, e também a concentração espaço-temporal de todos os crimes, concluindo assim pela agravação da pena única.
Ora, face a isto e quer se concorde ou não com a argumentação ali expendida, não se vê como sustentar que a decisão ali tomada o art.º 77º.
E, assim, quanto ao arguido A, movendo-nos entre um mínimo de 8 anos e 6 meses de prisão (pena parcelar mais elevada) e um máximo de 17 anos de prisão (soma das penas parcelares), entende-se adequado fixar em 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão a correspondente pena única.
Por seu turno, quanto à arguida B, considerado o mínimo de 6 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 10 anos e 9 meses de prisão, julga-se ajustado fixar a pena única em 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.»
Ora também aqui a razão não está inteiramente com os recorrentes.
Nomeadamente quanto às penas parcelares concretamente apuradas que obedecem à gravidade da culpa e ilicitude, além de respeitar o mais requerido pelo artigo 71 do Código Penal.
Há, porém, na formulação do cúmulo jurídico, alguma subvaloração da jovem idade dos arguidos, em obediência que se impunha mais estreita ao exigido pelo disposto no artigo 77, n.º 1 do Código Penal, nomeadamente o factor «personalidade do agente».
E aqui, este Supremo Tribunal, reconhecendo alguma razão aos recorrentes, e socorrendo-se de critério usado para casos semelhantes, em nome de uma maior exigência de contemplação das finalidades de socialização da pena, em regra, tanto mais agudas quanto mais jovem o delinquente, tem por mais adequadas as penas correspondentes ao cúmulo, respectivamente de dez anos e sete anos e seis meses, aquela para o arguido A, esta para a arguida B.
Nesta medida logram parcial provimento os recursos.
As questões que os recorrentes deixam para conhecimento subsidiário "caso seja outro o entendimento de V.Exas" na parte final da súmula conclusiva da respectiva motivação não logram alterar os dados da questão.
Com efeito, a questão da dissimulação ou branqueamento de capitais, já foi conhecida supra.
Por outro, lado, não faz qualquer sentido e é mesmo intrinsecamente contraditório, pretender discutir a qualificação jurídica dos factos - que de resto não tem qualquer razão de ser ante o acerto de tal operação levada a cabo pelas instâncias - depois de implicitamente se aceitar a que foi feita, discutindo a medida das penas concretas aplicadas.
O mesmo se diga quanto à pretensão de ver a arguida condenada como mera cúmplice, para além de que os factos são inequívocos quanto ao seu domínio e actuação causam dans na acção desenvolvida, pelo que não tem qualquer fundamento essa pretensão supletiva.
A atenuação especial da pena, ante a gravidade dos ilícitos e da culpa dos arguidos, só no quadro da legislação especial para jovens imputáveis poderia ser equacionada.
E, já se viu, essa legislação não tem aqui base factual para ser aplicada.
3. Termos em que, nos termos expostos, concedem parcial provimento ao recurso e, nos mesmo termos, revogam em parte a decisão recorrida, ficando agora os arguidos condenados nas penas únicas conjuntas correspondentes ao cúmulo jurídico, de 10 (dez) anos de prisão, para o A e 7,5 (sete anos e meio) de prisão para a B; mas negando-lhe provimento no mais, confirmam inteiramente o decidido.
Pelo decaimento os arguidos pagarão taxa de justiça que se fixa em 10 e 7 unidades de conta, respectivamente para o A e para B .
Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Junho 2002
Pereira Madeira,
Simas Santos,
Abranches Martins.
----------------------------------------------
(1) Não falando já, na enigmática construção sintáctica e por vezes pouco ortodoxa observância das regras de ortografia.
(2) Cfr. i. a., Jorge Alexandre Fernandes Godinho, Do Crime de Branqueamento de Capitais Introdução e Tipicidade, Almedina 2001, págs. 238 e segs.
(3) Ob. cit., págs. 238.
(4) Nomeadamente, Rodrigo Santiago «O branqueamento» de capitais e outros produtos do crime», na RPCC, Ano 4, págs. 535; António Henriques Gaspar «Branqueamento de Capitais», em Droga e Sociedade - O Novo Enquadramento Legal, GPCCD, Ministério da Justiça, 1994, págs. 133; Lourenço Martins Droga e Direito, 1994, págs. 137/8.
(5) Branqueamento de Capitais - O Regime do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, e a Normativa Internacional, Porto 2002, Publicações Universidade Católica, págs. 109 e segs.
(6) E aponta , em sentido inverso o autor citado, a doutrina do Acórdão de 23 de Março de 2000, deste Supremo Tribunal, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VIII, Tomo I, 2000, págs. 227, de resto coincidente na mesma doutrina com outro (?) do mesmo Supremo Tribunal invocado pelos recorrentes (Acórdão de 15/3/2000, Proc. 16.00 da 5.ª Vara Criminal de Lisboa), «e de cuja leitura, salvo o devido respeito, não parece resultar algum argumento científico que de forma consistente alicerce a opção então assumida pelo S.T.J.»
(7) Cfr., por todos, Eduardo Correia, Figueiredo Dias, citados por Simas Santos e Leal-Henriques, Código Penal Anotado, 3.ª edição, págs. 382 e segs.