Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
122/09.2TJLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO TRINDADE
Descritores: ACÇÃO INIBITÓRIA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
INTERESSE EM AGIR
MINISTÉRIO PÚBLICO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
ÓNUS DA PROVA
BOA FÉ
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DUPLA CONFORME
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 11/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA EM PARTE A REVISTA E NÃO CONHECIDO EM PARTE O SEU OBJECTO
Área Temática:
DIREITO CIVIL - EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO / LEGITIMIDADE DAS PARTES - PROCESSO / INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / RECURSOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol .III, p. 386.
- Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, p. 597.
- António Pinto Monteiro, “Cláusulas Contratuais Gerais: da desatenção do legislador de 2001 à indispensável interpretação correctiva da lei”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Höster, 2012, pp. 141 a 150 (nota de rodapé n.º 10).
- Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7.ª edição, p. 262.
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª edição, p. 75.
- José Manuel da Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, pp. 373, 388.
- Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3.º, p. 19.
- Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, p. 27, nota 17.
- Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, vol. III, p.364.
- Pereira da Silva, em intervenção no âmbito do “Colóquio sobre o Processo Civil”, realizado neste mesmo Supremo Tribunal de Justiça em 27-5-10, acessível através de www.stj.pt/colóquios .
- Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, p.62.
- Teixeira de Sousa, “Dupla Conforme: critério e âmbito da conformidade”, em Cadernos de Direito Privado, nº 21, p. 21 e segs..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º2, 343.º, N.º1, 810.º, 811.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 26.º, 287.º, 487.º, 493.º, 516.º, 721.º, N.º 3 (NA REDACÇÃO DO DL N.º 303/2007, DE 24-08).
DL 446/85, DE 25-10: - ARTIGOS 1.º, N.º1, 25.º, 26.º, 15.º, 16.º, 30.º, 32.º, 33.º .
DL N.º 67/2003, DE 08-04, NA REDACÇÃO INTRODUZIDA PELO DL N.º 84/2008, DE 21-05: - ARTIGO 5.º, N.º6.
LEI N.º 41/2013, DE 26-06: - ARTIGOS 5.º, N.º1, 8.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 3-05-1985, CJSTJ, 1985, TOMO II, P. 61 E SS..
-DE 11-10-2005, PROCESSO N.º 04B1685, EM WWW.DGSI.PT E DE 19.9.2006, PROCESSO N.º 06A2616; DE 14.2.2002, IN CJSTJ, I, 100, DE 19-04-2012 PROCESSO N.º 1401/09.4YXLSB.L1.S1; DE 14-04-2011, PROCESSO N.º 2206/09.8TJLSB.L1.S1; DE 31-05-2011, PROCESSO N.º 854/10.2TJPRT.S1; E DE 08-05-2013 PROCESSO N.º 813/09.8YXLSB.S1. TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.STJ.PT E WWW.DGSI.PT .
-DE 12-07-2007, PROCESSO N.º 1701/07.
-PROCESSOS N.ºS 105/08.0TBRSD.P1-A.S1 E 1092/08.0TBTMR.C1.S1, AMBOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 14-04-2011, PROCESSO N.º 2206/09.8TJLSB.L1.S1,, DE 31-05-2011 E DE 08-05-2013, PROCESSO N.º 813/09.8YXLSB.S1, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 05-02-2013, PROCESSO N.º 684/10.1YXLSB.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 08-05-2013, PROCESSO N.º 813/09.8YXLSB.S1.
Sumário :
I - Aos recursos em que seja aplicável o regime de recursos decorrente do DL n.º 303/2007, de 24-08, o conceito de dupla conforme – conducente à inadmissibilidade de recurso – deve ser interpretado não só no sentido de que, no caso de pedidos diferenciados, a conformidade ou desconformidade tem que ser aferida isoladamente em relação a cada um dos segmentos deles, como, ainda, nos casos em que a Relação profere uma decisão que se revela mais favorável ao recorrente do que a proferida pela primeira instância.

II - As alterações introduzidas pela proponente na redacção das cláusulas contratuais abusivas, de forma a expurgá-las dos vícios arguidos, não determina a ilegitimidade do Ministério Público ou a inutilidade superveniente da lide da correspondente acção inibitória.

III - Atingindo a acção inibitória a proibição de cláusulas insertas em contratos que continuam a vigorar, logo por aqui se verifica o interesse em agir.

IV - A acção inibitória assume a feição de declaração negativa, incumbindo ao réu o ónus probatório dos factos constitutivos do direito que se arroga (art. 343.º, n.º 1, do CC).

V - Alegando a predisponente (ré) que a fixação da cláusula de permanência mínima (cláusula penal de fidelização) é justificada pelos custos incorridos com as infraestruturas para prestação do serviço e com os equipamentos entregues ao cliente, é a mesma desproporcionada se abarca, não apenas o período de fidelização inicial, em que tais custos foram recuperados, mas também o período de renovação automática subsequente.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :

1-O Ministério Público

intentou,em 2009-01-12   contra

PT Comunicações, S.A.,  

acção inibitória, ao abrigo do disposto nos arts. 25.º e 26.º, n.º 1, al. c), do DL n.º 446/85, de 25-10, na redacção que lhe foi conferida pelos DL n.º  220/95, de 31-08 e 249/99, de 07-07, pedindo

a declaração de nulidade das cláusulas 14.a, n.º 3; 10.ª, n.º 6; 10.ª, n.º 5; 9.ª, n.º 5; 11.ª, n.º 4; e 3.ª, n.º 6, dos contratos juntos com a petição inicial com os n.°s 2, 3, 4, 5, 6 e 7, respectivamente, condenando-se a ré a abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar.

2 - Para tanto e em síntese alegou que que a ré inseriu no texto dos contratos já impressos que apresenta aos seus clientes as cláusulas em questão, sendo que o uso das cinco primeiras – cláusulas 14.a, n.º 3; 10.ª, n.º 6; 10.ª, n.º 5; 9.ª, n.º 5; 11.ª, n.º 4 – é proibido por lei porquanto estabelecem um prazo de fidelização que envolve, no caso de incumprimento imputável ao aderente, uma desconformidade manifesta entre a penalidade e o prejuízo, em prol da ré, sendo nulas atendendo ao quadro negocial padronizado, nos termos do art. 19.°, al. c), do DL n.º 446/85, de 25-10.
E no tocante à clausula 3.a, n.° 6, do contrato junto como documento n.° 7, alega o autor, ela "consagra uma solução de desequilíbrio valorativo, denotando procurar alcançar os seus próprios objectivos sem considerar, de modo minimamente razoável, os interesses legítimos do cliente, sendo por isso contrária à boa-fé e como tal proibida por força do artigo 15.° do mesmo diploma" 

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3- Devidamente citada para a causa a Ré contestou  alegando  que em consequência de decisão da ANACOM de que foi notificada em 29-12-2008, procedeu à adaptação dos contratos que utiliza às novas regras aplicáveis sobre o conteúdo mínimo a incluir nos contratos para a prestação dos serviços de comunicação electrónica, nomeadamente no que respeita à justificação do período de fidelização, assinalando que não se verifica a apontada desconformidade entre a penalidade e os danos sofridos e acrescentando que parte dessas cláusulas já não são usadas (clausulas 10.a, n.° 6, e 10.a, n.° 5) ou foram eliminadas (cláusula 3.a, n.° 6), razão pela qual o resultado ou fim pretendido através da presente acção já foi atingido, tornando-a assim inútil.
Mais sustentou que as cláusulas de fidelização visam a recuperação dos custos incorridos com a oferta do serviço, pelo que, enquanto cláusulas de natureza penal, não são desproporcionadas.

O autor apresentou réplica, a pugnar pela improcedência da invocada inutilidade da lide, pois, sustenta, "só a declaração de nulidade das cláusulas mencionadas tem a virtualidade de sanar eventuais efeitos danosos já produzidos em contratos celebrados com a inclusão de tais cláusulas".

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4-Foi proferido despacho que no qual foi julgada improcedente a inutilidade superveniente da lide e foi seleccionada a matéria de facto já assente e controvertida (base instrutória) com vista à sua ulterior demonstração.

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5- Após realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença em que se julgou a acção parcialmente procedente, e em consequência declarou nula a cláusula 3.ª, n.º 6, inserta no documento n.º 7 junto com a petição inicial, e condenou a ré a abster-se de a usar em qualquer contrato, bem como a dar publicidade a tal determinação, absolvendo-a quanto ao mais pedido.

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6-Inconformados, apelaram desta decisão o Autor e a Ré .

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7- A Relação, decidiu julgar improcedente a apelação interposta pela ré e parcialmente procedente a apelação interposta pelo autor e, consequentemente, condenou a ré PT - Comunicações, S.A., a:
- Abster-se de usar as cláusulas 10.6, 10.5 e 9.5, transcritas sob as alíneas F), G) e H) do elenco de "factos provados", quanto ao segmento em que se prevê a extensão da cláusula penal ao período de vigência subsequente, reiterando-se no mais a nulidade decidida na sentença relativamente à clausula 3.6. do documento junto com a p.i. sob o n.° 7;
- Dar publicidade à proibição agora decidida, após o trânsito da decisão, mediante a publicação em dois jornais diários de maior tiragem, em anúncio de dimensão não inferior a 1/8 de página, comprovando nos autos a observância desta imposição, no prazo de 10 dias, após a baixa dos autos.

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8. É desta decisão que vem interposta revista pela R. que encerra as alegações com as seguintes conclusões:

A.         Vem o presente Recurso de Revista interposto do douto acórdão de 26 de Fevereiro de 2013, no qual o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente a apelação interposta pela ré e parcialmente procedente a apelação requerida pelo Ministério Público e, consequentemente condenou a PT Comunicações, a abster-se de usar as cláusulas 10.6, 10.5 e 9.5 transcritas sob as alíneas F), G, e H) do elenco de factos provados, bem como reiterou a nulidade da cláusula 3.6 do documento junto com a p.i. sob o n.º 7 e condenou a recorrente a dar publicidade a esta decisão.

B.         Nos termos do artigo 19.º, al. c) do DL n.º 446/85, “são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente as cláusulas contratuais gerais desproporcionais aos danos a ressarcir.”

C.         Entendeu a douta decisão recorrida considerar nulas as cláusulas 10.6, 10.5 e 9.5 por aplicação desta norma legal.

D.         Entende a ora recorrente que esta aplicação do direito e a interpretação efectuada pela douta decisão desta norma é nula e viola a norma legal.

E.          Com efeito, não resultou provada qualquer desconformidade entre a penalidade prevista nas cláusulas em causa e o prejuízo, em prol da ré, ora recorrente.

F. Antes ficou provado exactamente contrário, isto é, que o incumprimento dos períodos de fidelização acarreta prejuízos para a ré e dos quais esta tem, necessariamente de ser ressarcida, e não apenas os prejuízos decorrentes do tratamento e da gestão dos contratos como pretendia o M.º P.º.

G.         As cláusulas 10.6, 10.5 e 9.5 transcritas sob as alíneas F), G), e H) do elenco de factos visam também a recuperação dos custos de investimento suportados pela Ré com a instalação e activação do serviço, bem como os dispendidos, entre outros, com a angariação e cedência do equipamento necessário à prestação do serviço, custos que ficam exclusivamente a cargo da ré. 

H.         Inexiste, por este motivo, qualquer fundamento para a sua nulidade, por não se verificar a referida desproporcionalidade.

I. O qualificativo “desproporcionadas” não aponta para uma pura e simples superioridade das penas preestabelecidas em relação ao montante dos danos. Pelo contrário, deve entender-se, de harmonia com as exigências do tráfico e segundo juízos de razoabilidade, que a hipótese em análise só ficará preenchida quando se detectar uma desproporção sensível (Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação ao DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, Almedina 1990, pág. 47)”.

J. Sendo também entendido pela jurisprudência dominante dos nossos Tribunais Superiores que o qualificativo “desproporcionado” não aponta para uma pura e simples superioridade das penas pré-estabelecidas em relação ao montante dos danos.

K.         Pelo contrário, deve entender-se, de harmonia com as exigências do tráfico e segundo um juízo de razoabilidade, que as hipóteses em análise só ficarão preenchidas quando se detectar uma desproporção sensível, o que, como se verifica, não é o caso.

L. Não existe qualquer desproporção entre os custos incorridos pela ré e a penalidade aplicada aos clientes que promovam a cessação do contrato em referência antes de decorrido o período mínimo a que, livremente, se vincularam.

M.A valoração das referidas cláusulas deverá igualmente atender ao tipo de negócio em causa e aos elementos que normativamente o caracterizam (vide, neste sentido, Acórdão do TRL, Proc. 8467/2007-6, de 22/11/2007, disponível em www.dgsi.pt).

N.         Valoração que não foi efectuada no douto acórdão recorrido!

O.         Neste âmbito, ficou provado que as referidas cláusulas fazem parte da prática comercial seguida, quer a nível nacional, quer a nível europeu por todos os operadores que actuam neste sector.

P. Remetendo a Lei para o chamado “quadro negocial padronizado”, a valoração haverá de fazer-se tendo como referente, não o contrato singular ou as circunstâncias do caso, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o caracterizam, no interior do todo do regulamento contratual genericamente predisposto (Almeno de Sá, pág. 259). 

Q.         Devendo tal valoração também ser realizada em conjunto com o restante regulamento contratual genericamente predisposto (cfr, neste sentido, Acórdão TRL, Proc. 2126/2007-8, de 10/05/2007, disponível em www.dgsi.pt).

R.         No mesmo sentido se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/09/08 (acessível em www.dgsi.pt), onde se considera que “a penalidade estabelecida para o incumprimento da cláusula de fidelização inserida em contrato que corresponde ao pagamento das mensalidades do período de vigência do contrato não é desproporcionada”, pelo que não deve ser considerada nula.

S. Face ao exposto, as cláusulas contratuais em questão não devem ser consideradas nulas, uma vez que, atendendo ao quadro negocial padronizado, não representam clausulas penais desproporcionadas aos danos que visam recuperar.

T.          Devendo ser consideradas válidas por serem conformes com os princípios da boa-fé e não representarem qualquer desconformidade entre a penalidade imposta e o prejuízo sofrido pela ré.

U.         Mesmo que tal não fosse, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, ficou provado que a recorrente já não utiliza tais cláusulas nos seus contratos.

V.         Tendo procedido à sua alteração em conformidade com a deliberação do conselho de administração do ICP-ANACOM de 11/12/2008, que aprovou a decisão final relativa à alteração das Linhas de Orientação sobre o conteúdo mínimo a incluir nos contratos para a prestação dos serviços de comunicações electrónicas, decorrente da Lei nº 12/2008, de 26 de Fevereiro.

W.        De acordo com a mencionada deliberação do ICP-ANACOM, dos contratos com períodos de fidelização ou permanência passou a constar, obrigatoriamente, “a justificação do período de fidelização pela concessão de contrapartidas ou benefícios ao cliente, designadamente como resultado da subsidiação de equipamento, de custos de angariação ou de custos de activação do serviço ou de descontos contratados”.

X.         Em cumprimento da referida decisão, a PT Comunicações procedeu à adaptação dos contratos que utiliza às novas regras aplicáveis, sendo as versões reformuladas dos referidos contratos as mais actuais, todas elas reflectindo o quadro legal e regulamentar actualmente em vigor.

Y.         Desta forma, fica assegurada a justificação e patente o equilíbrio entre o valor da penalidade e os danos sofridos em consequência do incumprimento pelo cliente dos contratos.

Z. O resultado ou fim pretendido com a presente acção foi atingido, em parte, por via da Entidade Reguladora que determinou a alteração das cláusulas.

AA.Quanto à cláusula 3.ª, n.º 6 das “Condições Gerais de Prestação de Serviços de Comunicações Electrónicas” a que se refere o artigo 25.º da p.i. importa referir que, procedendo à adaptação das condições gerais de prestação dos serviços em referência à nova regra introduzida pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, a ré, ora recorrente, eliminou pura e simplesmente a cláusula em apreço.

BB.Até à entrada em vigor desse diploma, inexistia qualquer fundamento legal para a nulidade da referida cláusula, tendo sido a ora Recorrente quem, de forma voluntária, conformou o conteúdo dos seus contratos com o da nova legislação, aplicando-a mesma aos contratos em curso.

CC.A nulidade da referida cláusula apenas se verifica na sequência da entrada em vigor do DL n.º 84/2008, sendo que, a partir dessa data, a mesma já não se verifica, uma vez que a referida cláusula deixou de existir, em conformidade com a disposição legal constante do referido diploma.  

DD.Mesmo que não ocorra condenação na presente instância a recorrente não poderá voltar a celebrar contratos com aquele conteúdo, uma vez que tal lhe está legalmente vedado, desde logo, pela alteração levada a cabo pelo já referido DL n.º 84/2005.

EE.É a própria imposição legal de tal garantia que obsta a que a ora recorrente possa voltar a celebrar contratos com aqueles conteúdos, o que consistiria, desde logo nulidade, nos termos do artigo 10.º do DL n.º 67/2003, motivo pelo qual a decisão sobre a nulidade da cláusula em questão é absolutamente desnecessária e inútil, tendo, por isso, desaparecido o interesse da pretensão do Mº Pº.

FF.Eliminada, por imposição legal, a cláusula 3.6 não se justifica a declaração de nulidade da cláusula em causa, mostrando-se verdadeiramente prejudicado o reconhecimento judicial dessa nulidade, não havendo interesse na acção inibitória.

GG.Analisando o regime legal condensado no diploma das clausulas contratuais gerais (CCG), observamos que o escopo, essencial e exclusivo, intencionalmente querido pelo legislador no Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10, é o de fazer proibir - para o futuro - o uso de cláusulas contratuais gerais que atentem contra a boa-fé (artigos 16.º e n.º 1 do art. 25.º), dando-se ao cuidado de descrever e concretizar as cláusulas que são absolutamente proibidas (artigos 18.º e 21.º) e aquelas que se consideram relativamente proibidas (artigos 19.º e 22.º).

HH.Com a presente acção pretende o Ministério Público acautelar, para o futuro, em termos de conformidade à lei, o teor das cláusulas dos contratos que o réu vem celebrando com os seus Clientes.

II.          Ora, essa conformidade já foi alcançada, conforme demonstrado nos presentes autos, não por causa da presente acção mas por imposição legal e regulamentar.

JJ.Sendo que uma hipotética sentença condenatória apenas se limitaria aos contratos futuramente celebrados e nem sequer seria aplicável aos contratos em vigor ou aos já findos.

KK.      Tal decorre da interpretação do n.º 2 do artigo 32.º da mencionada LCCG, que restringe a expressão “nos termos referidos no número anterior” como referindo-se apenas às CCG objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, mas que sejam incluídas em contratos que o demandado venha a celebrar.

LL.Almeida Costa e Menezes Cordeiro (Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, página 63) são claros no sentido desta interpretação (ainda que sem discutirem a opção entre as duas).

MM.Ainda que a discussão se não situasse nesta opção, também Pinto Monteiro (RLJ, Ano 140.º, 141) escreveu que “quando o n.º 2 desta norma remete para o n.º 1 (“nos termos referidos no número anterior”) pressupõe-se que está aqui consagrada a proibição de o demandado incluir, nos contratos que venha a celebrar, CCG. proibidas na acção inibitória”.

NN.O escopo, essencial e exclusivo, intencionalmente querido pelo legislador no Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10, é o de fazer proibir - para o futuro - o uso de cláusulas contratuais gerais que atentem contra a boa-fé (artigos 16.º e n.º 1 do art. 25.º);

OO.É neste contexto jurídico-processual que assiste ao Ministério Público legitimidade para a acção inibitória, destinada a obter a condenação na abstenção do uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais (art.º 25.º, n.º 1, al.ª c), nesta se avaliando a natureza proibitiva de cláusulas gerais integrantes de individualizado contrato.

PP.Temos, porém, como certo que a medida de proibição de uso de uma evocada cláusula geral contrária à boa-fé deixa de ter sentido se, muito embora seja passível de exame de objectiva suspeição, ela não está efectivamente a ser praticada nem há motivo para recear que seja posta em execução.

QQ.Tendo na devida conta o real interesse que a acção inibitória demarca - fazer proibir para o futuro o uso de cláusulas contratuais gerais que atentem contra a boa-fé - havemos de concluir que, porque a recorrente já não pratica agora essa apregoada infracção, se não justifica que seja condenado a omitir a prática de uma acção que ele efectivamente não está a executar.

RR.Vale isto por dizer que ao Ministério público deixou de assistir legitimidade para insistir que a recorrente seja condenado a preterir um acto que, realmente, já não comete e, em consequência deve a recorrente ser absolvida da instância - art.º 287.º, n.º 1, al. d), do C.P.Civil conforme foi já decidido por esse colendo tribunal em Acórdãos de 05/12/2011, no processo 1593.08.0TJLSB.LL. S1 e 02/21/2013 no processo 2839/08.0YXLSB.L1.S1, ambos disponíves em dgsi.pt.

SS.O que vem sendo dito também vale, mutatis mutandis, quanto à publicidade deixada ao critério do tribunal pelo artigo 30.º da mesma Lei.

TT.Neste sentido, afigura-se desproporcional face ao caso dos autos, a condenação da recorrente em proceder à publicação da decisão em dois jornais diários, não sendo esta a forma mais correcta para atingir o fim de informar os consumidores da não aplicação das ditas cláusulas, até porque encontra-se demonstrado nos autos que as cláusulas em causa deixaram de ser utilizadas pela recorrente, não sendo aplicadas sequer nos contratos ainda em vigor, existindo actualmente um   regime   imperativo   quanto às mesmas, quer no que à fidelização diz respeito quer mesmo no tocante á garantia.

UU.Assim, a lesão à imagem do recorrente pela aplicação das medidasprevistas no n.º 2 do artigo 30.° da LCCG, corresponde a um erro na interpretação do mesmo artigo, imputando às mesmas uma função punitiva que estas claramente não têm.

VV.      O acórdão em recurso é, por isso, ilegal, mostrando-se violados os arts. 12.°, 15.°, 16.° e 30.° da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais

(Decreto-Lei n.º 446/85, versão em vigor).

WW.     Não subsistindo a declaração incidental de nulidade, deve a presente acção ser julgada extinta por inutilidade superveniente e por falta de interesse em agir do Ministério Público ou, quando assim se não entenda, deve ser julgada improcedente, revogando-se em consequência o douto Acórdão recorrido.

Contra-alegou o recorrido, sustentando:

- A questão prévia da inadmissibilidade do recurso quanto à nulidade da cláusula 3.6 por, quanto a ela, existir dupla conforme nas instâncias;

- A manutenção, quanto ao demais, do decidido no acórdão da Relação.

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9- Matéria de facto:

1. A ré é uma sociedade anónima matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, 4.ª secção, sob o número ….

2. A ré tem por objecto social: "O estabelecimento, a gestão e a exploração das infra-estruturas de telecomunicações, a prestação de serviços de telecomunicações, dos serviços de transporte e difusão de sinal das telecomunicações de difusão, bem como o exercício de quaisquer actividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias daquelas, directamente ou através da constituição ou participação em sociedades".

3. No exercício de tal actividade, a ré procede à celebração de contratos que têm por objecto os serviços:

- telefónico através de cartão virtual de chamadas;

- de acesso à Internet SAPO ADSL;

- de acesso à Internet SAPO ou Telepac ADSL;

- de televisão e multimédia;

- de comunicações electrónicas.

4. Para tanto, a ré elaborou clausulados já impressos, com os títulos:

- "Condições Gerais de Prestação do Serviço Telefónico Acessível ao Público Num Local Fixo Através de Cartão Virtual de Chamadas";

- "Condições Gerais de Prestação do Serviço Sapo ADSL ";

- "Condições Gerais de Prestação do Serviço Sapo ou Telepac ADSL sem Serviço Telefónico Fixo Associado";

- "Condições Específicas de Prestação do Serviço de Acesso à Internet Sapo ou Telepac ADSL”;

- "Condições Específicas de Prestação do Serviço de Televisão e Multimédia";

- "Condições Gerais de Prestação de Serviços de Comunicações Electrónicas", cujos teores se dão aqui como integralmente reproduzidos.

5. Nos termos da cláusula 14.ª, n.° 3 das "Condições Gerais de Prestação do Serviço Telefónico Acessível ao Público num Local Fixo através de Cartão Virtual de Chamadas", sob a epígrafe "Vigência":

- 14.3. Caso o CLIENTE promova a rescisão do Contrato ou o mesmo cesse por motivo que lhe seja imputável, antes de decorrido o período inicial mínimo referido no número 1 desta Cláusula, a PT COMUNICAÇÕES terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: [Período inicial mínimo de vigência - n.° de meses em que o serviço foi efectivamente prestado] x valor mensal do carregamento obrigatório de acordo com o tarifário em vigor.

6. Por sua vez, segundo a cláusula 10.ª, n.º 6, das "condições gerais de prestação do serviço sapo ADSL", sob a epígrafe "Vigência e denúncia":

- 10.6. Fora dos casos previstos na Cláusula 15., em caso de rescisão do Contrato pelo Cliente ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período mínimo de vigência, inicial ou subsequente, a PTC terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: [período mínimo de vigência – n.° de meses em que os Serviços estiveram activos] x [valor da mensalidade].

7. Estipula a cláusula 10.a, n.° 5 das "Condições Gerais de Prestação do Serviço Sapo ou Telepac ADSL sem Serviço Telefónico Fixo Associado", sob a epígrafe "Vigência e denúncia":

- 10.5. Fora dos casos previstos na cláusula 15., em caso de rescisão do contrato pelo cliente ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período mínimo de vigência, inicial ou subsequente, a PTC terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: [período mínimo de vigência - n° de meses em que os Serviços estiveram activos] x [valor da mensalidade].

8. Em consonância com a cláusula 9.ª, n.º 5, das "Condições Específicas de Prestação do Serviço de Acesso à Internet Sapo ou Telepac ADSL", sob a epígrafe "VIGÊNCIA":

- Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas, pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período mínimo de vigência, inicial ou subsequente, a PT terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: [período mínimo de vigência – n.° de meses em que o serviço estiver activo] x [valor da mensalidade].

9. Estabelece, ainda, a cláusula 11.ª, n.º 4 das "Condições Específicas de Prestação do Serviço de Televisão e Multimédia", sob a epígrafe "Vigência, Denúncia e Rescisão":

- 11.4. Fora dos casos previstos na Condição 12.5 e 12.6, em caso de rescisão das presentes Condições Específicas, pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período mínimo de vigência, inicial ou subsequente, a PT terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência – n.° de meses em que o serviço estiver activo) x (valor da mensalidade).

10.Nos termos da cláusula 14.ª, n.º 1, das condições gerais referidas em 5., o período inicial mínimo de vigência é de doze meses.

11.Nos termos das cláusulas 10.ª, n.º 1 e 3 das condições gerais referidas em 6. e 7. e da cláusula 9.ª, n.°s. 1 e 3 das condições gerais referidas em 8., o período mínimo de vigência inicial, caso nada esteja definido nas condições de oferta dos serviços, é de um ano, sendo o período mínimo subsequente também de um ano.

12.De acordo com a cláusula 11.ª, n.º 1 das condições gerais referidas em 9., o período mínimo de vigência inicial no contrato de prestação de serviço de televisão e multimédia é de vinte e quatro meses.

13.Consta da cláusula 3.ª, n.º 6 das "Condições Gerais de Prestação de Serviços de Comunicações Electrónicas", sob a epígrafe "EQUIPAMENTO TERMINAL":

- 3.6 O CLIENTE expressamente reconhece e aceita que, em caso de compra, a alteração do equipamento, por motivo de avaria, não alarga o período de garantia para além do inicialmente estabelecido.

14.A ré apresenta aos interessados que com ela pretendam contratar os clausulados mencionados nas alíneas 4. a 9.

15.Os referidos clausulados não contêm quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes que em concreto se apresentem.

16.Aos contratantes apenas é permitido aceitar ou não esses clausulados, estando-lhes vedado alterá-los, através de negociação.

17.Os valores, mensal ou da mensalidade, indicados nas cláusulas referidas nas alíneas 5. a 9., constituem o preço ou parte do preço devido pela prestação dos serviços em questão.

18.A clausula 4.ª das condições referidas em 5. foi alterada, em data indeterminada do mês de Janeiro de 2009, através da nova redacção dada ao ponto 14.2, onde passou a constar o seguinte: "O período inicial mínimo justifica-se pelos custos de investimento da PT Comunicações na instalação da linha telefónica analógica".

19. A cláusula constante da alínea 8. foi alterada, em data indeterminada do mês de Janeiro de 2009, aditando-se-lhe o ponto 9.7, onde passou a constar o seguinte: "O período mínimo inicial ou subsequente de vigência das presentes Condições Específicas justifica-se pela existência dos custos de investimento no equipamento indispensável à prestação do serviço, bem como pelos custos de activação do serviço e ainda da angariação, podendo o CLIENTE, a todo o momento, através dos contactos disponibilizados no sítio da Internet www.ptcom.pt, saber quando se conclui o período mínimo de vigência em curso, bem como qual o valor que terá de pagar a título de indemnização por rescisão antecipada das presentes Condições Específicas.

20.A cláusula reproduzida na alínea 9. também foi alterada, em data indeterminada do mês de Janeiro de 2009, aditando-se o n.° 11.6, com a seguinte redacção: "O período mínimo de vigência das presentes Condições Específicas justifica-se pela existência de custos de investimento no equipamento indispensável à prestação do serviço, bem como pelos custos de activação do serviço e ainda de angariação, podendo o CLIENTE, a todo o momento, através do número de apoio ao CLIENTE 16200, saber quando se conclui o período mínimo de vigência em curso, bem como qual o valor que terá de pagar a título de indemnização por rescisão antecipada das presentes Condições Específicas".

21.A cláusula referida em 13. foi eliminada.

22.O período mínimo inicial correspondente a 12 meses referido na alínea 5. visa compensar a ré pelos investimentos que tem de efectuar para instalar o serviço, desenvolver e manter a rede de infra-estruturas de âmbito nacional que suporta os seus serviços.

23.Com a aplicação desta cláusula, a ré obterá apenas a recuperação dos custos em que incorre com a prestação do serviço.

24.Tais custos representam uma contrapartida para os clientes e serão diluídos e recuperados ao longo do tempo.

25.O período inicial de 12 meses representa ainda contrapartida da cedência gratuita da linha telefónica, ou seja, do não pagamento mensal da assinatura.

26.Os clientes da ré são alertados para o facto de que os referidos equipamentos e demais benefícios concedidos são disponibilizados tendo como contrapartida a subscrição dos serviços durante o apontado período de 12 meses através dos tarifários e dos folhetos publicitários.

27.A cláusula referida na alínea 8. visa também a recuperação dos custos de investimento suportados pela ré com a instalação e activação do serviço, bem como os despendidos, entre outros, com a angariação e cedência do equipamento necessário à prestação do serviço ADSL contratado.

28.Também estes custos ficam exclusivamente a cargo da ré.

29.Pressupondo a sua amortização a permanência no serviço pelo período mínimo de 12 meses.

30.Os clientes da ré são alertados para o facto das referidas vantagens e equipamento disponibilizados terem como contrapartida a subscrição dos serviços da ré durante o aludido período de 12 meses através dos tarifários e dos folhetos publicitários.

31.O período mínimo inicial de vigência do contrato de 24 meses, referido na alínea 12. destina-se à recuperação dos custos de investimento suportados pela ré com o arranque do serviço e desenvolvimento da rede de infra-estruturas que suporta tais serviços, bem como dos custos de angariação e de marketing e de instalação e activação do serviço e os despendidos nos equipamentos necessários à prestação do serviço.

32.Tais custos ficam exclusivamente a cargo da ré.

33.Os clientes são alertados para o facto de que os referidos equipamentos e vantagens disponibilizados têm como contrapartida a subscrição do serviço durante o período mínimo de 24 meses através dos tarifários e folhetos publicitários.

34.Os custos suportados pela ré com a disponibilização deste serviço são diluídos e recuperados durante o período de fidelização estabelecido.

35.Os períodos mínimos inicial e subsequente, referidos em 11. visam compensar a ré pelos custos de investimento que teve de efectuar para poder prestar o serviço, bem como os custos dos equipamentos entregues aos clientes e que ficavam a cargo da ré, sendo que o período subsequente só existe se o cliente aderir a uma nova oferta e com o acordo expresso do cliente.

36.As condições referidas nas alíneas 5. a 12. fazem parte da prática comercial seguida quer a nível nacional quer a nível europeu por todos os operadores que actuam neste sector.

10-O mérito da causa:

Ao presente recurso são aplicáveis as alterações introduzidas pelo DL nº 303/2007, 24/8 ( artº 11º, nº 1 deste mesmo diploma legal),ao Código de Processo  Civil.

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil.

As questões a resolver são as seguintes:

A. A questão prévia da (in)admissibilidade de conhecimento do objecto do recurso quanto aos segmentos em que se verifique a dupla conforme;

B. As excepções de ilegitimidade do Ministério Público ou falta de interesse em agir, bem como a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide;

C. Se devem ser consideradas nulas as cláusulas incluídas no objecto do recurso.

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A- A questão prévia da (in)admissibilidade de conhecimento do objecto do recurso quanto aos segmentos em que se verifique a dupla conforme

A ré-recorrente interpôs recurso da decisão, proferida pelo Tribunal da Relação, em todos os segmentos em que foi condenada, a saber, a declaração de nulidade das cláusulas de fidelização (cl. 10.6; 10.5 e 9.5); de exclusão da garantia (cl. 3.6) e de publicidade da proibição decretada.

Em tal segmento decisório confirmou a decisão da primeira instância quanto à declaração de nulidade da cláusula 3.ª, n.º 6, bem como da condenação da ré a dar publicidade a tal determinação.

Acórdão que foi proferido por unanimidade (sem voto de vencido) e, que neste segmento, confirmou integralmente a sentença proferida em primeira instância.

O Ministério Público sustentou que, em face da decisão das instâncias ser igual, e o acórdão recorrido ter sido lavrado em voto de vencido, existe dupla conforme, a vedar o recurso para este Supremo Tribunal.

A acção deu entrada a 12 de Janeiro de 2009, na vigência do regime de recursos decorrente do DL n.º 303/2007, de 24-08.

Tal regime foi alterado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, que entrou em vigor a 1 de Setembro de 2013 (art. 8.º), e é imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes (art. 5.º, n.º 1) e aos recursos interpostos de acções intentadas após 01-01-2008.

Os pressupostos de admissibilidade do recurso aferem-se à data da sua interposição – momento em que se inicia a instância de recurso.

Pelo que aos presentes autos se aplica o regime de recursos resultante do DL n.º do DL n.º 303/2007, de 24-08.

Prescreve o artigo 721.º, n.º 3, do CPC, na aludida redacção do DL n.º 303/2007, de 24-08, que não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido, a decisão proferida na 1.ª instância, fora excepções (art. 721.º-A, do CPC) que aqui não importam.

Consagrou-se com esta norma o sistema da “dupla conforme” , figura que visou levar a cabo uma filtragem no regime de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, vedando-o, por regra, nos casos das decisões da Relação que confirmassem, sem voto de vencido a decisão da primeira instância.

No caso de pedidos múltiplos ou cumulativos, esta conformidade ou desconformidade deveria que ser aferida isoladamente em relação a cada um dos segmentos da decisão final em que há pronúncia sobre esses pedidos, separando as respostas dadas aos diversos pedidos formulados – neste sentido, cf. entre outros, os acórdãos proferidos no âmbito das Revistas 105/08.0TBRSD.P1-A.S1 (relator Lopes do Rego) e 1092/08.0TBTMR.C1.S1 (relator Oliveira Vasconcelos), ambos disponíveis in www.itij.pt.

Como se refere no primeiro dos citados acórdãos, «um conceito restritivo de dupla conformidade, fundado na exigência de sobreposição plena ou irrestrita das decisões das instâncias, não pode deixar de se verificar, em concreto, qual a exacta configuração de cada um dos casos sub juditio, não sendo possível desligar em absoluto a referida exigência de coincidência total das decisões da peculiar fisionomia da situação concreta em apreciação. É que, por um lado, tal exigência não pode desvincular-se da existência ou inexistência de objectos processuais perfeitamente autónomos e cindíveis – não se vislumbrando razão válida para, perante uma pluralidade de pretensões cindíveis (agrupadas numa mesma causa apenas pelo facto de existir algum nível de conexão entre elas), permitir irrestritamente a revista, quando sobre a matéria de uma delas incidiram decisões perfeitamente conformes e sobrepostas das instâncias : e, por isso, por exemplo, havendo reconvenção, a verificação do requisito da dupla conformidade deverá, em princípio, ser analisada separadamente em relação aos segmentos decisórios que se pronunciaram sobre a acção e a reconvenção, salvo se ocorrer uma relação de incindibilidade (…)».

Assentando a admissibilidade da dupla conforme, individualizadamente, quanto a cada um dos segmentos decisórios que constituam objectos processuais perfeitamente autónomos e cindíveis, a jurisprudência consolidou, ainda, o entendimento de que a ratio –elemento e teleológico da interpretação – deste preceito se aplica aos casos em que a decisão recorrida represente para o recorrente uma situação mais vantajosa do que a que por ela foi apreciada.

Como se mencionada no acórdão deste Supremo Tribunal de 30-10-2012, cujo entendimento se acompanha, «entende-se, não existe qualquer racionalidade em não permitir o recurso numa situação de confirmação total da decisão recorrida (que para todos os efeitos equivale a uma improcedência do recurso), mas já o permitir numa situação mais vantajosa para o recorrente.

Trata-se de solução que se funda no argumento “por maioria de razão” que mais não traduz do que o relevo dado ao elemento teleológico na interpretação normativa, levando a que, a par do texto legal, se atenda aos motivos que estiveram na génese de uma determinada solução. Confluindo, assim, para soluções coerentes e racionais, acabam por ser rejeitados por essa via resultados que não se inscrevem nos objectivos propostos pelo legislador.

Tal solução foi exposta em primeira via por Teixeira de Sousa num artigo intitulado “Dupla Conforme: critério e âmbito da conformidade”, em Cadernos de Direito Privado, nº 21, págs. 21 e segs., com a concordância do Cons. Pereira da Silva, em intervenção no âmbito do “Colóquio sobre o Processo Civil”, realizado neste mesmo Supremo Tribunal de Justiça em 27-5-10, acessível através de www.stj.pt/colóquios» .

No caso dos autos, a 1.ª instância apreciou, e declarou, a nulidade da cláusula 3.6 das “Condições Gerais de Prestação de Serviços de Comunicações Electrónicas”, bem como a publicidade da decisão de proibição decretada.

Quanto à primeira, a Relação manteve na íntegra e sem voto de vencido, a proibição decretada, existindo a dupla conforme no sentido literal do art. 721.º, n.º 3 do CPC.

Quanto à publicidade da decisão, a mesma encontra-se legalmente prevista no art. 30.º do DL 446/85, de 25-10, onde se estatui que, a pedido do autor, pode ainda o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine (artigo 30.º, n.º 2).

Tal publicitação tem, não só uma função dissuadora, como uma vertente pedagógica e, ainda, de informação, quer dos sujeitos, quer dos tribunais, da orientação adoptada quanto a cada cláusula.

Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 08-05-2013 (Processo n.º 813/09.8YXLSB.S1, Cons. João Bernardo), «não há qualquer exclusão ou mesmo alternativa que permita o afastamento da aplicação deste último normativo.

Este deposita nas mãos do juiz a decisão de publicação ou de não publicação. Não se trata dum poder discricionário, caso em que não haveria sequer recurso, mas dum poder a exercer ponderadamente de acordo com as circunstâncias».

Adianta-se, ainda, no mesmo aresto, que «a publicidade não está “desenhada” como sanção para o ilícito comportamento do autor das cláusulas proibidas. Às consequências da proibição dedica a lei os artigos 32.ºe 33.º. Deve, pois, e apenas ser encarada no prisma da necessidade de levar ao conhecimento do comum dos cidadãos que celebraram ou podem vir a celebrar contratos deste tipo com o banco que os seus direitos escapam ao constante das cláusulas proibidas».

Considerando tal desiderato, a 1.ª instância condenou a ré a dar publicidade à parte decisória da sentença, no prazo de 20 dias, desde o trânsito em julgado, através de anúncio e dimensão não inferior a ¼ de página, a publicar em dois jornais diários de maior tiragem, que sejam editados em Lisboa e Porto, em 3 (três) dias consecutivos.

A Relação, consignando, em nota final, «não se justificar nem a duração nem a extensão sugeridas e acolhidas na sentença, que por isso se reduzem» decidiu que a ré «deverá (…) dar publicidade à proibição agora decidida, após o trânsito desta decisão, mediante a publicação em dois jornais diários de maior tiragem, em anúncio de dimensão não inferior a 1/8 de página, comprovando nos autos a observância desta imposição, no prazo de 10 dias, após a baixa dos autos».

Pelo que, também quanto a este segmento decisório se verifica a dupla conforme por a decisão da Relação, acolhendo os argumentos do recorrente em sede de apelação, representar para este uma situação mais vantajosa.

Sendo inadmissível o recurso no que importa à verificação da nulidade da cláusula 3.6 das “Condições Gerais de Prestação de Serviços de Comunicações Electrónicas” e à publicidade da decisão de proibição decretada.

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B- As excepções de ilegitimidade do Ministério Público ou falta de interesse em agir, bem como a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide;

Invocou a recorrente que retiradas, por imposição legal – ou por adaptação dos contratos ao imposto pela entidade reguladora – as cláusulas em discussão, o escopo da presente acção deixou de ter razão de existir.

Sustentando, com tal invocação, não só a ilegitimidade do Ministério Público, para “insistir que o recorrente seja condenado a preterir um acto que, realmente, já não comete”, mas também a inutilidade da lide nos presentes autos.

A ilegitimidade consubstancia mas excepção dilatória típica, de conhecimento oficioso, conducente à absolvição da instância – art. 487.º e 493.º e ss. do CPC –, sendo o conceito de tal excepção delimitado no art. 26.º da mesma lei civil adjectiva.

Nos termos do art. 26.º do C.P.C., o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar (n.º 1), exprimindo-se este interesse em conformidade com a indicação da lei ou como interesse configurado pelo autor (n.º 3), expresso pela utilidade derivada da procedência da acção (n.º 2) – sublinhado nosso.

No que aos recursos importa, a legitimidade do recorrente é um dos pressupostos processuais específicos, definido pela doutrina maioritária dever, a propósito, ser adoptado um critério material, o qual implica ter legitimidade para recorrer a parte para a qual a decisão for desfavorável (ou não for a mais favorável que podia ser), qualquer que tenha sido o seu comportamento na instância recorrida e independentemente dos pedidos por ela formulados no tribunal a quo[1].

Resulta da matéria provada que no exercício da sua actividade, a ré procede à celebração de contratos que têm por objecto os serviços telefónicos através de cartão virtual de chamadas; de acesso à Internet SAPO ADSL; de acesso à Internet SAPO ou Telepac ADSL; de televisão e multimédia e de comunicações electrónicas, elaborando, para tanto, clausulados já impressos que apresenta aos interessados que com ela pretendam contratar.

Os referidos clausulados não contêm quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes que em concreto se apresentem, e aos contratantes apenas é permitido aceitar ou não esses clausulados, estando-lhes vedado alterá-los, através de negociação.

Os contratos em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respec­tivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado, designam-se de contratos de adesão[2].

Os contratos de adesão costumam ser assim caracterizados por uma defesa exaustiva dos interesses do emitente, e um desinteresse marcado pelo que respeita ao aderente[3].

Tais contratos contêm, por via de regra, “cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão” [4], designadas de cláusulas contratuais gerais .

A nossa ordem jurídica define as cláusulas contratuais gerais (CCG) como as que, sendo elaboradas sem prévia negociação individual, proponentes ou destinatários indeterminados se limitam, respectivamente, a subscrever ou aceitar[5].

Sujeitando-as ao regime do DL n.º 446/85, de 25-10 – art. 1.º, n.º 1[6].

Prevê-se neste diploma a acção inibitória, acção – instaurada pelo Ministério Público – em que se visa obter a condenação do réu a abster-se do uso de cláusulas contratuais gerais – arts. 25.º e 26.º do DL 446/85, de 25-10.

Daqui decorrendo, por indicação da própria lei, em face da natureza específica da acção, a legitimidade do Ministério Público.

Questão distinta – e porque o tribunal não está adstrito ao enquadramento jurídico efectuado pelas partes[7] – é a de apurar se a adaptação ou supressão das cláusulas por imposição legal ou da entidade reguladora, retira o escopo ou utilidade à presente acção, utilidade que, definindo o conceito de legitimidade é também ele determinante de outro pressuposto processual, o interesse em agir[8], ou mesmo, quando superveniente, uma causa de extinção da lide, por inutilidade.

Pese embora o nosso legislador não haja concretizado a projecção processual do interesse em agir, o certo é que sempre que a pretensão em concreto formulada pelas partes não assume uma verdadeira dignidade jurisdicional, seja por falta de um direito subjectivo ou interesse legítimo a salvaguardar, ou quando estes possam ser salvaguardados por uma intervenção não judiciária, a jurisprudência tem defendido e reconhecido a falta de interesse em agir como pressuposto processual, de natureza atípica, que constitui uma excepção dilatória inominada, conducente à absolvição da instância [art. 288.º, n.º 1 al. e); 493.º, n.º 1 e n.º 2; 495.º, todos do CPC] – neste sentido cfr. Ac. STJ de 3/05/1985, CJSTJ, 1985, tomo II, pp. 61.

De conhecimento oficioso já que «a própria falta de um conflito de interesse na base de um processo, traduzindo-se em falta de interesse processual e podendo dar azo a acções injustificadas (...) não pode deixar de ser oficiosamente conhecida»([9]) – sublinhado nosso.

Já a inutilidade (ou impossibilidade) superveniente da lide figura entre as causas de extinção da instância, taxativamente enumeradas na alínea e) do art. 287.º do CPC, que se verifica em consequência da extinção de alguns dos elementos essenciais da relação processual, ocorrida posteriormente ao início da instância.

Será o caso do desaparecimento de um dos seus sujeitos (não sendo admissível a sua substituição, por se tratar de relação estritamente pessoal), da extinção do pedido (por perecimento da coisa, de natureza infungível, cuja entrega se pretende) ou da causa de pedir (por eliminação dos interesses em conflito, como na confusão entre as qualidades de credor e devedor).

Em qualquer destas hipóteses «a relação processual, desprovida de um dos elementos vitais, sucumbe por se tornar impossível, ou porque já é inútil a decisão final sobre a demanda»([10]).

Como supra se deixou dito, a presente acção está configurada como uma acção inibitória em que se visa obter a condenação do réu a abster-se do uso de cláusulas contratuais gerais – arts. 25.º e 26.º do DL 446/85, de 25-10.

Por conseguinte, as acções inibitórias configuram-se como condenatórias numa prestação de facto negativa([11]): a não utilização de cláusulas contratuais gerais proibidas.

Sendo uma acção condenatória numa prestação de facto negativa – não utilização, das cláusulas proibidas – dir-se-ia que quanto à cláusula 3.6, cláusula em que o “cliente expressamente reconhece e aceita que, em caso de compra, a alteração do equipamento, por motivo de avaria, não alarga o período de garantia para além do inicialmente estabelecido”, uma vez abrangida pela previsão do n.º 6 do art. 5.º do DL n.º 67/2003, de 08-04 na redacção introduzida pelo DL n.º 84/2008, de 21-05, segundo o qual havendo substituição do bem, o bem sucedâneo goza de um prazo de garantia de dois ou de cinco anos a contar da data da sua entrega, conforme se trate, respectivamente, de bem móvel ou imóvel, a proibição, por regime legal imperativo, retirava a necessidade da tutela judiciária, pressuposto do interesse em agir na presente acção.

Sem embargo, o objecto da acção inibitória não se reconduz à esfera jurídica de uma determinada pessoa, individual ou colectiva, mas ao interesse da generalidade de contraentes a que apenas sejam utilizadas, no tráfego contratual, cláusulas contratuais gerais lícitas, «com ela se visando uma forma adequada de se fiscalizar cláusulas que são redigidas não só para um contrato, mas para um número indefinido de contratos»([12]).

Por conseguinte, a difusão da decisão que proíba o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais é ainda um instrumento de tutela dos aderentes, tanto daqueles com quem o utilizador já contratou, como daqueles, necessariamente indeterminados, com quem, potencialmente, no futuro, entrará em relação – neste sentido cf., entre muitos os acs. deste Supremo Tribunal, de 14-04-2011 (Revista n.º 2206/09.8TJLSB.L1.S1, relator Pereira da Silva),  de 31-05-2011 (relator Fonseca Ramos) e de 08-05-2013 (Revista n.º 813/09.8YXLSB.S1, relator João Bernardo), disponíveis no respectivo site e, os dois últimos, ainda, in www.itij.pt.

Estes terceiros, que potencialmente entrarão na relação, como se refere no 2.º dos mencionados arestos, «alheios à concreta acção inibitória, que vierem a contratar com o demandado, podem invocar o caso julgado para impedir que sejam usadas as “cláusulas proibidas ou outras que se lhe equiparem substancialmente»[13]).

Em face do que se deixou exposto, podendo a acção constituir uma forma de protecção da tutela dos aderentes com os quais a ré já contratou, se a ré já inseriu tais cláusulas em contratos([14]), e desconhecendo-se se quanto a eles, se os efeitos da proibição se encontram abrangidos pelo período de vigência do supra mencionado diploma, sempre aquela tutela continua a ser necessária.

Factualidade (que as cláusulas não foram inseridas em quaisquer contratos), que, por integrar matéria de excepção, cumpria à ré alegar e provar – art. 342.º, n.º 2, do CPC.

O que não resulta dos autos e conduz à improcedência da excepção – art. 516.º do CPC

Para concluir, como no acórdão de 08-05-2013, já referenciado, que “atingindo a acção inibitória a proibição de cláusulas insertas em contratos que continuam a vigorar, logo por aqui se verifica o interesse em agir”.

Por outro lado, ainda que se haja provado que a ré alterou a redacção das cláusulas de fidelização e eliminou a redacção da cláusula de exclusão da garantia em caso de substituição do bem, por forma a torná-las convergentes com as imposições da entidade reguladora e com as proibições legais, a alteração introduzida motu proprio pela ré, na redacção das cláusulas contratuais abusivas, de forma a expurgá-las dos vícios arguidos, não determina a inutilidade superveniente da lide da acção: (i) não só por se desconhecer se a redacção originária se encontra em contratos ainda em vigor, como ainda, (ii) quanto às cláusulas alteradas, por, apenas com a sua proibição definitiva se acautelar a reintrodução de tal redacção.

E tal proibição, definitiva, só se alcança com a acção inibitória – art. 32.º do DL n.º 446/85, de 25-10.

Neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.10.2005 – Proc. 04B1685, in www.itij.pt e de 19.9.2006 – Proc. 06A2616; de 14.2.2002, in CJSTJ, I, 100, constando do sumário deste aresto: “Atentos os interesses de ordem pública, subjacentes à acção inibitória, com reflexo na conferência de legitimidade, ao MP, para o respectivo desencadeamento, no quadro do artigo 26.º c), do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, inexiste inutilidade superveniente da lide, do artigo, 287.º, e) do Código de Processo Civil, ao que há que associar as consequências, da proibição definitiva, contempladas na estatuição – previsão, do art. 32.º, do mesmo diploma”, de 19-04-2012 (revista n.º 1401/09.4YXLSB.L1.S1, relator Abílio Vasconcelos); de 14-04-2011, (Revista n.º 2206/09.8TJLSB.L1.S1, relator Pereira da Silva); de 31-05-2011 (Revista n.º 854/10.2TJPRT.S1, relator Fonseca Ramos) e de 08-05-2013 (Revista 813/09.8YXLSB.S1, relator João Bernardo), todos disponíveis no site deste Supremo Tribunal e os últimos, ainda, in www.itij.pt

Fundamentos por que se não verificam as excepções de ilegitimidade ou falta de interesse em agir, nem ocorre a causa de extinção da instância por inutilidade, superveniente, da lide.

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C- O regime da nulidade das cláusulas

Invoca, por último, a recorrente, que as cláusulas em discussão nesta Revista não são nulas.

Quanto às cláusulas contidas nos pontos 10.6, 10.5 e 9.5 sustenta que, configurando uma cláusula penal, devida pela rescisão antecipada do contrato pelo cliente, visam, também, a recuperação dos custos de investimento por si suportados com a instalação e activação do serviço, bem como dos dispendidos, entre outros, com a angariação e cedência do equipamento necessário à prestação do serviço, custos que ficam exclusivamente a seu cargo.

O art. 15.º do diploma que rege as CCG estabelece a proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé.

Na concretização desse enunciado, o art. 16.º estatui que na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.

«Estamos imersos na problemática da actuação de boa-fé, princípio postulado sem matizes nos contratos em geral, quer na sua fase preliminar – art. 227º do Código Civil – quer durante a sua execução, art. 762.º, n.º1, do mesmo diploma, princípio normativo, ou seja, regra de conduta que deve ser escrupulosamente observada pelos contraentes. A expressão boa-fé reveste desde há muitos séculos um duplo significado. Umas vezes tem um sentido puramente psicológico: é a ignorância do vício de que padece determinada situação. Outras vezes assume um sentido acentuado ético e objectivo: age de boa fé quem actua de acordo com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade exigíveis do homem no comércio jurídico – Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. IV, em nota ao art. 1648.º. (…)

A consagração da boa fé corresponde, pois, à superação de uma perspectiva positivista do direito, pela abertura a princípios e valores extra-legais e pela dimensão concreto-social e material do jurídico que perfilha. (…)

As regras de conduta postuladas pela actuação leal, prudente e que contempla os interesses das partes, deve ser apanágio dos contratos em que se negoceia em pé de igualdade e onde a liberdade contratual está por regra assegurada; com mais rigor deve ser exigida em contratos em que tal igualdade não existe, ou seja, naqueles em que a liberdade negocial está cerceada pela patente disparidade dos contratantes como é o caso dos contratos de adesão sujeitos a cláusulas contratuais gerais.

Aqui a lei intervém em favor do aderente, adoptando critérios de maior exigência em salvaguarda dos seus interesses como parte contratual, não sendo alheios, todavia, motivos de ordem pública, sopesada a finalidade do contrato, o facto de ser um mútuo de escopo e o tipo de contratação padronizada.

Daí que, como ensina Antunes Varela, o conceito de boa-fé existente há séculos, não conhece matizes, é uma regra civilizacional no mundo jurídico, um padrão ético inspirador da confiança, norteado por critérios de lisura, lealdade e de protecção dos interesses daqueles com quem se negoceia, demandando maior rigor no que respeita aos contratos de adesão» .

As cláusulas em apreço – inseridas nas "Condições Gerais de Prestação do Serviço Sapo ADSL ", sob a epígrafe "Vigência e denúncia" (cláusula 10.ª, n.º 6); nas "Condições Gerais de Prestação do Serviço Sapo ou Telepac ADSL sem Serviço Telefónico Fixo Associado" (cláusula 10.ª, n.° 5); e nas "Condições Específicas de Prestação do Serviço de Acesso à Internet Sapo ou Telepac ADSL” (cláusula 9.ª, n.º 5) – impõem que “em caso de rescisão do Contrato pelo Cliente ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período mínimo de vigência, inicial ou subsequente, a PTC terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: [período mínimo de vigência – n.° de meses em que os Serviços estiveram activos] x [valor da mensalidade]”.

Resulta incontroverso que tais cláusulas – cláusulas de fidelização –, por conterem um regime atinente à denúncia e ao pagamento de indemnização pela cessação do contrato, independentemente da causa invocada correspondem a uma espécie de cláusula penal, figura prevista nos arts. 810.º e 811.º do CC, e doutrinariamente definida como a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou a não cumprir exactamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária .

A cláusula penal não tem apenas uma função indemnizatória, servindo, tão-somente, para ressarcir os prejuízos que, pelo incumprimento, uma das partes tenha causado à outra. Ela funciona também como um meio de pressão do credor ao cumprimento, desde que o montante da pena seja fixado numa verba elevada relativamente ao dano efectivo, com vista a constranger, embora de forma indirecta, o devedor a cumprir as suas obrigações, na medida em que a respectiva satisfação é mais onerosa que a realização da prestação originária a que se encontra obrigado.

Ou seja, as cláusulas penais são em regra vantajosas para o credor não só porque, fixando antecipadamente o montante indemnizatório devido em caso de incumprimento, o dispensam da prova de qualquer dos pressupostos do direito à indemnização que não sejam o respectivo incumprimento mas também por compelirem o devedor ao cumprimento uma vez que a indemnização nelas prevista é usualmente superior à que resultaria do regime legal supletivo.

Dispõe o art. 19.º, al. c), do DL 446/85, de 25-10, que são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.

Para aferir da adequação do conteúdo da concreta cláusula penal com o disposto neste normativo, seguindo o que a este propósito se consignou no acórdão de 12-07-2007 (Revista 1701/07, relator João Camilo) há que estabelecer a uma relação entre o montante dos danos a reparar e a pena fixada contratualmente, de modo a que se possa dizer que há uma equivalência entre os dois valores: aferição que num quadro negocial padronizado se deve pautar por critérios objectivos, guiados por cálculo de probabilidade e valores médios usuais.

Desproporção que, por contraposição ao regime da redução da cláusula penal, não tendo de ser manifesta tem de ser sensível e revestir de alguma relevância social e deve ser apreciada no concreto contrato em que se insere .

Incumbindo ao réu, no âmbito das acções inibitórias, a demonstração de factos que permitam concluir pela sua proporcionalidade, atenta a sua feição de declaração negativa (art. 343.º, n.º 1, do CC), ou seja, no caso sub iudicio, a prova dos factos reveladores ou integradores da proporcionalidade das cláusulas – neste sentido cf. Ac. de 11-10-2005, proferido nos autos de revista n.º 1685/04 (Relator Lucas Coelho), disponível in www.itij.pt.

Provou-se nas instâncias que as cláusulas visam a recuperação dos custos de investimento suportados pela ré com a instalação e activação do serviço, bem como os dispendidos, entre outros, com a angariação e cedência do equipamento necessário à prestação dos serviços a que respeitam, pressupondo a sua amortização a permanência no serviço pelo período mínimo de 12 meses.

E, ainda, que os clientes da ré são alertados para o facto das referidas vantagens e equipamento disponibilizados terem como contrapartida a subscrição dos serviços da ré durante o aludido período de 12 meses através dos tarifários e dos folhetos publicitários.

Daqui decorre, como bem se decidiu na decisão recorrida, que, após o período inicial de duração do contrato (12 meses) a cláusula penal já não cobre quaisquer custos da ré, não tendo qualquer justificação neste plano.

Como aí se consigna, «adquirido que nesta se engloba o custo dos equipamentos adquiridos pela ré e entregues aos clientes para poderem beneficiar dos serviços (cfr. alíneas DD, HH e MM), julgamos não serem desproporcionadas as cláusulas identificadas sob os n.°s 14.3 do documento n°2 e 11.4 do documento n°6, sendo-o todavia as cláusulas n.°10.6 do documento n.°3, 10.5 do documento n°4 e 9.5 do documento n°5, porque estendem a aplicação da penalidade à rescisão posterior ao período inicial de vigência, implicando nela os "custos incorridos" quando, confessadamente, já foram recuperados pela ré durante o período de fidelização contratado».

Motivos por que, tendo a decisão recorrida considerado nulas as cláusulas em apreço apenas na parte em que estendem a indemnização ao período ou períodos de renovação automática da permanência, não obstante a ré já ter sido integralmente ressarcida daqueles custos, há que concluir pela improcedência da revista, também neste segmento

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Sumário

I - Aos recursos em que seja aplicável o regime de recursos decorrente do DL n.º 303/2007, de 24-08, o conceito de dupla conforme – conducente à inadmissibilidade de recurso – deve ser interpretado não só no sentido de que, no caso de pedidos diferenciados, a conformidade ou desconformidade tem que ser aferida isoladamente em relação a cada um dos segmentos deles, como, ainda, nos casos em que a Relação profere uma decisão que se revela mais favorável ao recorrente do que a proferida pela primeira instância.

II - As alterações introduzidas pela proponente na redacção das cláusulas contratuais abusivas, de forma a expurgá-las dos vícios arguidos, não determina a ilegitimidade do Ministério Público ou a inutilidade superveniente da lide da correspondente acção inibitória. 

III - Atingindo a acção inibitória a proibição de cláusulas insertas em contratos que continuam a vigorar, logo por aqui se verifica o interesse em agir.

IV - A acção inibitória assume a feição de declaração negativa, incumbindo ao réu o ónus probatório dos factos constitutivos do direito que se arroga (art. 343.º, n.º 1, do CC).

V - Alegando a predisponente (ré) que a fixação da cláusula de permanência mínima (cláusula penal de fidelização) é justificada pelos custos incorridos com as infraestruturas para prestação do serviço e com os equipamentos entregues ao cliente, é a mesma desproporcionada se abarca, não apenas o período de fidelização inicial, em que tais custos foram recuperados, mas também o período de renovação automática subsequente

Caixa de texto: 11-DECISÃO:
Nesta conformidade acorda-se em:
- Não se conhecer do objecto do recurso quanto à nulidade da cláusula 3.6 inserida pela recorrente nas "condições gerais de prestação de serviços de comunicações electrónicas” e quanto à publicidade da decisão;
- Negar, quanto ao demais, a revista.
Sem custas – art. 29.º, n.º 1 do DL n.º 446/85, de 25-10(A isenção de custas contida no art. 29.º, n.º 1, do DL 446/85, de 25-10, foi revogado pelo art. 25.º, n.º 1, do DL n.º 34/2008, de 26-02, diploma que apenas se aplica às acções, e respectivos recursos, iniciadas a partir da sua entrada em vigor -20-04-2009)  
Notifique.

Nestes termos e pelos fundamentos apontados julgam-se parcialmente procedentes as revistas interpostas pelos AA. e pela R. II e improcedente a revista interposta pela R. HH, e, em consequência, revogando em parte o acórdão recorrido:

1º) Condena-se a Ré HH, Companhia de Seguros ... a pagar:
a) Á Autora BB a quantia de € 20.000,00 a título de
indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento;                                                                    

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Lisboa, 2013-11-14                                                                                                                                          

João Trindade (Relator) 

Tavares de Paiva

Abrantes Geraldes

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[1] Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3.º, pág. 19.
[2] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7.ª edição, pág. 262.

[3] Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, vol. III, pág.364.
[4] Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª edição, pág. 75.
[5] As três características básicas das cláusulas contratuais gerais (CCG) são: a) a pré-elaboração; b) a rigidez ou inalterabilidade por via negocial; e, c) a generalidade.
[6] Diploma que foi modificado, a fim de ficar em conformidade plena com a Directiva 93/13/CE, do Conselho, de 5 de Abril de 1993, pelo DL n.º 220/95, de 31-08, e pelo DL. n.º 249/99, de 7-07, e para o qual se consideram efectuadas as demais remissões sem menção expressa de origem.
No sentido da aplicação do regime instituído pelo DL n.º 446/85 a todos os contratos de adesão, cf. António Pinto Monteiro, Cláusulas Contratuais Gerais: da desatenção do legislador de 2001 à indispensável interpretação correctiva da lei, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Höster, 2012, páginas 141 a 150 (nota de rodapé n.º 10).
[7] Arts. 664.º e 5.º, n.º 3, do CPC, nas redacções anterior e posterior à Lei n.º 41/2013, de 26-06, respectivamente.

[8]O interesse processual não se confunde com o pressuposto processual legitimidade: pode ter-se o direito de acção por se ser o titular da relação material, ou por a lei especialmente permitir a intervenção processual a quem não é o titular daquela relação e, todavia, perante as circunstâncias concretas do caso, não existir qualquer necessidade de recorrer ao tribunal para definir, reconhecer ou fazer valer o direito – neste sentido, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 05-02-2013 (Revista n.º 684/10.1YXLSB.L1.S1, relator Moreira Alves), disponível no respectivo site.
[9] Lebre de Freitas – Introdução ao Processo Civil, pág. 27, nota 17.
[10] Cf. Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, vol .III, pág. 386, e Rodrigues Bastos in Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, pag.62.
[11] Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, pág. 597.
[12] José Manuel da Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, pág. 373.

[13] Cf. José Manuel Araújo de Barros “Cláusulas Contratuais Gerais – DL. n.º 446/85 anotado - Recolha Jurisprudencial”, pág. 388 (…).
[14] Cf. BB das alegações, em que a ré reconhece a sua aplicação aos contratos em curso.