Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | HENRIQUE ARAÚJO | ||
Descritores: | DESERÇÃO DA INSTÂNCIA PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 05/22/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / DISPOSIÇÕES E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS / PRINCIPIO DA COOPERAÇÃO. | ||
Doutrina: | -Fredie Didier, Fundamentos do Princípio da cooperação no direito processual civil português, 2010, página 16, citado por Maria Coelho Torres Galindo, na Dissertação de Mestrado “Princípio da Cooperação: Dever de Consulta e a Proibição das Decisões-Surpresa”, página 50, Coimbra 2014, in www.estudogeral.sib.uc.pt; -Paulo Ramos de Faria, “O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa”, Revista Julgar on line, 2015, páginas 5 e 6, 17 e 19; -Teixeira de Sousa, blog do IPPC, Fevereiro de 2015, Jurisprudência 75; -Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, 2000, páginas 56/57. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 7.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: - DE 02-02-2015, RELATOR JOÃO DIOGO RODRIGUES. | ||
Sumário : | I - Deve ser anulada a decisão que decreta a deserção da instância, que, por inobservância do dever de consulta e do dever de prevenção das partes – cujo cumprimento se impunha face às circunstâncias concretas do processo –, integra violação do princípio da cooperação (art. 7.º do CPC). | ||
Decisão Texto Integral: | PROC. N.º 3368/06.1TVLSB.L1.S1 REL. 35[1]
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ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AA, BB, CC, DD, EE (1ºs Autores), FF e mulher, GG(2ºs Autores), HH e mulher, II(3ºs Autores), e JJ e mulher, KK (4ºs Autores) instauraram acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra LL, MM(estes dois últimos na qualidade de herdeiros de NN e de OO), PP e mulher, QQ, RR, "SS, S.A", TT, UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG e mulher, HHH, III, JJJ, KKK e LLL, pedindo que seja declarado que: - Por efeito de usucapião, os 1°s AA. adquiriram o direito exclusivo de propriedade horizontal sobre a fracção autónoma correspondente ao 7° andar esquerdo do prédio descrito no art. 1° da petição inicial ( sito na Av. …, n° …, contornando para a Rua …, nos …, …, …, …, …, … da freguesia do ..., concelho de Lisboa) e de compropriedade sobre as partes comuns do edifício; - Por efeito de usucapião, o 2° A. adquiriu o direito exclusivo de propriedade horizontal sobre a fracção autónoma correspondente ao 4° andar esquerdo do prédio descrito no art. 1° da petição inicial e de compropriedade sobre as partes comuns do edifício; - Por efeito de usucapião, os 3°s AA. adquiriram o direito exclusivo de propriedade horizontal sobre a fracção autónoma correspondente ao 3° andar esquerdo do prédio descrito no art. 1° da petição inicial e de compropriedade sobre as partes comuns do edifício; - Por efeito de usucapião, os 4°s AA. adquiriram o direito exclusivo de propriedade horizontal sobre as fracções autónomas correspondentes ao 7° andar direito e 6° andar esquerdo do prédio descrito no art. 1° da petição inicial e de compropriedade sobre as partes comuns do edifício. Mais peticionaram que seja declarada a constituição do prédio objecto dos presentes autos em regime de propriedade horizontal e que o remanescente das fracções autónomas não adjudicadas aos aqui AA. sejam adjudicadas, cada uma, a todos os RR., em regime de compropriedade, na proporção correspondente às quotas de que actualmente são titulares na compropriedade do prédio. Nos autos apensos registados sob o n° 3368/06.1TVLSB-A foi declarado habilitado CCC como único sucessor dos direitos do falecido MMM. Após a prolação de despacho saneador, foi julgado habilitado LL como único adquirente da parte do bem imóvel titulado por NN, e foi declarada suspensa a instância por óbito de FFF.
Em 13.10.2011 ( fls. 1118 e 1119) foram declarados habilitados NNN, OOO, PPP, QQQe RRR como únicos e universais sucessores da Ré FFF.
"SS, S.A" recorreu do despacho saneador na parte em que não atendeu à excepção dilatória de erro na forma de processo. O recurso foi admitido como de agravo, com efeito devolutivo e subida diferida.
Em 13.03.2012 ( fls. 1158) foi declarada suspensa a instância até se mostrarem habilitados os sucessores da R. UU. Na mesma data foi ainda consignado que o Tribunal pronunciar-se-ia quanto ao agravo logo que cessasse a suspensão da instância, sem prejuízo da convocação para uma tentativa de conciliação.
Em 11.04.2013 foi declarada interrompida a instância.
A fls. 1288 os AA. vieram requerer a continuação dos autos e desistiram da instância quanto à Ré UU. Em 01.10.2014 foi requerida a habilitação de herdeiros (cônjuge e três filhos, SSS, TTT e UUU) por óbito da Autora KK. Em consequência profere-se a seguinte decisão: Custas pelos autores. Registe e notifique.» Concluem do modo que segue: Os factos que interessam à resolução da revista são os explanados no antecedente relatório.
O DIREITO
O acórdão recorrido confirmou a decisão da 1ª instância, afirmando ter havido negligência dos Autores ao não darem impulso ao processo, e concluindo que não foram violados, pelo tribunal, os princípios da cooperação, do dever de gestão processual e do contraditório. Parece-nos, contudo, que se impunha outra decisão.
Na abordagem dos vários aspectos ligados à questão principal a decidir, seguiremos a ordem da síntese conclusiva apresentada pelos recorrentes.
a) A intervenção legislativa no campo da deserção da instância, no CPC de 2013[2], foi orientada pela preocupação de reduzir o decurso do tempo susceptível de causar a extinção da instância, o que passou pela eliminação da figura da interrupção da instância. Agora, nos termos do artigo 281º, n.º 1, a instância considera-se deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. A adoção da expressão “negligência das partes” não significa que seja necessário, para operar a deserção da instância, um juízo de culpa sobre a conduta da parte que omitiu a prática do acto e a quem cabia o ónus de impulso processual. Bastará, para integrar o conceito, a omissão não subtraída à vontade da parte, isto é, a omissão que não resulte de facto de terceiro ou de força maior impeditiva da prática do acto[3]. Será, portanto, negligente a conduta da parte que, estando em condições de praticar o acto, o não faz, sendo-lhe essa omissão directamente imputável. Na hipótese concreta, a suspensão da instância foi motivada pelo falecimento da Ré VVV (cfr. acta de tentativa de conciliação de 08.07.2016, a fls. 1408/1409), o que significa que cabia aos Autores (aqui recorrentes) o ónus de promover a habilitação dos sucessores da pessoa falecida, de acordo com o disposto no artigo 276º, n.º 1, alínea a), do CPC. A verdade é que, em 26.01.2017, nada tendo sido requerido pelos Autores, o Mmº Juiz da 1ª instância, no primeiro acto que praticou após ter assumido a titularidade dos autos, proferiu o despacho em que julgou deserta a instância. Sustentam os Autores que não houve negligência da sua parte, porque, antes de requererem o incidente de habilitação dos sucessores da VVV, aperceberam-se, através de consulta no registo predial, que a falecida tinha transmitido, por venda realizada em 1994, o seu direito de propriedade sobre o imóvel em discussão nos autos Por isso, carecendo a mesma de legitimidade para ser demandada nesta acção, não faria sentido habilitar os seus sucessores. Com efeito, as alegações do recurso de apelação vêm acompanhadas de uma certidão da Conservatória do Registo Predial de Lisboa que confirma a situação descrita (cfr. fls. 7 e 8 da certidão, a fls. 1425, verso, e 1426 dos autos). Todavia, ainda que nem sequer se questione o conhecimento superveniente dos Autores relativamente a essa situação, era sua incumbência transmitir esse facto ao tribunal antes de decorrido o prazo de seis meses, porquanto o processo continuava a aguardar o necessário impulso processual. Se o facto conhecido após a realização da tentativa de conciliação em que se suspendeu a instância determinava a inutilidade da habilitação dos sucessores da falecida VVV, era obrigação dos Autores informarem o tribunal dessa circunstância para que a instância fosse reatada antes de decorrido o prazo de seis meses previsto no artigo 281º, n.º 1, do CPC. Não o tendo feito, agiram negligentemente. Portanto, nessa parte, a avaliação feita no acórdão recorrido não mereceria qualquer reparo, não fosse a circunstância de a decisão proferida na 1ª instância padecer de erro genético, como veremos mais adiante.
b) Dizem também os recorrentes que o prazo de seis meses só atingiria o seu termo em 08.03.2017, uma vez, sendo a decisão que ordenou a suspensão da instância susceptível de recurso nos termos do artigo 644º, n.º 2, alínea c), do CPC, as partes dispunham de 15 dias para, querendo, interpô-lo (artigo 638º, n.º 1). Ou seja, o recurso podia ser apresentado até ao dia 08.09.2016 (dado que entre o dia 16 de Julho e 31 de Agosto os prazos se suspendem em razão de férias judiciais), atingindo-se, consequentemente, os seis meses na referida data de 08.03.2017. Este entendimento não se coaduna com o disposto na lei. Em primeiro lugar importa salientar que o prazo de seis meses começa a contar-se a partir do dia em que os Autores tomaram conhecimento da decisão determinante da suspensão da instância. Esse conhecimento ocorreu na própria tentativa de conciliação em que estiveram presentes ou se fizeram representar, e que ocorreu, como vimos, em 08.07.2016. Por outro lado, o artigo 138º, n.º 1, do CPC estipula que o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes. Logo, de acordo com esta norma, o prazo a que se refere o artigo 281º do CPC, porque superior a seis meses, não se suspende nas férias judicias de Verão. Sendo suficiente para a decisão da deserção da instância o decurso de um período de inacção de seis meses e um dia, verifica-se que esse termo foi alcançado em 09.01.2017. O artigo 7º do CPC[4] consagra o princípio da cooperação como pedra angular de toda a estrutura do direito processual civil, conforme já se proclamara no diploma preambular do DL n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro. Observa Fredie Didier[6] que tal dever não só representa a concretização do princípio da cooperação como também do princípio do contraditório, por ser responsável por assegurar às partes o poder de influenciar na solução da lide através da instigação do diálogo entre os sujeitos processuais. Pode assim dizer-se que o dever de consulta se apresenta como ponto de confluência ou intersecção entre esses dois princípios. No blog do IPPC, Teixeira de Sousa, em comentário concordante com a decisão da Relação do Porto, deixou as seguintes palavras[8]: Paulo Ramos de Faria[9] desenvolve esta ideia do seguinte modo: “(…) não se poderá dizer, sem mais, que devem as partes ser ouvidas depois de se verificarem os pressupostos da deserção, mas antes do seu julgamento. Tudo dependerá do caso concreto – mihi factum dabo tibi jus –, isto é, do grau de satisfação, pelo tribunal, do princípio da cooperação, do dever de prevenção e do dever de gestão processual, antes de se ter completado o prazo de deserção. O mais que se poderá dizer é que, quando estes princípio e deveres não tenham sido satisfeitos, não se podendo concluir que o demandante foi esclarecido pelo tribunal, deve ser oferecido o contraditório prévio à decisão”. O presente processo oferece o paradigma ideal para a justificação da observância, pelo tribunal, do dever de consulta (e também do dever de prevenção[10]) à parte em falta, antes de proferir decisão de decretação da deserção da instância. Trata-se, na verdade, de um processo iniciado há 12 anos (2006), com 7 volumes e mais de 1500 páginas de processado. Além do mais, não se pode ser indiferente ao esforço já realizado pelas partes e pelo tribunal[11] no sentido de se conseguir uma solução para o litígio. Esforço esse reconhecido na tentativa de conciliação de 08.07.2016, em cuja acta se pode ler: “Neste momento, foi referido pelos ilustres mandatários das partes que, desde que foram notificados da marcação da presente diligência, houve já uma aproximação, encontrando-se a trabalhar sobre uma proposta apresentada, tendo sido ultrapassadas algumas divergências, existindo, ainda, algumas questões quanto aos lugares de garagem e à cobertura, mantendo-se os I. mandatários em contacto, no sentido de ultrapassarem essas mesmas questões. Neste momento foi dito pela Mmª Juíza que dada a natureza das divergências – lugares de garagem, que já estarão, há décadas, a ser utilizados, e uso da cobertura – certamente que será possível alcançar-se a almejada constituição de propriedade horizontal. Mais disse que no dia de hoje deu entrada em juízo o assento de óbito da R. VVV, pelo que importará ordenar a suspensão da instância”. O Mmº Juiz da 1ª instância, ao julgar deserta a instância por inércia dos Autores, parece não ter levado em consideração as circunstâncias particulares a que aludimos. Perante as circunstâncias concretas do processo, designadamente toda a actividade processual pretérita e a possibilidade de um acordo sobre o objecto da lide, cabia-lhe, em nome do princípio da cooperação e da correspondente lealdade processual, ouvir os Autores sobre a razão da omissão do acto a praticar e adverti- -los[12] para as consequências que podiam decorrer da sua inércia em impulsionar o processo, uma vez que nunca antes o haviam sido. Como dissemos de início, o acórdão recorrido não encontrou razões para concluir pela violação do princípio da cooperação, por banda do tribunal da 1ª instância. É outro, contudo, o nosso entendimento. A inobservância do dever de consulta (e também do dever de prevenção), nos moldes que ficaram descritos, integra violação do princípio da cooperação e constitui irregularidade com impacto e influência na decisão proferida[13], impondo-se, por conseguinte, a anulação da decisão da 1ª instância. Em conformidade com o exposto, no provimento da revista, revoga-se o acórdão recorrido e anula-se a decisão da 1ª instância.
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Sem custas.
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LISBOA, 22 de Maio de 2018
Henrique Araújo (Relator) Maria Olinda Garcia Salreta Pereira
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