Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
262/14.6TBCMN-A.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CHEQUE
PRESCRIÇÃO
CONTRATO-PROMESSA
SINAL
TÍTULO DE CRÉDITO
ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
REQUERIMENTO EXECUTIVO
QUIRÓGRAFO
Data do Acordão: 11/15/2017
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / APELAÇÃO / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO – PROCESSO DE EXECUÇÃO / TÍTULO EXECUTIVO.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES EM GERAL / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / RESOLUÇÃO OU MODIFICAÇÃO DO CONTRATO POR ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 132.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 615.º, N.º 1, ALÍNEA C), 635.º, 662.º, N.º 4, 674.º, N.º 3, 682.º, N.º 2 E 703.º, N.º 1, ALÍNEA C).
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 410.º, N.º 3 E 441.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 15-01-2002, PROCESSO N.º 4178/01;
- DE 14-09-2006, PROCESSO N.º 1245/06;
- DE 26-01-2017;
- DE 12-09-2017, PROCESSO N.º 13/08.4TMFAR.F4.S1.
Sumário :
I - O cheque, apesar de prescrito, pode ser dado à execução como mero quirógrafo desde que o exequente alegue no requerimento executivo a respectiva relação subjacente (art. 703.º, n.º 1, al. c), do CPC).

II - A emissão de um cheque não se limita a traduzir uma ordem de pagamento a um estabelecimento bancário a favor de um terceiro pois que constitui também o reconhecimento de uma obrigação pecuniária em relação a esse terceiro.

III - Tendo a executada emitido e entregue ao exequente um cheque no valor do sinal acordado num contrato-promessa, ainda que tal cheque se encontre prescrito e não tenha obtido boa cobrança, vale como título executivo nos termos referidos em I.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO

  

l. A executada AA veio deduzir oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhe foi movida por BB, mediante embargos, alegando, em síntese:

O cheque dado à execução encontra-se prescrito por ter sido apresentado a pagamento mais de 8 dias desde a data da sua emissão, não estando o mesmo dotado de força executiva, pese embora o exequente tenha alegado a relação contratual a ele subjacente.

Mais alega que o aludido cheque foi entregue ao exequente apenas como garantia de pagamento da quantia nele aposta (€ 50 000), correspondente ao sinal previsto no contrato promessa de compra e venda de um imóvel celebrado entre as partes, tendo a executada/embargante, na altura em que assinaram o aludido contrato, entregue ao exequente a quantia de € 50 000 em numerário, a título de sinal e princípio de pagamento do preço acordado, pedindo logo àquele que lhe fosse devolvido o cheque que havia entregue, desculpando-se o mesmo com o facto de o ter esquecido em casa e assegurando-lhe que o devolveria à executada através do seu mandatário Dr. CC, tendo este posteriormente se recusado a entregar-lhe o cheque, alegando que o exequente não o tinha autorizado a entregar.

Invoca, ainda, a nulidade do contrato promessa subjacente ao título executivo, nos termos do art°. 410°, n°. 3 do Código Civil e por não ter sido lido nem explicado à executada/embargante, pois embora esta entenda algumas palavras em português, tem dificuldade em falar, ler ou escrever português.

Conclui, pedindo a procedência da oposição à execução e a condenação do exequente como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor da embargante, em montante a fixar pelo Tribunal, bem como a entregar à embargante o cheque oferecido como título executivo por não ser legítimo possuidor do mesmo.


2. Contestou o exequente impugnando a matéria invocada pela embargante no seu articulado inicial e defendeu a improcedência das excepções invocadas, alegando, em suma, que:

O cheque dado à execução, embora prescrito, pode servir de título executivo como mero quirógrafo, desde que o exequente alegue a relação jurídica subjacente, o que aconteceu "in casu".

Esse cheque foi-lhe entregue pela executada por forma a reservar para si a aquisição do aludido imóvel, tendo aquela pedido ao exequente que não o depositasse de imediato, pois estava a correr em … o processo de divórcio da executada, estando cativas à ordem do mesmo avultadas quantias a ela pertencentes.

O contrato foi devidamente explicado à executada, nunca tendo esta solicitado um exemplar do mesmo traduzido em francês, nem em momento algum revelou dificuldades na compreensão da língua portuguesa, para além de que a mesma bem sabia que estava a prescindir do reconhecimento presencial das assinaturas apostas no contrato, sabendo igualmente que lhe está vedada a invocação de tal vício, agindo aquela em abuso de direito ao invocar a nulidade do contrato promessa.

Conclui pedindo a improcedência da oposição.


3. Findos os articulados foi realizada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador no qual foi julgada improcedente a excepção de falta do título executivo suscitada pela embargante.

Fixou-se o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova, que não sofreram reclamações.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Após, foi proferida sentença que julgou procedente a oposição à execução mediante embargos de executado e, em consequência, declarou extinta a instância da acção executiva apensa, julgando, ainda, improcedente o pedido de condenação do exequente/embargado como litigante de má-fé.


4. Inconformado, apelo o exequente/embargado para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por Acórdão de      , revogou a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, e julgou «improcedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado», determinando o prosseguimento da execução.


5. Inconformado, a executada/embargante AA, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:

1ª. Infere-se do Acórdão recorrido uma contradição entre a motivação e os factos dados como provados

2ª. A saber, afirma não ter qualquer reparo a fazer à apreciação da matéria de facto mantendo inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada, mas depois apresentam conclusões baseadas em factos que não constam do elenco da matéria de facto.

3ª. Concretizando, afirmam que o cheque foi entregue a título de sinal e que o mesmo foi devolvido por falta de provisão.

4ª. Ora, em lado algum consta, nem na sentença recorrida que o cheque foi entregue a título de sinal e que tenha sido devolvido por falta de provisão, cft. factos n° 2 e 10 dados como provados e constantes desta peça.

5ª.     Dos autos consta prova documental que atesta o motivo da devolução: desautorização do seu pagamento por parte da executada.

6ª. Sendo tais factos relevantes para enquadramento jurídico dos factos efectivamente provados e não provados, deve o Acórdão revidendo ser declarado nulo nos termos do art. 615° n° 1 alínea c) do CPC, na medida em que a conclusão III do Acórdão está em contradição com a afirmação de manter a matéria factual provada e não provada na 1ª. instância e com o elenco dos factos provados e não provados.

Sem prescindir

7ª. O art. 441° do Código Civil prescreve que no contrato- promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.

8ª. O Tribunal recorrido fez uma incorrecta interpretação do art. 441° do CC. Por entender que o cheque mesmo não sendo pago deve ser incluído nesta norma, sendo considerado sinal.

9ª. Tal entendimento despe de razão de ser o teor da norma do art. 441°, na medida em que equipara a entrega de uma quantia à entrega de um cheque.

10ª. Também, retira a função essencial do cheque e do sinal, já que sendo aquele tão, somente um meio de pagamento só poderá corresponder a entrega de quantia quando a quantia nele aposta é entregue.

11ª. Assim, o Tribunal de 1ª. instância entendeu e bem que sinal foi a quantia de 22.000,00€ que o recorrido recebeu e já não o cheque que como podemos constatar da matéria de facto provada não foi entregue e título de sinal mas no valor do sinal.

 Neste sentido veja-se os Acórdãos mencionados pelo Tribunal de 1ª. Instância e também os aqui expostos na motivação

12ª. Portanto, deve revogar-se o acórdão em revisão por também constituir uma violação da norma contida no art. 441° do CC e por contrariar isoladamente a jurisprudência dominante colocando em causa a segurança jurídica.

13ª. O Acórdão do STJ de 14/09/2006 proferido na revista n° 1245/06 defende que deve ser tido como sinal o cheque entregue a esse título pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor que este apenas podia movimentar na data da outorga da escritura correspondente ao contrato prometido.

14ª. O recorrido e o Tribunal recorrido sufragando tal entendimento e concluindo que é um caso semelhante ao caso em apreço invocam-no para sustentar que o cheque deve ser considerado sinal

16ª.   Todavia, aquele Acórdão tem como pressuposto não só a entrega do cheque como sinal como também o facto do promitente comprador ter pedido para movimentar aquele cheque aquando da escritura do contrato prometido.

17ª. Ora, nenhum destes pressupostos se verifica no caso que nos ocupa: o cheque foi entregue com o valor do sinal e não como sinal e também, o recorrido não logrou provar o facto que alegou de que foi a pedido da recorrente que protelou a sua apresentação a pagamento.

Sem prescindir

18ª. Faz ainda uma incorrecta interpretação da jurisprudência no que respeita à aplicação daquela norma por concluir que os Tribunais têm entendido que o cheque deixa de ser sinal se o contrato que lhe subjaz estiver resolvido.

19ª. Sem prescindir, ainda que tal entendimento tenha fundamento, o contrato promessa em causa foi resolvido.

20ª. O ato de revogação do cheque- cft. doc. l do requerimento executivo-comunicação do banco ao recorrido de que a cliente dá instrução ao banco para não ser pago, a apresentação do articulado de oposição à execução bem como o depoimento de parte constituem declarações expressas de resolução do contrato, na medida em através destes actos a recorrente manifestou não estar interessada no contrato naqueles termos.

21ª. Portanto, carece de fundamento o argumento de que o contrato não foi resolvido e por via disso o cheque deve ser tido como sinal.

22ª. A recorrente alegou a nulidade do contrato promessa de compra e venda por inobservância do formalismo do art 410° n° 3 do C.C., mas o Tribunal recorrido absteve-se de aplicar as consequências decorrentes da invocada nulidade.

23ª. Verificando-se a nulidade do contrato, nem sequer é devido qualquer pagamento em virtude dos efeitos inerentes àquela nulidade.

Por todo o exposto, pois mais dos autos e max. Ex. supl., deve a revista ser concedida, revogando-se o acórdão recorrido, em conformidade com as conclusões antecedentes, devendo por conseguinte, proceder a oposição à execução, nomeadamente por o cheque apresentado como título executivo não constituir sinal conforme supra exposto.

Termos em que V/ Ex.as revogando o Acórdão recorrido e proferindo douto Acórdão no sentido propugnado

Conclui pedindo que seja dado provimento ao presente Recurso de Revista revogando-se o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que decida tal como decidiu o Tribunal de primeira instância

 

5. Contra-alegou o Exequente/embargado, formulando as seguintes conclusões:

1ª. Uma vez que ao ora Recorrido estava vedado o recurso do douto acórdão da Relação, por força do disposto no artigo 631, n.º 1, do CPC, tem de se servir da presente sede recursória da Executada para arguir a nulidade do douto acórdão recorrido por violação do preceituado no artigo 615, n.º 1, alínea c], do CPC, {ex vi do artigo 666-, n.º 1, I parte] consistente em fundamentos contraditórios à decisão proferida quanto à questão suscitada na conclusão XVII da apelação - o que cabe nos poderes desse Supremo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 674º, n.º 1, alínea c).

2ª. Padece o douto acórdão daquele vício quando, nos seus fundamentos, se afirma peremptoriamente não ter sido feita qualquer prova da matéria alegada pela Executada e se vem a decidir pela improcedência da modificação da matéria de facto requerida pelo Apelante no sentido daquela ausência de prova.

3ª. Quanto ao objecto da revista, o douto acórdão em mérito aplicou e interpretou correctamente o direito aos factos considerados provados, não tendo violado o disposto nos preceitos legais invocados nas alegações de recurso, pelo que se deverá manter.

4ª. As conclusões formuladas nas doutas alegações de recurso de revista não são merecedoras de provimento, nada justificando que a decisão recorrida, na parte impugnada, deva ser revogada e seja substituída por outra, pelo que o recurso deverá ser totalmente improcedente.

5ª. Inexiste a contradição ou inovação impetrada pela Recorrente no douto acórdão em apreciação, tanto que o segmento impugnado tem suporte na factualidade apurada e mostra-se como corolário lógico da sua subsunção ao direito.

6ª. Ao invés, existe contradição flagrante nos argumentos usados pela Recorrente para alicerçar a arguição daquele vício, pelo que deverá ser desatendido.

7ª. Quanto ao mais, e brevitatis causa, o recorrido faz suas, com a vénia devida, as razões de facto e de direito que conduziram à prolação da douta decisão, além dos argumentos pontualmente expendidos supra em defesa do douto acórdão revidendo, dos quais deverá resultar a improcedência da revista.

Conclui pedindo a improcedência da Revista.


O Tribunal da Relação admitiu o recurso (fls.  ).

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO


Foram dados como provados os seguintes factos:


1. Foi dado à execução o cheque n° 48…1, sacado sobre o LCL - Le Credit Leonnais, emitido por AA, com data de 31.10.2013, no valor de € 50.000,00, a favor de BB.

2. O cheque aludido em 1. foi apresentado a pagamento pelo exequente no mês de Fevereiro de 2014, não tendo obtido boa cobrança.

3. Encontra-se registada a favor do exequente/embargado a aquisição por compra do prédio urbano, composto por casa do rés-do-chão, sótão e logradouro, sito na Travessa …, freguesia de …, concelho de Caminha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o n° 1…2 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 1…4, conforme documento de fls. 6 e 7 dos autos de execução apensa e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

4. Por escrito denominado "Contrato Promessa de Compra e Venda", datado de 31.10.2013, o exequente declarou prometer vender à executada, e esta declarou prometeu comprar, o prédio referido em 3., nos termos que constam do documento junto a fls. 7v e 8 dos autos de execução apensa e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

5. Consta da cláusula segunda do aludido escrito que o preço foi de € 300.000,00.

6. Na cláusula terceira do escrito referido em 4 consta;

"A título de sinal e princípio de pagamento, o Primeiro Outorgante recebe nesta data, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), da qual dá quitação através da assinatura do presente contrato.

O remanescente do preço, no valor de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) será pago pelo Segundo Outorgante ao Primeiro Outorgante no acto da celebração da respectiva escritura de compra e venda".

7. Na cláusula quarta do escrito referido em 4 consta:

«A escritura de compra e venda deverá ser outorgada no prazo máximo de 90 (noventa) dias a contar da data do presente contrato.

Para o efeito, devem contabilizar-se todos os dias da semana, incluindo Sábados, Domingos e Feriados.

É da responsabilidade do Segundo Outorgante a marcação e agendamento do respectivo instrumento notarial, devendo comunicar, com antecedência mínima de 10 (dez) dias e através de carta registada, ao Primeiro Outorgante, o dia, hora e local da sua realização».

8. Na cláusula oitava do escrito referido em 4 consta:

"Nos termos do disposto no n° 3 do artigo 410° do Código Civil os Primeiros Outorgantes prescindem do reconhecimento notarial das assinaturas apostas no presente contrato promessa de compra e venda, impedindo-os de invocar a sua omissão para efeitos de nulidade do presente contrato ".

9. Á data da outorga do aludido escrito, a executada, que se encontrava interessada na aquisição de uma moradia em Portugal, por sugestão do seu advogado, visitou o identificado imóvel do exequente que se encontrava à venda.

10. Durante aquela visita, a executada entregou ao exequente o cheque dado à execução no valor do sinal convencionado e de forma a garantir que o negócio de compra e venda do imóvel aí identificado fosse efectuado consigo.

11. Posteriormente, e conforme igualmente acordado, a executada deslocou-se ao escritório do seu advogado, onde na presença deste, procedeu à assinatura do escrito aludido em 4.

12. A executada embora entenda o português, tem dificuldade em falar, ler ou escrever português.

13. A executada entregou ao exequente a quantia de € 22.000,00 através de transferência bancária conforme combinado entre ambos e o seu advogado, tendo a 1ª. transferência bancária ocorrido no dia 2.11.2013 no montante de € 10.000,006 e a 2ª. ocorreu no dia 19.12.2013 no montante de € 12.000,00.


Foram considerados não provados os seguintes factos

1. Que o exequente tivesse estado presente no momento da assinatura do contrato promessa pela executada;

2. Que, no momento da assinatura do contrato promessa, a executada tenha entregue ao exequente a quantia de € 50.000,00 em numerário;

3. Que o exequente se tenha comprometido a devolver o cheque dado à execução à embargante;

4. Que o teor do contrato aludido no ponto 4. do elenco dos factos provados tivesse sido lido e explicado à executada;

5. Que a executada tivesse solicitado ao exequente a realização de alterações no imóvel prometido vender, em Janeiro de 2014.



III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO


Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.


A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pela Recorrente as questões concretas de que cumpre conhecer são as seguintes:


1ª- O Acórdão é nulo nos termos do artigo 615 n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil?

2ª- A oposição deduzida pela recorrente deve ser julgada procedente?

 

Vejamos

B) Analisemos a primeira questão arguida pela Recorrente: O Acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 615 n.º 1 al. c) do CPC?


1 - Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença uma sentença é nula quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Estas são as causas de nulidade de sentença.

Tendo presentes estes princípios jurídicos, sumariamente enunciados, vejamos se os fundamentos estão em oposição com a decisão ou ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível e se o Tribunal se pronunciou indevidamente sobre uma questão de que não podia tomar conhecimento.

A resposta terá necessariamente que ser negativa.

Refira-se que é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades», Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, pág. 132.

No caso concreto, entendemos, sem margem para dúvidas que o acórdão recorrido não é nulo, nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 615 do CPC, como afirma a Recorrente.

Importa recordar que apenas existe nulidade de sentença pelo facto de os fundamentos estarem em oposição com a decisão se aqueles fundamentos (de facto ou de direito) apontarem num certo caminho e a decisão final vier a tomar um sentido completamente contrário.

No caso concreto o Recorrente defende que o Acórdão é nulo pois que apesar de manter inalterada matéria de facto em que assenta a apreciação da causa apresentou de seguida conclusões baseadas em factos que não constam do elenco da matéria de facto, muito concretamente afirma o acórdão que o cheque foi entregue a título de sinal e que foi devolvido por falta de provisão, quando isso não consta dos factos provados.

Não lhe assiste razão.

Vejamos

O acórdão coloca como questão a decidir o seguinte: «IV) - Saber se o aludido cheque entregue pela executada ao exequente deve ser tido como sinal no contrato promessa celebrado entre ambos».

      De seguida expõe as posições que foram defendidas nos autos para as analisar e decidir a quem assiste razão.

Analisa os argumentos da sentença recorrida, e comenta-os para em conclusão os afastar afirmando que «O pagamento que o exequente pretende obter é aquele que a executada ordenou ao preencher, assinar e entregar-lhe o cheque, com base no qual aquele reservou o imóvel em apreço para ela e criou expectativas jurídicas do seu pagamento e de cumprimento do contrato-promessa.

Por outro lado, o que esteve na base da emissão e entrega do cheque em causa foi a constituição do sinal, no exercício de vontade da executada, e como tal aceite pelo exequente».

Acrescenta «De todo o modo, não podemos ignorar, em face da matéria de facto dada como provada e não provada nos autos, que a executada quis voluntariamente prestar sinal e, ao fazê-lo, juntamente com a outorga de contrato promessa, quis acolher na sua esfera jurídica um conjunto de direitos e obrigações dos quais consta a obrigação de entregar ao exequente a quantia de € 50 000 e obteve a reserva para si da compra do imóvel em causa».

Para concluir «constituído que foi o sinal pela executada por via do cheque em apreço, assiste ao exequente o direito de obter a cobrança do mesmo pela presente execução, razão pela qual terá de proceder o recurso interposto pelo exequente, com a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra a determinar o prosseguimento da execução».

Como é evidente não estamos perante qualquer nulidade prevista na al. c) em apreço, pois que o Tribunal após descrever os factos provados faz uma subsunção dos mesmos ao direito e decide de acordo com esse direito.

O Tribunal fez uma apreciação dos factos para chegar a uma conclusão.

Se essa subsunção está correcta ou não, isto é se há ou não um erro de julgamento isso não se integra na nulidade em análise, que repita-se não se verifica, pois que o acórdão descreve e enuncia claramente os factos provados, enuncia também o direito aplicável e, em seguida decide de acordo com aqueles factos – interpretando-os – e aquele direito.

Se o faz bem ou (o que não se analisa, de momento) não integra qualquer nulidade.

Pode não se concordar quer com os factos provados quer com a subsunção jurídica (que é exactamente a posição da Recorrente) mas isso nunca significa que a sentença esteja ferida de nulidade porque os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou porque conheceu de questão que não podia conhecer.

Não assiste razão à recorrente, não estando o Acórdão recorrido ferido da invocada nulidade.

Em suma, o Acórdão não é nulo, nos termos do artigo 615 n.º 1 al. c) do CPC, improcedendo, assim, a primeira questão colocada pela Recorrente.


2 - Antes de se decidir do mérito importa apreciar a nulidade invocada pelo Recorrido.

Entende o recorrido que o Acórdão padece igualmente da nulidade prevista no artigo 615 n.º 1 al. c) do CPC pois que o acórdão afirma, nos seus fundamentos, não ter sido feita qualquer prova da matéria alegada pela Executada e se vem a decidir pela improcedência da modificação da matéria de facto requerida pelo Apelante no sentido daquela ausência de prova.

Valem aqui as considerações feitas supra 1, pois que não estamos perante qualquer nulidade de sentença.

Aliás, o que o requerente/recorrido pretende é a alteração da matéria de facto (ainda que através da invocação desta nulidade) pretensão esta que não tem suporte legal uma vez que ao Supremo está vedada a reapreciação da matéria de facto.

Efectivamente, dispõe o n.º 4 do artigo 662.º do CPC que «das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça», sendo que nos termos do n.º 1 do mesmo preceito «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Estatui ainda o n.º 2 do artigo 682.º do CPC que «A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674.º».

E, relativamente aos fundamentos da revista diz-nos o n.º 3 do artigo 674.º n.º do CPC que «O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

Afigura-se-nos ser inequívoco que não estamos perante aquela excepção de «ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

Desta forma, ainda que tivesse havido erro na «apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa», o mesmo não poderia ser objecto de recurso de revista, não se podendo conhecer do recurso nesta parte, cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 26.01.2017, citado pela Recorrida bem como o Ac. do STJ de 12 de Setembro de 2017, proferido no processo n.º 13/08.4TMFAR.F4.S1.

Em suma, não estamos perante qualquer nulidade do Acórdão, pois que os fundamentos estão de acordo com a decisão e qualquer eventual erro de julgamento que tenha ocorrido na apreciação da prova não integra aquela nulidade.

Impõe-se a improcedência da invocada nulidade pelo recorrido.


2ª- Resta decidir a última questão: A oposição deduzida pela recorrente deve ser julgada procedente?


1 - Não subsistem quaisquer dúvidas em como o cheque dado à execução está prescrito por ter sido apresentado a pagamento mais de oito dias após a respectiva data de emissão.

Esse foi, aliás, o entendimento sufragado por ambas as instâncias  

Mas também não está controvertido que o cheque apesar de prescrito, pode ser dado à execução como mero quirógrafo, desde que o exequente alegue (como sucedeu no caso sub judice) no requerimento executivo a respectiva relação subjacente.

Ao executado competirá alegar e provar a inexistência, invalidade ou insubsistência da obrigação causal

A lei prevê, agora, expressamente esta possibilidade, cfr. art°. 703°, n°. 1, al. c) do CPC.


2 - A questão concreta que importa decidir é se o pagamento daquele cheque é devido ou não.

Relembremos os factos essenciais para a decisão.

Foi dado à execução o cheque n° 48…1, sacado sobre o LCL - Le Credit Leonnais, emitido por AA, com data de 31.10.2013, no valor de € 50.000,00, a favor de BB.

O cheque aludido em 1. foi apresentado a pagamento pelo exequente no mês de Fevereiro de 2014, não tendo obtido boa cobrança.

Por escrito denominado "Contrato Promessa de Compra e Venda", datado de 31.10.2013, o exequente declarou prometer vender à executada, e esta declarou prometeu comprar, o prédio descrito nos autos, pelo preço de € 300.000,00.

Na cláusula terceira desse contrato consta;

"A título de sinal e princípio de pagamento, o Primeiro Outorgante recebe nesta data, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), da qual dá quitação através da assinatura do presente contrato.

O remanescente do preço, no valor de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) será pago pelo Segundo Outorgante ao Primeiro Outorgante no acto da celebração da respectiva escritura de compra e venda".

Na cláusula quarta do escrito referido em 4 consta:

«A escritura de compra e venda deverá ser outorgada no prazo máximo de 90 (noventa) dias a contar da data do presente contrato.

Para o efeito, devem contabilizar-se todos os dias da semana, incluindo Sábados, Domingos e Feriados.

É da responsabilidade do Segundo Outorgante a marcação e agendamento do respectivo instrumento notarial, devendo comunicar, com antecedência mínima de 10 (dez) dias e através de carta registada, ao Primeiro Outorgante, o dia, hora e local da sua realização».

Á data da outorga do aludido escrito, a executada, que se encontrava interessada na aquisição de uma moradia em Portugal, por sugestão do seu advogado, visitou o identificado imóvel do exequente que se encontrava à venda e durante aquela visita, a executada entregou ao exequente o cheque dado à execução no valor do sinal convencionado e de forma a garantir que o negócio de compra e venda do imóvel aí identificado fosse efectuado consigo.

A executada entregou ao exequente a quantia de € 22.000,00 através de transferência bancária conforme combinado entre ambos e o seu advogado, tendo a 1ª. transferência bancária ocorrido no dia 2.11.2013 no montante de € 10.000,006 e a 2ª. ocorreu no dia 19.12.2013 no montante de € 12.000,00.

Perante estes factos, e apenas esta factualidade é que pode ser atendida, a 1ª instância (e a executada) entendeu que, se um cheque for entregue para pagamento do sinal previsto no contrato promessa, só se o cheque tiver sido efectivamente pago é que se pode considerar ter havido entrega da quantia, a título de sinal, pelo que a entrega de cheque dos autos não constituiu qualquer sinal, pois que ao exequente não foi entregue qualquer quantia em dinheiro, não assistindo ao exequente o direito de, agora, vir peticionar tal pagamento, tendo, por isso, julgado procedente a presente oposição mediante embargos de executado e declarado extinta a execução.

Entendimento diverso defende o Acórdão ora recorrido (e o exequente).

Afigura-se-nos que a razão se encontra do lado do Acórdão recorrido.

Os factos provados demonstram claramente que entre o exequente e a executada foi celebrado um contrato promessa de compra e venda de um imóvel pelo preço de 300.000,00 euros.

Naquela data a executada entregou ao exequente o cheque dado à execução no valor do sinal convencionado e de forma a garantir que o negócio de compra e venda do imóvel aí identificado fosse efectuado consigo.

O cheque em causa apresentado a pagamento não obteve boa cobrança.

Que o cheque dado à execução, emitido pela executada, titulava o valor do sinal e se destinava a garantir que o negócio de compra e venda do imóvel fosse efectuado com a executada, são factos que resultam de forma inequívoca da factualidade provada.

Sabemos que a emissão de um cheque não se limita a traduzir uma ordem de pagamento a um estabelecimento bancário a favor de um terceiro pois que constitui também o reconhecimento de uma obrigação pecuniária em relação a esse terceiro.

O cheque é um meio de pagamento, esta é uma das suas funções.

Dispõe o artigo 441.º do Código Civil que «No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço».

Não está provado qualquer facto que indique qual a razão pela qual o exequente não levantou o cheque em tempo oportuno e só o fez em Fevereiro de 2014.

O Exequente podia (devia) ter apresentado o cheque a pagamento logo em 31.10.2013 (ou nos 8 dias subsequentes). Não o fez.

O cheque recebido pelo Exequente, não sendo moeda corrente, apenas consubstancia uma promessa de pagamento sendo que tal pagamento apenas se verifica quando o portador do cheque recebe do banco sacado a importância titulada pelo cheque.

“ O cheque não constitui um pagamento em si mesmo, mas um meio de pagamento. A obrigação só se extingue quando a prestação for satisfeita, ou seja, quando o banco sacado paga”, Ac. STJ de 15.1.2002, Recurso 4178/01 da 6ª secção.

Todavia, é inequívoco que, se o exequente tivesse apresentado o cheque a pagamento naquele prazo, receberia a quantia fixada a título de sinal (por força da relação cambiária).

Ou seja, o exequente receberia «o sinal» quando o banco sacado pagasse o valor constante do cheque.

Mas estando esta relação cambiária prescrita assiste ainda ao exequente o direito a receber a quantia inscrita no cheque?

Entendemos que sim.

O exequente ao receber o cheque (no valor do sinal convencionado e de forma a garantir que o negócio de compra e venda do imóvel aí identificado fosse efectuado com a executada) recebeu um documento que titulava o pagamento de determinada quantia para uma determinada data.

Nessa data, - em 31.10.2013 e nos oito dias subsequentes – o Exequente podia exigir da executada a quantia titulada pelo cheque, com base na relação cambiária ou cartular.

Passado aquele prazo e não tendo recebido o valor do sinal, tem o exequente um título de crédito prescrito que incorpora uma promessa de pagamento de certa quantia, (o valor do sinal).

Importa relembrar que não consta da matéria de facto que o contrato promessa em causa nos autos tenha sido resolvido como pretende a Executada, pois que nem o acto de «revogação do cheque - cft. doc. l do requerimento executivo-comunicação do banco ao recorrido de que a cliente dá instrução ao banco para não ser pago, a apresentação do articulado de oposição à execução bem como o depoimento de parte» (cfr. cl 20ª) constituem declarações expressas de resolução do contrato.

Tais factos demonstram apenas que existe um litígio entre a executada e o exequente, em que aquela pretende evitar que este receba a quantia inscrita no cheque. Nada mais.

Daí que se concorde com o Acórdão recorrido quando afirma «O pagamento que o exequente pretende obter é aquele que a executada ordenou ao preencher, assinar e entregar-lhe o cheque, com base no qual aquele reservou o imóvel em apreço para ela e criou expectativas jurídicas do seu pagamento e de cumprimento do contrato-promessa.

Por outro lado, o que esteve na base da emissão e entrega do cheque em causa foi a constituição do sinal, no exercício de vontade da executada, e como tal aceite pelo exequente».

Deste modo entendemos que a executada ao emitir e entregar ao exequente o documento – cheque – naquele valor (valor do sinal) se vinculou ao pagamento dessa mesma quantia, criando expectativas legitimamente tuteladas no exequente e contraindo ela mesma obrigações.

É a quantia que a executada se obrigou a pagar que o exequente peticiona o pagamento coercivo.

Neste mesmo sentido e considerando que o cheque entregue a título de sinal deve valer como sinal veja-se o citado Ac. do STJ de 14-09-2006, proferido na Revista n.º 1245/06 - 2.ª Secção, do qual foi Relator o Conselheiro João Bernardo.

Em suma, entendemos que se impõe a improcedência total das alegações da Recorrente, pelo que se nega a revista.

 


III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar a revista.

Custas pela Recorrente.  


Lisboa, 15 de novembro de 2017


José Sousa Lameira (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova