Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LEONOR CRUZ RODRIGUES | ||
Descritores: | EMPRESA PÚBLICA SECTOR EMPRESARIAL DO ESTADO ACORDO ACÇÃO DE RECONHECIMENTO EXISTÊNCIA CONTRATO TRABALHO PREVPAP | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 11/23/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - A acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma acção de cariz publicista que se inicia sem qualquer intervenção do trabalhador, com participação da ACT prevista no nº 3 do artigo 15º-A da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, com que se inicia a instância (artº 26º, nº 6, do CPT), e a propositura da acção pelo Ministério Público, em representação dos interesses do Estado colectividade, com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e, caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho, fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8 do art.º 186.º-O do Código de Processo do Trabalho, devendo a sentença ser comunicada ao trabalhador, à ACT e ao Instituto da Segurança Social, I.P., com vista à regularização das contribuições desde a data do início da relação laboral. II – O PREVPAP – Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública e sector empresarial do Estado, criado no âmbito da estratégia de combate à precariedade e estabelecido pela Lei nº 112/2017, de 29.12., visou a regularização extraordinária dos vínculos precários de pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam a necessidades permanentes dos serviços, com sujeição ao poder hierárquico, de disciplina ou direcção e horário completo, sem o adequado vínculo jurídico, no caso do sector empresarial do Estado do contrato de trabalho regulado pelo direito laboral comum. III - A inutilidade superveniente da lide, enquanto causa determinante da extinção da instância, verifica-se quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio. IV – O “Acordo de Integração”, celebrado, na pendência de acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, entre o trabalhador e a entidade empresarial em causa no âmbito do PREVPAP segundo o qual o trabalhador é integrado com a antiguidade reportada a determinada data, dizendo-se no acordo que essa é a data do início da “colaboração” do trabalhador com a empregadora, tal significando, no contexto e termo do procedimento em que foi produzida a declaração negocial por parte da empregadora, que foi essa a data de início do contrato de trabalho (assim tendo sido reconhecido na decisão que pôs termo à acção e ordenou as necessárias comunicações) determina a inutilidade superveniente da lide. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Procº nº 18638/17.5T8LSB.L2.S1 4ª Secção
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça.
I 1. Relatório
1. No juízo do Trabalho de Lisboa do Tribunal Judicial da ... o MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou contra “RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, S.A.” acção de reconhecimento de existência de contrato de trabalho, pedindo que se reconhecesse e declarasse a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre AA e “Rádio e Televisão de Portugal, S.A.”, desde 5 de Janeiro de 2016. 2. Contestada a acção e findos os articulados, por despacho de 14 de Novembro de 2017, foi determinada a suspensão da instância até à decisão final do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública e no sector empresarial do Estado (PREVPAP) existentes na Rádio e Televisão de Portugal, S.A. designadamente até à avaliação definitiva da situação contratual de AA. Cumpra o disposto no art. 186º-O, nº 9, do CPT”. 4. Inconformada, AA interpôs recurso tendo o Tribunal da Relação, por acórdão de 23.9.2020, decidido julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. 6. O Ministério Público apresentou contra-alegações defendendo a improcedência do recurso. 7. Mediante deliberação de 10 de Fevereiro de 2021, foi admitido pela formação deste Supremo Tribunal de Justiça, constituída nos termos do nº 3, do art. 672º, do CPC, o presente recurso de revista excepcional por se reconhecer que o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão-fundamento, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.6.2020, Procº nº 17782/17.3T8LSB-A.L1, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito – cf. alínea c), do n.º 1, do artigo 672.º, do mesmo Código. II 2. Delimitação objectiva do recurso e regime jurídico aplicável Delimitado o objecto do recurso pelas questões suscitadas pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação das que são de conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, do CPC), a questão jurídica trazida à apreciação deste Supremo Tribunal é a de saber se o “Acordo de Integração” celebrado entre a Ré e a Interessada, na sequência da decisão do PREVPAP, determina a inutilidade da acção de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho. III 3. Fundamentação de facto O acórdão recorrido considerou a seguinte factualidade:
4. Fundamentação de Direito Os presentes autos respeitam a uma acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho instaurada em 2017, tendo o recurso sido interposto em 26.3.2020 e acórdão recorrido proferido em 23.9.2020. Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte: - O Código de Processo do Trabalho, na versão operada pela Lei nº 63/2013, de 27 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 55/2017, de 17 de Julho, e nº 107/2019, de 9 de Setembro; - O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho. Como se referiu, a questão objecto do presente recurso consiste em saber se o “Acordo de Integração” celebrado entre a Ré e a Interessada determina a inutilidade da acção de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, nos termos previstos na alínea e) do artigo 277º do Código de Processo Civil, por inutilidade superveniente da lide. O artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, disposição subsidiariamente aplicável nos processos de natureza laboral, nos termos do disposto no artigo 1º, nº 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, estipula que a instância se extingue com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide. A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, enquanto causas determinantes da extinção da instância, resultarão de circunstâncias acidentais/anormais que, na sua pendência, precipitam o desinteresse na solução do litígio, induzindo a que a pretensão do autor não possa ou não deva manter-se: seja, naqueles casos, pelo desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, seja, nestes, pela sua alcançada satisfação fora do esquema da providência pretendida. A inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (cf., sobre esta temática, JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, pp. 367-373, JOSÉ LEBRE DE FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 510-512, e ainda CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2ª edição, 2018, pp. 293-295). A inutilidade do prosseguimento da lide é uma impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído pela lei, que se verificará, pois, quando seja patente, objetivamente, a insubsistência de qualquer interesse, benefício ou vantagem, juridicamente consistentes, dos incluídos na tutela que se visou atingir ou assegurar com a acção judicial intentada, no caso vertente a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. A acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 63/2013, de 27 de Agosto, que, como decorre do seu artigo 1º, visou instituir mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado.
Segundo João Correia (Código de Processo do Trabalho, anotado à luz da reforma do processo civil, 2015, Almedina, pág. 319 - Obra em coautoria com Albertina Pereira), «A ação para reconhecimento da existência de contrato de trabalho, foi projetada para combater eficazmente a utilização indevida (e abusiva) do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado, sendo o seu escopo de índole marcadamente pública. Com efeito, a falsa contratação em regime de contratação em regime de contrato de prestação de serviços constitui um grave problema social, que não somente afeta os trabalhadores envolvidos, que veem assim aumentar a sua precaridade e insegurança laboral, como também a própria sociedade no seu conjunto, uma vez que o Estado, por essa via, se vê impedido de cobrar as devidas contribuições à segurança social, bem como os pertinentes impostos, com os inerentes prejuízos no que toca, quer à sustentabilidade do próprio sistema de segurança social, quer à salvaguarda do bem comum. Tal situação consubstancia também uma modalidade de concorrência desleal entre empresas, pois que ao invés das outras que cumprem tais obrigações, não suportam as prevaricadoras os encargos referentes aos trabalhadores subordinados, como são os relativos a férias, feriados e demais acréscimos retributivos, indemnizações ou compensações pela cessação do contrato, prémios de seguros e os demais encargos devidos pela implementação das medidas de segurança e saúde no trabalho, traduzindo, ainda, tal atuação um desvio às regras da União Europeia e ao prescrito a nível internacional, no que se refere, nomeadamente, à livre concorrência e à salvaguarda do trabalho digno». No mesmo sentido afirma Viriato Reis, “As perplexidades geradas pela ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho”, comunicação apresentada no VII Colóquio do Supremo Tribunal de Justiça sobre Direito do Trabalho, 21-10-2015, que “o escopo da lei, conforme se estipula no art.º 1.º desse diploma, é o de instituir “mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado”. Pretende-se combater determinadas práticas que se têm vindo a expandir e que procuram configurar formalmente a relação laboral como sendo trabalho autónomo, com isso visando afastar toda a específica regulamentação e proteção legal própria do trabalhado subordinado. Ocorre, por isso, com esses expedientes uma “fuga ilícita para o trabalho autónomo”, ou seja, “uma evasão fraudulenta à aplicação da disciplina própria do contrato de trabalho”, nas palavras do Dr. Pedro Furtado Martins. Tendo em vista a assinalada finalidade da lei, o legislador criou um sistema de controlo que prevê uma intervenção administrativa, por parte da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), a quem cabe averiguar essas ocorrências e notificar os empregadores para corrigirem a situação de ilegalidade e, caso tal não se verifique, efetuar a participação das mesmas ao Ministério Público, seguindo-se uma posterior intervenção judicial, por parte do tribunal do trabalho, após a introdução do feito em juízo pelo Ministério Público, na sequência daquela participação”
E, como afirma Fraústo da Silva, em comunicação sobre o mesmo tema apresentada no referido Colóquio, “é pois como meio de ataque a uma prática social que o Estado-legislador assume a ARECT, e não como meio de defesa de interesses particulares”, acrescentando aquele autor que “deve em qualquer caso reconhecer-se que à mesma estão, pois, subjacentes razões de interesse público, que levaram à criação de novos meios de combate (administrativo e judiciário) à prática empresarial espalhada (mas não generalizada!) de se procurar, de modo simulado e fraudulento, fugir à aplicação do regime laboral (lato sensu) a situações jurídicas que, substancialmente, têm as características de contrato de trabalho subordinado, prática essa que se pretendem erradicar”
Trata-se, pois, reconhecidamente, de uma acção de carácter público e oficioso, que visa não só o reconhecimento da existência do contrato de trabalho de um concreto trabalhador, mas prosseguir o interesse público de combate a precariedade laboral, dissimulada sob a capa de contratos de prestação de serviços ou de trabalho independente, os falsos recibos verdes, e bem assim interesses do Estado em matéria fiscal e de segurança social, de natureza urgente, que se inicia sem qualquer intervenção do trabalhador, com participação da ACT prevista no nº 3 do artigo 15º-A da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, com que se inicia a instância (artº 26º, nº 6, do CPT), e a propositura da acção pelo Ministério Público, ao qual, em representação dos interesses do Estado colectividade, foi deferido, em exclusivo, o impulso processual, sem prejuízo de no decurso da acção o trabalhador poder aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário ( artº 186º-L, nº 4, do Código de Processo do Trabalho). Em síntese, como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 27.6.2018, Proc. 18965/17.1T8LSB.L1.S2, a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma ação de cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o nº 8 do art.º 186º-O do Código de Processo do Trabalho. Do nº 8 do art.º 186º-O do CPT que determina que “a sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral, apontado como um dos traços de oficiosidade da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, decorre que a data do início da relação laboral é de conhecimento oficioso e a sua fixação obrigatória, sendo a sentença constitutiva neste ponto (cf. neste sentido João Correia, ob. citada, pág. 331, e Fraústo da Silva, comunicação citada). Por seu turno, o nº 9 do mesmo preceito, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 55/2017, de 17 de Julho, determina que “A decisão proferida é comunicada oficiosamente pelo tribunal ao trabalhador, à ACT e ao Instituto da Segurança Social, I. P., com vista à regularização das contribuições desde a data de início da relação laboral fixada nos termos do número anterior”. Importa, ainda, registar que o “Acordo de Integração” que deu origem à extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, foi celebrado entre a Ré e a Interessada no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública e Sector Empresarial do Estado, no qual a Ré se inscreve, estabelecido pela Lei nº 112/2017, de 29 de Dezembro, criado no âmbito da estratégia de combate à precariedade anunciada no artigo 19º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março (Orçamento de Estado para 2016), mais tarde explicitada pelo artigo 25º da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2017), seguida da Resolução do Conselho de Ministros nº 32/1027, de 28 de Fevereiro, e da Portaria nº 150/2017, de 3 de Maio, visando a regularização extraordinária dos vínculos precários de pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam a necessidades permanentes dos serviços, com sujeição ao poder hierárquico, de disciplina ou direcção e horário completo, sem o adequa vínculo jurídico. O artigo 14º dessa Lei nº 112/2017, determina que, tratando-se de relações laborais abrangidas pelo Código do Trabalho, a homologação, pelos membros do governo competentes dos pareceres da Comissão de Avaliação, obriga as diversas entidades a que se aplica o diploma, designadamente as do sector empresarial do Estado, a proceder imediatamente à regularização formal das situações, mediante o reconhecimento da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes ( nº 1, al. b). Enunciadas, em traços gerais, as finalidades e regime da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, e do PREVPAP no âmbito do qual foi celebrado o “Acordo de Integração” junto aos autos, a questão trazida à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça consiste em saber se, tendo a recorrente sido integrada nos quadros da Ré nos termos constantes das cláusulas 1ª e 2ª do “Acordo de Integração” acima transcritas, segundo as quais “a integração produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2019” (clª 1ª, nº 2), com “antiguidade reportada a 05-01-2016, data de início da sua colaboração com a RTP, tendo sido considerada para efeitos de determinação da categoria, nível de desenvolvimento e escalão em que se realiza a integração nos quadros”, se subsiste alguma utilidade ou razão juridicamente consistente que justifique a prossecução da presente acção declarativa laboral. A decisão de 1ª instância, face ao teor do “Acordo de Integração” celebrado entre a Ré e a Interessada, declarou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, considerando que do referido Acordo de Integração “resulta que a trabalhadora foi integrada com a antiguidade de 5.01.2016, data do início da colaboração da trabalhadora com a empregadora”, que “ o recibo de remunerações do mês de Fevereiro de 2019 (…) atesta, além do mais, uma antiguidade de 3 anos completos da autora ao serviço da empregadora”, e, depois de referir que no âmbito da presente acção apenas se pede o reconhecimento da existência de contrato de trabalho e que se fixe o seu início, que “ resulta comprovada através da junção dos referidos documentos, a integração da dita trabalhadora nos quadros da ré, tendo sido reconhecida extrajudicialmente a existência de um contrato de trabalho com a antiguidade reportada à data do início da colaboração da trabalhadora”, concluindo, por isso, que se mostrava esgotado o objecto da acção. No mesmo sentido o acórdão recorrido foi de entendimento, em síntese e substância, que o clausulado do “Acordo de Integração” reconhece, sem restrições, a existência de um contrato de trabalho com efeitos a 5.1.2016. A recorrente contrapõe que, sendo essencial na presente acção a fixação da data de início do contrato de trabalho, “a [sua] integração nos quadros da recorrida data de 1 de Janeiro de 2019, sendo reconhecida a colaboração da recorrente com efeitos a 5 de Janeiro de 2016, apenas e tão só, para determinação da categoria, nível de desenvolvimento e escalão em que se realiza a integração nos quadros (integração que produz efeitos só a partir de 1 de Janeiro de 2019)”, e que “quando a recorrida afirma ter reconhecido a antiguidade a 5 de Janeiro de 2016, é apenas e tão só para efeitos de enquadramento profissional e escalonar [nível retributivo], com excepção destes efeitos, para a recorrida, entre 5 de Janeiro de 2016 e 31 de Dezembro de 2018, a recorrente foi um “colaborador”. III – Não tendo a Ré reconhecido a existência de um contrato de trabalho entre si e o visado com a presente acção (de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, e desde a data aqui peticionada, não ocorre qualquer inutilidade superveniente da lide”. A fundamentar o entendimento acolhido nesse aresto, sintetizado no respectivo sumário, afirmou-se no mesmo que “(…) essa cláusula estabelece que o início da “colaboração” de João Aguiar se reporta a 23-06-2014. Ora, o que a lei refere é o “tempo de exercício de funções na situação que deu origem à regularização extraordinária”, e quanto a esta situação, ou a Ré reconhece a existência de um contrato de trabalho, ou não reconhece. No caso, não reconheceu porquanto apelida esse tempo de exercício de funções de “colaboração”, o que, juridicamente, é distinto da existência de uma relação laboral. Ora, para efeitos de regularização extraordinária do vínculo, não podia a Ré denominar o exercício de funções entre 23-06-2014 e 01-01-2018 por parte de João Aguiar de “colaboração”, pois tal expressão exclui a existência de um contrato de trabalho”. Isto posto, no caso vertente parece resultar claro que a decisão de 1ª instância, retomando e reproduzindo a terminologia do “Acordo de Integração”, não teve dúvidas, e assim o afirmou, que a trabalhadora, ora recorrente, foi integrada “nos quadros da recorrida, tendo sido reconhecida extrajudicialmente a existência de um contrato de trabalho com a antiguidade reportada à data do início da colaboração da trabalhadora com a empregadora”, 5.1.1016, o que, salvo o devido respeito, significa, para todos os efeitos, que foi reconhecida, extrajudicialmente e judicialmente, a existência de um contrato de trabalho entre a interessada e a recorrida com início em 5.1.2016, data a que foi reportada a antiguidade da trabalhadora, tal significando e reconhecendo que o inicio do contrato de trabalho -cuja existência o Acordo expressamente reconhece, reconhecimento esse que só ocorreu no termo do PREVPAP, reportado, com efeitos, a 5.1.2016- teve lugar nessa data de 5.1.2016, entendimento que também foi o do acórdão recorrido. Foi neste sentido que as instâncias interpretaram o “Acordo de Integração” em questão e decidiram em conformidade. A expressão “colaboração” utilizada no “Acordo de Integração” em que se suporta a conclusão do acórdão invocado pela recorrente, e em que igualmente se funda a sua alegação, no já descrito contexto, relevante para a interpretação do Acordo, em que foi empregue, da conclusão de um processo de regularização extraordinária de vínculos precários em que com a homologação do parecer (favorável à integração) a entidade empregadora é obrigada a proceder à regularização formal da situação, mediante o reconhecimento da existência de contrato de trabalho, entendida neste contexto - e sem que a recorrente explicite minimamente quais são os outros efeitos, que não os da antiguidade, categoria, nível de desenvolvimento e escalão em que é feita a integração, que ficam fora do reconhecimento, sendo certo que as questões relacionadas com os acertos de contribuições para a segurança social a que eventualmente haja lugar ficaram salvaguardadas na decisão de 1ª instância com a comunicação, nos termos da lei, da mesma à Segurança Social - porventura menos adequada não pode, todavia, ser entendida no seu sentido técnico jurídico, com o sentido de afastar, no período em causa, a caracterização do vínculo existente entre recorrente e recorrida como sendo o de contrato de trabalho, posto que esse foi o objectivo e finalidade única do referido procedimento de regularização extraordinária dos vínculos precários em situações que de facto eram de qualificar como de contrato de trabalho, nem nada indica que tenha sido esse o intuído, o sentido da declaração negocial por parte da recorrida vertido no referido Acordo, da recorrida. Concluindo, a presente acção tinha como finalidade, tal como resulta do pedido nela formulado, o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre a interessada AA e a Radiotelevisão Portuguesa, desde 5 de Janeiro de 2016, finalidade que foi alcançada com a celebração do “Acordo de Integração” dos autos, não merecendo, consequentemente censura o acórdão recorrido que, interpretando nesse sentido o dito Acordo, confirmou a decisão de 1ª instância que, por esse facto, declarou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide. Face ao exposto acorda-se em negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido. Custas a cargo da recorrente. Anexa-se sumário do acórdão. Lisboa, 23 de Novembro de 2021
Leonor Cruz Rodrigues (Relatora) Júlio Manuel Vieira Gomes Joaquim António Chambel Mourisco
|