Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
346/15.3YHLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO PIÇARRA
Descritores: PROPRIEDADE INTELECTUAL
CONCORRÊNCIA DESLEAL
MARCAS
SINAL DISTINTIVO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – REGIMES JURÍDICOS DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL / MARCAS / MARCAS DE PRODUTOS OU DE SERVIÇOS / CONSTITUIÇÃO DA MARCA / INFRACÇÕES / CONCORRÊNCIA DESLEAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Carlos Olavo, Propriedade Industrial, p. 38 a 40 e 161;
- Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa, Verbo, 1, p. 15;
- Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Volume I, p. 128;
- Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 2ª edição, p. 191 a 193, 197, 198, 412 e 413;
- Miguel J.A. Pupo Correia, Direito Comercial, 5ª edição, p. 346, 376 e 377.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI): - ARTIGOS 222.º, N.ºS 1 E 2 E 317.º, ALÍNEAS A) E C).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639º, N.º 1.
Sumário :
I - A noção de concorrência desleal é dada, como decorre do art. 317.º do CPI, através de uma definição ou cláusula geral, onde é referido que constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, seguida de uma enumeração exemplificativa de actos desleais.

II - Não sendo tal enumeração taxativa, constitui concorrência desleal a prática não só de qualquer acto nela inserido, mas também de quaisquer outros que, por si, contrariam as normas e usos honestos da actividade económica, ou seja, actos que implicam violação dos princípios da ética comercial.

III - A marca é o primeiro e mais importante dos sinais distintivos do comércio, funcionando, de um lado, como identificação de um produto ou serviço proposto ao consumidor e permitindo, por outro, distingui-lo e diferenciá-lo de outros produtos idênticos ou afins (art. 222.º, n.os 1 e 2, do CPI).

IV - Viola o disposto no art. 317.º, als. a) e c), do CPI a empresa que vende os perfumes por si produzidos, comparando-os com os de marcas prestigiadas, utilizando estas como real chamariz, estabelecendo listagens de comparação entre cada perfume seu e um perfume de uma marca de prestígio reconhecido no mercado, invocando as similitudes, e vendendo os seus perfumes a um custo muitíssimo inferior, num modelo de negócio apelidado de low cost.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Relatório

I – 1. AA, Société Anonyme;

     2. BB & Cie;

     3. CC Company, LP;

     4. DD (Société par Actions Simplifiée);

     5. EE, Société Anonyme;

     6. FF S.P.A.;

     7. GG, Société Anonyme;

     8. HH B.V.;

     9. II Group, S.A.S.; e

   10. JJ, S.A.S., instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra:

    1. KK Unipessoal, Lda.;

    2. LL, Lda, Lda;

    3. MM Unipessoal, Lda;

    4. NN Unipessoal, Lda;

    5. OO Unipessoal, Lda;

    6. PP, Lda;

    7. QQ Unipessoal, Lda.; e

    8. RR, alegando, em síntese, que:

As RR. dedicam-se a comercializar produtos de perfumaria sob a designação "EKYVAL", sendo a primeira R. a titular da designação e do comércio dos mesmos e as restantes as revendedoras ao público dos mesmos produtos que vendem sob a mesma designação, suspeitando que a segunda R. seja, ainda, quem gere o negócio do "franchising EKYVAL".

O modelo de negócios das RR. desenvolve-se à custa das marcas registadas das AA., as quais são usadas pelos lojistas para comparação com os perfumes “EKYVAL" e reproduzidas no seu website, onde igualmente aparecem, em imagens, as partes superiores dos frascos de perfumes originais.

Reproduzem também as marcas das AA., nos cartões habitualmente utilizados para testar os aromas dos perfumes expostos, juntamente com a referência do perfume EKYVAL correspondente, sendo certo que as AA. não deram o seu consentimento para este ou qualquer outro uso das suas marcas por parte das RR.

A estratégia de comercialização das AA. - assente na distribuição selectiva dos seus perfumes, escolha criteriosa dos seus agentes de venda (a quem se exige rigorosos requisitos de qualidade na imagem dos pontos de venda e na formação para atendimento ao público), avultados investimentos em investigação para desenvolvimento dos seus produtos e campanhas de marketing para promover as suas marcas e perfumes, de elevada qualidade e reputação a nível mundial - é posta em causa pela actividade das RR., através das lojas EKYVAL, causando a estas avultados prejuízos.

Além de violar os direitos exclusivos conferidos pelas marcas registadas das AA., o comportamento das RR. ofende as regras da publicidade comparativa e sobre a concorrência desleal.

Com tais fundamentos, concluíram por pedir o seguinte:

- a condenação das 1ª e 2ª RR. a abster-se de fornecer à rede de lojas licenciadas e/ou franchisadas "EKYVAL" toda e qualquer informação, indicação ou referência às marcas das AA., designadamente nos contratos de licenciamento e/ou franchising, assim como todo e qualquer material publicitário e promocional que utilize as marcas das AA.;

- a condenação da 1ª R. a remover do seu website institucional ou em qualquer outro sob o seu controle, toda e qualquer referência às marcas registadas das AA., ainda que sob a forma abreviada;

- a condenação da 1ª R. a comunicar expressamente a todos os franchisados, que não as RR., que deverão proceder à devolução das listas comparativas e das amostras identificativas, tal como foram indicadas nos artigos 46° e seguintes da p.i., bem como de todos e quaisquer documentos donde constem comparações entre os perfumes EKYVAL e as marcas registadas das AA.;

- a condenação de todas as RR. a não utilizar quaisquer referências às marcas registadas das AA., designadamente em listas comparativas ou quaisquer outros suportes, nas lojas ou estabelecimentos comerciais "EKYVAL" explorados pelas RR., em publicidade, na Internet, e em quaisquer produtos, materiais e documentos;

- a condenação das RR. a pagar uma indemnização no valor global de € 55.218,31, repartido nos seguintes termos pelas AA.: € 6.169,69 à "AA, Société Anonyme"; € 6.967,37 à "BB & Cie"; € 5.108,10 à "CC Company, LP"; € 6.714,45 à "DD (Société par Actions Simplifiée)"; € 5.246,91 à "EE, Société Anonyme"; € 5.147,33 à "FF, S.P.A."; € 4.880,00 à "GG, Société Anonyme"; € 4.925,84 à "HH 8.V."; e € 5.029,31 à "JJ, S.A.S.";

- a publicitação da decisão final, uma vez transitada em julgado, a expensas das RR. em jornal diário de ampla divulgação nacional, nos termos e para os efeitos do artigo 338°-O do CPI.

As 3ª, 4ª e 8ª RR. apresentaram contestação que foi desentranhada, por falta de pagamento atempado da correspondente taxa de justiça.

Por sua vez, as 1ª, 2ª, 6ªe 7ª RR. contestaram, alegando, em síntese, que:

Não utilizam as marcas ou sinais distintivos do comércio das AA, designadamente logotipos, lettering, frascos, etc., nem induzem os clientes a pensar que estão a adquirir produtos dessas marcas, já que só vendem produtos com a designação "Ekyval".

Não utilizam tabelas comparativas de produtos, fazendo correspondência entre os produtos "Ekyval" e os produtos das AA., nem referências, reprodução, menção ou indicação das marcas registadas das AA. seja em que suporte for, designadamente no website ou nas lojas.

A marca "Ekyval", de que a 1ª R. é master franchise, é uma cadeia de perfumarias que se dedica ao comércio de perfumes e cosmética de alta qualidade a preços acessíveis, principalmente perfumes de marca branca com cerca de 140 fragrâncias diferentes e várias referências próprias, classificados por famílias e subfamílias olfactivas.

O cliente quando entra na loja "Ekyval" é ajudado a encontrar, de entre as várias referências, o perfume mais adequado em função do seu gosto pessoal e da família olfactiva que mais aprecia.

Se bem que nos anos 2008 a 2013 se tenha assistido a uma expansão do modelo de negócio semelhante ao descrito na petição inicial, com a massificação da publicidade comparativa, nomeadamente no sector dos perfumes, tendo, porém, tais práticas e modelo de negócio - que as RR. nunca utilizaram - sido progressivamente eliminados, fruto da jurisprudência comunitária que censurou esse tipo de práticas comerciais.

Entre os meses de Junho de 2014 e Junho de 2015, baliza temporal a que na petição inicial se circunscreve o uso ilegítimo pelas RR. das marcas das AA, as RR. não utilizaram qualquer alusão às marcas das AA., seja na forma nominativa, figurativa, frascos de perfumes, tabelas de correspondência, etc.

Acresce que a 7a Ré denunciou em 22/10/2014 o contrato de franquia que havia celebrado em 21/10/2013 com a 1ª, sendo certo que, nos termos do referido contrato, não teve qualquer intervenção directa ou indirecta na criação de alegada publicidade de listas comparativas, seja disponível ao público ou para funcionários das lojas, seja em balcões ou terminais de computador.

Com tais fundamentos, concluíram pela improcedência da acção e a consequente absolvição dos pedidos.

O processo seguiu a sua normal tramitação e, realizada a audiência final, foi proferida sentença que, na total improcedência da acção, absolveu as RR. dos pedidos.

Discordando dessa decisão, apelaram as AA., com parcial êxito, tendo a Relação de Lisboa, após aditar um ponto ao elenco factual provado, revogado parcialmente a sentença e decidido o seguinte:

“- Condenam-se as 1ª e 2ª Rés a abster-se de fornecer à rede de lojas licenciadas e/ou franchisadas “EKYVAL”, toda e qualquer informação, indicação ou referência às marcas das Autoras, designadamente nos contratos de licenciamento e/ou de franchising, assim como todo e qualquer material publicitário e promocional que utilize as marcas das Autoras;

- Condena-se a 1ª Ré a remover do seu website institucional ou qualquer outro sob o seu controlo, toda e qualquer referência às marcas registadas das Autoras, ainda que de forma abreviada;

- Condenam-se todas as Rés (à excepção da 7ª Ré, “QQ Unipessoal Lda) a não utilizar quaisquer referências às marcas registadas das Autoras, designadamente em listas comparativas ou quaisquer outros suportes, nas lojas ou estabelecimentos “EKYVAL” explorados pelas Rés, em publicidade, na internet e em quaisquer produtos, materiais e documentos;

- Condena-se a 1ª Ré a comunicar expressamente a todos os seus franchisados que não as ora Rés, que deverão proceder à devolução das listas comparativas e das amostras identificativas referenciadas a fls. 245 e 254 do procedimento cautelar em apenso, bem como de todos e quaisquer documentos dos quais constem comparações entre os perfumes EKYVAL e as marcas registadas das Autoras;

- Uma vez transitada a decisão final, deverá a mesma ser publicitada, a expensas das Rés (salvo a 7ª Ré) em Jornal Diário de ampla divulgação nacional, nos termos do art. 338º-O do CPI;

- Absolvendo-se as Rés do mais peticionado.”

Agora inconformadas, interpuseram as 1ª, 2ª e 3ª RR. recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as conclusões que se transcrevem:

1. Não podem as Recorrentes aceitar a decisão proferida pelo Venerando Tribunal no geral, e em particular na parte em que condena a 1ª Ré a "remover do seu website institucional ou qualquer outro sob o seu controlo, toda e qualquer referência às marcas registadas das Autoras, ainda que de forma abreviada".

2. Afirma o Venerando Tribunal da Relação que "apesar de não ter ficado provado que a estratégia aludida tenha prosseguido a partir de 2015, o certo é que no website da marca EKYVAL se anuncia que esta é uma marca de perfumes low cost inspirada nas grandes marcas. Isto indicia que o próprio modelo de negócio está assente numa estratégia comparativa ou de associação, cuja ilicitude acabámos de assinalar e que assim justifica a actualidade dos pedidos formulados", pelo que condena as ora recorrentes em parte dos pedidos, à excepção, obviamente, dos pedidos indemnizatórios.

3. Nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 317º, c) do Código da Propriedade Industrial, "Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, (...) as invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios.".

4. Dos factos provados resulta que apenas no ano de 2014 as Rés recorreram à comparação a marcas registadas das Autoras, sendo certo que, desde final desse ano, nunca mais a Ré utilizou qualquer referência a nenhuma marca registada que não a sua própria.

5. Andou mal o Venerando Tribunal da Relação quando disse que "Viola o disposto no art. 317º c) do CPI a empresa que vende perfumes por si produzidos, comparando-os com os de marcas famosas, estabelecendo listagens de comparação entre cada perfume seu e um de uma grande marca, invocando as similitudes, e vendendo os seus perfumes a um custo muitíssimo inferior, num modelo de negócio que apelidam de low-cost", já que, como se viu, essa não é a actuação das Rés, pelo menos, desde 2014, pelo que, pelo menos desde daí a Ré não viola qualquer disposição do CPI.

6. O recurso à expressão "grandes marcas" nunca poderá ser passível de constituir uma concorrência desleal porquanto a expressão não é, ela própria, uma marca registada.

7. Apenas a utilização por comparação ou referência a uma marca registada poderá legalmente ser considerada, ou não, uma concorrência desleal e, como se viu, actualmente não é feita qualquer referência ou comparação a marcas registadas - tal como resulta dos factos provados -, não existindo, portanto, qualquer concorrência desleal.

8. As fragrâncias não são passíveis de registo, pelo que não está vedado às Rés a venda de perfumes cujo odor seja semelhante à de grandes marcas.

9. Não se pode aceitar a condenação em "remover do seu website institucional ou qualquer outro sob o seu controlo, toda e qualquer referência às marcas registadas das Autoras, ainda que de forma abreviada", porquanto, simplesmente, esse pedido - e consequente condenação - não é exequível, sendo certo que a Ré não faz referência, no seu website, a nenhuma marca registada, não se atinge o alcance da expressão "ainda que de forma abreviada".

10. É ininteligível o significado da expressão "ainda que de forma abreviada", porquanto nunca as Autoras alegaram que as Rés faziam referência às marcas das Autoras de forma abreviada, nem tal resulta dos factos provados, nem tampouco o Tribunal tomou posição quanto ao que poderia ser considerado uma forma abreviada, ou não.

11. As Rés jamais poderiam cumprir uma condenação cujo teor não conseguem alcançar, nem tampouco essa condenação, totalmente vazia, é exequível.

12. A condenação que ora se sindica não pode manter-se nestes termos, porquanto nunca nenhum Tribunal (em via declarativa, e muito menos em via executiva) se pronunciou quanto ao que pode ou não ser considerado uma forma abreviada, nem tampouco o Venerando Tribunal da Relação o fez.

13. Uma condenação destas contende directamente com os mais básicos princípios do Direito Processual Civil, nomeadamente o Princípio do Dispositivo.

14. A ausência de uma causa de pedir determina a ineptidão da petição inicial e certo é que, quanto ao ponto concreto que nos debruçamos, ou seja, o pedido "remover do seu website institucional ou qualquer outro sob o seu controlo, toda e qualquer referência às marcas registadas das Autoras, ainda que de forma abreviada", não existe qualquer alegação que fundamente tal pedido.

15. O Código de Processo Civil prevê a possibilidade excepcional de formulação de um pedido genérico, em três especificas condições (i) quando o objecto mediato da acção seja uma universalidade, de facto ou de direito; (ii) quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito; (iii) quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro ato que deva ser praticado pelo réu), nas quais a presente situação não se enquadra, pelo que, in casu, não é permitido às Autoras fazer um pedido genérico - e muito menos será permita uma condenação genérica e abstracta.

16. Jamais a Autora, nesta sede, alegou o que considera, ou não, ser "uma forma abreviada", e nunca um Tribunal declarativo de primeira instância se pronunciou, também, quanto ao que é, ou não é, uma utilização de uma marca "sob a forma abreviada", nem, tampouco, o Venerando Tribunal da Relação o fez, ou seja, nunca nenhum Tribunal se pronunciou quanto a esta questão - e se nunca foi alegado ou discutido, e nunca um qualquer Tribunal se pronunciou quanto ao tema, não pode evidentemente existir uma condenação nesse sentido.

17. Não se compreende o que será considerado, ou não, uma forma abreviada de uma marca registada, e se tal questão não for devidamente discutida num Tribunal, em via declarativa, abre-se a porta a uma actuação abusiva e de má-fé das Autoras, que, por qualquer motivo recorrerão à via executiva, alegando um qualquer incumprimento da sentença por parte das Rés - Quem sabe, bastará às Autoras ver letras comuns nos seus perfumes e nos perfumes das Rés para reclamar um qualquer incumprimento, alegando discricionariamente que estamos perante marcas abreviadas.

18. Uma condenação genérica e abstracta, como a que se sindica, abrirá portas a um tipo de actuação abusiva por parte das Autoras, em via executiva, onde a mera instauração da acção causará efeitos nefastos na credibilidade e reputação das Rés.

19. Não pode deixar-se para o Juiz da execução o que é do Juiz da "declaração", tem de ser um Juiz a fixar claramente que "A" é abreviatura da marca "B", e, aí sim, teremos uma declaração do direito que se impõe a toda a comunidade, máxime às partes - o direito é assim declarado para depois poder ser executado.

20. As Rés apenas pretendem que se cumpra o processo civil, não o fazendo, como propugna o Venerando Tribunal da Relação na sua infeliz decisão, abre-se o caminho a uma decisão que, num dado segmento ("não usar ainda que de forma abreviada..."), é desprovida de conteúdo factual, é indeterminável, carece de uma previa apreciação de factos, logo, jamais pode ser objecto de tratamento em sede executiva, pois tais tarefas não são próprias da execução - e impede qualquer Tribunal de verdadeiramente avaliar se foi ou não incumprida a condenação.

As AA. contra-alegaram a pugnar pelo insucesso do recurso e, colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

1) A 1ª R. é uma sociedade unipessoal que tem por objecto social o comércio a retalho de produtos cosméticos e de higiene em estabelecimentos especializados.

2) Para a prossecução do seu objecto social, a 1ª R. registou as marcas nacionais n° 513143 e n° 521167 EKYVAL, da qual é titular e master franchise, para assinalar, respectivamente, os seguintes produtos e serviços: - na classe 3: "perfumes, eau de cologne e aftershaves; cosméticos; sabões; maquiagem [maquilhagem}; sabonetes; cremes cosméticos; cremes cosméticos e loções para o cuidado do rosto e corpo; géis de banho, cremes e óleos; aromas [óleos essenciais]".

- na classe 35: "serviços de venda a retalho; serviços de consultaria comercial relacionados com o estabelecimento e exploração de franchises; serviços de gestão comercial no âmbito do franchising; administração comercial, em particular gestão de pontos de venda a retalho e a grosso;  compra de produtos e serviços para outras empresas; marketing; publicidade; serviços de gestão de cadeias de abastecimento; serviços de venda a retalho; serviços de venda grossista; serviços on-line de venda a retalho de produtos cosméticos, produtos de beleza, vestuário e acessórios de moda; serviços on-line de venda a retalho de roupas, malas, bolsas, relógios, bijutaria e cosméticos para tratamento de corpo e beleza; serviços on-line de venda a retalho de vestuário, bijutaria, acessórios para animais de estimação, gravações áudio e vídeo, material educativo, artigos impressos e em papel, brinquedos e presentes; serviços retalhistas; administração comercial, em particular gestão de pontos de venda a retalho e a grosso".

3) No website ekyval pode encontrar-se toda uma gama de perfumes, cosméticos e outros produtos de cariz aromático (velas e ambientadores) acessíveis ao público através da compra directa no mencionado website, nele se anunciando que "EKYVAL é uma marca de perfumes low cost inspirada nas grandes marcas."

4) No mesmo website consta uma rede de lojas espalhadas por várias zonas do país, designadamente em grandes centros urbanos, onde os mencionados produtos (ponto 3 do presente enunciado de factos provados) podem também ser adquiridos pelo público consumidor.

5) A EKYVAL tem subjacente um modelo de negócio que assenta no franchising (Franchising EKYVAL) anunciado no correspondente website como oferecendo "um modelo de negócio com baixo investimento inicial e com alta rentabilidade", conforme impressão da página web junta como documento nº 4 a fls. 244 do procedimento cautelar.

6) Os perfumes EKYVAL são identificados na referida página web como “Eau de Parfum" e aí anunciados como tendo "um preço de venda ao público de € 7,95 para frascos de 30 ml, € 11,500 para os de 50 ml e € 18,500 para os de 100 ml, o que representa uma poupança de cerca de 80% em relação aos perfumes originais."

7) No mesmo site apareciam reproduzidas, em data indeterminada de 2014, imagens das partes superiores dos perfumes originais com as expressões "Aqua di Gio Woman Giorgio Armani (Ekyval)" e "Bright Crystal Versace / EKYVAL Perfumes low cost' inscritas por baixo das mesmas, como consta das impressões das páginas juntas como documento nº 5 e 6 no procedimento cautelar apenso.

8) O investimento por loja anunciado na mencionada página web. incluindo stock inicial e montagem, é no montante de € 9.900,00 (+ IVA), e o investimento por quiosque, incluindo apenas o stock inicial, é aí anunciado no valor de € 5.900,00 (+ IVA).

9) São anunciadas na referida página, como vantagens do negócio franchising EKYVAL, as seguintes: "-  Baixo investimento inicial - Sector em grande crescimento - Exclusividade de zona - Formação - Isento de royalties e taxa publicidade - Perfumes lacrados - Mais de 150 fragrâncias".

10) A 2ª R. é uma sociedade comercial portuguesa que, no âmbito da sua actividade comercial, se dedica ao comércio a retalho de produtos cosméticos e de higiene, e vende produtos da marca "EKYVAL", designadamente perfumes.

11) A 3ª R. é uma sociedade comercial portuguesa que, no âmbito da sua actividade comercial, se dedica à comercialização de produtos de higiene, perfumes, ambientadores, cosmética e bijuteria.

12) A 4ª R. é uma sociedade comercial portuguesa que, no âmbito da sua actividade comercial, se dedica à perfumaria.

13) A 5ª R. é uma sociedade comercial portuguesa que, no âmbito da sua actividade comercial, se dedica à venda a retalho de produtos cosméticos e perfumes.

14) A 6ª R. é uma sociedade comercial portuguesa que, no âmbito da sua actividade comercial, se dedica à prestação de serviços na área de aromatização de espaços, comércio de máquinas, equipamentos e produtos de higiene e aromatização, e que explora uma loja onde comercializa, em exclusivo, produtos da marca "EKYVAL", designadamente perfumes, sita no Centro Comercial …, loja … - 1º andar, …, …-…. P….

15) A 7ª R. é uma sociedade comercial portuguesa que, no âmbito da sua actividade comercial, se dedica à perfumaria e ao comércio a retalho produtos cosméticos e de higiene. Por carta datada de 22/10/2014, junta como "doc. n° 10?" a fls. 404 dos autos, rescindiu, com efeito a 22/11/2014, o contrato de franquia que havia celebrado com a 1ª A. em 21/10/2013, junto como "doc. n° 4" a fls. 382-403 dos autos.

16) A 8ª R. é uma comerciante em nome individual que explora uma loja EKYVAL sita na Rua …, nº … B, P…, onde vende perfumes.

17) Na página web do website supramencionado (ponto 3 do presente enunciado de factos provados), contém-se a seguinte menção: "todos os direitos de propriedade intelectual, de software e conteúdos disponíveis através deste site são propriedade da Ekyval e estão licenciados e protegidos por leis e tratados em todo o mundo, todos esses direitos estão reservados à Ekyval e aos seus fornecedores. "

18) Em estabelecimentos e lojas EKYVAL, incluindo os situados nas moradas abaixo indicadas, encontravam-se disponíveis ao público, em 2014, folhetos publicitários que continham listas ou tabelas comparativas dos perfumes EKYVAL com várias marcas registadas, entre as quais marcas registadas das AA como as que se encontram juntas como documentos nºs 8 e 9 a fls. 245 e 254 do procedimento cautelar apenso:

- Rua …, 44, Porto

- Rua …., …B, Agualva

- Rua …., Gandra-Paredes

- Rua …, …, Amadora

- C. C. Portela, Loja …, Portela

- Rua …., … B, Porto

- Rua …, … B, Parede.

19) A encimar as referidas listas ou tabelas comparativas (ponto 19 do presente enunciado de factos provados) pode ler-se a frase: "Se gosta de alguma destas fragrâncias, experimente a nossa referência".

20) Em data não determinada de 2014, nas lojas EKYVAL situadas no Centro Comercial … (Sacavém), na Parede e em Agualva (Cacém), ao mencionar ou referenciar um perfume de marca, como por exemplo "ANGEL" ou o "JJ", a empregada indicava o perfume correspondente da "EKYVAL".

21) Num cartão dos habitualmente usados para testar os aromas dos perfumes, obtido em 12/12/2014 na loja "EKYVAL" da Rua …, …, no Porto, encontra-se escrita à mão a expressão "anais anais". Em dois outros desses cartões, obtidos na loja "EKYVAL" do Centro Comercial …, em 4/06/2014, encontram-se, escritas à mão, num as palavras "angel", e noutro "alien".

22) Na página do "Facebook" extraída em Janeiro de 2015 e junta como documento nº 63 no procedimento cautelar apenso, aparecem referências a marcas registadas das AA. e à parte superior dos correspondentes frascos de perfume.

23) Na referida página do "Facebook", foi possível aceder a uma notícia da TVI sobre os perfumes EKYVAL, onde se refere: "Associado à perfumaria de low cost existe o pressuposto de que os perfumes que aí são comercializados são parecidos com outros que já existem e que nós conhecemos bem, que são os das grandes marcas, e há uma apropriação óbvia de um trabalho de investimento, de dedicação de material e humano, do desenho da embalagem, a estratégia de marketing, de mercado, de promoção, a publicidade, o que se gasta a fazer um filme por exemplo do lançamento de um perfume ... ".

24) A 1ª A., AA, S.A., é titular dos registos enumerados no art. 55º da petição inicial.

25) A A. AA, S.A. celebrou em 1 de Outubro de 1996 com a sociedade SS., titular da marca "ARMANI", um contrato de licença de exploração exclusiva que abrange todos os registos dessa marca para a classe 3, conforme doc. nº 16 junto a fls. 90-211 do procedimento cautelar apenso.

26) Ao abrigo desse contrato de licença, a AA, S.A. tem o direito de explorar comercialmente, a título exclusivo, perfumes assinalados, designadamente, pelas marcas referidas no art. 57º da petição inicial.

27) A 2ª A., BB, é uma conhecida sociedade que, no exercício da sua actividade comercial, se dedica à comercialização, sendo titular dos direitos de propriedade industrial referenciados no art. 59º da petição inicial.

28) A 3ª A., CC Company, é uma conhecida sociedade comercial que, no exercício da sua actividade comercial, se dedica à comercialização de perfumes, sendo titular dos direitos de propriedade industrial referidos no art. 61º da petição inicial.

29) A 4ª A., DD, é titular dos direitos de propriedade industrial enumerados no art. 63º da petição inicial.

30) A 6ª A., FF, é uma conhecida sociedade italiana, titular dos direitos de propriedade industrial indicados no art. 67º da petição inicial.

31) A 7ª A., GG, é titular dos direitos de propriedade industrial referidos no art. 69º da petição inicial.

32) A 8ª A., HH, é uma conhecida sociedade titular dos direitos de propriedade industrial referidos no art. 71º da petição inicial.

33) A 9ª A., II, S.A.S., é titular dos direitos de propriedade industrial referenciados no art. 73º da petição inicial.

34) A 10ª A., JJ, S.A.S., é titular dos direitos de propriedade industrial mencionados no art. 75º da petição inicial.

35) A política de comercialização das AA assenta numa estratégia de distribuição selectiva dos seus perfumes, traduzida na escolha criteriosa dos seus agentes de venda, aos quais exige rigorosos requisitos de qualidade na imagem dos pontos de venda e na formação para atendimento ao público.

36) Os perfumes comercializados pelas AA. e assinalados pelas marcas supra identificadas, bem como os respectivos frascos, são produtos conhecidos e reputados em Portugal.

37) No procedimento cautelar intentado pelas AA contra as RR. sob o n° 17/15.0YHLSB, que precedeu a presente acção e da qual é dependente, proferiu-se decisão final constante de fls. 999 a 1020 do correspondente apenso, na qual, nomeadamente, se determina que as "1ª a e 2a requerentes [ora RR.] se abstenham de fornecer à rede de lojas licenciadas e/ou franchisadas "EKYVAL", qualquer material publicitário e promocional, ou informações para efeitos publicitários e promocionais, que utilize a comparação de perfumes de marca "EKYVAL" com as marcas das requerentes [ora AA.], [ ... ] em especial, com o aproveitamento das marcas tituladas pelas requerentes e/ou a apresentação dos perfumes comercializados sob as marcas tituladas pelas requerentes [ora AA.], tal como ocorre com as listas comparativas apreendidas nos autos, e uso que das mesmas fazem os respectivos funcionários das lojas na informação que prestam aos respectivos clientes".

38) A Autora EE é uma sociedade comercial francesa, que no exercício da sua actividade se dedica, entre outras actividades, à comercialização de perfumes, sendo titular do registo da marca internacional nº 442648, registada para assinalar os seguintes produtos da classe 3 da Classificação Internacional de Nice – Sabonetes, perfumes, óleos essenciais, cosméticos, loções para os cabelos, dentífricos (aditado pela Relação[1]).

        

III – Fundamentação de direito

A apreciação e decisão da presente revista passam, atentas as conclusões da alegação das recorrentes (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil), por analisar e dilucidar se as práticas destas na publicitação dos perfumes que comercializam e retratadas no antecedente elenco factual constituem concorrência desleal, nos termos do artigo 317º do Cód. da Propriedade Industrial[2].

As instâncias divergiram frontalmente, pois, enquanto a 1ª instância decidiu pela inexistência de concorrência desleal (cfr. fls. 790 e 791), a Relação entendeu, ao invés, que a estratégia de venda e publicitação dos perfumes levada a cabo pelas recorrentes (as Rés) envolveu concorrência desleal, ainda não totalmente dissipada (cfr. fls. 921 a 925) e, daí, a decisão que tomou de, entre o mais, condenar «as 1ª e 2ª Rés a abster-se de fornecer à rede de lojas licenciadas e/ou franchisadas “EKYVAL”, toda e qualquer informação, indicação ou referência às marcas das Autoras …(….)…., a 1ª Ré a remover do seu website institucional ou qualquer outro sob o seu controlo, toda e qualquer referência às marcas registadas das Autoras, ainda que de forma abreviada, bem como a comunicar expressamente a todos os seus franchisados que não as ora Rés, que deverão proceder à devolução das listas comparativas e das amostras identificativas referenciadas a fls. 245 e 254 do procedimento cautelar em apenso, bem como de todos e quaisquer documentos dos quais constem comparações entre os perfumes Ekyval e as marcas registadas das Autoras e todas as Rés (à excepção da 7ª) de não utilizar quaisquer referências àquelas marcas, designadamente em listas comparativas ou quaisquer outros suportes, nas lojas ou estabelecimentos “Ekyval” explorados pelas Rés, em publicidade, na internet e em quaisquer produtos, materiais e documentos».

As recorrentes pugnam naturalmente para que fique a subsistir a 1ª decisão, em substituição da ditada pela Relação, insurgindo-se, essencialmente, quanto à circunstância de o acórdão recorrido não ter atentado que as aludidas práticas tidas por desleais cessaram em 2014, não se justificando, por isso, as medidas proibitivas decretadas, em especial, a que impõe à 1ª Ré a remoção do seu website institucional ou qualquer outro sob o seu controlo, toda e qualquer referência, ainda que de forma abreviada, às marcas registadas das Autoras.

A primeira nota a salientar é que não corresponde à verdade a afirmação das recorrentes de que as práticas consideradas desleais cessaram em 2014, pois que, como se alcança do ponto 22) do elenco factual provado, da página do "Facebook" extraída em Janeiro de 2015 e junta como documento nº 63 no procedimento cautelar apenso, apareciam ainda referências a marcas registadas das Autoras e à parte superior dos correspondentes frascos de perfume.

Dito isto, vejamos, então, se as comprovadas práticas das recorrentes constituem, ou não, concorrência desleal.

A noção de concorrência desleal é dada, como decorre do artigo 317º do Código da Propriedade Industrial, através de uma definição ou cláusula geral, onde é referido que constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, seguida de uma enumeração exemplificativa de actos desleais.

Decorre daí que, não sendo tal enumeração taxativa, constitui concorrência desleal a prática não só de qualquer acto nela inserido, mas também de quaisquer outros que, por si, contrariam as normas e usos honestos da actividade económica, ou seja, actos que implicam violação dos princípios da ética comercial[3].

Retrata o elenco factual provado, mormente os pontos 3) a 23), que a comercialização de perfumes realizada pelas recorrentes desenvolveu-se e floresceu à custa das marcas registadas das autoras, que foram usadas nas lojas e na publicidade associada como real chamariz para os perfumes Ekyval, o que é bem atestado até pelas listas ou tabelas comparativas utilizadas, onde pode ler-se a frase "se gosta de alguma destas fragrâncias, experimente a nossa referência" e tais fragâncias são precisamente as marcas das autoras.

É consabido que a marca é o primeiro e mais importante dos sinais distintivos do comércio, funcionando, de um lado, como identificação de um produto ou serviço proposto ao consumidor e permitindo, por outro, distingui-lo e diferenciá-lo de outros produtos idênticos ou afins (artigo 222º, n.ºs 1 e 2, do Código da Propriedade Industrial). E, numa sociedade cada vez mais dinâmica, onde a publicidade e as diversas técnicas de promoção de produtos têm uma relevância cada vez maior, a marca assume ainda maior função distintiva, tendo sempre em vista atrair e fidelizar os consumidores.

A sua função distintiva é, hoje, ainda mais acentuada, uma vez que, com a facilidade de divulgação dos produtos e desenfreada competição comercial a que não é alheia a facilidade de comunicação e circulação, «a disputa do mercado» faz-se, sobretudo, através da inovação e de competitividade que são induzidas por «técnicas de marketing e de publicidade», sendo da maior relevância a afirmação da individualidade de certo produto, de modo a gerar nos consumidores uma impressão inovadora, distintiva, que «afaste a confusão ou risco de confusão com outro produto», que, virtualmente, com ele possa competir. Para além dessa função, «essencial e autónoma» do ponto de vista jurídico, a marca desempenha, também «uma função de garantia e qualidade do produto (derivada), bem como uma função publicitária (complementar)»[4].

No caso, encontrando-se registadas as marcas das autoras, para as quais as recorrentes faziam permanente referência, no seu giro comercial, é patente que violavam as últimas o direito de propriedade e exclusividade conferido às primeiras pelo artigo 224º do Código da Propriedade Industrial, que tem, simultaneamente, um conteúdo positivo e um conteúdo negativo: o poder de usar, ceder ou onerar a respectiva marca (positivo) e impedir terceiros de a usar (negativo), no tráfico económico, prevenindo o risco de confusão ou associação, no espírito do consumidor, em produtos idênticos ou afins (artigo 258º do Código da Propriedade Industrial).

As marcas de perfumes tituladas pelas autoras são inquestionavelmente muito conhecidas no mercado e estão associadas a produtos de elevada qualidade, pelo que a venda ou entrada no comércio de fragâncias e perfumes identificados como equivalentes aos comercializados sob as ditas marcas por um valor bastante inferior (low cost), afecta gravemente a imagem, a notoriedade e o prestígio de que essas marcas gozam, provocando ainda a depreciação da própria reputação comercial das mesmas.

Aliás, como bem equacionou o acórdão recorrido, as recorrentes reproduziram as marcas das autoras, ora integralmente ora de forma abreviada, e recorreram, sem qualquer pudor, às mesmas, para angariar e fixar clientela que era induzida em erro ou confusão.

Esse procedimento comercialmente desonesto e inaceitável à luz da ética mercantil constitui, sem dúvida, concorrência desleal, nos termos da alínea a) do artigo 317º, do Código da Propriedade Industrial, e, no que toca ao aproveitamento das referências feitas às marcas das autoras, também ao abrigo da sua alínea c), envolvendo igualmente publicidade enganosa a reprimir (artigos 11º, n.º 1, e 16º, n.º 2, alíneas a), d) e g), do Código da Publicidade).

Adiante-se ainda que essa prática se apresenta comercialmente desonesta, quer quando a referência para as marcas das autoras é feita para a integralidade de qualquer das marcas, quer quando ocorre de forma abreviada, com recurso a siglas muito similares ou fazendo uso apenas de alguns dos principais caracteres componentes dessas marcas, na medida em tal não deixa de corresponder a «reprodução parcial» das marcas, o que é também intolerável pela ética mercantil, pois que qualquer consumidor médio pode continuar a ser confundido com a utilização da respectiva referência minimalista, associando-a erroneamente à original.

As referências mínimas, reduzidas ou abreviadas dessas marcas não podem servir de trampolim ou de manto protector às recorrentes para angariar ou sequer potenciar clientela à custa das marcas das autoras. Nem se diga, como sustentam as recorrentes, que «forma abreviada» é algo genérico e abstracto, «sem qualquer alegação que fundamente tal pedido» e que «jamais poderiam cumprir tal condenação, cujo teor não conseguem alcançar, nem tampouco é exequível», contendendo «directamente com os mais básicos princípios do Direito Processual Civil, nomeadamente o dispositivo».

Não se lobriga onde e em que medida é que tal possa suceder. Por um lado, o pedido inicialmente formulado pelas autoras de proibir as recorrentes de prosseguirem com as práticas de referência, associação e aproveitamento das sua marcas inclui não só o uso da totalidade das componentes das mesmas, como parte delas[5], e está suficientemente suportado em alegação e comprovação factual, pelo que a aludida condenação não encerra violação de qualquer principio processual, nomeadamente o dispositivo.

Por outro lado, a expressão «forma abreviada» não é genérica ou abstracta e as recorrentes sabem e compreendem bem o seu significado, que sem dificuldade encontram em qualquer vulgar dicionário de língua portuguesa como correspondente a forma «curta, reduzida, cifrada, sucinta, concisa, diminuída, aligeirada»[6], não sendo necessário, portanto, o recurso a acção declarativa ou executiva para, em concreto, a definir. Mais, afirmando as recorrentes que desde 2014 abandonaram as práticas tidas por desleais, estranha-se a sua preocupação com a subsequente fase executiva, onde, se vier a ser usada, tal como sucedeu, aliás, na execução da decisão tomada no procedimento cautelar apenso[7], não será difícil fixar o conteúdo e alcance dessa condenação, nos moldes antes expostos.

Nesta conformidade, improcedem ou mostram-se deslocadas todas as conclusões das recorrentes, a quem não assiste razão para se insurgirem contra o veredicto da Relação, que não merece os reparos que lhe apontam.

IV – Decisão

Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelas recorrentes.


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Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).

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Lisboa, 12 de Julho de 2018


António Joaquim Piçarra (Relator)

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes

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[1] Cfr. fls. 921.
[2] Sublinhe-se que está fora do objecto do recurso a apreciação da temática referente aos pedidos indemnizatórios formulados pelas autoras e denegados convergentemente pelas duas instâncias.
[3] Cfr, a este propósito, Luís Couto Gonçalves, in Manual de Direito Industrial, 2ª edição, págs. 412 e 413, Miguel J.A. Pupo Correia, in Direito Comercial, 5ª edição, págs. 376 e 377, e Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, pág. 161 (os dois últimos à luz do anterior CPI, mas transponíveis por referência ao actual CPI)   .
[4] Cfr, a este propósito, Luís Couto Gonçalves, in obra citada, págs. 191 a 193, 197 e 198, Miguel J.A. Pupo Correia, in obra citada, pág. 346, e Carlos Olavo, in obra citada, págs. 38 a 40.
[5] O menos está incluído no mais, ou melhor, o mais abrange o menos.
[6] Cfr. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Volume I, pág. 128, e Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa, Verbo, 1, pág. 15.
[7] Essa questão foi apreciada e decidida na anterior sessão desta secção realizada no dia 05 de Julho de 2018.