Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3539/08.6TVLSB.LL.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
CONVENÇÃO ARBITRAL
TERCEIRO
Data do Acordão: 09/08/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
Doutrina: - Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, pág.460.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 217.º, N.º1, PARTE FINAL, 406.º, N.º2, 424.º E SS., 577.º E SS, 582.º, N.º1.
DL N.º 31/86, DE 29.8. (LAV), COM A ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELO DL N.º 38/2003, DE 8.3: - ARTIGO 11.º, N.º1.
LEI N.º3/99, DE 13.1 (LOFTJ): - ARTIGO 22.º, N.º1.
Sumário :
1 . A convenção de arbitragem constante da cláusula dum contrato só vale, em princípio, entre os outorgantes.

2 . Sem prejuízo, no entanto, e de acordo com o regime geral dos contratos, de valer relativamente ao cessionário da posição contratual, ao cessionário de crédito ou ao aderente ao contrato.

3 . Não alcança qualquer destas figuras a comunicação duma das outorgantes à outra de que a facturação devia passar a ser feita a terceira.

4 . A comunicação para início da arbitragem e constituição do tribunal arbitral feita por uma das outorgantes do contrato às outras e, bem assim, à esta terceira, não encerra reconhecimento relevante de que a convenção arbitral valha relativamente a esta.     

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Nas Varas Cíveis de Lisboa, AA - IMPORTAÇÃO e EXPORTAÇÃO, S.A. demandou:

BB, A.S., CC, Lda, e DD, A.S.

Contestaram as rés.

II –

No despacho saneador, o Sr. Juiz julgou procedente a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral voluntário e, em consequência, absolveu as rés da instância.

III –

Apelou a autora e o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu nos seguintes termos:

“a) Confirma-se a decisão recorrida, na parte em que absolveu da instância a 1.ª R. com fundamento na preterição de tribunal arbitral voluntário;

b) Confirma-se a mesma decisão, ainda que com motivos diversos, na parte em que absolveu da instância a 3.ª R.;

c) Revoga-se a decisão recorrida, na parte em que absolveu da instância a 2.ª R. com fundamento na preterição de tribunal arbitral voluntário;

d) Determina-se o prosseguimento da acção relativamente à 2.ª, designadamente para efeitos de apreciação das demais excepções invocadas na sua contestação.”

IV –

Pede revista a 2.ª ré.

Conclui as alegações do seguinte modo:

a) Não pode a ora Recorrente conformar-se com o douto Acórdão na parte ora recorrida porquanto entende, salvo o devido respeito, que o mesmo, ao ter decidido que a 2.ª R. não se encontra vinculada à convenção arbitral sub judice, viola o n° 2 do art. 2° da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto da LAV.

b) Desde logo, pretendendo a A. submeter a CC à disciplina do contrato de agência celebrado entre a A. e a BB, tal pretensão terá que ter por consequência que todo o regime contratual definido pelas partes que subscreveram o contrato de agência será aplicável também à CC.

c) Assim sendo, pretendendo a A. exercer os seus direitos contratuais contra a CC terá que o fazer observando a disciplina contratual prevista para o mecanismo de resolução de conflitos que as partes escolheram, ou seja, a arbitragem.

d) Não seria admissível que a A. funde os seus pedidos contra a CC na disciplina do contrato sem que, simultaneamente, o faça em respeito pelo mecanismo de resolução de conflitos contratualizado.

e) Na verdade, toda a relação jurídica comporta uma dimensão substantiva e uma dimensão processual que são concebidas pelas partes como um todo, sendo que a inclusão de uma cláusula compromissória no contrato de onde emergem os pedidos da A. contra a CC produz necessariamente um efeito sobre as respectivas pretensões substantivas: configura o direito de acção que é inerente a tais pretensões substantivas no sentido em que tal direito de acção só pode ser exercido por via da arbitragem.

f) Acresce ainda que, importa ter devidamente em conta o documento de fls. 117, ou seja, o teor da carta datada de 23 de Dezembro de 2004 que a BB dirigiu à A. pois, em tal carta, a indicação dada para a facturação ser feita à CC é feita sem prejuízo do contrato de agência, ou seja, há uma expressa salvaguarda, visando afastar qualquer dúvidas, que, não obstante tal indicação, o contrato de agência continua a aplicar-se integralmente ("without prejudice to the contract referred above") e, com ele, necessariamente, o mecanismo de resolução de conflitos contratualizado.

g) Conforme decorre do alegado pelas partes, tal salvaguarda e indicação, aceite pela CC, não foi contestada pela A., bem pelo contrário, a A. passou a dar cumprimento a tal indicação.

h) Desta forma, verifica-se assim, quanto à CC, ainda que por remissão para o documento assinado entre a BB e a A., ou seja, para o contrato de agência sub judice, que a mesma, sem que tenha existido qualquer alteração subjectiva ou cessão de posição contratual, passou a estar vinculada à convenção de arbitragem inserida em tal contrato de agência.

i) E tal vinculação (por remissão) foi aceite por todas as partes, quer pelas que subscreveram o contrato de agência (BB e A.) quer pela CC.

j) Por outro lado, tratando-se a CC de entidade pertencente ao mesmo grupo empresarial multinacional, o Grupo V....., e tendo tal entidade, directa ou indirectamente, auxiliado a BB na execução do contrato ou nas negociações pós-cessação, nenhuma dificuldade ou obstáculo existe para que a mesma, embora não tendo sido parte signatária do contrato de agência, seja abrangida pela eficácia e aplicação da convenção de arbitragem em causa.

k) Por último, conforme resulta do Doc. n.º1 junto ao requerimento de interposição do presente recurso de revista, o qual aqui se dá por integralmente por reproduzido, a circunstância da A., por carta datada de 27 de Dezembro de 2010, já ter notificado todas as RR., incluindo a 2.ª R., ora Recorrente, para o início da arbitragem e constituição do Tribunal Arbitral nos termos da Cláusula 37.ª do contrato de agência de f1s. 107 e sgts., através do qual, quanto à CC, se propõe peticionar o pagamento das comissões que se encontra a reclamar nos presentes autos, também releva para a aceitação, por parte da A., de que a CC se encontra vinculada à convenção de arbitragem sub judice.

I) Tal comportamento é inequívoco quanto a tal aceitação, sendo que, a solicitação da A. ao Tribunal Arbitral para suspender o procedimento arbitral até decisão do Tribunal Português sobre esta matéria, não prejudica esta conclusão.

m) Termos em que, por violação do disposto no n° 2 do art. 2° da LAV, deve a presente revista ser julgada totalmente procedente, e, em consequência, deve a 2.ª R. ser absolvida da instância com fundamento na preterição de tribunal arbitral voluntário, revogando-se, nessa parte, o douto Acórdão recorrido.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá o presente recurso de revista ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogado o douto Acórdão ora recorrido na parte em que, quanto à 2.ª R., revogou a sentença de 1.ª instância, tudo com as legais consequências.

Contra-alegou a autora, concluindo que:

A. Emerge o presente recurso do Acórdão acima referido, mais concretamente na parte em que revogou a decisão recorrida, julgando improcedente, quanto à 2.ª Ré, a excepção da preterição do Tribunal Arbitral voluntário e determinou o prosseguimento da acção relativamente àquela, com a qual a Recorrente não concordou.

B. Sucede, porém, que contrariamente ao pretendido pela Recorrente, o referido Acórdão, na parte em que revogou a decisão recorrida, julgando improcedente, quanto à 2.ª Ré, a excepção da preterição do Tribunal Arbitral voluntário, não merece qualquer censura, porquanto fez uma correcta aplicação do Direito.

C. Alegaram as Rés, aqui Apeladas, em sede de Contestação, a verificação da preterição do Tribunal Arbitral Voluntário, sustentando, em síntese que, tendo a presente acção como causa de pedir o Contrato de Agência 2003/2004, sempre deveria a Autora, ora Apelante, ter observado o disposto na Cláusula 37 do referido contrato no que respeita ao mecanismo de resolução de conflitos previsto pelas partes, e que consiste numa convenção de arbitragem.

D. Como bem refere o Tribunal a quo na decisão recorrida, a convenção de arbitragem é um negócio jurídico bilateral, no sentido corrente de que, para a sua formação, concorrem concordantemente duas vontades. Pelo que, a fonte de legitimação do poder jurisdicional dos tribunais arbitrais é inequivocamente a autonomia privada das partes.

 E. Considerando a natureza contratual da convenção de arbitragem, a ela se aplicam os princípios e regras fundamentais do direito dos contratos, designadamente, o princípio da eficácia relativa, consagrado no n.º 2 do art. 406.° do CC, segundo o qual os contratos só produzem efeitos inter partes, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.

F. Em sede de arbitragem, o âmbito subjectivo do processo está definido desde logo pelas partes que compõem a cláusula compromissória ou o compromisso arbitral. Com efeito, só estes sujeitos acordaram na submissão do(s) seu(s) litígio(s) a um tribunal composto por particulares, desprovido de jus imperii, e que apenas adquire poder jurisdicional precisamente através dessa manifestação de vontade dos litigantes.

G. Com a convenção arbitral, as partes ficam constituídas no ónus de, querendo, ver decidido litígio que se compreenda no seu objecto, preferirem a jurisdição arbitral, privada, à jurisdição pública.

H. A AA, aqui Recorrida e a CC aqui Recorrente (bem como a DD), não celebraram qualquer convenção de arbitragem. A Cláusula 37 do Contrato de Agência invocada pela Recorrente para fundamentar uma pretensa situação de preterição do Tribunal Arbitral por parte da Recorrida, relativamente a todas as Rés, nomeadamente, à 2.ª e 3.ª Rés, faz parte integrante de um contrato celebrado entre a BB e a AA, o qual não foi outorgado nem subscrito pela CC (nem pela DD).

I. A redução a escrito da convenção de arbitragem é conditio sine qua non da sua validade e eficácia.

J. Não logrou a CC, demonstrar a existência de uma convenção de arbitragem celebrada entre a AA e aquela. Não o fez, nem poderia fazê-lo na medida em que a AA e a CC (e a DD) não celebraram qualquer cláusula compromissória com vista à resolução de eventuais litígios emergentes entre elas.

K. Acresce que a Cláusula 37 não é aplicável à CC por virtude da carta datada de 23 de Dezembro de 2004, porquanto na referida carta, a BB apenas deu indicação à AA para, sem prejuízo do Contrato de Agência entre ambas celebrado, começar a facturar as comissões à CC - 2.ª Ré - em vez da BB.

L. A referida carta de 23 de Dezembro de 2004 não importa qualquer alteração subjectiva no Contrato de Agência, na medida em que, tal como ressalta da mera leitura da mesma, não há qualquer cessão da posição contratual da BB para a CC, mas tão somente o cumprimento de uma obrigação contratual que incumbia à BB - pagamento das comissões devidas pela BB à AA no âmbito do Contrato de Agência sub iudice - por terceiro, neste caso a Recorrente CC, ao abrigo do disposto no art. 767.° do CC.

M. Acresce que, não procede, no caso sub iudice, o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Janeiro de 2010, desde logo pela razão já acima exposta - de que não houve lugar à cessação da posição contratual por via da carta de 23 de Dezembro de 2004, tendo ficado expressamente ressalvada a manutenção do Contrato de Agência que vigorava entre a AA e a BB, mediante a expressão "without prejudice to the contract referred above" (o que poderá traduzir-se como "sem prejuízo do contrato acima referido").

N. Não poderá, de igual modo proceder tal entendimento, na medida em que, considerando a natureza contratual da convenção de arbitragem, e que a ela se aplicam os princípios e regras fundamentais do direito dos contratos, designadamente, como foi já referido supra, o princípio da eficácia relativa, mesmo que a Recorrente pretendesse ficar sujeita à referida Cláusula, esta só lhe seria aplicável se as restantes partes contraentes - ou seja, a Recorrida e a BB - aceitassem tal inclusão ou adesão. O que não sucedeu in casu.

O. Só por manifesta má-fé pode a Recorrente vir agora alegar que a Cláusula 37 do Contrato de Agência sub iudice lhe é aplicável, em clara contradição com a posição pela mesma expressamente assumida em sede de Contestação, onde, no artigo 252.° diz o seguinte: "a 2.ª R. nunca foi parte no Contrato de Agência de 2004, nem alguma vez a posição contratual da 1.ª R. lhe foi transmitida." (destacado nosso)

P. E não se diga, como pretende a Recorrente, que o facto de a Recorrida ter dado início a um processo de arbitragem na Dinamarca, na qual demanda a BB, a CC e a DD, releva para a aceitação da Recorrida de que a Recorrente se encontra vinculada à convenção de arbitragem sub iudice.

Q. Resulta evidente da carta que dá início à arbitragem, cuja tradução foi junta pela Recorrente, que a única razão pela qual a AA deu início, antes de 31 de Dezembro de 2010, ao processo de arbitragem na Dinamarca foi para obviar a que, no caso de vir a proceder, a final, o entendimento de que se verificou, quanto a todas as Rés, a preterição de Tribunal Arbitral voluntário - o que de todo não se admite - quando a Recorrente fosse dar início ao processo de arbitragem na Dinamarca, o respectivos direitos já tivessem, em face da legislação dinamarquesa, prescrito. Por essa razão, foi desde logo pedida a suspensão do processo de arbitragem, enquanto não estivesse decidida, por decisão transitada em julgado, a presente lide.

R. A posição da Recorrida mantém-se, assim, desde o início do processo, inalterada, na medida em que entende que a Cláusula 37, para além de ser nula, nunca poderia ser aplicável às 2.ª e 3.ª Ré. O mesmo não se pode dizer quanto à posição da 2.ª Ré, que, consoante lhe é mais conveniente, tanto invoca que não é parte no Contrato de Agência, e que o mesmo não lhe é aplicável, como agora alega que a Cláusula 37, desse mesmo Contrato do qual não é parte, lhe é aplicável! Imagine-se o que iria a Recorrente alegar, junto do Tribunal Arbitral, caso a decisão recorrida viesse agora a ser revogada - o que de todo não se admite?!

S. Inexiste, no caso sub iudice, uma convenção de arbitragem validamente celebrada entre a AA, por um lado, e a CC (e a DD), por outro, que permita a constituição de um Tribunal Arbitral com vista à apreciação e decisão do concreto litígio em apreço no que àquelas diz respeito.

T. Acresce que, não tendo sido celebrada entre a Recorrida e a CC (e a DD) qualquer cláusula compromissória ou compromisso arbitral, não pode a Recorrida, pelos motivos acima aduzidos, iniciar um processo de arbitragem contra aquela, e caso o fizesse, o Tribunal Arbitral declarar-se-ia necessariamente incompetente com base na inexistência de um acordo válido entre as partes no sentido de encarregar terceiros de decidir os litígios que entre si surjam ou venham a surgir.

U. Donde resultaria, caso se mantivesse a decisão proferida pelo Tribunal a quo de procedência da excepção de preterição de Tribunal Arbitral voluntário - o que se admite por mera cautela de patrocínio sem, no entanto, conceder - a denegação do direito de acesso ao direito e aos tribunais da Recorrida, em clara violação do disposto no art. 2.º do Código de Processo Civil e no art. 20.º da CRP.

V. Não pode, assim, proceder a excepção da preterição do Tribunal Arbitral voluntário, nomeadamente, no que respeita à Recorrente, não podendo esta, em consequência, ser absolvida da instância, sob pena de a AA se ver impedida de levar as pretensões contra aquela - plasmadas nos pedidos formulados na petição inicial dos autos a quo - ao conhecimento de um órgão jurisdicional, e de solicitar, a abertura de um processo contra aquela, com o consequente dever, por parte do referido órgão, de sobre elas se pronunciar mediante decisão fundamentada.

W. Nunca sendo possível - mesmo admitindo o que não se aceita a existência e validade da cláusula arbitral - que pelos motivos acima aduzidos, as pretensões da AA contra a CC e a DD sejam apreciadas e decididas por um Tribunal Arbitral, restará, assim, apenas a possibilidade de a AA ver os seus pedidos contra estas duas entidades apreciados por um Tribunal Judicial que, atenta a indissociabilidade da forma como a Autora configura a sua pretensão contra as três Rés também terá que apreciar a pretensão contra a BB.

X. Em face do exposto, sempre deverá improceder, por falta de fundamento legal, a excepção da preterição do Tribunal Arbitral voluntário invocada pela Recorrente, devendo, quanto a esta, ser mantida a decisão recorrida, o que expressamente se requer para todos os efeitos legais.

V –

A questão suscitada no presente recurso diz respeito à procedência ou não procedência da excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral no que respeita à 2.ª ré.

VI –

A Relação considerou como “Elementos a ponderar” – verdadeiramente funcionando, no prisma que aqui nos interessa, como “factos” - os seguintes:

Depois de, em 21-1-03, ter sido celebrado entre a A. e a 1.ª R. um contrato de agência, em 27-2-04 foi assinado novo contrato, com vigência até 31-12-06 (art. 28°), cujo teor consta de fIs. 107 e segs., contendo a cláusula 37.ª, assim traduzida:

"Resolução de Conflitos"

"Qualquer litígio emergente ou relacionado com o presente Acordo será resolvido sem o recurso aos tribunais de acordo com a Lei Dinamarquesa de Arbitragem, no Se-og Handelsretten, Copenhaga, Dinamarca, sendo as sentenças do Tribunal Arbitral finais e vinculativas. O painel de arbitragem será constituído por três pessoas; uma designada por cada uma das partes e uma designada por comum acordo entre os dois árbitros. Se não for possível alcançar comum acordo para a designação do terceiro árbitro, então o Presidente do Se-og Handelsretten designará um árbitro.

Os árbitros terão poder para decidir sobre a sua própria competência e sobre a validade do acordo a submeter à arbitragem.

Quaisquer litígios ou questões emergentes deste Contrato serão regidos pela Lei Nacional Dinamarquesa e sob jurisdição Dinamarquesa conforme acima determinado sem fazer referência às ou uso das regras relativamente à escolha da lei".

Em 23-12-04, através da carta de fIs. 117, a 1.ª R. deu indicação à A. que, sem prejuízo do contrato de agência referido, as comissões seriam pagas pela 2.ª R. CC.

Com fundamento na cessação do contrato, com efeitos a partir de 31-12-06, comunicada através da carta de fIs. 118, ao abrigo do art. 34° do Dec. Lei n.º 178/86, de 3-6, a A. formulou o pedido de condenação da 1.ª R BB no pagamento de uma indemnização de clientela, de uma quantia a título de comissões e ainda de uma indemnização por incumprimento do contrato.

Subsidiariamente, "por mera cautela de patrocínio", para o caso de se verificar a "inexistência" da R. BB, a A. formulou o mesmo pedido de condenação contra a 3.ª R. DD.

Pediu ainda a condenação da 2.ª R. CC, solidariamente com a 1.ª R. ou com a 3.ª R., no pagamento das comissões devidas.

Na decisão recorrida, foi declarada a absolvição de todas as RR. da instância por violação da convenção de arbitragem.

VII –

A arbitragem voluntária está prevista no Decreto-Lei n.º 31/86, de 29.8. (doravante LAV), com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8.3.

Tem como fonte a “convenção de arbitragem” que, consoante se reporte a litígio actual, ainda que afecto a tribunal judicial ou a litígios eventuais, tem a designação de “compromisso arbitral” ou de “cláusula compromissória”.

Esta “convenção de arbitragem” integra um contrato ou uma parte deste.

Está, assim, sujeita ao que determina o artigo 406.º, n.º2 do Código Civil :

Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.

Temos, então, que:

Ou está prevista em lei especial a produção de efeitos relativamente a terceiros;

Ou não está.

Além atenta-se no que resulta daquela lei especial (aliás, sempre seria assim, em obediência ao princípio da prevalência da lei especial relativamente à geral);

Aqui não há produção de efeitos relativamente a terceiros. O que bem se compreende atenta a essência da própria realidade contratual.

VIII –

A lei especial que aqui nos importa é a mencionada LAV e nela não vemos qualquer preceito que estenda a terceiros os efeitos da convenção de arbitragem.

Pelo contrário reitera intensamente o texto legal a palavra “partes” (cfr-se, nomeadamente, os artigos 1.º, n.ºs 1 e 3, 2.º, n.º2, 7.º, 11.º, n.ºs 1 e 5, 15.º, n.º1, etc.)

Esta reiteração da alusão a “partes” situa-se, não só no outorgar da convenção de arbitragem, mas em toda a tramitação que tiver lugar. Assim, as “partes” devem designar o árbitro ou os árbitros, noutros casos, “cada uma indicará um árbitro”, a parte que pretenda instaurar o litígio “deve notificar desse facto a parte contrária”, “se o árbitro único dever ser designado por acordo das duas partes”, na convenção ou posteriormente, “podem as partes acordar sobre as regras do processo a observar…bem como sobre o lugar onde funcionará o tribunal” e aí por diante.

De tudo emergindo antes a ideia de sinal contrário ao da extensão subjectiva da convenção. Tudo aparece “fechado” subjectivamente tendo como conteúdo uma e a outra parte.

IX –

Decerto que esse “fechamento” pode colidir com as próprias regras do processo civil, se as partes, ou, na falta delas, os árbitros, acordarem numa tramitação assente nas regras deste. O regime de intervenção de terceiros levantará ali particulares dúvidas, se visto precisamente sob o prisma destes.

Mas esta questão não interessa ao nosso caso.

X –

Face ao que vimos entendendo, interessa, então, ver quem outorgou ou não outorgou na convenção de arbitragem. Os que outorgaram estão vinculados. Sendo demandado em tribunal judicial, qualquer deles pode opor ao outro, validamente, a excepção de preterição de tribunal arbitral.

Os que não outorgaram, não estão vinculados, nem podem opor, validamente, tal excepção.

Não releva, nomeadamente, que integrem o mesmo grupo empresarial duma das partes ou que “directa ou indirectamente, tenham auxiliado a BB na execução do contrato ou nas negociações pós-cessação” (conclusão j).

XI –

Decerto que aquelas afirmações têm de ser interpretadas com a ressalva da dinâmica da própria relação contratual.

É que, pode haver que atender às figuras da:

Cessão da posição contratual;

Cessão de créditos;

Adesão ao contrato.

Chegamos, assim, às três figuras que importa considerar, face ao documento de folhas 117.

XII –

A cessão da posição contratual está prevista no artigo 424.º e seguintes do Código Civil. Diz respeito ao contrato, sendo a posição que uma das partes tem relativamente a este que é transmitida. Tendo havido entre os contratantes iniciais convenção de arbitragem, parece-nos claro, face aos próprios contornos da figura da cessão, que o cessionário fica vinculado nos mesmos termos em que o cedente o estava.

A cessão pressupõe um acordo entre cedente e cessionário, no sentido de o primeiro se despir da sua posição no contrato a favor do segundo.

Ora o documento de folhas 117 não integra qualquer acordo, mesmo tácito, nesse sentido. O que ali se refere é que a facturação deve passar a ser feita à ora segunda ré, mas isso pode ter lugar por muitas razões, com inerentes figuras jurídicas tutelantes. Em sentido contrário à cessão até ali se escreveu “sem prejuízo do contrato de referido supra“ (“without prejudice to the contract referred above”), e “para facilitar os pagamentos” (“in order to facilitate payments”).

XIII –

Do mesmo modo – ainda que não devam confundir-se as figuras – a cessão do crédito, prevista no artigo 577.º e seguintes, também levaria à vinculação da cessionária ao regime derivado da convenção arbitral. Resultaria tal do n.º1 do artigo 582.º, ainda do Código Civil.

Mas falece, também aqui, o acordo que teria de estar na base de tal figura, não o alcançando o mencionado documento. Também aqui, o mesmo percorre antes caminho inverso, com a manutenção do contrato inicial e, concomitantemente, do crédito na titularidade de quem inicialmente figura como credor.

 XIV –

A adesão à posição contratual distingue-se das anteriores duas figuras por não pressupor qualquer transmissão. Os direitos e deveres emergentes do contrato tal como ele inicialmente foi levado a cabo mantêm-se, mas um terceiro “entra na órbita da relação contratual, colocando-se ao lado de um dos contraentes, com iguais direitos e obrigações. No fundo o número de contraentes cresce, passando de dois a três, os dois primitivos e o aderente, que se torna contitular de um deles.” (Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 460).

Esta “entrada na órbita da relação contratual” pressupõe, além do mais, uma manifestação de vontade por parte do terceiro.

Essa manifestação de vontade pode ser expressa ou tácita.

Aquela falece claramente, porque o documento de folhas 117 constitui uma carta em que a agora segunda ré, por si ou por interposta pessoa, não intervém. Nada está ali expresso sobre a vontade de adesão.

A declaração tácita pode emergir de factos que com toda a probabilidade a revelem (artigo 217.º, n.º1, parte final do Código Civil). Ora, mesmo admitindo que a autora da carta só a teria enviado obtida que fosse a anuência da CC em que a facturação fosse feita a esta, ficamos, novamente, no vazio sobre o que estava na base de tal acordo sobre a facturação. Nomeadamente se a CC quis aderir ao contrato, passando a integrar uma parte deste, a par da BB.

XV –

Argumenta ainda a recorrente que a autora notificou todas as rés para o início da arbitragem e constituição do tribunal arbitral, nos termos da cláusula 37.º do contrato de agência, o que, à míngua de impugnação, revela – segundo ainda sustenta - que aceitou a convenção de arbitragem também quanto à 2.ª ré.

Tratou-se dum acto unilateral, previsto no artigo 11.º, n.º1 da LAV, que, por si só, não vincula quanto à opção por um tipo de tribunal ou por outro. Conforme o princípio fixado no n.º1 do artigo 22.º da LOFTJ (n.º3/99, de 13.1) a competência fixa-se no momento em que a acção se propõe. Podem ter lugar, antes, acordos em tal domínio, mas à míngua destes, assiste ao autor total liberdade até ao momento de instauração da acção.

XVI –

Face a todo o exposto, nega-se a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 8 de Setembro de 2011

João Bernardo (Relator)

Oliveira Vasconcelos

Serra Baptista