Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A1698
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
ORDEM PÚBLICA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: SJ20080710016986
Data do Acordão: 07/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CRISTAS, ASSUNÇÃO, GOUVEIA, MARIANA FRANÇA, A VIOLAÇÃO DE ORDEM PÚBLICA COMO FUNDAMENTO DE ANULAÇÃO DE SENTENÇAS ARBITRAIS, CADERNOS DE DIREITO PRIVADO, Nº 29, JANEIRO/MARÇO 2010, P. 41.
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I – Convencionando as partes que as questões que entre elas viessem a ter lugar seriam necessária e exclusivamente decididas por um Tribunal Arbitral e que da decisão deste não cabia recurso para outra instância, vedada lhes estava a discussão por via de recurso do mérito da decisão final dos árbitros, dispondo, todavia, da possibilidade de anulação da sentença arbitral, atentos os fundamentos previstos no art. 27 da Lei 31/86, de 29-8.
II - O fundamento de anulação constante da alínea e) do nº1 do art. 27 tem correspondência com a previsão da alínea d) do nº 1 do art. 668 do CPC.
III - Quando se verifique numa sentença arbitral a violação de uma regra de ordem pública, ocorrerá necessariamente a nulidade directa desta sentença arbitral, quando a contrariedade com a ordem pública estiver contida na própria sentença arbitral, tendo de ser paralisados os efeitos desta por recurso aos critérios gerais de direito.
IV – Tendo no acórdão arbitral sido reconhecido às autoras um direito a uma indemnização contida numa cláusula penal acordada, apesar de a ré haver provado a ausência de dano decorrente do incumprimento desta, não resulta deste reconhecimento uma ofensa a uma norma de ordem pública, quer porque se não pode aferir da natureza exclusivamente indemnizatória da cláusula penal – por a mesma aferição implicar a reapreciação do mérito da causa arbitral, o que é vedado por força da renúncia ao recurso – quer por aquele reconhecimento, podendo violar norma de direito civil, no caso de estar ausente qualquer intuito compulsório no estabelecimento da cláusula penal, mas não abalar qualquer norma estrutural do nosso sistema legal .
V - Só o caso de falta absoluta de motivação gera uma situação de nulidade da sentença arbitral, de acordo com o disposto nos artigos 27º, n.º 1, al. d) e 23.º, nº 2 da Lei n.º 31/86; sempre que a motivação seja deficiente não havendo lugar a anulação, essa deficiência será susceptível de impugnação através de recurso interposto contra a sentença arbitral, se houver lugar ao mesmo.
Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

«AA – Comunicações Pessoais, SA» intentou a presente acção declarativa com processo ordinário para anulação de acórdão arbitral, na 5ª Vara Cível de Lisboa, contra «BB., SA, Sociedade Aberta, «CC – Telecomunicações Celulares, SA», «Sociedade Geral de Projectos Imobiliários e Serviços, SGPS, SA» - substituída esta, entretanto, pela cessionária habilitada no apenso A, DD - Participações Públicas ( SGPS ), S. A. – e, ainda contra «WW».
Nela a autora pediu que seja anulado o Acórdão Arbitral de 13 de Janeiro de 2003, documentado nos autos, por violação do disposto no art. 27º, nº1, alíneas d) e e) da Lei 31/86, de 29-8 e por violação da ordem pública.
Após contestação das RR., o processo prosseguiu vindo, a final, a ser proferido saneador-sentença que julgou a acção improcedente.
Desta decisão apelou a A., tendo a apelação sido julgada improcedente na Relação de Lisboa.
Mais uma vez inconformada, veio a autora interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado conclusões que, por falta de concisão, não serão aqui transcritas.
Responderam as recorridas defendendo fundamentadamente a manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Das conclusões formuladas pela aqui recorrente, se vê que esta, para conhecer neste recurso, levanta as mesmas questões que colocara na apelação e que consistem, afinal, nos três fundamentos indicados na petição inicial para o pedido também ali deduzido.
Dito por outras palavras, diremos que a autora alegou três fundamentos para a procedência da pedida anulação do acórdão arbitral, fundamentos estes que foram todos julgados improcedentes na 1ª instância e tendo a autora renovado os mesmos fundamentos, desta vez, como objecto do recurso de apelação, fundamentos esses que também foram rejeitados no acórdão que conheceu da apelação.
Nas conclusões do recurso de revista, a autora reafirma a bondade dos mesmos fundamentos alegados na petição inicial, sem que tenha modificado substancialmente os argumentos que as instâncias já rejeitaram.
Desta forma, as concretas questões que a recorrente pretende ver aqui ser apreciadas, como objecto deste recurso, são as seguintes:
I. O acórdão arbitral ocupou-se de questão de que não podia já tomar conhecimento, o que acarreta a sua nulidade, nos termos do art. 27º, nº 1 al. e) da Lei nº 31/86 de 29/08 ?
II. O acórdão arbitral violou normas de ordem pública ao condenar a recorrente a responsabilizar a autora sem dano ?
III. O acórdão arbitral é nulo por falta de fundamentação da parte da decisão que fixou o valor da cláusula penal convencionada ?

Mas antes de começarmos a analisar as referidas questões, vamos especificar a matéria de facto que as instâncias deram por assentes e que é a seguinte:
1) Em 31 de Agosto de 2000 as rés demandaram, em acção arbitral, a ora autora tendo, para tanto, apresentado a petição inicial e os documentos que a acompanhavam, cuja cópia se encontra de fls. 34 a 212 dos presentes autos;
2) Na acção referida em 1) foi invocado pelas rés, como fundamento dos pedidos que formularam, a violação, pela ora autora, de um «Acordo Parassocial» - a que aquelas e esta, na qualidade de accionistas e detentoras da totalidade do capital da sociedade EE - TELECOMUNICAÇÕES, S.A. (doravante, EE), originariamente denominada MR - Telecomunicações, S.A., se encontravam vinculadas por contrato celebrado em 1 de Setembro de 1997, do qual se encontra cópia de fls. 100 a 153 dos presentes autos;
3) As rés, autoras na acção referida em 1), pediam nessa acção, que o Tribunal Arbitral declarasse:
«(...) i) que a AA incorreu em incumprimento definitivo perante as AA., nos termos e para os efeitos do art. n° 4, do ACORDO PARASSOCIAL, da obrigação de realização tempestiva da prestação pecuniária acessória por ela devida à EE, no montante de 470.000.000$00, e que, em consequência, esse incumprimento a constituiu na obrigação de pagamento às signatárias de uma penalidade equivalente ao dobro dessa prestação;
ii) que a AA, ao não pagar a sobredita penalidade no prazo que para o efeito lhe foi concedido pelas AA., se sujeitou às consequências previstas no art. 16.º, n.° 5, do ACORDO PARASSOCIAL, tendo as AA. adquirido consequentemente o direito de exercerem uma opção de compra sobre as acções EE na titularidade daquela;
iii) que as AA. exerceram validamente essa opção de compra,
Em consequência deve:
i) a AA ser condenada a pagar às AA., na proporção dos direitos de voto por estas detidos no capital social da EE, uma indemnização no montante de 940.000.000$00, acrescida de juros à taxa legal desde o momento da constituição em mora;
ii) O Tribunal substituir-se à AA, declarando as acções detidas pela AA no capital social da EE transmitidas às AA., nas proporções constantes da interpelação de exercício da opção, contra o depósito de 70% do valor nominal dessas acções ou, subsidiariamente, contra o depósito de (i) 70% do valor nominal das acções detidas pela AA até ao último aumento de capital e do (ii) valor de subscrição das acções resultantes do exercício dos direitos de subscrição no último aumento de capital da EE. Ou,
iii) a transmitir para as AA., na proporção dos direitos de voto por estas detidos no capital social da EE, as acções que detém no capital dessa SOCIEDADE, contra o pagamento de 70% do valor nominal dessas acções ou, subsidiariamente de (i) 70% da acções detidas pela AA até ao último aumento de capital e do (ii) valor de subscrição das acções resultantes do exercício dos direitos de subscrição no último aumento de capital da EE (...)”);
4) A autora, ré na acção referida em 1), deduziu contestação e reconvenção, nos termos e com os fundamentos que constam do documento que se encontra de fls. 213 a 284 dos autos, alegando, nomeadamente, que a opção de compra instituída pela cláusula 16.5 era alternativa ao recebimento de quantia que à Parte não faltosa couber a título de penalidade, pelo que os pedidos das aí autoras - de satisfação do direito de opção de compra das acções e das demais penas convencionais - não eram cumuláveis devendo, em consequência, as aí autoras esclarecer qual deles preferiam, caso algum deles viesse a ser considerado aplicável;
5) A autora, ré na acção referida em 1), apresentou nessa acção as alegações de Direito que constam do documento cuja cópia se encontra de fls. 285 a 429 dos autos, sustentando, nomeadamente, que o direito de opção de compra que a Cláusula 16.5 do Acordo Parassocial instituía a título de sanção não era cumulável, ao contrário do que as RR. advogavam, com outras penalidades de carácter pecuniário previstas na referida cláusula e na Cláusula anterior do mesmo acordo;
6) Na sequência do referido em 5), as rés apresentaram na acção referida em 1) o requerimento que consta, sob cópia, de fls. 430 a 433 dos autos, dele constando, designadamente, o seguinte: «(…) Em resposta ao alegado nos artigos 306. e 307. e na alínea ww) das conclusões constantes das alegações de direito apresentadas pela R., não se concedendo relativamente à aplicação cumulativa (i) da obrigação da R. de pagamento da sanção penal prevista na Cláusula 16.4 do ACORDO PARASSOCIAL no valor de ESC. 940.000.000$00 e (ii) do direito das AA. de exercício da opção de compra nos termos e condições estipuladas na Cláusula 16.5. do ACORDO PARASSOCIAL, vêm pelo presente as AA. explicitar que, caso o Tribunal entenda que as AA. apenas terão direito a uma indemnização no montante de ESC. 940.000.000$00 ou apenas terão direito ao exercício da opção de compra, o que apenas por extrema cautela de patrocínio se pondera, mantêm as AA. a posição de que deve ser dada preferência ao exercício pelas AA. do direito de opção de compra das acções detidas pela R. no capital social da EE nos termos melhor explicitados nos pontos ii) e iii) do pedido formulado na p.i. (...)»;
7) No âmbito da acção referida em 1) foi proferido, com data de 13 de Janeiro de 2003, o Acórdão Arbitral cuja cópia se encontra de fls. 434 a 516 dos presentes autos;
8) No relatório do Acórdão Arbitral referido em 7), no ponto 9, com o título «Alegações finais das Partes», a fls. 21 do mesmo, refere-se, designadamente, o seguinte:
«(…) Na sequência desta interpretação do acordo parassocial defendida pela R., as AA. vieram, de imediato, apresentar a sua resposta, esclarecendo que mantêm o entendimento de que as sanções em causa, designadamente o direito à indemnização pecuniária prevista na cláusula 16.4 do acordo e o direito de opção instituído pela cláusula 16.5, podem ser exercidos, cumulativa e sucessivamente, pela Parte ou Partes não faltosas contra a Parte ou Partes faltosas, mas que, "caso o Tribunal entenda que tais direitos são alternativos, mantêm as AA. a posição desde sempre sufragada no sentido da prevalência do exercício do direito de opção de compra da participação da R. no capital social da EE. No fundo, as AA. vieram dizer, fazendo-o embora sob condição (isto é, sob a condição de o Tribunal entender que as sanções em causa são alternativas), que reduzem o seu pedido ao reconhecimento do direito de opção de compra. Nada as impedia de tomarem esta iniciativa, pois a redução do pedido é permitida em qualquer altura (art. 273°, n° 2, do Cód. de Proc. Civil), importando ainda sublinhar que, no caso sub iudice, não há, quanto a este ponto, divergência entre os litigantes, o que permite aplicar também a regra do art. 272° do mesmo diploma legal, onde se estabelece que, havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser sempre alterados, em 1ª ou 2ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito (...)»;
8) No Acórdão Arbitral referido em 7) chamado a decidir, entre outras coisas, sobre o problema da aplicação cumulativa ou alternativa das sanções previstas nas cláusulas 16.4 e 16.5 do Acordo Parassocial e tendo este dado por assente que a A. incorreu, perante os demais accionistas da EE em incumprimento, decidiu, em síntese, que:
«i) Ao incumprimento definitivo da A. eram aplicáveis as Cláusulas 16.4 e 16.5 do Acordo Parassocial cujos pressupostos de aplicação eram diferentes;
ii) A atribuição às partes não faltosas, pelo Acordo Parassocial, de um direito de opção de compra das acções pertencentes à parte faltosa era uma sanção muito pesada, pois afastava ou excluía da sociedade o accionista em incumprimento definitivo;
iii) A cumulação desta sanção com outras não tinha justificação plausível por ser pouco razoável que um sócio, além de ser compulsivamente afastado da sociedade, recebendo pela "expropriação" da sua participação societária um valor inferior ao valor real, tivesse ainda de pagar uma avultada indemnização às partes não faltosas;
iv) A interpretação que melhor se coadunava com a letra da cláusula 16.5 era a de que a alternativa, em matéria de sanções, para o caso de incumprimento definitivo de qualquer das obrigações, era entre a opção de compra das acções da EE pertencentes ao accionista incumpridor e as sanções pecuniárias previstas nas Cláusulas 16.4 e 16.5.; e
v) A tese da alternatividade das sanções era a que conferia maior equilíbrio - ou menor desequilíbrio - ao regime convencionado no Acordo Parassocial até porque, na dúvida, deve sempre optar-se, na interpretação de um contrato oneroso, pelo sentido que conduza ao maior equilíbrio dos direitos e deveres contrapostos das Partes;
9) Relativamente à apreciação das penalidades estabelecidas no Acordo Parassocial, com vista a decidir se estes deviam ou não ser reduzidas, as mesmas foram consideradas pelo Tribunal Arbitral como manifestamente excessivas entendendo que deveriam, nos termos do art. 812.°, n.° 1, do Código Civil, aplicável directamente ou por analogia, ser reduzidas de acordo com a equidade;
10) De fls. 71 a 74 do Acórdão Arbitral consta, designadamente, o seguinte:
«(...) Das várias penalidades ou sanções estabelecidas no acordo parassocial, porém, apenas interessa proceder à redução da que se consagra na cláusula 16.4 e da que permite exercer uma opção de compra, por setenta por cento do respectivo valor nominal, sobre as acções da EE pertencentes à parte faltosa, pois as AA. não pediram que à R. fossem aplicadas, como consequência do não cumprimento em que incorreu, outras sanções punitivas.
Pelo que respeita à primeira sanção, que impõe à R. a obrigação de pagar às AA., a título de cláusula penal, o dobro da prestação acessória de 470.000 contos que devia ter realizado até 28 de Dezembro de 1998, tomando principalmente em consideração que a R. acabou por pagar, embora com atraso, aquela prestação, e ponderando, ainda, que o atraso da AA nenhum prejuízo causou às demais partes do acordo parassocial, e que nenhuns danos causou também à EE, para além da perda dos juros que poderia ter obtido através do depósito bancário do montante da prestação acessória, o Tribunal reduz o quantitativo da cláusula penal para metade, isto é, para 470.000 contos, acrescidos dos juros legais moratórias para créditos de empresas comerciais, desde 13 de Janeiro de 1999, isto é, desde o dia seguinte àquele em que a R. incorreu, quanto à obrigação que assumiu no acordo parassocial, de realizar pontualmente a mencionada prestação acessória, em incumprimento definitivo.
Pelo que respeita ao direito de opção de compra das acções da EE pertencentes à AA, tomando em linha de conta o que, sobre o valor da EE (com base no qual se pode determinar, em termos aproximados, o valor das acções desta sociedade, detidas pela R.) se provou na resposta ao quesito 8°, o Tribunal entende que, se a opção de compra fosse permitida, nos termos da cláusula 16.5, por setenta por cento do valor nominal dos títulos, a sua aquisição coerciva traduzir-se-ia numa penalidade manifestamente excessiva ou exorbitante.
A redução ou moderação desta penalidade poderia, em princípio, operar-se tomando como base para a opção de compra o valor real das acções e permitindo que a compra se fizesse por certa percentagem desse valor. Se as acções, por exemplo, valessem 2 milhões de contos e se permitisse a opção por setenta por cento deste valor, a penalidade seria de 600.000 contos.
Como, porém, se não conseguiu apurar, de modo certo, o valor real dos títulos, é aleatório permitir a opção de compra por certa percentagem desse valor. Se se adoptasse este critério, a perda patrimonial sofrida pela AA, em consequência da opção de compra, variaria em função do valor que viesse a ser atribuído às acções e tanto poderia traduzir-se numa sanção razoável, como numa sanção manifestamente excessiva...
Estabelecendo o acordo parassocial, na cláusula 16.5, conforme se concluiu já, sanções alternativas para a mesma infracção, deve entender-se que os subscritores do acordo tiveram em vista sanções de valor equivalente. Com efeito, se as sanções fossem de valor desigual, a alternatividade prevista e querida pelas partes seria apenas formal ou aparente, pois a escolha de uma das sanções, pela parte ou partes não faltosas, recairia sempre, obviamente, naquela que fosse mais pesada para o infractor e, correspectivamente, mais vantajosa para o contratante ou contratantes que dela beneficiassem...
Para que as duas penalidades estabelecidas em alternativa – pagamento de 470.000 contos e respectivos juros moratórios, nos termos da redução já operada pelo Tribunal, ou sujeição da R. à opção de compra, exercida pela AA., das acções que detiver no capital da EE – se traduzam em sanções economicamente equivalentes, de tal modo que a escolha de uma ou da outra causará à AA uma perda patrimonial sensivelmente idêntica, a solução mais adequada será a de permitir a opção de compra pelo valor real das acções pertencentes à AA, mas deduzindo ao preço assim apurado uma importância igual à da cláusula pecuniária alternativa (470.000 contos acrescidos dos juros legais moratórios que forem devidos pela AA).
Fixando, pela via da respectiva redução, as duas penalidades alternativas nos termos que acabam de referir-se, o resultado será o de que, quer as AA. optem pelo pagamento da importância de 470.000 contos (acrescida dos juros legais moratórios), quer optem pela compra das acções, pelo seu valor real menos a importância de 470.000 contos (acrescida igualmente dos juros legais moratórios), a sanção que a AA sofrerá será, em termos económicos, sensivelmente idêntica: em qualquer dos casos, ela suportará uma diminuição patrimonial de 470.000 contos, mais os juros legais desta importância contados desde 13 de Janeiro de 1999, até à data do cumprimento da sentença (...)»;
11) No Acórdão Arbitral referido consta, sob a epígrafe «DECISÃO», designadamente, o seguinte:
«Tudo ponderado e com base nas razões anteriormente expostas, o Tribunal decide o seguinte:
a) Reconhece às Autoras, na proporção dos direitos de voto correspondentes às participações no capital social da EE (...), o direito ao pagamento pela Ré, a título de cláusula penal, da quantia, em Euros, correspondente a 470.000 contos (acrescidos dos juros legais moratórios relativos a créditos de empresas comerciais, contados desde 13 de Janeiro de 1999 até à data do pagamento), ou, em alternativa, e na mesma proporção, o direito de opção de compra das acções da EE pertencentes à AA na presente data, acrescidas das que, em virtude da respectiva titularidade, a AA porventura venha a adquirir em aumentos de capital da EE, pelo seu valor real à data do exercício dessa opção, menos a importância, em Euros, correspondente a 470.000 contos (acrescida igualmente de juros legais moratórios desde 13 de Janeiro de 1999 até à data do exercício da opção);
b) Condena a Ré, conforme a escolha que vier a ser feita pelas Autoras, a pagar a estas, na proporção atrás referida, a importância de 470.000 contos (acrescidos de juros legais moratórios desde 13 de Janeiro de 1999 até à data do pagamento), ou a vender-lhes as acções da EE acima indicadas, pelo seu valor real à data em que a opção de compra for exercida, diminuído da importância, em Euros, correspondente a 470.000 contos, mais os juros legais moratórios desta importância relativos ao período compreendido entre 13 de Janeiro de 1999 e a data do exercício da opção de compra;
c) Julga improcedentes os pedidos reconvencionais deduzidos pela Ré (...)».


Antes de iniciarmos a apreciação das concretas questões acima referenciadas como objecto deste recurso, há que referir que aquelas questões foram já objecto de análise exaustiva e fundamentada pelas instâncias onde, como já dissemos, foram rejeitadas sem que a recorrente nas alegações do recurso de revista tenha apontado argumentos substancialmente diferentes para fazer valer os seus pontos de vista.
Analisando cuidadosamente as razões expostas nas decisões das instâncias e os argumentos da recorrente, afigura-se-nos, como referiu o acórdão em recurso, que esta está inconformada com a decisão do acórdão arbitral, no tocante ao seu mérito, de que não pode recorrer – por convenção assumida -, mas que as razões apontadas, talvez como solução de recurso, no pedido de anulação do mesmo acórdão, não podem proceder.
Desta forma, será a revista negada e bastaria para essa negação, a remissão para o brilhante acórdão recorrido, ao abrigo do disposto no art. 713º, nº 5.
Porém, sem a pretensão de dizer nada de novo, sempre iremos apreciar as referidas questões apontadas como objecto deste recurso, embora de forma mais sintética e recorrendo, sempre que oportuno, às doutas considerações usadas nas decisões das instâncias.

I. Nesta primeira questão defende a recorrente que o acórdão arbitral é nulo por ter tomado conhecimento de questão que lhe estava vedada.
Esta causa de nulidade do acórdão arbitral está prevista na al. e) do nº 1 do art. 27º da lei nº 31786 de 29/08 que regula a arbitragem voluntária como a aqui em causa.
Tal como bem entenderam as instâncias, esta causa de nulidade é semelhante à prevista na al. d) do nº 1 do art. 668º, para os processos judiciais e tem o mesmo conteúdo, estando igualmente fundamentada no princípio processual do dispositivo também aplicável à arbitragem voluntária, mesmo na falta de norma expressa, pois se não compreenderia que tal princípio não fosse aplicável no tipo de processo onde a autonomia das partes assume maior relevância - cfr. opinião de Paula Costa Silva, em “Anulação e Recursos da Decisão Arbitral”, Revista da AO, ano 52, Dezembro de 1992, págs. 943-944.
Desta forma, o acórdão arbitral está também obrigado à observância do dever processual previsto no nº 2 do art. 660º que estipula que o tribunal na prolação da sentença não pode conhecer senão das questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas que a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso, dever esse sancionado com a nulidade do acórdão.
Defende a recorrente que tendo as aqui rés, no processo de arbitragem, onde eram autoras, pedido inicialmente a condenação da aqui autora cumulativamente no pagamento de uma indemnização e a satisfação do direito de opção de compra das acções da recorrente no capital social da EE, vieram aquelas em requerimento ad hoc, após as alegações finais, declarar que, caso o tribunal arbitral entendesse que tais direitos – de indemnização, por um lado, e de opção de compra, por outro – eram alternativos, como veio a suceder, optavam por dar “preferência ao exercício pelas autoras do direito de opção de compra das acções detidas pela ré no capital social da EE”.
Desta circunstância retira a recorrente a conclusão de que as recorridas reduziram o seu pedido inicial, modificando-se desta forma o objecto da acção e tendo o acórdão arbitral conhecido e reconhecido às recorridas ambos os pedidos na modalidade alternativa, conheceu para além do objecto do litígio, tal como este resultou da mencionada redução do pedido.
A recorrente retira de uma referência do acórdão arbitral o grande argumento em favor daquela pretensão, referência essa que nos parece menos feliz e que apreciada no contexto da mesma, não pode levar àquela conclusão.
Com efeito, as apeladas (AA. na acção arbitral) concluíram pela seguinte forma o respectivo articulado inicial:
«Nestes termos, deve ser declarado pelo Tribunal Arbitral:
i) Que a AA incorreu em incumprimento definitivo perante as AA., nos termos e para os efeitos do art. n° 4, do ACORDO PARASSOCIAL, da obrigação de realização tempestiva da prestação pecuniária acessória por ela devida à EE, no montante de 470.000.000$00, e que, em consequência, esse incumprimento a constituiu na obrigação de pagamento às signatárias de uma penalidade equivalente ao dobro dessa prestação;
ii) Que a AA, ao não pagar a sobredita penalidade no prazo que para o efeito lhe foi concedido pelas AA., se sujeitou às consequências previstas no art. 16.º, n.° 5, do ACORDO PARASSOCIAL, tendo as AA. adquirido consequentemente o direito de exercerem uma opção de compra sobre as acções EE na titularidade daquela;
iii) Que as AA. exerceram validamente essa opção de compra,
Em consequência deve:
i) A AA ser condenada a pagar às AA., na proporção dos direitos de voto por estas detidas no capital social da EE, uma indemnização no montante de 940.000.000$00, acrescida de juros à taxa legal desde o momento da constituição em mora;
ii) O Tribunal substituir-se à AA, declarando as acções detidas pela AA no capital social da EE transmitidas às AA., nas proporções constantes da interpelação de exercício da opção, contra o depósito de 70% do valor nominal dessas acções ou, subsidiariamente, contra o depósito de (i) 70% do valor nominal das acções detidas pela AA até ao último aumento de capital e do (ii) valor de subscrição das acções resultantes do exercício dos direitos de subscrição no último aumento de capital da EE. Ou,
iii) A transmitir para as AA., na proporção dos direitos de voto por estas detidos no capital social da EE, as acções que detém no capital dessa SOCIEDADE, contra o pagamento de 70% do valor nominal dessas acções ou, subsidiariamente de (i) 70% da acções detidas pela AA até ao último aumento de capital e do (ii) valor de subscrição das acções resultantes do exercício dos direitos de subscrição no último aumento de capital da EE.»

Já após as alegações finais e em jeito de resposta à alegação da recorrente no sentido de que os dois pedidos formulados pelas recorridas apenas podiam ser interpretados como devidos alternativamente e não cumulativamente, as recorridas vieram declarar na arbitragem:
«… não se concedendo relativamente à aplicação cumulativa (i) da obrigação da R. de pagamento da sanção penal prevista na Cláusula 16.4 do ACORDO PARASSOCIAL no valor de ESC. 940.000.000$00 e (ii) do direito das AA. de exercício da opção de compra nos termos e condições estipuladas na Cláusula 16.5. do ACORDO PARASSOCIAL, vêm pelo presente as AA. explicitar que, caso o Tribunal entenda que as AA. apenas terão direito a uma indemnização no montante de ESC. 940.000.000$00 ou apenas terão direito ao exercício da opção de compra, o que apenas por extrema cautela de patrocínio se pondera, mantêm as AA. a posição de que deve ser dada preferência ao exercício pelas AA. do direito de opção de compra das acções detidas pela R. no capital social da EE nos termos melhor explicitados nos pontos ii) e iii) do pedido formulado na p.i….».
A final, o Tribunal arbitral proferiu decisão nos seguintes termos:
«a) Reconhece às Autoras, na proporção dos direitos de voto correspondentes às participações no capital social da EE (...), o direito ao pagamento pela Ré, a título de cláusula penal, da quantia, em Euros, correspondente a 470.000 contos (acrescidos dos juros legais moratórios relativos a créditos de empresas comerciais, contados desde 13 de Janeiro de 1999 até à data do pagamento), ou, em alternativa, e na mesma proporção, o direito de opção de compra das acções da EE pertencentes à AA na presente data, acrescidas das que, em virtude da respectiva titularidade, a AA porventura venha a adquirir em aumentos de capital da EE, pelo seu valor real à data do exercício dessa opção, menos a importância, em Euros, correspondente a 470.000 contos (acrescida igualmente de juros legais moratórios desde 13 de Janeiro de 1999 até à data do exercício da opção);
b) Condena a Ré, conforme a escolha que vier a ser feita pelas Autoras, a pagar a estas, na proporção atrás referida, a importância 470.000 contos (acrescidos de juros legais moratórios desde 13 de Janeiro de 1999 até à data do pagamento), ou a vender-lhes as acções da EE acima indicadas, pelo seu valor real à data em que a opção de compra for exercida, diminuído da importância, em Euros, correspondente a 470.000 contos, mais os juros legais moratórios desta importância relativos ao período compreendido entre 13 de Janeiro de 1999 e a data do exercício da opção de compra.»

Sendo que, na fundamentação do acórdão arbitral foi expressamente referido, a propósito do alegado a final pelas recorridas:
«No fundo, as AA. vieram dizer, fazendo-o embora sob condição (isto é, sob a condição de o Tribunal entender que as sanções em causa são alternativas) que reduzem o seu pedido ao reconhecimento do direito de opção de compra. Nada as impedia de tomarem esta iniciativa, pois a redução do pedido é permitida em qualquer altura (art. 273, nº 2, do Cod. de Proc. Civil), importando ainda sublinhar que, no caso sub iudice, não há quanto a este ponto divergência entre os litigantes, o que permite aplicar também a regra do art. 272º do mesmo diploma legal, onde se estabelece que, havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem sempre ser alterados, em 1ª ou 2ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito» (fls. 454-455 destes autos).
E, mais adiante, mencionou o mesmo acórdão arbitral, a propósito:
«Importa ainda ponderar que as AA., conforme se referiu já, vieram ao processo declarar, após a entrega das alegações finais da R., que se o Tribunal entender que a penalidade prevista na cláusula 16.4 e a opção de compra permitida pela cláusula 16.5 não são cumuláveis, tratando-se antes de sanções alternativas, escolhem a opção de compra e prescindem, portanto, da sanção pecuniária.
Esta escolha, porém, foi feita pelas AA. no pressuposto de que poderiam efectuar a compra das acções, nos termos da citada cláusula, por setenta por cento do respectivo valor nominal.
Ora, nada garante que se as AA. soubessem que teriam de fazer a compra pelo valor real dos títulos (menos a importância de 470.000 contos e respectivos juros legais moratórios), elas continuariam a preferir a compra das acções.
O Tribunal deve, por isso, interpretando o pedido, limitar-se a reconhecer às AA. o direito de escolherem uma das duas sanções alternativas» (fls. 507 destes autos).”
O Tribunal Arbitral aludiu, pois, concretamente à questão que agora nos é colocada, não se tratando, obviamente, de caso em que inadvertidamente se tenham ultrapassado os mencionados limites referentes às questões de que se poderia ocupar, antes tendo sido perspectivada e defendida uma determinada interpretação e solução.
Antes de mais saliente-se que o Tribunal Arbitral equacionou a situação como conformando uma redução condicional dos pedidos inicialmente formulados pelas AA. no processo arbitral (aqui recorridas ).
Não ignoramos que os autores na doutrina jurídica admitem que a redução do pedido tem o mesmo efeito que a desistência parcial, extinguindo o direito que se pretendia fazer valer, sendo unicamente de forma a diferença entre a redução do pedido e a desistência parcial, uma vez que na essência os dois actos teriam o mesmo alcance e o mesmo sentido, produzindo o mesmo efeito, importando a redução a extinção do direito respectivo cfr. J.A dos Reis, in Comentários , vol. III, pág. 96.
Porém essa redução ou desistência tem de ser inequívoca e incondicionada, o que não aconteceu no caso dos autos.
As recorridas, perante a alegação da recorrente no sentido da admissibilidade dos pedidos apenas na forma alternativa e não cumulativa, como haviam peticionado, sem aceitar tal alegação, vieram optar pelo segundo direito, tal como o formularam.
Dito de outra forma, diremos que as recorrentes fizeram a opção pelo segundo direito, para o caso que não aceitavam, de ser considerado que os direitos em causa eram apenas alternativos, optando pelo segundo.
Mas o acórdão arbitral não admitiu esse segundo pedido, nos termos formulados, antes o reduziu, como o fizera ao primeiro, pelo que a condição colocada pelas recorridas se não preencheu, ficando, assim, sem efeito a referida opção daquelas, havendo que perante a definição dos referidos direitos pelo acórdão arbitral – que os reduziu, alterando a modalidade da opção de compra, fazendo elevar o preço desta acordado, servindo-se da equidade – conceder às recorridas o direito de optar pelo direito concedido a título de cláusula penal que lhes mais agradar após a referida alteração daqueles .
Desta forma, a apontada redução do pedido, sendo efectuada de forma condicionada e não tendo a condição se verificado, ficou sem efeito, não podendo valer como redução do objecto do litígio, nos termos do art. 273º que pressupõe uma redução incondicionada.
A recorrente retira da referência do acórdão arbitral acima transcrita, que fala nos artigos 273º, nº 2 e 272º, para concluir que o acórdão admitiu a redução com a eficácia de limitar o objecto do litígio.
Porém esquece-se da posterior referência que aquele fez à natureza condicionada da redução ao reconhecimento do direito de opção de compra pelo preço convencionado e não ao preço que o acórdão arbitral veio a fixar.
Assim, e em conclusão, diremos que a referida redução do pedido, não sendo incondicionada, não pode ser considerada como redução do objecto do litígio, nos termos do arts. 272º e 273º.
Além disso, sendo essa redução condicionada à decisão de que os direitos peticionados eram alternativos e não cumulativos e seriam reconhecidos tal como foram convencionados, não se verificou a referida condição, pelo que se tornou irrelevante a redução apontada, para efeito de fixar o âmbito do litígio em causa no processo arbitral.
Assim, o acórdão arbitral não conheceu de questão que lhe estivesse vedada e, por isso, improcede este fundamento do recurso.

II. Nesta segunda questão defende a recorrente que o reconhecimento do direito de indemnização devida às recorridas, tendo-se provado a ausência de dano, viola normas de ordem pública.
Tal como aceitaram as instâncias, sem contestação das recorridas, a violação da ordem pública, não constando do elenco taxativo das causas de anulação das sentenças arbitrais, previstas no art. 27º da citada lei nº 31/86, tem de ser admitida como causa de anulação daquele tipo de decisões por aplicação dos princípios gerais de direito, tal como defende Paula Costa e Silva na obra citada, a pág. 921.
Por outro lado, tal como Menezes Cordeiro ( «Tratado de Direito Civil Português», I, Parte Geral, Tomo I, pags. 507-508.) refere a ordem pública constitui um factor sistemático de limitação da autonomia privada; sendo esta limitada por normas jurídicas imperativas, o sistema abrange, também, princípios a construir pela Ciência Jurídica, correspondentes a vectores não expressamente legislados, mas de funcionamento importante, podendo ser injuntivos. Exemplifica como sendo contrários à ordem pública contratos que exijam esforços desmesurados ao devedor ou que restrinjam demasiado a sua liberdade pessoal ou económica, também sendo contrários à ordem pública negócios que atinjam valores constitucionais importantes ou dados estruturantes do sistema.
Também Mota Pinto ( «Teoria Geral do Direito Civil», pag. 434.) define a ordem pública como «o conjunto dos princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas», princípios esses que não são susceptíveis de uma catalogação exaustiva, até porque a ordem pública é variável com os tempos.
Por seu lado, Manuel de Andrade ( «Teoria Geral da Relação Jurídica», vol. II, pags. 334-335.) reconduz a ordem pública «aos interesses fundamentais que o nosso sistema jurídico procura tutelar e aos princípios correspondentes que constituem como que um substrato desse sistema».
Estipularam as partes no ponto 16.4 do já referido Acordo Parassocial: «O incumprimento definitivo – sendo havido como tal a mora superior a quinze dias – relativamente a qualquer das obrigações de entrada ou de reforço de entrada… faz incorrer a parte faltosa no dever de pagar às partes não faltosas uma indemnização que, a título de cláusula penal, sem prejuízo da ressarcibilidade dos danos excedentes, se fixa no valor correspondente ao dobro da quantia com a qual deveria de entrar para a Sociedade».
O acórdão arbitral considerou que ocorrendo uma situação de mora com duração superior a 15 dias se verificara aquele incumprimento definitivo, desencadeador da sanção prevista, ou seja, do pagamento da indemnização ali considerada a título de cláusula penal.
O Cód. Civil regula a cláusula penal na divisão referente à fixação contratual dos direitos do credor, nos seus arts. 810º a 812º.
Pinto Monteiro ( «Cláusula Penal e Indemnização», pags. 601-607, 671-675 e 686-687.) considera haver que distinguir a cláusula penal em sentido estrito, a cláusula penal enquanto fixação antecipada do montante da indemnização e a cláusula penal puramente compulsória e que sendo a segunda aquela que o nº 1 do art. 810º define não é só essa a espécie que haverá de considerar-se permitida, sendo o princípio da liberdade contratual fundamento bastante para legitimar as demais espécies de cláusulas penais. A cláusula penal compulsória não visaria reparar o credor, o dano do incumprimento não seria considerado pelas partes ao ser estabelecido o seu montante, destinando-se, tão só, a pressionar o devedor ao cumprimento e não a substituir a indemnização a que houvesse direito. Já a pena em sentido estrito visaria compelir o devedor ao cumprimento e substituir a indemnização, não acrescendo a esta nem à execução específica da indemnização. Refere, ainda, aquele autor, tratar-se de simples modalidades, tipos ou espécies de cláusulas penais, sendo de apurar o título a que a cláusula penal é estipulada, a função que visa prosseguir, de acordo com ela se definindo a sua natureza jurídica – indemnizatória ou sancionatória – e o seu regime. Conclui, no seguimento, que se as partes tiverem estipulado a cláusula penal a fim de fixarem antecipadamente o montante da indemnização, sem qualquer especial intuito compulsório, o devedor não está impedido de provar a inexistência de qualquer prejuízo, o que afastará o direito do credor; que se a cláusula penal for estipulada a título puramente compulsório o credor já terá direito à pena mesmo que o devedor faça prova da inexistência de qualquer dano; e que, também, a cláusula penal em sentido estrito abstrai do dano, tanto da sua existência como do seu montante, sendo irrelevante, por isso, a prova da inexistência do mesmo.
Do exposto e em primeiro lugar, resultam muitas dúvidas de que o reconhecimento de uma cláusula penal meramente indemnizatória e sem qualquer especial intuito compulsório, tendo-se provado a ausência de dano, violando-se, é certo, normas de direito civil, viole, também, norma de ordem pública, no sentido acima caracterizado como integradora dos valores constitucionais ou dados estruturantes do nosso sistema jurídico.
Mas de qualquer modo, o apuramento da natureza meramente indemnizatória e sem qualquer especial intuito compulsório daquela cláusula penal convencionada implica a apreciação do mérito da decisão arbitral, o que é vedado nos presentes autos que apenas podem conhecer da verificação de causa de anulação do acórdão arbitral, em face da cláusula de renúncia ao recurso constante do compromisso arbitral.
Além disso, não consta claramente do acórdão arbitral que aquele tenha classificado a referida cláusula penal como exclusivamente indemnizatória e sem qualquer especial intuito compulsório, e o seu apuramento efectivo envolveria, como dissemos já, a apreciação do mérito da decisão do citado acórdão arbitral, vedado aqui, como já vimos.
A recorrente pretende retirar das referências avulsas e vagas constantes do acórdão arbitral a “indemnização”, “indemnização e a título de cláusula penal”, “ sanção indemnizatória”, ou “sanção pecuniária”, para concluir pela pretendida característica da cláusula penal.
Ora das referidas alusões não pode, sem mais, resultar a ausência de quaisquer intuitos compulsórios, mesmo que cumulativos com finalidade indemnizatória, no estabelecimento daquela.
Assim e em conclusão:
Não se pode dizer que o estabelecimento da cláusula penal em causa tenha finalidade exclusivamente indemnizatória, e não ter também qualquer finalidade compulsória, sem que se entre na análise do mérito do acórdão arbitral, análise aqui vedada.
Mesmo que se considerasse que no estabelecimento da cláusula penal em causa estivesse afastada qualquer finalidade compulsória, visando aquela apenas o fim indemnizatório, o reconhecimento daquela cláusula, apesar da prova da ausência de dano, implicaria uma violação das normas do Cód. Civil, mas não, necessariamente, uma violação de uma norma de ordem pública.
Soçobra, assim, mais este fundamento do recurso.

III. Nesta terceira questão defende a recorrente que o acórdão arbitral é nulo por não estar fundamentado.
O art. 27º nº 1 al. d) da citada lei nº 31/96 prevê a nulidade da sentença arbitral que tenha violado o art. 23º, nº 3 do mesmo diploma legal.
Este último dispositivo prescreve laconicamente que a decisão do tribunal arbitral deve ser fundamentada.
Tal como entenderam as instâncias este dever de fundamentação coincide e reveste as características da obrigação prevista genericamente no art. 158º e, em especial, para a sentença, no art. 659º, para os processos judiciais, e sancionado na al. b) do nº 1 do art. 668º, com a nulidade – cfr. Paula Costa e Silva, obra citada, pág. 938 e 939.
A nulidade prevista na citada al. b), tal como é pacificamente admitido, exige a ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente – cfr. Jacinto Rodrigues Bastos, nas suas “Notas ao Cód. de Proc. Civil “, em anotação ao citado art. 668º.
Ora analisando o acórdão arbitral em apreço detectamos que o mesmo especifica a matéria de facto apurada, definiu as questões jurídicas suscitadas, analisando-as, em seguida, em pormenor, onde referiu as disposições legais julgadas aplicáveis, fazendo uma interpretação dos factos provados relevantes para a decisão daquelas, referindo os conceitos que julgou relevantes para o efeito e tirando as respectivas as conclusões – cfr fls. 455 a 514 dos autos.
Daqui se pode concluir que o acórdão arbitral não enferma do defeito de carência total de fundamentação.
A recorrente aponta como ponto concreto de ausência de fundamentação a fixação do montante da cláusula penal, reduzindo-o com recurso à equidade.
Porém, tal como doutamente apontaram as instâncias, essa parte da decisão contém fundamentação.
Com efeito, o acórdão arbitral refere que as penalidades contratuais fixadas eram manifestamente excessivas e, por isso, as reduz, por aplicação directa ou por analogia do disposto no art. 812º, nº 1 do Cód. Civil, de acordo com a equidade, e no que toca à sanção do pagamento da indemnização refere que a redução a metade toma em consideração que a ali ré acabou por pagar tardiamente a importância - cujo não pagamento tempestivo deu origem ao incumprimento e consequente aplicação da sanção –, e, ainda, que o atraso nenhum prejuízo causou às demais partes do acordo parassocial e à EE, para além da perda dos juros que poderia ter obtido através do depósito bancário do montante da prestação acessória em causa.
Daqui se tem de concluir que aquela redução do valor da sanção penal está fundamentada.
Se essa fundamentação é insuficiente já não integra a referida causa de nulidade, como já dissemos.
Naufraga, assim, mais este fundamento da revista e com ele todo o recurso.

Pelo exposto, nega-se a revista pedida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 10 de Julho de 2008.

João Camilo ( relator )
Fonseca Ramos
Cardoso de Albuquerque.