Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A3570
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: URBANO DIAS
Descritores: INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO
Nº do Documento: SJ200710300035701
Data do Acordão: 10/30/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : A interpretação do testamento deve ser subjectiva.
A determinação da real vontade do testador é tarefa das instâncias. Ao STJ apenas cabe sindicar se na busca da real vontade do testador foram respeitados os critérios interpretativos consagrados na lei.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
Relatório
FJVGBS intentou no Tribunal Judicial de Felgueiras, acção ordinária contra
AMVGBMR casada com AEMR,
pedindo que:
- Seja habilitado como único herdeiro de MVPPGSB em todos os bens móveis e imóveis situados nas freguesias de Lagares e Pombeiro do concelho de Felgueiras;
- Seja declarado que os bens descritos nos arts. 34º a 36º desta petição, fazem parte da herança que se abriu por óbito de MVPPGSB;
- Seja declarado extinto o usufruto sobre estes prédios descritos no artigo 34º a 36º da petição;
- A R. seja condenada a reconhecer o que se pede nas alíneas anteriores;
- Sejam cancelados todos os registos de transmissão existentes e que incidam sobre os prédios descritos no art. 36º da petição.

Fundamentou a sua pretensão na interpretação dada ao testamento cerrado deixado por MVPPGSB, lavrado no Cartório Notarial de Mirandela no passado dia 06 de Março de 1953.

A R. contestou, por excepção e por impugnação, de uma forma ziguezagueante, ora por impugnação, ora por excepção, pugnando pela improcedência da acção e, concomitantemente, requereu a intervenção principal de MTVGBLS e marido FMLS, deduzindo contra estes e contra o A. pedido reconvencional, pedindo a sua condenação solidária a:
- Reconhecerem-na como única e legítima legatária e proprietária dos bens móveis e imóveis melhor identificados no artº 6º da contestação-reconvenção,
- Absterem-se de praticar quaisquer actos que, por qualquer forma, impeçam ou perturbem o exercício do seu direito como legatária e também de propriedade sobre os bens referidos em c), bem como lhos devem entregar ou restituir com todas as benfeitorias e partes integrantes que neles existam ou que neles tenham sido feitas, com todas as construções neles feitas, anteriores ou posteriores ao testamento, e bem assim com as aquisições posteriores que se tenham integrado nas mesmas unidades, e, ainda, a
Restituírem-lhe definitivamente a posse dos bens referidos em c) e/ou o A./reconvindo, a Interveniente/Reconvinda e o Interveniente/Reconvindo serem solidariamente condenados a entregarem-lhe definitivamente os bens referidos em c),
- Serem declarados extintos os usufrutos sobre os bens melhor identificados no art. 6º da contestação-reconvenção,
- O A./reconvindo, a Interveniente/Reconvinda e o Interveniente/Reconvindo serem solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia não inferior a € 1.251,68 (mil duzentos e cinquenta e um euros e sessenta e oito cêntimos) a título de indemnização pelos danos e encargos que foi possível liquidar até ao momento e ainda na indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença pelos danos sofridos em consequência dos factos supra descritos nos artºs 116º a 125º da reconvenção e que ainda não se encontram determinados, embora sejam previsíveis, nos termos alegados no artº 122º da reconvenção, acrescidas essas verbas de juros legais, à taxa de 4% ao ano, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

O incidente de intervenção foi admitido e acção seguiu a sua tramitação normal até ao saneador onde foi julgada totalmente procedente a pretensão do A. e improcedente a da R..
Mediante apelação interposta por esta última, o Tribunal da Relação de Guimarães confirmou o julgado.

Ainda irresignada a R. pede revista a coberto da seguinte série conclusiva, a qual olvida por completo a função das conclusões tal como está desenhada no nº 1 do art. 690º do CPC (“o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão”):
1 - O acórdão recorrido afirma que MB deixou testamento cerrado e, nesse testamento declara que... “nomeio herdeiro e proprietário de todos os bens acima referidos, situados nas freguesias de Pombeiro e Lagares do concelho de Felgueiras, o filho legítimo do sexo masculino que primeiro atingir a idade de vinte e um anos, do meu segundo sobrinho J, filho de meu sobrinho JB - Médico. No caso deste meu segundo sobrinho J não ter filhos legítimos do sexo masculino, será chamada a linha legítima feminina nas mesmas condições. E se este meu dito segundo sobrinho J não tiver filhos que satisfaçam as condições exigidas, passará a herança nas mesmas condições às suas irmãs por ordem de idade. E, termina aqui, afirmando que este é o facto 10!!!
2 - Porém, o facto 10 acrescenta no final a seguinte frase muito importante, a saber:... A começar nas mais velhas.
3 - Já no despacho saneador-sentença se afirmou que a irmã do meio da ora recorrente, MAVGBME, faleceu em 08/11/1953, quando não foi junta aos autos nenhuma certidão de óbito a atestar este facto, nem podia porque a referida pessoa se encontra, ainda hoje, viva!
4 - O acórdão recorrido interpreta esta disposição testamentária no sentido de que
“O herdeiro não era o segundo sobrinho mas sim o seu filho. A disposição testamentária avança um grau. Nas mesmas condições refere-se pois ao descendente masculino das irmãs (por ordem de idade) que primeiro completasse 21 anos... ". No entanto, não explicou a razão deste seu entendimento, isto é, não forneceu as regras básicas da sua teoria na interpretação do testamento, o que constitui uma nulidade, nomeadamente, nos termos do disposto no art. 668°, al. b) do Código de Processo Civil, o que ora se invoca com todas as consequências legais.
5 - É Jurisprudência corrente e pacífica (vd. a propósito Ac. STJ de 14/1/1997 in Revista nº 136/96, de 17/7/1999, in Revista n° 421/99, de 23/1/2001, in CJ 2001-1-83 e de 29/11/2002, in www.dgs.pt, com o nº convencional JSTJ 1000) que a interpretação do testamento, bem como a determinação da vontade do testador feita apenas com base nos termos do testamento ou a verificação daquele mínimo de correspondência entre a vontade real e o contexto do testamento é matéria de direito, logo é da competência deste Supremo Tribunal de Justiça, porque as normas legais reguladoras da interpretação dos testamentos são de direito substantivo e, a sua violação constitui objecto de recurso de revista, nos termos dos arts. 721 ° e 722° do CPC, pelo que este Tribunal pode sempre exercer censura sobre o modo como foram aplicadas.
6 - Seguindo de perto os pareceres juntos aos autos pela recorrente com o seu requerimento remetido pelo correio em 26 de Abril de 2004 da Doutora em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela Faculdade de Filologia da Universidade de Santiago de Compostela MHGSCP, Professora Universitária (Universidade Fernando Pessoa e Instituto Superior da Maia) e do Doutor em Literatura Portuguesa JAO, Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (aposentado) e da Universidade Católica Portuguesa (Pólo de Viseu) e Sócio da Academia das Ciências de Lisboa, Classe de Letras (vd. http://www.acad-ciencias.pt/htmIlmenuacademia/letras_c.html) – a qual, como se sabe, é uma autoridade em Língua Portuguesa e, é o órgão consultivo do Governo Português em matéria linguística, segundo os seus Estatutos (arts. 5° e 20°) –, aos quais aderimos na íntegra, porque também neste sentido vai a interpretação que a recorrente dá à referida disposição testamentária, ler o que está escrito é, antes de mais, analisar as palavras que compõem o texto. Tratar o documento é codificá-lo.
7 - Depois de citar as diversas teorias que versam sobre este assunto a Doutora MHGSCP conclui que as condições de produção do discurso e do sistema linguístico utilizado são as componentes de uma estrutura profunda e inerente a cada texto e que se analisa a partir de estruturas de superfície.
8 - Assim:
Dois enunciados têm a mesma interpretação semântica se:
- Forem paradigmaticamente próximos um do outro (condição de proximidade semântica);
- Se estiverem ligados por dependências funcionais idênticas a dois outros enunciados, eles próprios próximos um do outro.
9 - Para clarificar os processos de produção é necessário «definir os pontos de ancoragem do corpus», isto é, os domínios semânticos. Entra aqui em jogo a proximidade de conteúdo dos enunciados.
Analisemos, então, os elementos constantes do testamento em causa nos presentes autos.
Paratextos:
Abertura, Averbamento n° 1, Data e encerramento, Assinatura.
Título: - Testamento cerrado
Texto.
10 - Passemos, em seguida, para a análise da estrutura do discurso:
2ª parte lógica:
Dispõe da raiz dos bens sitos em Pombeiro e Lagares:
«Nomeio herdeiro e proprietário… o filho legítimo do sexo masculino que primeiro atingir a idade de vinte e um anos, de meu segundo sobrinho José, filho de meu sobrinho JB – médico ... »
Como se pode depreender existem, na estruturação do discurso, um conjunto de disposições, condições que o testador, sujeito do enunciado, pretende ver cumpridas e por isso lhes dá expressão, lhes dá forma:
1ª Disposição:
«Nomeio herdeiro e proprietário...»
2ª Disposição:
«No caso deste meu segundo sobrinho J não ter filhos legítimos do sexo masculino, será chamada a linha legítima feminina nas mesmas condições».
Atente-se no discurso, nas palavras ditas: é necessário que se cumpra esta disposição.
11 - À falta desta, surgem as três irmãs.
Em que condições são chamadas as três irmãs?
O discurso volta a ser explícito: «nas mesmas condições», condições estas delineadas pelo próprio testador: filho legítimo que atinja a idade de vinte e um anos.
12 - É a estrutura lógica do discurso que nos permite acentuar estas condições. O testador dá expressão à sua vontade quando quer chamar a linha feminina, quando quer, à falta desta linha, passar para as irmãs do segundo sobrinho, e quando quer definir as condições.
13 - Assim, reiterando a nossa leitura do texto, verifica-se o seguinte:
1º - Há uma vontade expressa em excluir o segundo sobrinho como herdeiro ou legatário dos bens da herança;
2º - Há uma vontade implícita em salvaguardar a sua protecção;
3° - Há uma vontade expressa em preservar o património na pessoa de um só possuidor;
4° - Há uma vontade expressa em que o possuidor (herdeiro e proprietário) seja a irmã legítima que primeiro atingir a idade de vinte e um anos;
5° - Há uma vontade expressa em definir as condições em que uma das três irmãs será herdeira, ou legatária, atendendo-se a uma determinada seriação e a uma determinada ordem.
14 - Atente-se agora no segmento do discurso que refere estas condições.
1 ° Enunciado: «passará às suas irmãs»
Explicita-se, denotativamente, o sentido literal das palavras e do discurso, e não tem segundo sentido.
15 - Se não tem segundo sentido, acrescentamos nós, a herança não pode então passar para os filhos das irmãs, nomeadamente, para o filho da irmã mais nova, como se decidiu no acórdão recorrido.
16 - 2° Enunciado: «por ordem de idade».
Aqui explicita-se a seriação das três irmãs.
17 - 3° Enunciado: «a começar nas mais velhas».
Havendo uma ordem ascendente e uma ordem descendente; o testador, aqui, explicitou o sentido descendente dessa ordem.
18 - Considerando que a mais velha das irmãs tinha a idade de doze anos à data do
testamento, toma-se claro que o testador pretendeu fazer herdeira aquela que, das três irmãs, primeiro atingisse a idade de vinte e um anos. Esta ordem descendente está explícita no discurso, quando afirma «a começar nas mais velhas», mas está também implícita, pois se subentende que, à falta desta, seria chamada a seguinte, e à falta também desta, a mais nova.
19 - Se o testador foi explícito quando afirmou «nomeio herdeiro (...) o filho legítimo (...) do meu segundo sobrinho...», subentende-se que há, na estruturação lógica do discurso, uma vontade de verbalizar o pensamento através de uma expressão clara e definida. Este facto permite-nos também ler, na expressão clara e definida «passará (...) às suas irmãs», a vontade explícita do testador em que a herança transite para as irmãs daquele, à falta de filhos legítimos do seu segundo sobrinho.
20 - O que se pode inferir, e com base na dinâmica da lógica discursiva, é que preside à vontade do testador que a herança passe para uma das irmãs, a começar nas mais velhas, respeitando-se as condições já supracitadas.
21 - Ler é respeitar o sujeito da enunciação e o contexto em que produziu o enunciado (preocupações em que o património fique indiviso, proteger o segundo sobrinho e excluí-lo da herança).
22 - Ler é respeitar a lógica da estruturação do discurso, e não um mero gesto especulativo.
23 - No mesmo sentido vai o parecer do Professor Doutor JAO, a que também aderimos. Assim, o sujeito gramatical “eu” afirma a sua vontade testamentária elencando quais as hipóteses da sua concretização que, no futuro, pretende que sejam observadas para o efeito de definição de quem venha a ser herdeiro e proprietário dos bens antes referidos:
a) O filho legítimo masculino que o seu segundo sobrinho venha a ter, dentre outros possíveis filhos legítimos do mesmo, e que atinja em 1º lugar a idade de 21 anos;
b) Se esse seu segundo sobrinho não vier a ter filho algum masculino legítimo, pretende o mesmo testador que a herança se destine à filha legítima feminina (dentre outras legítimas que venha a ter) que em 1º lugar chegue aos 21 anos;
c) Se não houver filhos legítimos (masculinos ou femininos) o sujeito “eu” enuncia que o objecto da sua pretensão seja destinado às irmãs do referido sobrinho, por ordem decrescente de idades, certamente a partir do momento que atinjam (ou tenham já atingido) os 21 anos.
24 - Da construção do discurso tal como se encontra escrito, emerge até pela repetição do termo “legítimo/a”, a exigência que o sujeito “eu” formula em que a transmissão da herança se faça por descendentes legítimos do seu 2° sobrinho ou, na inexistência deles, pelas suas irmãs, também, implicitamente, legítimas.
25 - A disposição testamentária em causa não é, assim, ambígua como as instâncias julgaram que era!
26 - Assim sendo, a única leitura possível da disposição testamentária em causa nos presentes autos só pode ser a de que, como o segundo sobrinho do testador MB morreu sem deixar filhos ou filhas legítimas que não teve, a herança passou, nas mesmas condições, às suas irmãs por ordem de idade a começar nas mais velhas, ou seja, para aquela que fosse filha legítima e que primeiro atingisse a idade de 21 anos – a ora recorrente.
27 - Para que a disposição testamentária em causa pudesse ser interpretada como o foi no acórdão recorrido, era preciso que primeiro se tivesse escrito que, no caso do segundo sobrinho J, filho do sobrinho JB – médico –, falecesse sem ter deixado filhos ou filhas que satisfizessem as condições exigidas, a herança passaria para os filhos das irmãs do segundo sobrinho J, a começar nos mais velhos, mas não diz!
28 - E, segundo, em lado nenhum do testamento vem referida a hipótese da herança poder, alguma vez, passar para qualquer dos filhos das irmãs do segundo sobrinho J!
29 - Também pela leitura do testamento se chega à conclusão que o testador não teve a preocupação de impor a condição da via masculina na sucessão pois, se assim fosse, e não é, então todas as alusões que se fazem no testamento acerca das linhas femininas deviam ser para as excluir da sucessão, nomeadamente, da herança e não para as incluir, como se verifica pois, em primeiro lugar, o testador deixou à sua esposa os bens semoventes, móveis e imóveis adquiridos nas freguesias de Alvites e Romeu do concelho de Mirandela, e os adquiridos no concelho da Figueira da Foz, bem como todos os melhoramentos feitos nos bens móveis e imóveis, situados nas ditas freguesias de Alvites, Romeu e concelho da Figueira da Foz, bem como todas as jóias, papéis de crédito e dinheiro que ele possuísse em qualquer parte; depois, na ausência de filhos legítimos masculinos do segundo sobrinho do testador MB, seria chamada a linha legítima feminina nas mesmas condições; depois, na ausência de filhos legítimos masculinos ou femininos do JVGB, a herança passaria, como passou, nas mesmas condições, para as irmãs deste por ordem de idade, a começar nas mais velhas, ou seja, para a ora R. ; finalmente, deixou o testador a sua parte da Quinta da Cochada, situada na freguesia de Margaride do concelho de Felgueiras, tal como à data do testamento estava constituída, incluindo um prédio a mato, situado junto à estrada e do lado oposto à dita Quinta, à sua sobrinha AMBAAP, filha da sua sobrinha e afilhada MA!
30 - A interpretação do testamento constante do acórdão recorrido não está, assim, conforme o contexto do testamento, nem tem um mínimo de correspondência no seu contexto!
31 - A prova complementar produzida nos presentes autos (sendo, quanto a nós, discutível a sua utilização in casu já que a disposição testamentária em causa não é ambígua) não infirma, antes confirma e reforça esta interpretação da referida disposição testamentária de que, com a morte do seu irmão J, a herança passou para a recorrente.
32 - Com efeito, quando o testador fez aprovar o seu testamento em 6 de Março de 1953, já nessa altura o seu segundo sobrinho J, bem como as suas irmãs, todos filhos do seu sobrinho JB – Médico – eram vivos, sendo que, o referido segundo sobrinho J tinha então 6 anos de idade. E, já naquela altura, esse segundo sobrinho do testador evidenciava notoriamente os traços, ou sintomas da doença (oligofrenia) que o levou a ser internado por essa época, para ser tratado, na antiga Clínica Psiquiátrica do Dr. VF, em Lisboa, onde permaneceu até aos 21 anos de idade, e pela qual viria a ser mais tarde declarado inabilitado pelo Tribunal.
33 - Por isso, por alturas do mencionado internamento, o testador revogou o seu testamento anterior, outorgado em 21 de Dezembro de 1944 (data em que o segundo sobrinho J ainda não havia nascido), onde havia legado à sua também segunda sobrinha MG (uma mulher, já então com irmãos legítimos secundogénitos do sexo masculino), filha da sua sobrinha MC e marido Doutor ASM, todos os bens imóveis em causa no testamento em discussão nos presentes autos.
34 - Também por isso, o testador legou o último usufruto e a subsequente propriedade dos bens em causa nos presentes autos da forma como consta no último testamento que fez, com o único e exclusivo propósito de proteger esse seu segundo sobrinho J!
35 - Ainda por isso, o testador, que deixou o usufruto à sua primeira sobrinha MABRBAAP não o tornando extensivo ao marido, tal como o de sua filha AMP não foi extensivo ao respectivo marido, determinou que os seus primeiros sobrinhos, o médico JB e a esposa MT, não ficariam sozinhos no usufruto a não ser aquele que enviuvasse: o usufruto é para ambos os pais do segundo sobrinho J, assim o protegendo melhor.
36 - E, é ainda por isso que, no intuito de o proteger, o testador foi mais longe; à geração seguinte, aos seus eventuais terceiros sobrinhos, filhos ou filhas do seu segundo sobrinho J (que o testador nem sequer sabia se iriam existir!), legando a um destes que fosse legítimo e que primeiro completasse a idade de 21 anos, se os houvesse, a propriedade dos referidos bens!
37 - Porém, se o segundo sobrinho J não tivesse filhos nem filhas, então herança passaria, como passou, nas mesmas condições às suas irmãs por ordem de idade, a começar nas mais velhas, porque qualquer uma destas era, na altura da celebração do testamento e, ainda à data da morte do testador, pessoas sãs, normais – que não patenteavam ser portadoras de nenhuma doença – e escorreitas e que, por isso, não precisavam de nenhuma protecção especial por parte do testador, o que não era o caso do seu irmão José, pois elas poderiam governar-se sozinhas e ele não.
38 - Assim, o testador quis proteger esse seu segundo sobrinho que não era são, nem escorreito e era doente, nomeando-o usufrutuário vitalício desses bens, para que nada lhe faltasse enquanto vivesse e nomeou legatário e proprietário desses mesmos bens um filho ou filha legítimos e viáveis seus, que o testador tinha muitas dúvidas que algum dia viesse a ter, mas que admitia a possibilidade!
39 - A ora recorrente só foi chamada à herança quando o seu irmão JVGB faleceu em 15 de Outubro de 2002 sem que tivesse tido filhos legítimos que satisfizessem as condições da disposição testamentária, ou seja, a recorrente só foi legatária do legado a que se refere o referido testamento no momento em que o seu referido irmão faleceu sem ter contraído casamento e, sem ter deixado filhos legítimos e, só nessa altura – 15/10/2002 – é que soube que adquiriu a qualidade de legatária e, foi chamada à herança, ou melhor dito, ao legado deixado por óbito de seu tio Dr. MB, o qual aceitou atempada, pura e simplesmente e, também expressamente, no dia 20 de Janeiro de 2003.
40 - Verifica-se, pois, que não foi ilidida a presunção de propriedade – art° 7° do Código de Registo Predial – constante do registo dos imóveis supra descritos a favor da ora recorrente, nem tal registo está ferido de nulidade, nos termos do disposto no art. 16°, al. b) do Código de Registo Predial, pois constata-se inequivocamente que a recorrente é herdeira e legatária de MB, e o recorrido FJVGBS não o é!
41 - A recorrente não pôs em causa o direito de propriedade sobre os referidos bens do A., ora recorrido. Quem pôs em causa esse direito de propriedade da recorrente foram os recorridos, primeiramente, ao negarem-se a entregá-los à recorrente quando esta lhes solicitou que o fizessem antes desta acção; depois quando o A., ora recorrido, propôs a presente acção e a registou na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras e, por último, ainda os intervenientes, ora recorridos, quando replicaram nesta acção dando como seus os articulados do A., ora recorrido.
42 - Quem também adquiriu originariamente a propriedade dos aludidos bens foi a recorrente e não o A., ora recorrido, sendo que é a recorrente quem tem sobre eles posse de mais de 50 anos e, quem é protegida pelo disposto no art. 1.225° do Código Civil independentemente de ter tido a apreensão dos referidos bens, ou seja, o "corpus" é a recorrente e não o A., ora recorrido, sendo também certo que, a convicção de que é proprietária dos mesmos manifestou-a inequivocamente a recorrente, ao ter aceitado pura e simplesmente o legado, ao ter procedido ao registo dos bens legados a seu favor e ao ter deduzido a reconvenção nos termos em que o fez nesta acção e, por isso, o animus é incontestável.
43 - Deve, pois, ser revogado o acórdão recorrido e, em sua substituição, deve ser proferido outro que julgue a acção totalmente improcedente e não provada e, a reconvenção procedente e provada condenando-se, consequentemente, solidariamente, os recorridos no que se pede nas alíneas c), d), e) e f) da conclusão da contestação/reconvenção corrigida, mais devendo ordenar-se para o efeito que os autos baixem ao Tribunal recorrido para aí ser proferido despacho que ordene ao Tribunal de 1ª instância que profira despacho a ampliar a matéria de facto dada como assente nos termos alegados nos arts. 6° a 9° da contestação/reconvenção corrigida que não é matéria controvertida e a seleccionar a matéria de facto, com a elaboração da Base Instrutória para, após a prova a produzir, se conhecer do pedido constante da alínea h) da conclusão da contestação/reconvenção, nos termos do disposto no art. 729°, nº 3 do Código de Processo Civil.
44 - Decidindo como decidiu o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 483º, 486º e ss., 805º e ss., 1251º, 1255º, 1258º, 1259º, 1260º, nºs 1 e 2, 1261º, nº 1, 1262º, 1278º, 1281º, 1282º, 1283º, 1284º, 1287º, 1296º, 1298º, 1299º, 1302º, 1305º, 1311º, 2052º, 2059º, 2075º, 2187º, 2249º, 2269º, 2270°, 2271° e 2279° do Código Civil, art. 1761° do Código Civil de 1867; arts. 5°, nº 1, 7º e 16 do CRC (há evidente lapso, pois tudo indica que a recorrente queria referir-se ao art. 16º do Código de Registo Predial) e 508º-A, 508º-B, 510º, 511º, 659º, nº 3, 661º, nº 2 e 668°, nº 1, al. b), c) e d), 716° do Código de Processo Civil.

Os recorridos responderam em defesa da manutenção do aresto censurado, fazendo notar, previamente, que houve puro lapso no acórdão recorrido na indicação do ponto nº 10 do mesmo na pág. 18, correspondente à fls. 3065 do processo, sendo que o que se pretendia escrever é que MA, irmã do meio, nasceu em 26/06/1942, como está assente no ponto 54 dos factos provados, e MA, tia da A.-recorrente e da R.-recorrida, faleceu em 08/11/1953.
II
As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1- No dia 7 de Maio de 1962 faleceu MVPPGSB.
2- Casado em primeiras e únicas núpcias com MAISSBCGA que também usava o nome de ... que veio a falecer em 22-10-1974.
3- Sob o regime da Separação com Comunhão de Adquiridos.
4- Tendo, o referido MB, falecido sem descendentes nem ascendentes.
5- Deixando Testamento Cerrado.
6- Aprovado a 6 de Março de 1953 no Cartório Notarial de Mirandela,
7- Onde foi Arquivado.
8- Tendo sido Aberto em 9 de Maio de 1962.
9- Neste testamento deixa vários legados e
10- “Nomeia herdeiro e proprietário de todos os bens acima referidos, situados nas freguesia de Pombeiro e Lagares do concelho de Felgueiras, o filho legítimo do sexo masculino que primeiro atingir a idade de vinte e um anos, do meu segundo sobrinho José, filho de meu sobrinho JB – Médico. No caso deste meu segundo sobrinho J não ter filhos legítimos do sexo masculino, será chamada a linha legítima feminina nas mesmas condições. E se este meu dito segundo sobrinho J não tiver filhos que satisfaçam as condições exigidas, passará a herança nas mesmas condições às suas irmãs por ordem de idade a começar nas mais velhas.”
11- JVGB era filho de JVGSB – médico e de MTRBBA.
12- Sendo seu pai JVGSB – médico, filho de FVGPSHB e de ACPP.
13- E neto de FVGPSHB irmão do testador MVPPGSB, porquanto ambos filhos de LVGPBPMPTMM – Visconde de Vila Garcia e de MCSPCMM.
14- É assim, JVGB, filho de JVGSB – médico, segundo sobrinho do testador MB.
15- Tendo este JVGB falecido no estado de solteiro, maior, sem descendentes nem ascendentes e sem ter feito testamento ou disposição de última vontade,
16- Tendo-lhe sucedidos três irmãs:
- AMVGBMR, casada sob o regime da separação de bens com AEMR, aqui R.,
- MAVGBME, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com ACME, e,
- MTVGBLS, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com FMLS, mãe do A.,
17- Tudo conforme fotocópia certificada de Escritura de Habilitação de Herdeiros, celebrada no Primeiro Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia, em 13 de Novembro de 2002.
18- A irmã mais velha de J – AMVGBMR, casada sob o regime da separação de bens com AEMR, aqui R., não tem filhos,
19- A irmã que lhe segue por ordem de idade – MAVGBME, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com ACME, também não tem filhos, e,
20- A irmã mais nova – MTVGBLS, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com FMLS, tem dois filhos:
- MTVGBS, solteira, maior, nascida em 2 de Junho de 1970, e,
- FJGBS, solteiro, maior, nascido em 30 de Setembro de 1972,
21- Quanto ao usufruto o referido testamento dispõe o seguinte:
a) Deixa a sua mulher o usufruto vitalício de todos os seus bens móveis e imóveis, que possui no concelho de Felgueiras.
Por morte desta, que ocorreu em 22-10-1974:
A – Quanto ao Usufruto Vitalício da Quinta de Valemelhorado..., Campos Novos...e a parte do testador na Quinta de Pombeiro:
b) A favor da sobrinha e afilhada MÁBAAP,
Caso venha a falecer antes dos sessenta e sete anos
c) Reverterá o dito usufruto, deixado à mãe, para a sua filha AM até à idade de trinta anos,
d) Sucederão também os seus sobrinhos – o médico JB e mulher MT, no usufruto deixado a sua sobrinha e afilhada, MA, e sua filha AM, se lhes sobreviveram além do prazo marcado para beneficio delas,
e) Depois de terminados os prazos marcados no testamento, sucederão no usufruto de todos os prédios situados nas freguesias de Pombeiro e Lagares, os referidos dois sobrinhos – o médico – JB e mulher MT, ou aquele que sobreviver.
22- MABRBAAP faleceu em 8 de Novembro de 1953.
23- No passado dia 27 de Fevereiro de 2003, a R., AMVGBMR, deu entrada na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras de um requerimento de registo de 38 prédios a seu favor, sob a apresentação n.º 17.
24- É com base em legado de MVPPGSB que também usava o nome de ... casado que foi com IBB, que a Conservadora do Registo Predial Regista a favor da R. – AMVGBMR, os trinta e seis prédios que infra se vão descrever, bem como os móveis nele existentes.
25- Estes prédios são todos situados nas freguesias de Lagares e Pombeiro, concelho de Felgueiras:
Na freguesia de Lagares:
- Prédio Rústico “Bouça do Monte da ..” – Leira – Pinhal – 1580 m2 – Norte e Nascente, Limite de Freguesia; Sul, MJFPQ; Poente, Herdeiros de ALSM, V.P. – 11,94 €, artigo 176º – Descrição Número 00891/270203;
- Prédio Rústico “Leira da ..” – Quebrada – cultura – 370 m2 – Norte, caminho; Sul, GM; Nascente, estrada; Poente, ATS, V.P. – 5,23 €, artigo 184º – Descrição Número 00892/270203;
- Prédio Urbano – Quebrada ou Ufe – Casa térrea e sobradada, S.C. – 112 m2, Quinteiro 150 m2 – V.P. – 64,49 € – artigo 143 e Casa térrea e sobradada, S.C. 206 m2, dependência 66 m2 e quinteiro 116 m2 – V.P. 55,28 € – artigo 161 – Norte, Sul, Nascente e Poente, terras da Quinta da Ufe – Descrição Número 00893/270203;
Na freguesia de Pombeiro:
- Prédio Rústico “Sorte do Monte da ...” – Cimo de Vila – pinhal – 1.070 m2 – Norte, RA; Sul, JL; Nascente, limite de freguesia; Poente, Herdeiros de JRS, V.P. – 8,19 €, artigo 45º da freguesia de Penacova – Descrição Número 01032/270203;
- Prédio Rústico “Sorte do Monte da ...” – Cimo de Vila – pinhal e mato – 1.750 m2 – Norte, RA; Sul, JCS; Nascente, limite de freguesia; Poente, Herdeiros de JRS, V.P. – 13,19 €, artigo 40º da freguesia de Penacova – Descrição Número 01033/270203;
- Prédio Rústico “Campo da ...” – Vale Melhorado – cultura e enforcado – 6250 m2 – Norte, Estrada; Sul, AM; Nascente, HCF; Poente, Campo da Porta, V.P. – 205,28 €, artigo 867º – Descrição Número 01034/270203;
- Prédio Rústico “Campo da ..” – Pombeiro – cultura e enforcado – 2380 m2 – Norte, Estrada; Sul e Nascente, Campo da ...; Poente, Campo da ...., V.P. – 85,52 €, artigo 868º – Descrição Número 01035/270203;
- Prédio Rústico – Pombeiro – “Campo da ..” – cultura e enforcado – 2700 m2 – V.P. – 66,99 €, artigo 869º e “Campo da Fonte” cultura e enforcado – 1750 m2 – V.P. 33,21 € – art. 870 – Norte, caminho e rocio; Sul, terra de JMB e caminho de servidão; Nascente, terra de HC e Poente, terra do Casal de ... – Descrição Numero 01036/270203;
- Prédio Rústico – Pombeiro – cultura, enforcado e mato – 6570 m2 – Norte, MJCA; Sul e Nascente, AM; Poente, Campo da Arragaça, V.P. – 59,60 €, artigo 874º – Descrição Número 01037/270203;
- Prédio Rústico – Pombeiro – “Campo da Compra” – lameiro, pastagem e enforcado – 1210 m2 – V.P. 25,13 € – art. 887; “Leiras do Lameiro” – cultura, pastagem e enforcado – 1030 m2 – V.P. 12,62 € – art. 888 e “Mato do Olival” – pinhal e mato – 13510 m2 – V.P. 68,24 € – artigo 890º – Norte, Herdeiros de GS; Sul, JMB e Herdeiros de ML; Nascente, JMB e outro; Poente, Caminho – Descrição Número 01038/270203;
- Prédio Rústico – “Campo do Olival” – Pombeiro – cultura e enforcado – 780 m2 – Norte, Leiras do Lameiro; Sul, Mata do Olival; Nascente, caminho de servidão; Poente, Campo do Monte, V.P. – 8,53 €, artigo 889º – Descrição Número 01039/270203;
- Prédio Rústico – “Campo do Alpendre” – Pombeiro – cultura e ramada – 3750m2 – Norte, MP; Sul e Poente, Mata do Olival; Nascente, caminho, V.P. – 64,03 €, artigo 891º – Descrição Número 01040/270203;
- Prédio Rústico – Pombeiro “Campo Grande” – cultura e pastagem – 1970 m2 – V.P. 77,22 € – artigo 893º; “Campo do Meio” – cultura, pastagem e enforcado – 1020 m2 – V.P. – 17,06 € – artigo 894º e “Campo de Baixo” – cultura e enforcado – 1250 m2 – V.P. 2,72 € – artigo 895º – Norte, AF; Sul, Nascente Poente, AGR – Descrição Número 01041/270203;
- Prédio Rústico – “Campo do Lameirinho” – Pombeiro – lameiro e pastagem – 850 m2 – Norte, caminho; Sul, MP; Nascente, Campo de Baixo; Poente, Campo de Trás das Cortes, V.P. – 14,56 €, artigo 896º – Descrição Número 01042/270203;
- Prédio Rústico – “Campo do Pomar de Cima” – Pombeiro – cultura – 270 m2 – Norte, estrada; Sul, logradouro da casa do caseiro; Nascente, caminho; Poente, caminho de servidão, V.P. – 1,14 €, artigo 898º – Descrição Número 01043/270203;
- Prédio Rústico – “Campo da Casa do MD” – Arado – cultura e enforcado – 980 m2 – Norte, HCF; Sul, caminho de servidão; Nascente, estradão; Poente, Monte da Fontainha, V.P. – 6,71 €, artigo 940º – Descrição Número 01044/270203;
- Prédio Rústico – “Leira Comprida” – Fontainhas – cultura e enforcado – 4870 m2 – Norte, Campo da Lameira de Cães e outro; Sul, Dr. FCF e outros; Nascente, HCF; Poente, limite de freguesia, V.P. – 100,31 €, artigo 942º – Descrição Número 01045/270203;
- Prédio Rústico – “Lameiro de Cães” – Fontainhas – cultura e enforcado – 1380 m2 – Norte, Mata da Fontainha de Cima; Sul, Leira Comprida; Nascente, Campo da Ponta Seca; Poente, limite da freguesia, V.P. – 27,18 €, artigo 943º – Descrição Número 01046/270203;
- Prédio Rústico – “Campo da Eira” – Fontainhas – cultura e ramada – 1400 m2 – Norte, Eira e Alpendre; Sul, Mato das Fontainhas de Cima; Nascente, Campo da Casa; Poente, caminho de servidão, V.P. – 30,14 €, artigo 945º – Descrição Número 01047/270203;
- Prédio Rústico – Fontainhas “Quintal da Casa das Fontainhas” – cultura – 650 m2 – V.P. 8,99 € – artigo 946; “Mata das Fontainhas de Cima” – pinhal e mato – 9700 m2 – V.P. 44,01 € – artigo 950; “ Leira de Baixo” – cultura e ramada – 1200 m2 – V.P. – 27,41 € – artigo 951; “Leira do Meio” – cultura e ramada – 1060 m2 – V.P.24,45 € – artigo 952 e “Leira do Bicho” – cultura e enforcado – 2120 m2 – V.P. 55,73 € – artigo 953 – Norte e Poente, terras de Vale Melhorado e herdeiros de ML; Sul e Nascente, terras da Ufe – Descrição Número 01048/270203;
- Prédio Rústico – “Campo da Casa e Rosso” – Fontainhas – cultura, enforcado e mato – 2600 m2 – Norte, Campo do Meio; Sul, quintal; Nascente, Mata das Fontainhas do Meio; Poente, Mata das Fontainhas de Cima, V.P. – 39,92 €, artigo 947º – Descrição Número 01049/270203;
- Prédio Rústico – “Campo do Meio” – Fontainhas – cultura e enforcado – 1770m2 – Norte, Campo do Fundo; Sul, Campo da Casa; Nascente, Mata das Fontainhas de Baixo; Poente, Mata das Fontainhas de Cima, V.P. – 34,46 €, artigo 948º – Descrição Número 01050/270203;
- Prédio Rústico – “Campo do Fundo” – Fontainhas – cultura e enforcado – 2120 m2 – Norte, HCF; Sul, Campo do Meio; Nascente, Mata das Fontainhas de Baixo; Poente, Mata das Fontainhas de Cima, V.P. – 37,87 €, artigo 949º – Descrição Número 01051/270203;
- Prédio Rústico – “Campo do Loureiro de Baixo” – Fontainhas – cultura e ramada – 1820 m2 – Norte, Campo do Loureiro de Cima; Sul, Campo do Bicho; Nascente, rego de água; Poente, limite de freguesia, V.P. – 53,34 €, artigo 954º – Descrição Número 01052/270203;
- Prédio Rústico – “Campo da Nogueira Seca e Machada” – Fontainhas – cultura e ramada – 6250 m2 – Norte e Poente, rego de água; Sul, Leira do Bicho e outro; Nascente, Mata da Ufe, V.P. – 151,48 €, artigo 955º – Descrição Número 01053/270203;
- Prédio Rústico – “Campo do Cazelho de Cima” – Ufe – cultura, ramada e cordão – 4920 m2 – Norte, Campo do Tanque Novo; Sul, limite de freguesia; Nascente, Campo da Janela e outro; Poente, limite de freguesia e outro, V.P. – 88,82 €, artigo 961º – Descrição Número 01054/270203;
- Prédio Rústico – “Campo do Tanque Velho” – Ufe – cultura – 1900 m2 – Norte, Campo do Bicho; Sul, Campo do Lameiro; Nascente, Lameiro Seco; Poente, Campo do Cazelho de Baixo, V.P. – 47,20 €, artigo 958º – Descrição Número 01055/270203;
- Prédio Rústico – “Campo do Bicho e Leira da Ramada” – Ufe – cultura, ramada e enforcado – 2940 m2 – Norte, Mata da Ufe; Sul, Campo do Tanque Velho e outro; Nascente, caminho de servidão; Poente, Campo Redondo, V.P. – 82,57 €, artigo 959º – Descrição Número 01056/270203;
- Prédio Rústico – “Campo do Cazelho” – Ufe – cultura, ramada e cordão – 3880 m2 – Norte e Nascente, Campo do Bicho e rego de água; Sul, rego de água; Poente, limite de freguesia e outro, V.P. – 145,23 €, artigo 960º – Descrição Número 01057/270203;
- Prédio Rústico – “Campo Redondo” – Ufe – cultura, ramada e cordão – 2580 m2 – Norte, Mata da Eira; Sul e Nascente, Leira da Ramada; Poente, caminho de servidão, V.P. – 50,04 €, artigo 965º – Descrição Número 01058/270203;
- Prédio Rústico – “Campo das Janelas” – Ufe – cultura e ramada – 3380 m2 – Norte, estrada; Sul, Campo do Bicho; Nascente, caminho de servidão; Poente, Casa do Caseiro, V.P. – 65,86 €, artigo 964º – Descrição Número 01059/270203;
- Prédio Rústico – “Campo dos Carreiros” – Vale Melhorado – cultura e enforcado – 8270 m2 – Norte e Nascente, Mata da Ufe; Sul, Mata da Eira; Poente, estrada, V.P. – 239,28 €, artigo 967º – Descrição Número 01060/270203;
- Prédio Rústico – Ufe – “Monte da Ufe” – pinhal, eucaliptal e mato – 6400 m2 – V.P. – 411,46 € – artigo 968º e “Mata da Eira” – pinhal e mato – 2800 m2 – V.P. 12,62 € – artigo 966º – Norte, Herdeiros de JLP e de HCNM, Terras de Vale Melhorado e outros; Sul, Casa de Vale Melhorado; Nascente, Terra dos Herdeiros de JLP e de Vale Melhorado; Poente, Casal do Telhado de Vila Fria – Descrição Número 01061/270203;
- Prédio Urbano – Casa sobradada, S.C. 784m2, dependência 167 m2; capela 42 m2 e quintal 1500 m2 – Vale Melhorado – Norte, Sul, Nascente e Poente, Herdeiros de Dr. Miguel Bacelar – V.P. 398,03 €, artigo 65º – Descrição Número 01062/270203;
- Prédio Urbano – Casa sobradada, S.C. 72 m2 e quintal 250 m2 – Fontainhas – Norte, Sul, Nascente e Poente, Herdeiros de Dr. MB – V.P. 33,39 €, artigo 64º – Descrição Número 01063/270203;
- Prédio Urbano – Monte ou Pombeiro – Casa Térrea, S.C. 26 m2, V.P. 41,18 € artigo 67 e Casa Sobradada, S.C. 204 m2, dependência 48 m2 e quinteiro 80 m2 – V.P. – 59,02 €, artigo 234º – Norte, Sul, Nascente e Poente, terras da Casa de Vale Melhorado – Descrição Número 01064/270203;
Bem como, pelo menos, os seguintes bens móveis:
- Um fogão, sete panelas em ferro e um relógio velho;
- Uma prensa de lagar de vinho;
- Um tonel com a capacidade de doze e meia pipas;
- Uma Charrua;
- Três pulverizadores;
- Uma papeleira, duas cadeiras e dois maples;
- Um sofá, duas papeleiras e quatro cadeiras;
- Um sofá com assento e encosto em veludo, duas cadeiras de braços com o assento e encosto em veludo;
- Uma mesa circular com pedra mármore;
- Um piano, um sofá estufado a damasco, dez cadeiras estufadas a damasco;
- Duas arcas em castanho;
- Dois bancos, uma arca e duas pequenas mesas em castanho;
- Dois canapés em palhinha e duas cadeiras;
- Um bengaleiro e três cadeiras;
- Uma mesa grande em castanho e quatro aparadores;
- Uma mobília de copa, composta de um armário grande, envidraçado e um aparador grande;
- Uma mobília de sala de jantar, composta de duas mesas, sendo uma pequena, três aparadores, sendo em com armário de nove cadeiras com assento e encosto em palhinha;
- Uma mobília de quarto, composta de uma cama, uma cómoda, uma mesinha de cabeceira e um lavatório com pedra mármore;
- Uma mobília de quarto composta de duas camas com a cabeceira almofadada a vermelho, uma mesinha de cabeceira, uma cómoda, um guarda-vestidos com espelho, um pequeno lavatório com pedra mármore e duas cadeiras;
- Uma mobília de quarto composta de cama grande, duas mesinhas de cabeceira, cómoda com toucador, uma meio cómoda e, quatro cadeiras e uma pequena costureira;
- Uma cama de mogno, cómoda e lavatório com pedra mármore;
- Uma cómoda;
- Uma cama tipo francês, mesinha de cabeceira, guarda-fato, lavatório – toucador com pedra mármore e três cadeiras com assento em palhinha;
- Uma secretária grande, uma arca de pinho e duas consolas com pedra mármore;
- Nove cobertores, seis cobertas, vinte travesseiros, doze toalhas de rosto, sete toalhas de mesa e quarenta guardanapos;
26- Todos os supra descritos bens estão situados nas freguesias de Lagares e Pombeiro do concelho de Felgueiras,
27- No testamento de Dr. MVPPGSB este institui herdeiro desses bens, o filho (legítimo) do sexo masculino do seu segundo sobrinho J,
28- Este JVGB faleceu no estado de solteiro, maior, sem descendentes (nem ascendentes e sem ter feito testamento ou disposição de ultima vontade), no passado dia 15 de Outubro de 2002.
29- A única irmã de J a ter filhos foi MTVGBLS, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com FMLS,
30- O seu filho FJGBS, solteiro, nasceu em 30 de Setembro de 1972.
31- O testador – MVPPGSB, nasceu em 26 de Fevereiro de 1884 e faleceu em 7 de Maio de 1962.
32- Era Bacharel em direito pela Universidade de Coimbra.
33- Filho de LVGPBPMPTMM – Visconde de Vila Garcia e Montalegre.
34- O autor da herança MB era o Senhor da Casa de Vale Melhorado, com propriedades, embora dispersas, nas freguesias de Lagares e Pombeiro do concelho de Felgueiras.
35- A Casa de Vale Melhorado e Capela está descrita sob o n.º 01062/270203 – Pombeiro e na alínea hh) do art. 36 da petição corrigida,
36- Fazendo parte desta Casa de Vale Melhorado, todos os prédios descritos nos artigos 34º a 36º da petição corrigida e todos os móveis que neles existem.
37- A administração da Casa e propriedades de Vale Melhorado, situadas nas freguesias de Lagares e Pombeiro do concelho de Felgueiras, que compreendem os prédios descritos nos artigos 34º a 36º da petição corrigida supra e todos os bens móveis que neles existam, foi exercida pelos curadores de JVGB e ante – possuidores e seus legais representantes.
38- A administração da Casa e propriedades de Vale Melhorado, situadas nas freguesias de Lagares e Pombeiro do concelho de Felgueiras, que compreendem os móveis e imóveis supra referidos, foi exercida por MB até à sua morte e que os deixou em usufruto aos supra referidos seus sobrinhos com a obrigação de os transmitirem na forma já supra referida às pessoas que nomeou segundo uma hierarquia como herdeiros.
39- O último a possui-los na qualidade de proprietário foi o MB.
40- Todos os demais deles fruíram como usufrutuários, por si e seus legais representantes, sendo o último usufrutuário JVGB, tendo-o fruído através dos seus curadores, pai, mãe e reconvinda.
41- Os ante possuidores desses prédios colhiam os seus frutos e produtos.
42- Plantavam árvores designadamente pinheiros, eucaliptos, carvalhos, cultivavam as terras, mandando semear milho, centeio, batatas, legumes, mandando fazer podas e sulfatando, colhendo uvas e fazendo o vinho,
43- Cortando árvores e aproveitando assim as lenhas e madeiras e mandando roçar matos,
44- Cultivando-os por intermédio de caseiros, jornaleiros e assalariados,
45- Mandando fazer reparações nos prédios urbanos e arrendando-os.
46- Utilizando, mantendo, restaurando e usando todos os bens imóveis e móveis supra identificados.
47- Com exclusão de outrem e como coisa sua, aceitando e exercendo aquela fruição e posse com intenção de agir como beneficiário do respectivo direito de propriedade, o MB e o A. e como usufrutuários os que administraram os bens entre a morte do primeiro e a data da entrada em Juízo desta acção e portanto em nome e interesse próprio.
48- De modo ostensivo, com o conhecimento de todas as pessoas e interessados.
49- Convictos de que não lesavam ou ofendiam direitos de outrem.
50- AMBAP, filha de MÁRBBA, nasceu a 13 de Janeiro de 1950.
51- Em 3 de Dezembro de 1992 faleceu a mãe da R., avó do Autor, MTRBBA, no estado de casada com o pai da R..
52- Em 4 de Outubro de 2001 faleceu o pai da R., avô do A., JVGSB, no estado de viúvo da referida MT.
53- A Ré nasceu em 05/02/1941.
54- MÁ, sua irmã, nasceu em 26/06/1942.
55- A mãe do A., MTVGBLS, nasceu em 9 de Novembro de 1943.
56- O falecido irmão germano da R., tio do A., JVGB, foi considerado um oligofrénico, mas essa anomalia psíquica foi julgada que não era de tal modo grave que justificasse a sua interdição, pelo que por sentença proferida em 29/07/1972, transitada em julgado, nos autos de inabilitação por anomalia psíquica que correram os seus termos sob o nº 4.881/72, da 1ª secção, do 8º Juízo do Tribunal Cível da Comarca do Porto, foi decretada a sua inabilitação e entregue a administração do património do inabilitado ao curador, seu pai, JVGSB.
57- Em 22/02/1993, por morte da mãe, MTRBBA, foi a interveniente principal e reconvinda, por substituição daquela, designada como vogal do conselho de família.
58- Em 04/02/1997, devido à sua avançada idade, o pai do falecido JVGB veio pedir escusa da curatela do seu filho e indicou a reconvinda e interveniente principal como curadora do mesmo, o que esta veio a aceitar expressamente, tendo a 20/03/1997, prestado juramento legal de bem desempenhar esse cargo.
59- A reconvinda desempenhou o cargo de curadora do seu irmão até 15/10/2002, data em que o mesmo faleceu.
60- Quando o testador fez aprovar o seu testamento, em 06/03/1953, já o seu segundo sobrinho, José evidenciava notoriamente os traços ou sintomas da doença (oligofrenia) que o levou a ser internado por essa época, para ser tratado, na antiga Clínica Psiquiátrica do Dr. VF, em Lisboa, onde permaneceu até aos 21 anos de idade e pela qual viria a ser mais tarde declarado inabilitado pelo Tribunal.
61- Em 21 de Dezembro de 1944, MB, fez um testamento em que legava à sua também segunda sobrinha MG (uma mulher, já então com irmãos legítimos secundogénitos do sexo masculino), filha da sua sobrinha MC e marido ASM, todos os bens imóveis em causa no testamento em discussão nos autos e que revogou aquele outro testamento.
62- Nessa data o seu segundo sobrinho, J, ainda não era nascido.
III
Quid iuris?
A primeira nota que importa verter diz respeito ao erro apontado pela recorrente ao aresto sob censura (e, também, à sentença da 1ª instância).
Tal erro consiste apenas no seguinte: tal como acontecera na decisão da 1ª instância, a Relação de Guimarães considerou que a irmã do meio da ora recorrente, MAVGBME, tinha falecido em 08/11/1953, sem que tal facto estivesse devidamente documentado.
O mesmo erro consta, aliás, da sentença, como é dito – cfr. fls. 3035.
Mas trata-se de um mero erro, não mais que isso. E não influenciador da decisão.
Lendo bem toda a factualidade dada como provada retira-se facilmente esta conclusão e, por isso, uma simples chamada de atenção seria suficiente para, nos termos do art. 667º, nº 1 do CPC, pedir a devida rectificação.
E tal deveria, em respeito pelos ditames do princípio da cooperação (cfr. arts. 266º e 266º-A do CPC), ser logo lembrado se… o caso tivesse alguma relevância ao nível decisório.
Então, um simples apelo às regras do art. 249º do CC seria suficiente para sanar todos os equívocos.
Mas nada disso aconteceu: a ora recorrente lembrou-se agora de apontar o referido erro, disse mesmo que o mesmo já ocorrera na 1ª instância, mas nada disse para ser reparado nas alegações que produziu no recurso de apelação, o que significa que irrelevou o mesmo, não lhe conferiu dignidade para alterar a decisão impugnada.
Incompreensível, pois, a todos os títulos, esta chamada de atenção que nada tem a ver com o mérito da decisão.
Fica, desde modo, o reparo (não podia deixar de ser passado em claro) da actuação da recorrente que, em vez de se preocupar com a verdadeira realização da Justiça, cooperando com os julgadores na busca da solutio mais justa, podia, ao cabo e ao resto, por (certamente com boas intenções – isso não está minimamente em causa) lançar a confusão.
Mas esta fica completamente desfeita ao dizermos que quem faleceu no passado dia 08 de Novembro de 1953 foi MÁBRBA, tal como consta no ponto 22 da matéria de facto dada como provada.
Da outra Á – MÁVGBME – só há a dizer que é a irmã do meio do 2º sobrinho do de cuius (cfr. ponto nº 19 dos factos provados).

Pela ordem lógica das cousas, temos, agora, de decidir sobre a arguida nulidade de decisão.
Diz a recorrente que o acórdão sob censura interpretou a deixa testamentária “no sentido de que o herdeiro não era o segundo sobrinho mas sim o seu «filho»”, sendo que “a disposição avança um grau” e “ nas mesmas condições refere-se pois ao descendente masculino das irmãs (por ordem de idade) que primeiro completasse 21 anos”, mas “não explicou a razão desse entendimento.
É com base nesta argumentação que a recorrente apelida o acórdão de nulo, invocando para tal o disposto no art. 668º, nº 1, al. b) do CPC.
Prescreve este preceito (aqui aplicável ex vi arts. 716º e 726º do mesmo diploma legal adjectivo) que a decisão é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.
Como nos ensina Alberto dos Reis, “uma decisão sem fundamento equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”. “A sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do juiz; ao comando geral e abstracto da lei o magistrado substitui um comando particular e concreto”.
Mas, logo à frente, alerta para a distinção que urge fazer entre a falta absoluta de motivação e a motivação deficiente, já que “o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação” (in Código de Processo Civil anotado, Volume V, pág. 139 e 140) (vide, ainda no mesmo sentido, v.g. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 141).
A nulidade apontada – falta de fundamentação – tem na sua base a violação do comando consagrado no art. 659º, nº s 2 e 3, do CPC.
Ora a interpretação que foi consagrada no aresto recorrido teve por base os factos provados e apenas estes e foi no âmbito da interpretação dos mesmos que o Tribunal da Relação de Guimarães, à imagem e semelhança do que já acontecera na 1ª instância, chegou à conclusão apontada.
Bem ou mal é outra cousa – poderá haver erro de julgamento (a ver vamos…), mas seguramente que o acórdão recorrido não está ferido da nulidade alvitrada.

Aqui chegados, é altura de nos debruçarmos sobre a parte “nobre” do recurso, a de saber se a Relação errou na interpretação da deixa testamentária ao consagrar o julgado do Tribunal da Comarca de Felgueiras.
Insurge-se a recorrente contra o entendimento das instâncias sobre a deixa testamentária do falecido MVPPGSB e que consagrou a versão do A.-recorrido em detrimento da tese por si avançada e que, a ser a conforme, a tornará a verdadeira beneficiária da mesma com consequências ao nível da decisão dos pedidos principal e reconvencional.
Ora bem.
O que está verdadeiramente em causa é o seguinte segmento da declaração de vontade vertido no dito testamento:
“Nomeia herdeiro e proprietário de todos os bens acima referidos, situados nas freguesia de Pombeiro e Lagares do concelho de Felgueiras, o filho legítimo do sexo masculino que primeiro atingir a idade de vinte e um anos, do meu segundo sobrinho J, filho de meu sobrinho JB – Médico. No caso deste meu segundo sobrinho J não ter filhos legítimos do sexo masculino, será chamada a linha legítima feminina nas mesmas condições. E se este meu dito segundo sobrinho J não tiver filhos que satisfaçam as condições exigidas, passará a herança nas mesmas condições às suas irmãs por ordem de idade a começar nas mais velhas.”
O testamento foi lavrado no dia 06 de Março de 1953, no Cartório Notarial de Mirandela e, como assim, é de acordo com os cânones do Código Civil então vigente que a solutio da questão há-de ser encontrada.
O art. 1761º do Código de Seabra, tal como o art. 2187º do Código actual, consagra, em matéria de interpretação de testamento, a chamada posição subjectivista – “em caso de dúvida sobre a interpretação da disposição testamentária, observar-se-á o que parecer mais ajustado com a intenção do testador, conforme o contexto do testamento”.
Nesta ordem de ideias valem aqui as considerações tecidas a este respeito por OA:
“Mas no testamento, cuja função é incorporar disposições de última vontade, o fim da interpretação deve encontrar-se na determinação da vontade real do testador. Nenhuma confiança ou expectativa dos destinatários pode ser justificadamente invocada, porque um beneficiário nenhum título possui que não seja justamente o que se funda na vontade do autor da sucessão” (apud Direito Civil Sucessões – 5ª edição -, pág. 293).
Já Ferrer Correia, no seu Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, reconhecendo que “os testamentos constituem realmente uma categoria autónoma dentro das declarações de vontade em geral” e que “a declaração testamentária destina-se fundamentalmente apenas a tornar conhecida dos sobreviventes a última vontade do testador” defendia que “à disposição testamentária deve atribuir-se sempre o sentido mais adequado à real intenção do testador” justificando, dest’arte, a não aplicação ao testamentos das regras próprias de interpretação dos contratos, ou seja da chamada teoria da impressão do destinatário que obteve consagração no actual Código no art. 236º (Colecções Teses, pág. 224 e 228).
Esta justificação é também a que nos aparece lendo Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 319, in fine) e Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, pág. 423 e 424).
Pedro Pais de Vasconcelos, alinhando na mesma orientação argumentativa, sublinha a opção legislativa do seguinte modo:
“O testamento é um negócio de cariz muito peculiar. Ao contrário dos negócios entre vivos, não tem por função vincular o seu autor, mas antes dispor sobre o destino do seu espólio para depois da sua morte. O respeito pela última vontade das pessoas é uma exigência de Direito Natural que implica, na interpretação do testamento, o respeito escrupuloso pela vontade real do testador em tudo aquilo que não seja contrário à Lei imperativa e à Moral ou não seja impossível. Nesta perspectiva, a interpretação dos testamentos deve ser subjectiva” (in Teoria Geral do Direito Civil – 2ª edição -, pág. 394).

Questiona-se nos autos a vontade do testador.
É, pois, à luz destes ensinamentos que o julgador deve decidir o pleito, procurando obter, pelos meios colocados pelas partes ao seu alcance, o sentido da real vontade do de cuius.
A determinação da real vontade do testador é tarefa das instâncias: do que se cura, então, é apurar a sua real vontade.
Mas já cabe ao STJ sindicar se, na busca da real vontade do testador, foram respeitados os critérios interpretativos consagrados na lei (sobre este ponto, veja-se, por exemplo, Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil – 4º edição -, pág. 233).
A nossa tarefa está, desta forma, perfeitamente delimitada: consistirá em saber se as instâncias respeitaram na fixação da interpretação da deixa testamentária os critérios do apontado art. 1761º do Código de Seabra, já que, como já ficou dito, foi na sua vigência que o testamento foi elaborado.
Ora, perante o segmento do testamento questionado, a Relação de Guimarães, no seguimento do julgado pelo Tribunal de Felgueiras, avançou com a seguinte interpretação:
“O herdeiro era o filho legítimo do sexo masculino que primeiro atingir a idade de vinte e um anos, do segundo sobrinho J, filho do sobrinho JB – Médico.
No caso deste segundo sobrinho J não ter filhos legítimos do sexo masculino, seria chamada a linha legítima feminina nas mesmas condições.
E se este segundo sobrinho J não tivesse filhos que satisfizessem as condições exigidas, passaria a herança nas mesmas condições às suas irmãs por ordem de idade.
JVGB, filho de JVGSB – médico, segundo sobrinho do testador MB faleceu no estado de solteiro, maior, sem descendentes nem ascendentes e sem ter feito testamento ou disposição de última vontade.
A apelante é a irmã mais velha do segundo sobrinho do testador e o apelado é o filho da irmã mais nova.
O cerne da questão ressume-se a saber se “as mesmas condições “permitem à apelante assumir a qualidade de herdeira.
Ora cabe referir que o herdeiro não era o segundo sobrinho mas sim o seu “ filho”.
A disposição testamentária avança um grau.
Nas mesmas condições refere-se pois ao descendente masculino das irmãs (por idade)que primeiro completasse 21 anos…”.

No seu (longo) discurso conclusivo a recorrente não se poupou a esforços no sentido de demonstrar que a interpretação consagrada pelas instâncias não estava conforme à vontade do testador, mas esqueceu-se de apontar argumentos – um único que fosse – sobre a má aplicação da regra interpretativa aplicada.
No fundo, a recorrente, ao longo de toda a sua peça alegatória, insurgiu-se contra a decisão de facto, não adiantando uma única razão de direito substantivo que permitisse a alteração do aresto censurado.
E, em abono da verdade, terá de dizer que seria isso tarefa difícil (para não dizer impossível) na justa medida em que, lendo e relendo o testamento, de princípio ao fim, não descortinamos outra interpretação da vontade do de cuius que não seja a que foi dada pelas instâncias.
Estamos, aliás, de acordo com a recorrente nos pontos em que defende que a interpretação da deixa testamentária não oferece dúvidas (cfr. conclusões 25ª e 31ª). A nossa discordância está apenas (e não é pequena) na inverídica interpretação contida nas conclusões 27ª e 28ª.
Do contexto de todo o testamento a única interpretação que vai ao encontro da vontade do testador é a que foi encontrada pelas instâncias.
O de cuius não quis contemplar os seus sobrinhos em 1º lugar: este é um ponto indiscutível.
A verdadeira vontade dele sairia satisfeita com a atribuição do acervo dos bens elencados no testamento ao filho (varão) do seu segundo sobrinho.
Mas, antevendo que isso não viesse a acontecer, então a sua vontade ficaria satisfeita se os ditos bens fossem a ter às mãos da filha do tal segundo sobrinho.
Pressagiando que isso poderia não acontecer, o testador virou a sua vontade para as irmãs do dito 2º sobrinho. E de que forma? - Os bens em causa passariam para o filho da mais velha, de acordo com as regras impostas para os filhos do 2º sobrinho.
Tudo isto sempre com a preocupação de privilegiar a linha varonil.
Ora, pelo que está plasmado nos factos provados, só o A.-recorrido apareceu em condições de satisfazer plenamente a vontade do de cuius, malogradas que ficaram todas as outras hipóteses do iter voluntatis.

Pela nossa parte, respeitando como deve ser toda a opinião adversa, não vemos que possa haver dúvidas, tão clara se nos antolha a deixa testamentária: perante todo o enunciado de factos supra assinalados, só o A. pode e deve ser contemplado. Nenhuma razão justifica o chamamento da R.-reconvinte, aqui recorrente, ao domínio do acervo dos bens aqui em causa.

Resta-nos analisar um último ponto que foi colocado à nossa consideração. Diz ele respeito ao registo dos aludidos bens.
Estando os mesmos registados em nome do testador, havia que assegurar o chamado trato sucessivo e isso só seria possível com a prova da verdadeira qualidade de beneficiário do seu testamento.
Ficou provado que foi com base no legado que a Conservadora do Registo Predial registou os prédios a favor da aqui recorrente (ponto nº 24 dos factos dados como provados).
Mas, teremos de o dizer, que mal. Com efeito, fê-lo na convicção que seria a aqui recorrente a verdadeira beneficiária da deixa testamentária.
Convicção errada, como acabamos por ver, pois beneficiário é apenas e só o A.: só este tem legitimidade para assegurar o trato sucessivo. Vale isto para dizer que a presunção do art. 7º do CRP está ilidida, sendo nulo o registo feito a favor da recorrente, ut art. 16º do mesmo diploma legal.

E aqui chegados, importa dizer que a lide foi bem julgada pelas instâncias: o posicionamento das partes desenhado nos articulados respectivos permite, na verdade, uma decisão de meritis logo em sede de saneador.
Incompreensível a todos os títulos que a R.-reconvinte, sabendo como registou os prédios, que se discutiu, como se discutiu, a quem o testador beneficiava, tenha vindo, em sede de pedido reconvencional, esboçar uma possível usucapião a seu favor, como se fosse possível, perante este quadro configurar uma situação de posse, que não de mera detenção, sobre o acervo dos bens em causa.
E a incompreensão ainda é maior quando se repara que a recorrente, por um lado, pretendeu fazer valer a presunção do art. 7º CPC e, por outro, avança com a usucapião.
Chega mesmo a raiar a litigância de má fé!

É tempo de terminar, dizendo que ficou por demais demonstrada a falência da argumentação da recorrente, sendo injusta a crítica que dirigiu ao aresto da Relação de Guimarães.
IV
Decisão.
Nega-se a revista e condena-se a R. no pagamento das custas devidas (aqui e nas instâncias).
Lisboa, 30 de Outubro de 2007
Urbano Dias (Relator)
Paulo Sá
Mário Cruz