Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B2224
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: ADVOGADO
DEPOIMENTO
SEGREDO PROFISSIONAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
NULIDADE PROCESSUAL
RECURSO DE AGRAVO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
CONTRATO
AVISO DE RECEPÇÃO
INTERPRETAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ20070920022242
Data do Acordão: 09/20/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ANULADO PARCIALMENTE O ACORDÃO
Sumário :
1 . De entre as várias figuras – incapacidade para depôr, impedimento para depôr, recusa de prestação de depoimento e escusa de prestação do depoimento – a do advogado, relativamente ao sigilo profissional não objecto de dispensa, integra-se nesta última.
2 . Neste caso, deve o causídico que estiver abrangido pelo segredo profissional, escusar-se a depor relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo;
3 . O juiz, feito o interrogatório preliminar, deve também vedar o depoimento violador de tal sigilo.
3 . E, na circunstância, a parte contra quem a testemunha foi arrolada pode impugnar a sua admissão, no respeitante à matária sigilosa.
4 . Se, apesar do dever imposto à testemunha, da imposição de actuação do juiz ou da concessão da faculdade à contraparte, aquela vier a depor, o depoimento, na parte afectada, é nulo.
5 . Esta nulidade é secundária, devendo a parte prejudicada observar – se não houve já esgotamento nos termos do artigo 637.º, n.º1 do Código de Processo Civil - o regime temporal previsto no artigo 201.º do mesmo código.
6 . Se o conteúdo do depoimento é inócuo relativamente à sorte da causa, nunca poderia ser provido agravo em que se pretende a mencionada declaração de nulidade.
7 . O Supremo Tribunal de Justiça não pode suprir a nulidade derivada de a Relação não ter conhecido de um dos pedidos.
8 . Tendo a Relação, com base nos factos provados e sem recurso a normas jurídicas de interpretação dos contratos, entendido que se incluíu, no conteúdo de contrato de arrendamento, um corredor objecto de discussão, não pode o STJ exercer censura sobre este entendimento.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Na comarca de Lisboa, com distribuição à 7.ª Vara Cível, AA e BB intentaram esta acção ordinária contra:
CC e DD.

Alegaram, em síntese, que:
São donos e senhorios do prédio abaixo identificado, no qual habitam.
Os réus são arrendatários do rés-do-chão do mesmo.
Habitam em tal prédio outras pessoas.
Nas circunstâncias abaixo referidas, os Réus passaram a impedir, sem justificação, a entrada e passagem de pessoas num pátio do mesmo prédio, praticando os actos e causando-lhes os prejuízos que descrevem.

Pediram, em conformidade:
a) O reconhecimento do direito de propriedade deles, AA. relativamente ao prédio urbano sito na Travessa ...., n.ºs 2 e 4 e Rua de ...., n.º 6-A, inclusive no que concerne ao pátio existente no mesmo a que atribuem a natureza de parte comum do prédio;
b) A condenação dos RR. a retirarem a tranca e cadeado colocados no portão do n° 4 do identificado prédio, que dá acesso ao pátio do mesmo, de forma a que todos os habitantes do prédio voltassem a aceder e a sair livremente do referido pátio, por via do mencionado portão;
c) a condenação dos RR. a retirarem do identificado pátio o respectivo cão;
d) a condenação dos RR. a isolarem as duas divisórias do telheiro, de modo a que deixasse de ser possível que o cão destes pudesse transitar livremente entre o quintal do rés-do-chão e o pátio do prédio, assim assegurando que o cão não voltasse a ter acesso ao referido pátio e bem assim a reconstituírem todo o telheiro e respectiva estrutura, tal como existia anteriormente às obras e demolições promovidas por aqueles, repondo tudo o mais que dali retiraram
e) a condenação dos RR. a restituírem-lhes o identificado pátio e ainda a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça, diminua ou restrinja o acesso e a utilização pelos AA., demais proprietários e residentes do identificado prédio ao identificado pátio;
f) e finalmente, a condenação dos RR. a indemnizá-los de todos os prejuízos a que eles, RR., deram causa por força dos factos alegados nos artigos 53° e 86° a 94° da petição inicial, quantificados em € 26.524, acrescidos dos respectivos juros legais, devidos desde a citação, até efectivo e integral pagamento.

Contestaram estes, tendo, na parte que agora importa, impugnado os factos carreados pelos autores.

Na réplica, os autores ampliaram o pedido de restituição nele incluindo um telheiro que existe no local.

Os réus treplicaram desenvolvendo a argumentação que tinham trazido na contestação.

II – Na audiência de julgamento, depôs um Sr. Advogado, arrolado pelos réus.
Posteriormente ao encerramento da mesma audiência, vieram os autores requerer a junção aos autos de um documento, visando a demonstração de que a testemunha estava violar o segredo profissional.
Ouvidos os réus, foi tal requerimento indeferido, por não ter sido deduzida, oportunamente, qualquer contradita e, subsidiariamente, porque o documento não comprovava que o mesmo Sr. Advogado tenha quebrado o segredo profissional.

Desta decisão interpuseram os autores agravo.

III – Foi, então, proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus dos pedidos.
Apelaram eles.

IV – O Tribunal da Relação de Lisboa:
Negou provimento ao agravo;
Julgou a apelação improcedente.

V – Quanto ao agravo, depois de tecer considerações sobre a reduzidíssima importância do depoimento questionado para a decisão da causa, entendeu que, não tendo sido deduzida contradita, não podia a questão ser levantada posteriormente, falecendo, por aí, a razão de ser da junção do documento.

Quanto à apelação, confirmaram o entendimento, que já vinha da primeira instância, de que, abrangendo o arrendamento o quintal, o telheiro/arrecadação e o corredor de acesso, não tinham razão de ser as pretensões dos autores.

VI – Interpuseram recurso estes, que foi recebido como revista.
No qual atacam a decisão da Relação, quer quanto ao mérito da causa, quer no que concerne à parte que conheceu do agravo.

VII – Nos termos do n.º1 do artigo 722.º do Código de Processo Civil, a invocação da violação da lei de processo, só pode integrar tal recurso se, encarada autonomamente como agravo, este fosse admissível, nos termos do artigo 754.º, n.º2.
Caímos, assim, no requisito da oposição de acórdãos.
Os recorrentes invocam os Acórdãos deste Tribunal de 15.4.2004, da Relação de Lisboa de 9.11.2000 e da Relação do Porto de 1.2.2005 (todos podendo ver-se em www.dgsi.pt).
Nestes se decidiu, efectivamente, que o dever de sigilo profissional e a sua consequente violação são de conhecimento oficioso, enquanto na decisão recorrida se entendeu afastar o seu conhecimento – e inerente junção do documento que se pretendia juntar – por a parte não ter deduzido contradita.
Verifica-se, portanto, tal requisito.

VIII – Há, pois, que conhecer da matéria correspondente ao agravo conhecido pela Relação e, salvo prejudicialidade, também do mérito da causa.

IX – Não havendo obstáculos de conhecimento, atentemos, pois, nas conclusões das alegações, a saber:

1 ª A obrigação de segredo profissional dos advogados decorre do respectivo Estatuto, estando os advogados obrigados a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhes advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços (artigo 87°, nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados - EOA).
2ª A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço (n.2 do citado art. 87°).
3ª As normas que dispõem sobre o segredo profissional de advogado são unanimemente reconhecidas como sendo de interesse e ordem pública e mesmo em face da recusa manifestada pela testemunha em causa - como sucedeu no caso em apreço - no âmbito dos poderes deveres jurisdicionais, devia ter sido impedida oficiosamente a violação das mesmas (d. Acórdão STJ, de 15.05.2003 in www.dgsi.pt.).
4ª As excepções a tal regra dependem de prévio reconhecimento e autorização do Presidente do Conselho Distrital respectivo da O.A., situação que no caso dos autos não se verificou.
5ª No douto acórdão recorrido não resultaram apreciadas as questões fulcrais visadas no recurso de agravo, sendo este omisso quanto à questão da admissibilidade dos documentos em causa, nem se pronunciando sobre a consequente existência ou inexistência da invocada violação de segredo profissional nem, por último, se pronunciando sobre a admissibilidade do depoimento da testemunha em causa.
6ª Finalmente e salvo o devido respeito, no entendimento dos Recorrentes a questão da admissão do documento em questão não teria que ser enquadrada ou apreciada no âmbito do incidente de contradita, uma vez que este destina-se a abalar a credibilidade da testemunha (d. art. 640° do CPC), o que não se aplica ao caso vertente.
8ª O que em concreto estava em causa era determinar se a testemunha era ou não inábil, por força da já referida qualidade de Advogado e se deveria ou não ter sido admitida a depor.
9° Para tal, revelava-se essencial a admissão do Doc. de fls. 420 - ainda que apresentado posteriormente ao depoimento prestado - uma vez que do mesmo resultava inequivocamente evidenciado que a testemunha em causa tomou conhecimento dos factos relatados no exercício da referida profissão de Advogado,
10ª Os actos praticados pelos advogados com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo (artigo 87°, nº 5 do EOA) e a respectiva quebra acarreta nulidade, determinando até o inerente conhecimento oficioso.
11ª O douto acórdão recorrido violou, portanto e designadamente, o art. 618° do C..P.C.. e o art. 87° do Estatuto das Ordem dos Advogados,
12ª E foi proferido designadamente em oposição, entre muitos, aos seguintes:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.11.2000, in Proc. 34932;
- Acórdão da Relação do Porto de 01.02.2005, in Proc. N.º 425585;
- Acórdão de 15.04.2004 do Supremo Tribunal de Justiça, in Proc. N.º 04B795,
- Acórdão do STJ de 19.12.2006, in Proc. 06B4460,
todos proferidos sobre a mesma questão e no âmbito da mesma legislação e também todos acessíveis in www.dgsi.pt.
13ª Deve, portanto, ser revogado o douto acórdão recorrido, determinando-se que não podem fazer prova em juízo as declarações feitas pelo Sr. Advogado, Dr. PF, e determinado ainda a anulação das respostas aos quesitos sobre os quais aquela testemunha prestou depoimento, ainda que, para a prova dos mesmos quesitos, tenham sido indicados e produzidos outros meios de prova.
14ª Acresce que e no que respeita à apelação, no douto acórdão recorrido subsiste a invocada omissão de pronúncia quanto aos diversos pedidos formulados pelos AA., seja, o inerente ao reconhecimento do direito de propriedade destes, seja os inerentes à reconstituição do telheiro, tal como existia anteriormente às obras e demolições promovidas pelos RR., repondo tudo o que dali retiraram, seja ainda os pedidos relativos à condenação dos RR. a pagar aos AA. os prejuízos a que respeitam os factos alegados nos art. 53° e 86° a 94° da petição inicial, o que determina a nulidade do mesmo, tal como resulta do disposto na 2.ª parte da alínea d) do art.º 668° e art. 731° do Cód. Proc. Civil, o que se invoca.
15ª Com efeito, e por um lado, entendeu o Tribunal a quo não estar em causa uma acção real, razão pela qual, não tinha que se pronunciar / decidir quanto ao peticionado reconhecimento da titularidade dos AA.
16ª Mas, na verdade, não se aceita tal entendimento, uma vez que inequivocamente a presente foi instaurada ao abrigo do art. 1311° do Cód. Civil como acção de reivindicação, o que se confirma seja pela causa de pedir, seja pelos pedidos formulados pelos AA.
17° A acção de reivindicação configura o paradigma das acções reais, isto é, as destinadas a fazer valer um direito real (dos. arts. 1311° e 1315° do Cód. Civil) e foi definida por Alberto dos Reis na RLJ 80°/135 e 84°/138, como aquela que o proprietário de uma coisa propõe contra o detentor abusivo dela, com fundamento no seu direito de propriedade, com o fim ou finalidade de lhe ser reconhecido esse direito e condenado o réu a entregá-la.
18° Tal é o caso dos autos, como de resto, também se confirma em face do teor da douta sentença proferida em 1.ª instância, onde se constata que a presente foi instaurada, tramitada e julgada como uma acção possessória, o que, aliás, da forma mais elementar resulta evidenciado até pela fundamentação em que se alicerçou a apreciação da excepção de caducidade invocada pelos RR. (d. fls. 534 a 536).
19ª Impunha-se, portanto, a apreciação do pedido relativo ao reconhecimento do direito de propriedade dos AA. , o que não sucedeu.
20ª Acresce que não se aceita também o entendimento vertido no douto acórdão recorrido relativamente ao pedido respeitante à reconstituição do telheiro - tal como existia anteriormente às obras e demolições promovidas pelos RR. e à condenação destes a repor tudo o que dali retiraram - o qual se entendeu estar prejudicado em face do entendimento de que o arrendamento dos RR. abrange o quintal e o telheiro.
21 ° Contudo, a douta sentença de 1.ª instância é omissa quanto ao enquadramento legal configurado para aferir da pretensa licitude das obras comprovadamente efectuadas pelos RR., sendo também manifesta no douto acórdão recorrido a falta de fundamentação factual e legal quanto à invocada prejudicialidade.
22ª Salienta-se também a conclusão - igualmente não fundamentada - vertida no douto acórdão recorrido, no sentido de que os RR. não praticaram qualquer facto ilícito que os constituísse na obrigação de indemnizar, seja aos AA., seja a MF (o que muito se estranha, uma vez que esta nem foi parte na acção)
23° Tal como resulta do disposto no n.º 2 do art. 660° do Cód. Proc. Civil, o Juiz deve resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, constituindo tal omissão, vício que acarreta a nulidade da sentença (2.ª parte da alínea d) do art. 668° do Cód. Proc. Civil) nulidade esta que se invoca, com todas as legais consequências.
24° Por sua vez, a invocada falta de fundamentação acarreta idêntica nulidade (alínea b) do citado art. 668° do Cód. Proc. Civil) que igualmente se invoca.
25° As referidas nulidades devem ser apreciadas nos termos e com o âmbito previstos no art. 731° do Cód. Proc. Civil, o que se requer.
26ª Finalmente, entendem os Recorrentes que no douto acórdão recorrido se fez errado enquadramento substancial das questões suscitadas nas conclusões 9.ª a 29.ª apresentadas no seu recurso de apelação, relativamente à definição, natureza, integração, finalidade e funcionalidade do corredor, em face do arrendamento dos RR. e no contexto do imóvel, não tendo sido devidamente valorada a utilização dada ao mesmo, ao longo dos anos, nomeadamente, no que respeita ao comprovado direito de uso da arrendatária da cave, MA.
27ª Reapreciação que ora se requer, uma vez que resultou provado que nos últimos quarenta anos, o questionado corredor lateral do prédio não foi fruído e utilizado em exclusivo pelos RR., mas também e sobretudo pela referida arrendatária da cave, direito que a esta foi conferido pela anterior proprietária do prédio MM e que se manteve - inalterado - mesmo após a morte da referida proprietária e que preexistia à data do contrato de arrendamento dos RR. (al. M) e N) dos Factos Assentes, Doc. fIs. 26, respostas aos quesitos 5°, 6°, 7°, 8°, 13°, 14°, 15°, 16°, 17° e 18°.
28° A pretensa posse dos RR. nunca poderia, portanto, sobrepor-se, à da arrendatária MA (d. Ac. TRP de 4-11-2003 - Proc. n.º 0220923 - in www.dgsi.pt) e art. 1057° do CC e resposta ao quesito 61°).
29° Salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido fez não só errada apreciação e enquadramento da factualidade que resultou provada, mas também violou o disposto no art. 1421° do Cód. Civil, cuja previsão consagra o princípio geral vertido no art. 1418°, nº 1 do mesmo Código, do qual resulta que as partes comuns, sendo delimitadas por exclusão de partes, só podem ser objecto de uso exclusivo de um condómino (sem perder a sua natureza de parte comum) desde que tal seja expressamente previsto no título constitutivo do regime de propriedade horizontal ou autorizado por todos os condóminos, o que, não se verifica no caso dos autos.
30ª Tendo ficado demonstrado pelos AA. o seu direito de propriedade, não podia ter deixado de ser os RR. condenados a restituir o aludido corredor, uma vez estes que não lograram demonstrar que detinham sobre ele outro qualquer direito real que justificasse a sua posse, nem que o detinham por virtude de direito pessoal bastante (d. Ac. STJ de 26-04-1994, CJSTJ 1994, Tomo II, pág. 63)

A parte contrária contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

X – Ante as conclusões das alegações, as questões que se nos deparam consistem em saber:
Se devia ter sido acolhido o requerimento de junção de documento que visava instruir o incidente de violação do sigilo profissional de advogado imputado pelos autores à testemunha PF;
Se o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, respeitante ao reconhecimento do direito de propriedade dos autores, do direito à reconstituição do telheiro, e do direito a indemnização pelos prejuízos;
Se a afectação do corredor não devia ser considerada como o foi no acórdão recorrido.

XI – 1
Vêm provados os seguintes factos:

- Mostra-se inscrita, entre outros, a favor dos Autores, sem determinação de parte, a transmissão, por sucessão, do prédio urbano sito na Travessa ...., nºs. 2 e 4 e Rua de ...., nº 6-A, descrito na 8.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 439 da freguesia das Mercês, a fls. 52 do Livro B-4 (cfr. doc. de fls. 44 a 47) (A).
- Tal prédio está inscrito na matriz predial urbana da freguesia das Mercês sob o artigo 270 (cfr. doc. de fls. 16 a 19) (B).
- O mesmo prédio não se encontra constituído em propriedade horizontal e destina-se a habitação, tendo uma entrada pelo nº 14 da Rua de .... e outra pelo n° 2 da Travessa .... (C).
- Tal prédio é actualmente composto por cave com duas divisões, rés-do-chão com 13 divisões e um quintal, primeiro andar direito com 6 divisões, primeiro andar esquerdo com 7 divisões e segundo andar com 13 divisões (cfr. doc. de fls. 16 a 19) (D).
- Em 3 de Março de 1978, AB e MT, como senhorios, e o Réu marido, como inquilino, ajustaram entre si o arrendamento do rés-do-chão do mencionado prédio, com início em 1 de Março de 1978, com destino à habitação do Réu (cfr. doc. de fls. 20) (E).
- É nesse rés-do-chão que os Réus diariamente dormem, fazem as suas refeições, recebem a sua correspondência, amigos e conhecidos (F).
- Esse mesmo rés-do-chão é composto de 13 divisões e quintal (G).
- Quintal esse cuja localização se situa ao longo da fachada traseira do identificado prédio (cfr. doc.s de fls. 21 e 22) (H).
- Existe ainda um corredor lateral no prédio, calcetado, com entrada pelo nº 4 da referida Travessa .... (I).
- O acesso a este corredor para os diversos residentes do prédio só pode ser feito pelo exterior do prédio, por via da entrada identificada com o nº 4, através de um portão ali existente (J).
- Com excepção dos Réus que têm acesso ao referido corredor através do mencionado quintal que pertence ao arrendado e de uma porta de serventia que dá acesso directo ao corredor (L).
- Na cave do prédio dos autos reside, desde 1961, MA, sendo na referida cave que a mesma Alves sempre dormiu, fez as suas refeições diárias, recebeu a sua correspondência e amigos (M).
- E aí viveu consigo o seu marido, até à data da morte, ocorrida em 1 de Março de 1998 (cfr. doc. de fls. 26) (N).
- O 1 ° Autor enviou ao Réu marido, datada de 6 de Março de 2002, a carta cuja cópia consta a fls. 27 a 29 onde, além do mais, escreveu o seguinte:
«Tomei conhecimento de que promoveu a substituição da fechadura do portão da Travessa ...., nº 4, que dá acesso ao pátio utilizado para a recolha dos caixotes do lixo. Venho assim solicitar-lhe o obséquio de me facultar as respectivas novas chaves, de molde a permitir a correspondente distribuição pelos diversos inquilinos do prédio» (O).
- O 1 ° Autor enviou ao Réu marido, datada de 21 de Março de 2002, a carta cuja cópia consta a fls. 31 e 32 na qual, além do mais, escreveu o seguinte:
«Agradecia também que, de futuro, restringisse o acesso do seu cão ao pátio de recolha dos caixotes do lixo, devido a repetidas queixas dos inquilinos que se têm inibido de terem acesso ao local por recearem a presença do seu cão» (P).
- Os Réus nunca deram qualquer resposta às cartas de 6 e 21 de Março de 2002, jamais entregaram os duplicados das novas chaves, nem retiraram o cão do local onde se encontrava (Q).
- Em 22 Março de 2002, os Autores procederam à mudança da fechadura do portão a que se alude em O) (R).
- Os Réus procederam à substituição da fechadura colocada pelos Autores.
- O corredor a que se alude em I) tem 8,20m de comprimento, 1,20m de largura
inicial e 1,90m de largura final" (2° e 3°).
- Até à morte do seu marido, foi sempre a arrendatária da cave, com o auxílio daquele, quem diariamente se incumbia do tratamento, arrumo e manuseamento dos caixotes do lixo de todos os habitantes do prédio (5°).
- A arrendatária da cave - MA - sempre teve na sua posse a chave do portão de entrada a que corresponde o nº 4 do prédio dos autos (7°).
- A dita arrendatária tinha na sua posse as chaves dos andares dos restantes habitantes do prédio (8°).
- Entre o corredor a que se alude em I) e o quintal do rés-do-chão passou a existir, a partir de data não apurada, uma estrutura fixa em telha (telheiro) (12°).
- Tal telheiro sempre foi utilizado pela referida MA com autorização da anterior proprietária do prédio e residente no rés-do-chão, MM, e posteriormente pelos Réus (13°).
- Sob o referido telheiro sempre existiu um tanque e um estendal de roupa que a arrendatária MA sempre utilizou regularmente, para lavar e estender a sua roupa (14°).
- Assim ficando protegida das condições climatéricas adversas (15°).
- O referido telheiro sempre foi também utilizado por esta última como zona de arrumos e para armazenar as suas provisões (designadamente sacas de batatas cebolas enchidos e outros mantimentos que periodicamente trazia da província), ferramentas e apetrechos do carro, etc. (16°).
- Tudo organizado nas prateleiras ali existentes para tal efeito (17°).
- Sob o referido telheiro, a MA também sempre manteve os seus vasos com plantas e fenos que cuidava, diariamente (18°).
- A referida MA tinha acesso ao telheiro através da porta com o nº 4 de polícia e da porta que dá directamente para o rés-do-chão dos Réus (21°).
- Os Réus, por sua vez, têm acesso ao telheiro, quer através do corredor a que se alude em I), quer através do quintal que pertence ao rés-do-chão (22°).
- Os Autores despenderam com a mudança da fechadura do portão referida em R) a quantia de 96 euros (34°).
- Só os Réus têm acesso ao corredor a que se alude em I) (39°).
- Fazendo dele utilização exclusiva (40°).
- Em Novembro de 2002, com a chegada da época de chuvas, foi detectado o entupimento da caixa de inspecção da rede de esgotos domésticos do prédio dos autos (44°).
- Os Autores solicitaram a presença no local dos funcionários do departamento de saneamento e esgotos da Câmara Municipal de Lisboa para procederem a tal desentupimento (45°).
- A referida caixa de inspecção da rede de esgotos domésticos localiza-se no quintal do rés-do-chão do prédio dos autos, só acessível através do corredor referido em I) (46°).
- No local os referidos funcionários confirmaram que a dita caixa de inspecção da rede de esgotos domésticos se encontrava selada com tampa de cimento (47°).
- A intensidade das chuvas ocorridas em Novembro e Dezembro de 2002 conjugada com o entupimento da referida caixa de inspecção da rede de esgotos domésticos, causaram neste último mês inundações (51°).
- Tais inundações ocorreram na cave do prédio onde residia a referida MA, entretanto internada num Lar (52°).
- As mesmas inundações ocorreram também no rés-do-chão com entrada pelo nº 14 da Rua de ...., onde o 1° Autor arrecadava o espólio que trouxera de Macau, nomeadamente livros, móveis lacados chineses, colecções de cestos de bambus e cortinados (53°). - A arrendatária da cave, MA, viu-se confrontada com a inundação da sua residência no dia de Natal de 2002 (56°).
- A dita MA, sem possibilidade de solicitar a assistência dos serviços camarários no dia de Natal, teve de recorrer a uma empresa do ramo para desentupir a caixa de inspecção da rede de esgotos domésticos sita no corredor a que se alude em I) e proceder à limpeza da sua habitação (57°).
- Com o que despendeu 1428 euros (57°-A).
- A MA reclamou o pagamento dessa quantia dos Autores (58°).
- No projecto inicial de reconstrução e ampliação do prédio existente no local, o mesmo foi desenvolvido na perspectiva de o rés-do-chão ser destinado ao uso exclusivo da respectiva proprietária (61°).
- Por isso o rés-do-chão tinha duas entradas - a principal pelo nº 2 da Travessa .... e a de serviço pelo nº 4, que dava também acesso directo ao quintal privativo do rés-do-chão (62°).
- Tanto assim que o rés-do-chão possui, abrindo directamente para o corredor a que se alude em I) duas janelas (63°).
- Uma da casa de banho e outra do quarto de engomados (64°).
- E uma porta de acesso a um corredor interior que levava à cozinha da casa.
- Foi nessa habitação que sempre residiu até à sua morte em 1977 a proprietária D. MM (66°).
- Sem que jamais qualquer outro residente do prédio tivesse utilizado o referido corredor (67°).
- Após o arrendamento aos Réus também jamais qualquer outro residente no prédio utilizou o mencionado corredor sem autorização dos Réus (68°).
- Quando a Câmara procedeu à distribuição do caixote do lixo para o prédio, o mesmo foi colocado na escada comum a todos os inquilinos com entrada pelo nº 2 da Travessa .... (69°).
- Os Réus, devido a produzirem muito lixo e detritos provenientes do quintal, solicitaram à Câmara para seu uso exclusivo dois caixotes que foram colocados no corredor com entrada pelo nº 4 da Travessa da Palma (70°).
- Apenas a arrendatária da cave do prédio D. MA possuía umas chaves do portão de acesso a esse corredor que lhes foram facultadas pelos Réus (71°).
- Bem como umas chaves da porta interior na entrada da habitação dos Réus (71°-A).
- Pois era aquela arrendatária que durante as ausências dos Réus acendia as luzes de presença à noite, dava de comida ao cão e ao gato, recebia a correspondência e abria a porta quando os Réus se esqueciam das chaves (72°).
- Foi em contrapartida desses serviços que os Réus autorizaram a D. MA a utilizar um tanque de lavagem existente no telheiro situado no seu quintal e a fazer estendal de roupa no corredor de acesso (73°).
- E além disso forneciam gratuitamente a água e a luz que aquela gastava (74°).
- A situação descrita na resposta dada aos arts. 73° e 74° manteve-se durante largos anos até que a MA, por motivos de saúde, deixou de utilizar o tanque e o estendal há alguns anos a esta parte (75°).
- O cão dos Réus é um animal de raça Labrador Golden Retriever, com um temperamento sociável e dócil, cuja inteligência, paciência e lealdade fazem com que seja um cão de companhia ideal (76°).
- O mesmo passa o dia e dorme dentro de casa, sendo bastante difícil pô-lo na rua (77°).
- A referida MA fazia festas ao cão dos Réus quando se deslocava ao telheiro (78°).
- Quando os funcionários da Câmara se deslocaram a casa dos Réus estes facultaram-lhe o livre acesso ao local da fossa (79°).
- Tendo sido os próprios que não intervieram na altura por ser necessário partir a tampa para o que precisavam de autorização da senhoria (80°).
- O Réu informou os funcionários da Câmara Municipal de Lisboa do nome e morada da senhoria (81°).
- No dia 25/12/2002, os Réus facultaram a entrada no seu quintal aos funcionários de uma empresa que procederam ao desentupimento da fossa (82°).
- A mudança da fechadura pelos Réus a que se alude em S) e a colocação de uma tranca interior na porta com o nº 4 de acesso ao dito corredor foi feita no próprio dia 22 de Março de 2002 (83°).
- Quando nesse dia a 28 Ré telefonou ao 1 ° Réu a comunicar-lhe o "arrombamento" da porta de acesso ao quintal pelo 1 ° Autor (84°).
- Ao chegar a casa acompanhado de um serralheiro ainda aí se encontrava o 1 ° Autor a prestar declarações à PSP (85°).
- O qual presenciou a substituição da fechadura a que o 1° Réu mandou proceder (86°).
- O telheiro encontrava-se degradado (94°).
- Face ao estado de degradação do telheiro os Réus apearam as partes mais degradadas, substituíram telhas, madeiras e as portas apodrecidas e procederam ao reboco e pintura de toda a estrutura (95°).
- Que se mantém intacta (96°).
- Era através do corredor a que se alude em I) que se fazia todo o serviço relativo ao quintal dos Réus (circulação de pessoas, alfaias, terras, adubos, vasos, mobiliário de jardim, etc.) (97°).

XI – 2
Interessando, para conhecimento da primeira das questões referidas em X, ainda o seguinte, retirado da tramitação processual:

A testemunha PF é advogado;
Depôs à matéria dos quesitos 83.º a 86.º, inclusive que foram considerados provados e cujo teor consta da enumeração factual acabada de fazer, na parte em que se alude a tais números;
Na referência ao seu depoimento feita na acta a folhas 405, nada consta de invocação de violação do sigilo profissional;
Depois de encerrada a audiência, vieram os autores pretender juntar o documento para alcançarem a violação do segredo profissional por parte de tal testemunha.

XI – 3
Mais interessando o teor do pedido feitos pelos autores despido da ampliação a qual não nos importa aqui, que é o seguinte:

a) o reconhecimento do direito de propriedade dos AA. relativamente ao prédio urbano sito na Travessa ...., n.ºs 2 e 4 e Rua de ...., n.º 6-A, inclusive no que concerne ao pátio existente no mesmo a que atribuem a natureza de parte comum do prédio;
b) a condenação dos RR. a retirar a tranca e cadeado colocados no portão do n° 4 do identificado prédio, que dá acesso ao pátio do mesmo, de forma a que todos os habitantes do prédio voltassem a aceder e a sair livremente do referido pátio, por via do mencionado portão;
c) a condenação dos RR. a retirar do identificado pátio o respectivo cão;
d) a condenação dos RR. a isolar as duas divisórias do telheiro, de modo a que deixasse de ser possível que o cão destes pudesse transitar livremente entre o quintal do rés-do-chão e o pátio do prédio, assim assegurando que o cão não voltasse a ter acesso ao referido pátio e bem assim a reconstituir todo o telheiro e respectiva estrutura, tal como existia anteriormente às obras e demolições promovidas por aqueles, repondo tudo o mais que dali retiraram
e) a condenação dos RR. a restituir aos AA. o identificado pátio e ainda a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça, diminua ou restrinja o acesso e a utilização pelos AA., demais proprietários e residentes do identificado prédio ao identificado pátio;
f) e finalmente, a condenação dos RR. a pagar aos AA. todos os prejuízos a que eles RR. deram causa por força dos factos alegados nos artigos 53° e 86° a 94° da petição inicial, quantificados em € 26.524, acrescidos dos respectivos juros legais, devidos desde a citação, até efectivo e integral pagamento.

Sendo a parte decisória da sentença de primeira instância do seguinte teor:
“Pelo exposto, julga-se a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolvem-se os réus do pedido.”

E tendo a Relação declarado “improcedente a apelação, confirmando-se na totalidade a douta sentença do Tribunal “ a quo”.
………………………………….

XII – O artigo 87.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º15/2005, de 26.1) determina que o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, determinando o n.º5 que os actos praticados pelo advogado com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
Na aferição da estatuição processual daqui derivada, importa considerar as seguintes figuras da inabilidade para depor que caminham paredes-meias e, por vezes, se interpenetram mesmo, mas que, à partida, sejam distintas:
Incapacidade para depor;
Impedimento para depor;
Recusa de prestação de depoimento;
Escusa de prestação de depoimento.

À primeira figura reporta-se o artigo 616.º;
À segunda, o artigo 617.º;
À terceira os artigos 519.º, n.ºs 1,2 e 3, a) e b) e, bem assim, 618.º, n.º1;
À quarta os artigos 519.º, n.º 3 c) (com confusão apenas terminológica com a “escusa”) e n.º4 e 618.º, n.º1 (todos do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem também os artigos referidos infra sem menção de inserção).

Noutro prisma, temos:
O conhecimento oficioso destas figuras;
A impugnação da admissão da testemunha pela parte contra a qual foi produzida.

XIII – O nosso caso é de escusa.
Deve o que estiver abrangido pelo segredo profissional escusar-se a depor relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo.
Feito o interrogatório preliminar, o juiz também deve, nos termos do artigo 635.º, n.º2 e, bem assim do artigo 205.º, n.º2, vedar o depoimento violador do sigilo profissional.
E, na circunstância, pode a parte contra quem a testemunha foi arrolada, impugnar a sua admissão, no respeitante à matéria sigilosa, nos termos do artigo 636.º. Neste caso, segue-se a tramitação do artigo 637.º, que impõe o esgotamento cronológico no próprio acto: a parte tem de apresentar logo prova e o tribunal decide imediatamente.

Se, apesar do dever imposto à testemunha, da imposição de actuação ao juiz ou da concessão da faculdade à contraparte, aquela vier a depor, o depoimento, na parte afectada, é nulo (Assim, Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 536).
Se é nulo e não se verificou o caso daquele artigo 637.º (v.g. por, só depois do interrogatório preliminar, vir ao de cima a natureza sigilosa do que se vai depondo ou depôs) temos o regime temporal do artigo 201.º, n.º1 (neste sentido o Ac. deste Tribunal de 18.5.2006, proferido na Revista n.º 2588/05).
Tudo incompatível – e agora pensando já concretamente no nosso caso - com a pretensão manifestada depois de encerramento da audiência em que o incidente se levantou, da junção de um documento, visando a prova da abrangência do sigilo.

XIV – De qualquer modo, sempre haveria que ter em conta que a lei refere no artigo 710.º, n.º2 que o agravo só é provido quando a infracção cometida tenha influência no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o agravante.
Este preceito é aplicável ao agravo interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 762.º, n.º1 e 749.º.
Sendo aplicável aos agravos para aqui interpostos, mal se compreenderia que a respectiva matéria pudesse encontrar procedência na hipótese de a argumentação integrar, como fundamento secundário, o recurso de revista.

Ora, como se retira do ponto XI – 2, conjugado com a construção jurídica das decisões recorridas e que se subscreve, os factos a que depôs a testemunha e que se vieram a dar com o provados são inócuos e não preenchem qualquer dos outros dois requisitos acabados de enunciar.
Verdadeiramente, podem constituir apenas uma mais apurada concretização dos outros factos que são, estes sim, essenciais para a decisão.
Assim sendo, nunca a matéria ora alegada na parte relativa ao depoimento pretensamente abrangido pelo sigilo seria de acolher.

XV - Passemos agora à invocação das nulidades do acórdão.

Interessam agora os factos referidos em XI – 3.

Os recorrentes referem no ponto 14.º das conclusões das alegações que subsiste a invocada omissão de pronúncia relativamente:
Ao reconhecimento do direito de propriedade destes;
À reconstituição do telheiro e reposição de tudo o que dali retiraram;
A condenação dos réus em prestação indemnizatória.

XVI – O pedido de reconhecimento do direito de propriedade foi feito.
Não cabe ao juiz julgador – atento o que determina o artigo 660.º, n.º2 – ajuizar sobre se tal pedido havia ou não havia de ser deduzido, atento o que verdadeiramente está em conflito.
Tinha que conhecer dele.
Não tendo a Relação – em posição, aliás, já vinda da primeira instância – conhecido do mesmo cometeu a nulidade prevista no artigo 668.º, nº1 d), primeira parte.

É certo que, numa interpretação possível, a absolvição do pedido constante da sentença de primeira instância e confirmada na segunda, poderia abranger tal pedido.
Não haveria, então, omissão.
Mas a evidência de não absolvição relativamente a este pedido é de tal ordem intensa que não se justifica esta opção de interpretação.

Com tal evidência se não confunde eventual dispensabilidade, que, não correspondendo a prejudicialidade, guindaria a necessidade de conhecimento deste pedido a mero acto formal.
Mas não se trata de mera formalidade. Basta pensar-se na figura do caso julgado. Se amanhã surgisse entre autores e réus discussão sobre a propriedade do prédio, a invocação, por parte destes, do caso julgado baseado no teor da sentença proferida, levaria essa mesma discussão a pontos altamente controversos que podem ser evitados com decisão completa na presente acção.

XVI – Já os demais pedidos devem ser encarados na perspectiva que a causa de pedir lhes confere.
Os invocados danos no telheiro não são invocados como violação do direito de propriedade por parte do arrendatário, mas como violação consistente em se ter considerado arrendado o que, na versão dos autores, não estava abrangido por tal contrato.
Se o tribunal decidiu que tal telheiro não estava abrangido pelo arrendamento, cai por terra a argumentação dos autores e, consequentemente, o pedido fica prejudicado.
Como prejudicado fica o pedido indemnizatório, porquanto assente precisamente na violação das obrigações emergentes do contrato de arrendamento, violação essa que não se demonstrou.

XVII – A nulidade emergente da falta de conhecimento do pedido de declaração de propriedade – única que se verifica – escapa à previsão do n.º1 do artigo 731.º, pelo que outra solução não resta do que mandar baixar o processo nos termos do n.º2 deste artigo.

XVIII - Resta a problemática do corredor.
E aqui põe-se, com acutilância, a questão dos limites do recurso de revista.
Por regra, este Tribunal só conhece de direito.
Especificamente, quanto ao recurso de revista, esta ideia-base é reafirmada - ainda que o legislador tenha estabelecido algumas ressalvas que aqui não interessam – nos artigos 721.º, n.ºs 2 e 3, 722.º, n.ºs 1 e 2 e 729.º.
Portanto, não podemos nós discutir a interpretação do contrato se constituir matéria de facto, podendo fazê-lo apenas se integrar matéria de direito.
E constituirá matéria de facto se versar sobre a determinação do que as partes quiseram dizer, já constituindo matéria de direito se se reportar à aplicação dos critérios previstos nos artigos 236.º e seguintes do Código Civil. (1)
Ora, a Relação não lançou mão de critérios legais que suprissem as dúvidas que teria considerado existirem. “Trabalhou” com os factos provados e deles concluiu que as partes quiseram a inclusão do corredor no arrendamento. Situou-se, pois, em domínio que escapa à censura deste tribunal.

XIX – Nestes termos, concede-se a revista apenas no respeitante à invocação da nulidade por a Relação não ter conhecido do pedido de declaração do direito de propriedade feito pelos autores, ordenando-se a baixa do processo àquela instância a fim de, se possível pelos mesmos Senhores Desembargadores, ser suprido o vício.
No mais, mantém-se o acórdão recorrido.
Custas a final.


Lisboa, 20 de Setembro de 2007

João Bernardo (relator)
Oliveira Rocha
Gil Roque

_________________________________
(1)Nesta posição, louvamo-nos nas palavras de Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 446, podendo ainda invocar, exemplificativamente, os Ac.s deste Tribunal de 23.0.04 (Revista n.º2571/2004) e de 17.10.2004 (com texto em www.dgsi.pt).