Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1967/17.5T8PRD.P2.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: INSOLVÊNCIA
MASSA INSOLVENTE
SIMULAÇÃO DE CONTRATO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
ÓNUS DA PROVA
CONTRATO DE MÚTUO
HIPOTECA VOLUNTÁRIA
Data do Acordão: 11/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

I- Quem invoca a simulação de um negócio, realizado através da forma legalmente exigida, tem o ónus de provar que, inequivocamente, se verificam os requisitos próprios da simulação, estabelecidos no art.240º do CC.

II- Quem se propõe invocar tal patologia contratual tem de desenvolver um adequado trabalho técnico, munindo-se de todos os meios probatórios admissíveis, para provar que a realidade pactuada foi diferente daquela que se encontra contratualmente documentada. Não o conseguindo fazer adequadamente, são-lhe imputáveis as consequências dessa falha ou insuficiência probatória, como decorre do art.342º do CC.

Decisão Texto Integral:

Processo n. 1967/17.5T8PRD.P2.S1

Recorrente: “Massa Insolvente de AA”

Recorrida: BB

I. RELATÓRIO

1. “Massa Insolvente de AA” [representada pelo seu administrador de insolvência CC] propôs ação declarativa de condenação contra BB, na qual foi pedida:

- a declaração de nulidade, por simulação, da hipoteca registada a favor da ré e referente ao prédio urbano identificado no ponto 8 da petição inicial, no valor de € 30.000,00, com o subsequente cancelamento da inscrição da Ap. 22 de 22.02.2015 a que corresponde a descrição 1141/19935014, da freguesia da ..., concelho de ...;

- o cancelamento de todos e quaisquer averbamentos ulteriores “aos negócios simulados”, por força dos efeitos decorrentes da simulação dos negócios e,

- no caso de assim não o entender, o Tribunal por manifesto lapso, na qualificação factual só assim se conceberia deve a ré ser condenada no pagamento do prejuízo resultante da venda das fracções, no valor de € 30.000,00.

2. A ré, na contestação, excecionou a caducidade do direito de invocar a nulidade do negócio, com fundamento no facto de a autora, quando alega ter existido um negócio simulado, desconsiderar o regime especial, designadamente, o mecanismos próprio previsto no CIRE, no caso concreto, a resolução em benefício da massa insolvente, através do qual o Administrador da Insolvência, com celeridade e eficácia, pode fazer reingressar na massa insolvente os bens e os direitos que lhe tenham sido subtraídos por atos que prejudiquem a satisfação dos credores que reclamam os seus créditos na insolvência, conforme disposto nos artigos 120º e seguintes do CIRE. E sustentou, ainda, que resulta dos autos que foi celebrada uma escritura de mútuo com hipoteca, em 05.02.2015, onde o insolvente se declarou devedor à Ré da quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), dando de garantia a hipoteca do acima identificado terreno para construção.

3. A primeira instância proferiu a seguinte decisão:

 «Face ao exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência:

a) Declaro a nulidade, por simulação, da hipoteca voluntária constituída por contrato celebrado em 5 de Fevereiro de 2015; e

b) Determino o cancelamento da inscrição Ap. 22, de 22.05.2015 referente ao registo da hipoteca voluntária constituída sobre o prédio urbano correspondente à descrição 1141/19935014, da freguesia da ..., concelho de ... e inscrita a favor da Ré;

c) Determino ainda o cancelamento de quaisquer outros averbamentos ulteriores ao negócio referido na alínea a) e por força dos efeitos decorrentes da simulação, improcedendo o demais peticionado.»

4. Inconformada, a ré BB interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto considerado o recurso procedente, revogando a decisão recorrida e determinando a absolvição da ré dos pedidos contra ela formulados.

5. A autora Massa Insolvente interpôs o presente recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

«I. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido nos autos do processo acima identificado, que julgou procedente a apelação interposta pela ré BB, modificando a decisão proferida pelo tribunal da 1ª instância, e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos.

II. Entende a autora, ora recorrente, que, face à factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, a decisão recorrida consubstancia uma violação da lei substantiva, motivo que justifica o presente recurso (artigo 674.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CPC).

III. O tribunal recorrido entendeu ser de conceder provimento à questão levantada pela ré, ora recorrida, relativa à suficiência/insuficiência de matéria factual quanto à verificação dos pressupostos da simulação do negócio em causa nos presentes autos.

IV. Assim, no entendimento da ré, da sentença em crise não resultava a produção de prova suficiente para considerar como provado o ponto 11º (elenco dos factos provados).

V. Sucede, porém que, atenta a análise e ponderação da prova produzida, em particular, da valoração dos elementos remetidos pelo processo de insolvência que complementam a factualidade alegada quanto aos elementos que visavam demonstrar a existência de um negócio simulado.

VI. A prova do acordo simulatório e do negócio jurídico dissimulado por terceiros é livre, podendo a mesma ser feita por qualquer dos meios admitidos na lei, sem prejuízo do disposto nos nº1 e 4 do artigo 394º do Código Civil.

VII. Assim, salvo o devido respeito, entende a ora recorrente que o tribunal da 1ª instância apreciou corretamente a prova produzida, não merecendo qualquer censura a decisão proferida.

VIII. Julgamos sempre que, se ao cidadão razoável e medianamente esclarecido não chocar tomar como certo um dado segmento de vida, é já consciencioso assumi-lo como provado; mas se ao invés a mesma consciência ainda ali se puder comportar como hesitante ou indecisa, só imprudentemente a prova pode ser assumida e afirmada.

IX. Tem-se entendido que é permitido o recurso à prova testemunhal em complemento da prova documental.

X. A razão de ser da proibição do artigo 394º é a necessidade de afastar os riscos próprios da falibilidade da prova testemunhal, contra o valor que o documento deve ter.

XI. Se o recurso às testemunhas for um complemento da prova documental, tal risco desaparece em grande medida.

XII. Note-se, aliás, que a não ser assim perderia o interesse a possibilidade que a lei concede aos próprios simuladores de arguirem a simulação, já que um deles ficaria, na prática, dependente do outro.

XIII. Saliente-se ainda que a inadmissibilidade da prova testemunhal contra o conteúdo dos documentos, não impede o recurso àquele meio de prova para demonstrar a falta ou os vícios da vontade com base nos quais se impugna a declaração documentada, nos termos do n. 3 do artigo 393º do C. Civil.

XIV. A prova testemunhal pode ser admitida para determinar o sentido das declarações contidas em documentos relativos ao negócio e pode ainda ter uma função complementar quando exista um "começo de prova" documental da simulação.

Admitindo-se nestes termos a prova testemunhal, será igualmente admitido o recurso às presunções judiciais.

XV. Em concreto, os documentos juntos foram corretamente completados pela prova produzida, não existindo qualquer motivo para censura.

XVI. Recorde-se, aliás, que ao Supremo, como Tribunal de revista, só cumpre, em princípio, decidir questões de direito e não julgar matéria de facto. No recurso é admissível apreciar a violação da lei adjetiva, mas só no caso de erro na apreciação de provas ou na fixação dos factos materiais da causa (artigos 729º e 722º do C. Processo Civil).

XVII. Não tendo as instâncias atribuído aos meios de prova valor que eles não comportam, como já está dito, nem tendo deixado de conceder a esses meios o seu valor legal, a factualidade apurada está a coberto da censura deste Supremo.

XVIII. Dos factos considerados provados só se poderia tirar a conclusão a que se chegou o tribunal da 1ª instância, ou seja a nulidade do negócio.

XIX. A mesma conclusão que se pugna pela presente via.

Termos em que deverá proferir-se douto Acórdão que julgue procedente o recurso em causa, revogando-se, in totum, o douto Acórdão recorrido, só assim se fazendo integral e esperada Justiça

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS

1. Admissibilidade e objeto do recurso:

Verificados os pressupostos gerais de recorribilidade, e tendo o acórdão recorrido revogado a decisão da primeira instância, em sentido desfavorável à recorrente, o recurso de revista é admissível, nos termos do art.671º, n.1 do CPC. Embora a presente ação respeite a matérias de natureza insolvencial, não tem aplicação ao presente recurso o regime específico de revista previsto no art.14º do CIRE, porquanto se trata de uma ação autónoma em relação ao processo de insolvência.

 O objeto do recurso é, em termos gerais, delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, para além das questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 608º, n.2, 635º, n.4, e 639º do CPC.

Assim, a única questão a apreciar no presente recurso é a de saber se o negócio em causa deve ser considerado como um negócio simulado.

2. Factualidade provada:

A decisão proferida em 1ª instância (com base na prova documental e na confissão) julgou provados os seguintes factos:

«1). O insolvente AA, pessoa singular, é dono e legítimo proprietário de um prédio descrito como terreno para construção, com a área de 600m2, sito na Rua …, em ..., referente à descrição n. 1141, da freguesia da ..., concelho de ..., adquirido por compra e venda a DD, conforme inscrição na Ap. 22 de 13.04.2010 (resposta positiva conjunta aos factos nºs. 1, 3 a 5 da petição inicial).

2). Em 26.03.2015 foi apresentado em juízo o plano especial de revitalização que correu termos como processo n. 1038/15.9T8STS, (resposta positiva conjunta ao facto n. 7 da petição inicial).

3). As negociações para a obtenção de um acordo de credores frustraram-se, tendo ficado inviabilizado o processo especial de revitalização e, nessa sequência, em 28.08.2015, na sequência, foi extraída certidão dos autos para conversão do mesmo no processo de insolvência, que deu origem ao processo n. 2801/15.6T8STS que correu termos no Juízo do Comércio de … – Juiz 4, (resposta positiva conjunta ao facto n. 6 da petição inicial).

4). No âmbito do processo de insolvência n. 2801/15.6T8STS foi decretada a insolvência, em 27.10.2015 de AA, tendo transitado em julgado, em 16.11.2015 (resposta positiva conjunta ao facto n. 2 da petição inicial).

5). Tendo sido nomeado como administrador de insolvência o Dr. CC, que já tinha desempenhado funções de administrador provisório no processo especial de revitalização que desde logo iniciou funções com vista ao pagamento dos credores da Massa insolvente, efetuando pesquisas e requerendo documentos da contabilidade, inclusivamente elaborou o parecer a fundamentar a situação de insolvência e que requereu (resposta conjunta positiva aos factos nºs. 12 e 13 da petição inicial).

6). Em 05.02.2015, foi celebrada uma escritura de mútuo com hipoteca, em que o insolvente se declarou devedor à ré, da quantia de € 30.000,00, tendo sido dado como garantia a hipoteca o terreno para construção descrito em 1) dos factos provados, (resposta conjunta positiva aos factos n. 12 e 13 da petição inicial).

7). O prédio n. 1141/19930514, na Ap. 22, de 22.02.2015 propriedade do insolvente e descrito em 1 (aquisição, por compra Ap. 22, de 2010.04.13), sendo o único bem deste de valor considerável, tem inscrita a constituição da hipoteca voluntária, no valor capital e máximo assegurado de € 30.000,00, por aquisição, a favor da ré BB casada com EE, no regime de comunhão de adquiridos, (resposta conjunta positiva aos factos n. 8 da petição inicial).

8). A foi notificada da sentença de insolvência na qualidade de credora privilegiada e, no âmbito do competente apenso ao processo n. 2801/15.6T8STS, reclamou o seu crédito com base na escritura de mútuo com hipoteca que veio a ser reconhecido pelo Sr. Administrador de Insolvência na relação de créditos reconhecidos elaborada, cujo montante perfaz o valor total de € 84.349,99 (resposta conjunta positiva aos factos n. 12, 13 e 24 da petição inicial).

9). Em 03.12.2015 realizou-se a assembleia de credores, onde o Sr. Administrador de Insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos, onde consta o crédito da Ré que representa 35,56% dos créditos reclamados, e que não foi objeto de impugnação por qualquer dos credores, tendo-se esse crédito tornado definitivo (resposta conjunta positiva aos factos nºs. 25 da petição inicial).

10). A Ré é tia do insolvente (facto admitido por confissão no ponto 50 e 55 da contestação).

11). O Administrador da Insolvência solicitou ao insolvente a entrega da documentação que comprovasse o recebimento da quantia mutuada pela Ré, tendo em conta o referido em 7) dos factos provados.

12). Em 21.07.2017, a autora interpôs a ação declarativa a invocar a nulidade do contrato mútuo realizado entre o insolvente e a ré, no valor de € 30.000,01 e o consequente cancelamento dos averbamentos posteriores, com as devidas  consequências legais e já depois de ter reconhecido o crédito da Ré.

13). O insolvente e a ré, na data referida em 7), sabiam e conheciam a débil situação financeira do insolvente e o seu estado de impossibilidade do cumprimento apresentando um valor de despesas correntes mensais que ascendiam pelo menos ao valor € 400,00 mensais.

14). A ré é proprietária de uma moradia contígua ao prédio pertença do insolvente.»

 

3. O direito aplicável:

Como supra enunciado, a única questão a apreciar no presente recurso é a de saber se o negócio celebrado entre a ré e o insolvente deve ser considerado como um negócio simulado.

3.1. O tribunal recorrido fundou a sua decisão nos seguintes termos:

«(…) não resulta desta matéria de facto que exista divergência entre a vontade das partes e a declaração dos contraentes (que ficou a constar do ato jurídico celebrado).

E isso verifica-se seja do lado do Insolvente, seja do lado da Ré.

Com efeito, não se pode retirar da matéria de facto provada que o Insolvente não tenha recebido o dinheiro emprestado ou que a Ré não lhe tivesse emprestado o dinheiro, nem que qualquer das partes não quisesse declarar que constituía hipoteca a favor da Ré.

Tinha a Autora que ter provado, conforme o ónus de prova que sobre ela recaía (art. 342º, nº1 do CC), que, apesar de terem celebrado o contrato, a Ré não entregou ao Insolvente a quantia emprestada e que nunca teve a intenção de o efetuar (pois que previamente tinham acordado essa simulação) – factualidade que não decorre dos factos provados.

Por outro lado, também não resultou provado qualquer facticidade donde se pudesse extrair que tal acto jurídico foi celebrado com o intuito de enganar terceiros. Ou seja, não resulta da matéria de facto provada que o ato jurídico questionado tivesse sido praticado com essa intenção.

Veja-se que inclusivamente está provado que nenhum dos credores impugnou o crédito reclamado pela Ré.

E, por outro lado, apesar de estar provado que a Ré conhecia a dificuldade de cumprimento do Insolvente, não se consegue atingir da matéria de facto provada, como já se referiu, que a intenção dos contraentes tivesse sido a de enganar/prejudicar os eventuais credores (aliás, não se mostra provado qual foi essa intenção, já que a factualidade alegada pela Ré quanto a este requisito, prescindida a prova que havia sido indicada, também não logrou ser provada).

É certo que o bem hipotecado era o único bem que na esfera patrimonial tinha “valor considerável” – o que não contribui para o preenchimento do requisito da intenção de enganar/prejudicar terceiros, tendo em conta o valor dos créditos reclamados. E também é certo que existia uma relação familiar entre a Ré e o Insolvente.

Mas esses factos – como se vê - não são suficientes para, só por si, se poder concluir que existiu a exigida “intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração” ou “o intuito de enganar terceiros”.

E o mesmo se pode concluir no que tange ao acordo simulatório. Não existem factos provados de onde possa decorrer a existência deste acordo, nem aqueles são suficientes para afirmar essa realidade substantiva.

Repare-se que estes dois requisitos não se confundem.

É que antes da divergência intencional entre a vontade e a declaração prestada no ato jurídicos que se pretende questionar, tem que se provar que os contraentes, com antecedência ou de uma forma contemporânea à declaração divergente, se conluiaram no sentido de enganar/prejudicar terceiros Ora, nenhuma matéria factual se encontra assente nos autos que permita dar como verificado esse acordo alegadamente existente entre as partes, com vista à assunção, por parte destes, de uma divergência intencional entre a vontade e a declaração que prestaram.

Nem que o tivessem efetuado com a intenção de enganar terceiros.

Conclui-se, pois, que a Recorrente tem razão quando afirma que, em face dos factos considerados provados (e também face à insuficiência dos factos alegados), não estão verificados os requisitos legais que permitiriam a procedência da pretensão da Autora fundada na invocação da simulação

3.2. O acórdão recorrido não merece qualquer censura, pois fez a correta aplicação das regras de valoração probatória e a correta aplicação da lei à factualidade provada, apresentando uma fundamentação rigorosa e exaustiva de todos os problemas suscitados.

3.3. No que respeita ao modo como o acórdão recorrido valorou a prova, deve ter-se presente que, nos termos do art.682º, n.2 e 674º, n.3 do CPC, não se identifica ofensa de qualquer disposição legal que expressamente exija determinada espécie de prova ou fixe o seu valor. Logo, cabe a este tribunal aplicar definitivamente a lei aos factos que as instâncias deram como provados, como determina o art.682º, n.1.

3.4. Estando em causa apurar a simulação de determinado negócio, a existência dessa intencional divergência entre a vontade e a declaração afere-se pela demonstração dos requisitos previstos no art.240º do CC.

Dispõe esta norma:

«1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.

 2. O negócio simulado é nulo

O contrato simulado revela, assim, uma divergência entre a vontade real dos contratantes e a “vontade” exteriorizada através das respetivas declarações negociais; divergência essa que corresponde à execução de um acordo entre os contratantes no sentido de assim agirem para, desse modo, enganarem terceiros.

Como afirmam Pedro Pais de Vasconcelos/Pedro Leitão Pais de Vasconcelos: “Na simulação é de crucial importância o pacto simulatório. Trata-se de um acordo, de um pacto, que tem como conteúdo a estipulação entre as partes da criação de uma aparência negocial, da exteriorização de um negócio falso, e a regulação do relacionamento entre o negócio aparente assim exteriorizado e o negócio real. A esta aparência negocial assim criada pode corresponder um negócio verdadeiro que as partes mantêm oculto ou pode também não corresponder a qualquer negócio[1].

A prova dos requisitos, cuja demonstração permite ao julgador concluir que se está perante um negócio simulado, cabe a quem invocar essa patologia contratual, como decorre da regra do art.342º do CC. Por outro lado, quando o negócio alegadamente simulado tiver sido celebrado através de documento autêntico ou equiparado, a simulação não pode ser demonstrada através de qualquer meio de prova, como decorre da interpretação conjugada dos artigos 371º e 394º, n.1 e n.2 do CC.

3.4. Para se concluir que o negócio foi simulado não basta ao julgador a perceção sociológica da aparência de alguns indícios que possam apontar para uma eventual simulação, como, no caso concreto, o facto de o insolvente ser sobrinho da ré.

É necessário que o sujeito a quem a lei impõe o ónus da prova demonstre, inequivocamente, pelos meios legalmente determinados ou admissíveis para o efeito, que se verificam os elementos constitutivos da simulação. Caberá, então, ao julgador reconhecer a presença de tal patologia negocial e decretar a nulidade do contrato, com as inerentes consequências legais (art.240º, n.2 do CC), da qual decorre a eliminação do efeito translativo (art.408º, n.1 e 879º do CC) ou constitutivo que tipicamente corresponderia ao negócio declarado nulo (art.289º do CC). 

No caso concreto, incumbia à autora – Massa Insolvente –, por força do disposto no art.342º do CC, o ónus de provar os factos constitutivos da simulação.

Da factualidade provada não se pode concluir que entre a recorrente e o agora insolvente tivesse existido um pacto simulatório, destinado a executar, com as formalidades legalmente exigidas, um contrato de mútuo e uma hipoteca para garantia da restituição do montante mutuado, com o objetivo de enganar terceiros.

Aliás, a eventual constituição simulada de uma hipoteca, por si só, nenhum prejuízo acarretaria para a Massa Insolvente, se o crédito que essa hipoteca garante nunca fosse reconhecido (pois, com a venda executiva do imóvel, essa hipoteca caducaria).

 Na realidade, quem invoca a simulação de um negócio, e sobretudo de um negócio realizado através da forma legalmente exigida, tem o ónus de provar que, inequivocamente, se verificam os requisitos próprios da simulação.

Como é sabido, a demonstração da simulação nem sempre é fácil. Mas quem se propõe invocar tal patologia contratual tem de desenvolver um adequado trabalho técnico, munindo-se de todos os meios probatórios admissíveis, para provar que a realidade pactuada foi diferente daquela que se encontra contratualmente documentada.

Não o conseguindo fazer adequadamente, como a autora não consegue no presente caso, são-lhe imputáveis as consequências dessa falha probatória, como decorre do art.342º do CC.

Em resumo, não assiste razão à recorrente – Massa Insolvente – pois não conseguiu demonstrar, como era seu ónus (ex vi do art.342º, n.1 do CC), a presença dos requisitos da simulação dos negócios.

Decisão: Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 10.11.2020

Maria Olinda Garcia (Relatora)

Raimundo Queirós

Ricardo Costa

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Teoria Geral do Direito Civil (9ª ed.), página 678