Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10808/14.4T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: COISA COMUM
UTILIZAÇÃO ABUSIVA
ADMINISTRAÇÃO
EQUIDADE
COMPENSAÇÃO
VALOR LOCATIVO
DIREITO DE PROPRIEDADE
USUFRUTO
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / COMPROPRIEDADE / DIREITOS E ENCARGOS DO COMPROPRIETÁRIO / USUFRUTO, USO E HABITAÇÃO / DIREITOS DO USUFRUTUÁRIO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 566.º, N.º 3, 1406.º, 1407.º, N.ºS 1 E 2 E 1446.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º, N.º 4.
Sumário :
Num caso como dos autos em que o réu é proprietário de fracção autónoma na proporção de metade e a autora é usufrutuária da outra metade, não sendo possível fazer funcionar o critério da maioria (cfr. art. 1407º, nº 1, do CC) quanto à decisão sobre a forma de administrar a coisa comum, ao abrigo do nº 2 do mesmo artigo, que prevê que o tribunal decida segundo juízos de equidade, entende-se ser justo e adequado atribuir à autora uma compensação pelo uso exclusivo da coisa pelo réu por cada mês de ocupação da fracção autónoma, correspondente a metade do valor locativo da mesma.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA, BB e CC, instauraram, a presente acção, sob a forma de processo comum, contra DD, pedindo:

a) Se reconheça e declare que os dois primeiros autores são comproprietários, na proporção de 1⁄4 cada um, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, freguesia de …, sob o nº 4…/2003…-AP, correspondente à fracção autónoma designada pela letra AP, habitação 8.1, tipo T5, que integra o 8º andar do prédio constituído em propriedade horizontal, situado na Rua …, Porto, com entrada pelo nº 138-A;

b) Se reconheça e declare que os dois primeiros autores são comproprietários, na proporção de 1⁄4 para cada um, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé, sob o nº 40, consistente em apartamento situado no Aldeamento de …, em V..., Rua …, casa nº …;

c) Se reconheça e declare que a terceira autora é usufrutuária, na proporção de 1⁄2, dos prédios urbanos identificados nas duas alíneas anteriores;

d) Se condene o réu a libertar imediatamente o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, freguesia de …, sob o nº 4…/2003…-AP, correspondente à fracção autónoma designada pela letra AP, habitação 8.1, tipo T5, que integra o 8º andar do prédio constituído em propriedade horizontal, situado na Rua ..., Porto, com entrada pelo nº 138-A, e a permitir o seu arrendamento a terceiro, partilhando a renda com a terceira autora, na proporção de 50% para cada um, ou, se assim não se entender, a pagar-lhe, permanecendo no imóvel, com efeitos a partir do mês de Outubro de 2014, a quantia mensal de € 800,00;

e) Se condene o réu a pagar à terceira autora, como indemnização pelo dano consistente na impossibilidade de usar e fruir o prédio supra identificado, sito no Porto, a quantia correspondente à multiplicação do número de meses por que dure a sua ocupação pelo valor unitário de € 800,00, com início no mês de Março de 2014.

Fundamentaram a sua pretensão alegando, em síntese, que os dois primeiros AA. são comproprietários, na proporção de 1⁄4 cada um, dos prédios supra identificados, tendo adquirido os seus direitos de compropriedade por efeito do contrato de doação feito pela terceira A., mãe de ambos. O R., com quem a terceira A. viveu em união de facto até Agosto de 2005, é comproprietário, na quota de 1⁄2, dos prédios urbanos referidos. A terceira A., por seu turno, é usufrutuária, na quota de 1⁄2, dos prédios urbanos descritos, tendo a reserva de propriedade sido aposta no contrato de doação de 1⁄2 da propriedade de raiz aos dois primeiros AA. Em acção proposta contra as aqui primeira e terceira AA., que correu termos na 1ª Vara do extinto Tribunal do Porto, sob o nº 68/11.4TVPRT, o aqui R. reconheceu expressamente que ele e a terceira A. são comproprietários dos prédios urbanos identificados. Por outro lado, o aqui R. instaurou contra o segundo e terceira AA. um procedimento cautelar, no 3º Juízo de Competência Cível da Comarca de Loulé, que correu termos com o nº 1716/13.0TBLLE, em que requereu a regulação provisória do uso da casa de …. e no qual reconheceu expressamente que são proprietários do imóvel ele próprio e os aqui primeira e segundo AA., sendo a terceira A. usufrutuária. Contudo, o aqui R., em acção proposta contra os aqui AA., que deu origem ao processo nº 219/14.7TVPRT, pendente na 1ª Secção Cível da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, arroga-se proprietário pleno exclusivo dos referidos prédios urbanos. Desde 2003 até Março de 2014, a fracção autónoma da Rua …, no Porto, esteve arrendada a terceiros, sendo a renda repartida em partes iguais entre a terceira A. e o R. A última renda recebida era de € 1.600,00 mensais, cabendo € 800,00 à terceira A., sendo a outra metade entregue ao R., deduzida de despesas inerentes à posse e conservação do apartamento (como condomínio, arranjos e consertos), na mesma proporção, uma vez que eram adiantadas pela terceira A. ou deduzidas à renda entregue pelos inquilinos, no caso de consertos. Desde finais de 2013, o R., no quadro do litígio que o separa dos AA., levou o arrendatário a pôr fim ao arrendamento. Em Março de 2014, o R. substituiu a fechadura do imóvel do Porto, sem autorização e conhecimento dos AA., e instalou-se na fracção, aí passando a residir. No início de Agosto de 2014, a terceira A., insurgindo-se contra a ocupação abusiva da fracção autónoma, comunicou ao R., por carta registada, a sua vontade de também usá-la na modalidade de arrendamento a terceiro, com repartição da renda obtida em proporção das quotas de compropriedade. O R. respondeu negativamente, arrogando-se a propriedade exclusiva da fracção. Segundo os valores correntes no mercado, a fracção de que a requerente é usufrutuária tem um valor locativo não inferior a € 1.600,00 mensais.

O R. contestou, alegando, em síntese, que se verifica litispendência com a acção nº 219/14.7TVPRT, que corre termos na 1ª Secção Cível, J-6, pois o que os AA. pretendem discutir nestes autos já se encontra em litígio naquela outra acção, interposta em primeiro lugar. Mais invocou a falta de interesse em agir da parte dos AA. e que os imóveis em causa constituem seus bens próprios, adquiridos através dos rendimentos e/ou recursos financeiros exclusivamente seus, provindos da actividade profissional e/ou comercial que exercia. O registo a favor da terceira A. deveu-se exclusivamente a questões de ordem profissional e a litígios então pendentes contra si. Não tendo a terceira A. o direito de propriedade sobre os imóveis não os podia ter doado nem reservar para si o usufruto. Aceitou estar a ocupar o imóvel do Porto desde Março de 2014 e alegou que, sendo proprietário do imóvel, não lhe pode ser exigido que se abstenha de aí viver, tanto mais que os AA. não carecem de habitação. Por outro lado, estando o usufruto instituído a favor da terceira A., não pode a primeira A. pedir qualquer indemnização. Pediu a condenação dos AA. como litigantes de má fé em multa e indemnização, que computa em € 6.000,00.

Respondendo à matéria das excepções, rejeitaram os AA. a litispendência e a falta de interesse em agir e defenderam a improcedência do pedido da sua condenação como litigantes de má fé.

Realizada tentativa de conciliação, que se frustrou, foram as partes notificadas para a decisão do mérito da causa se efectuar no saneador, precedida de uma perícia, que foi realizada.  

Por despacho saneador de fls. 642, foi julgada improcedente a excepção de litispendência e, quanto ao mérito, foi pronunciada a seguinte decisão:

«Pelo exposto, considero inexistir interesse em agir dos autores relativamente aos pedidos formulados sobre as alíneas a) a c) da petição inicial e absolvo o réu da instância quanto aos mesmos;

Considero parcialmente procedente a ação quanto aos pedidos formulados sobre as alíneas d) e e) da petição inicial e condeno o réu a pagar à autora usufrutuária a quantia de €800,00 por cada mês de ocupação do imóvel sito na …, contados desde agosto de 2014 até hoje, bem como as quantias que se vencerem, à razão de €800,00 mensais, enquanto durar a ocupação exclusiva pelo comproprietário réu do citado imóvel.

Considero improcedente o pedido de condenação dos autores como litigantes de má-fé e deles o absolvo.»

Inconformado, o R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação …, pedindo a modificação da decisão relativa à matéria de facto e a revogação da decisão recorrida.

Interpuseram os AA. recurso subordinado, pedindo a revogação parcial da decisão recorrida, julgando-se inteiramente procedente a acção.

    Por acórdão de fls. 847 foi alterada a alínea J) dos factos provados, e, a final, foi proferida a seguinte decisão:

“Na defluência do relatado, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em dar procedência ao recurso e, revogando a decisão apelada, em consequência, declarar que:

1. os dois primeiros autores, AA e BB, são comproprietários, na proporção de 1⁄4 cada um, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, freguesia de …, sob o nº 4…/2003…-AP, correspondente à fração autónoma designada pela letra AP, habitação 8.1, tipo T5, que integra o 8º andar do prédio constituído em propriedade horizontal, situado na …, Porto, com entrada pelo nº 138-A;

2. os dois primeiros autores, AA e BB, são comproprietários, na proporção de 1⁄4 para cada um, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé, sob o nº 40, correspondente a apartamento situado no Aldeamento de …, em Vilamoura, Rua …, casa nº …;

3. a terceira autora, CC, é usufrutuária, na proporção de 1⁄2, dos prédios urbanos identificados nos dois pontos anteriores;

4. no mais improcede a ação, absolvendo o réu dos restantes pedidos deduzidos;

5. as custas da ação e do recurso são suportadas por autores e réu, na proporção do decaimento.”


2. Vem a A. CC interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

“a) Existe, como foi expressamente confessado pelo recorrido na contestação, um acordo entre ele e a ora recorrente quanto ao uso da fracção de que se trata nos autos - acordo que consiste, precisamente, no arrendamento a terceiro com partilha da renda paga por este.

b) Acordo esse que, depois de cumprido pelo recorrido ao longo de mais de uma década, foi por ele violado em 2014, quando unilateralmente pôs fim ao arrendamento e, mudando a fechadura, passou a ocupar a fracção directa e exclusivamente, nela habitando.

c) Ocupação que, precisamente por isso (a violação do acordo quanto à regulação do uso), é ilícita.

d) O recorrido proibiu a recorrente do uso simultâneo da fracção autónoma, impedindo-lhe o acesso - o que também determina a ilicitude da sua ocupação exclusiva.

e) Facto que determina também, só por si, a ilicitude da ocupação exclusiva do réu.

f) A solução adoptada pelo acórdão recorrido, em vez de pacificar a relação entre as partes, cria, objectivamente, condições favoráveis ao desacato e à violência, na medida em que força à coabitação duas pessoas separadas por uma “relação” azeda de inimizade e ressentimento prolongados.

g) Ora, como salientam Pires de Lima e Antunes Varela, “a nenhum dos comproprietários [ou dos usufrutuários da compropriedade] pode ser imposto o dever de co-habitar com os outros (...)”.

h) O que significa que a possibilidade do uso simultâneo da coisa não se afere apenas segundo o critério das suas “condições materiais”, sendo também relevante a sua função e o tipo do uso: uma coisa é um armazém ou um terreno agrícola; outra coisa é uma fracção autónoma destinada a habitação, uso a que é inerente uma esfera de privacidade e de intimidade, assim como a ausência de estranhos.

i) Daí que, segundo os mesmos autores, “(...) o único recurso a adoptar, na falta de acordo, será o do gozo indirecto, que consistirá, em regra, na locação da coisa, com a consequente repartição dos proventos dela entre os consortes”.

j) Ao contrário do que parece inculcar o acórdão recorrido, a recorrente nem sequer se opõe a que o recorrido use exclusivamente a fracção autónoma, nela habitando conforme lhe aprouver (desde que o faça dentro dos padrões de um uso regular e prudente).

k) A única e singela pretensão da recorrente é apenas a de, pacifica e ordeiramente, receber a compensação correspondente ao direito de gozo que lhe assiste.

l) O acórdão recorrido viola as normas dos arts. 1406.º/1 e 483.° do CC.

Termina pedindo a revogação do segmento impugnado do acórdão recorrido, mantendo-se, na parte correspondente, a condenação constante da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância (a qual dispunha o seguinte: “condeno o réu a pagar à autora usufrutuária a quantia de €800,00 por cada mês de ocupação do imóvel sito na Rua …, contados desde agosto de 2014 até hoje, bem como as quantias que se vencerem, à razão de €800,00 mensais, enquanto durar a ocupação exclusiva pelo comproprietário réu do citado imóvel.”).


O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

“I - A decisão do Tribunal da Relação, ora recorrida, revogou, decisão da 1ª Instância.

II - Não tem qualquer razão a recorrente nas pretensões que suscita.

III - Improcedem em absoluto e sem qualquer margem as conclusões deduzidas pela recorrente.

IV - Nas suas alegações e conclusões, os recorrentes desenvolvem apenas ilações e juízos de valor que contrariam a Lei.

V - A decisão recorrida, não violou as normas indicadas pelos recorrentes, nem quaisquer outras.

VI - Pelas razões invocadas não existe, à data, nenhum acordo sobre a utilização por um qualquer dos comproprietários, nem essa questão alguma vez se colocou entre as partes.

VII - Pelo que, a ocupação do imóvel pelo R é lícita.

VIII - O R nunca impediu o uso do imóvel por parte da A.

IX - Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.”

Termina pedindo que se negue provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Cumpre decidir.


3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias):

A) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, inscrito sob o no 4…/2003…-AP, freguesia de …, um prédio urbano, correspondente à fração autónoma designada pela letra AP, habitação 8.1, tipo T5, que integra o 8º andar do prédio constituído em propriedade horizontal situado na rua …, Porto, com entrada pelo no 138-A, inscrito na matriz predial sob o artigo 4…0 NIP, com o valor patrimonial de €365.260,00.

B) A propriedade do prédio referido em A) encontra-se inscrita na proporção de 1⁄4 a favor da autora AA, 1⁄4 a favor do autor BB, e de 1⁄2 a favor do réu DD, estando constituído usufruto sobre 1⁄2 a favor da autora CC.

C) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé, freguesia de …, inscrito sob o nº 5…9/2009…4, um prédio urbano consistente em casa situada no Aldeamento de …, em V…, com a área total de 72,4 metros.

D) A propriedade do prédio referido em C) encontra-se inscrita na proporção de 1⁄4 a favor da autora AA, de 1⁄4 a favor do autor BB, e de 1⁄2 a favor do réu DD, estando constituído usufruto sobre 1⁄2 a favor da autora CC.

E) Em 29 de maio de 2012 foi celebrada uma escritura pública de doação com reserva de usufruto, em que foram outorgantes os aqui autores, nos termos e com o conteúdo constantes de fls. 58 a 61.

F) Em ação proposta contra as aqui primeira e terceira autoras, que correu termos na então 1ª Vara Cível da Comarca do Porto, sob o no 68/11.4TVPRT, no artigo 208º da petição inicial, o autor reconhecia expressamente que ele e a autora eram comproprietários dos prédios urbanos identificados, nos termos constantes a fls. 119 destes autos.

G) O aqui réu instaurou contra os ora segundo e terceiro autores, um procedimento cautelar, que deu origem, no 3º Juízo de Competência Cível da Comarca de Loulé, ao processo nº 1716/13.0TBLLE, em que requeria a providência de regulação provisória do uso da casa de V..., sendo que na conclusão do requerimento do referido procedimento cautelar, o ora réu, no pedido objeto da respetiva alínea a), reconheceu expressamente que “são proprietários do imóvel o requerente (ele próprio, aqui réu) e o segundo e terceiro requeridos (os aqui 1º e 2º autores), sendo a primeira requerida (a aqui terceira autora) usufrutuária.”, nos termos constantes a fls. 164 destes autos.

H) O réu, em ação proposta contra os aqui autores, que deu origem ao processo nº 219/14.7TVPRT, pendente na 1ª secção cível desta Instância Central, arroga-se proprietário pleno e exclusivo dos prédios urbanos descritos, nos termos constantes.

I) O réu ocupa o imóvel sito na Rua … desde março de 2014, até então arrendado a um terceiro.

J) O valor locativo mensal de mercado da fração sita na Rua … é de €1.600,00 [alterado pela Relação].

K) Em 31 de julho de 2014, a terceira autora comunicou ao réu, através de carta registada com aviso de receção, que pretendia usar a fração sita no Porto, dando-a de arrendamento a terceiro, nos termos constantes a fls. 172 dos autos.


4. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas conclusões do mesmo. Assim, no presente recurso está em causa a seguinte questão:

- Direito da A. Recorrente CC a uma compensação correspondente à quantia de € 800,00 por cada mês de ocupação do imóvel sito na Rua …, contada desde Agosto de 2014, bem como às quantias que se vencerem, à razão de € 800,00 mensais, enquanto durar a ocupação exclusiva pelo comproprietário R. do citado imóvel.


5. O objecto do presente recurso está circunscrito à questão da atribuição à Recorrente, na qualidade de usufrutuária da fracção autónoma descrita no ponto A) dos factos provados, de uma compensação pelo uso exclusivo de tal fracção pelo comproprietário R., uma vez que a Recorrente expressamente se conformou com este uso, ao declarar que “a recorrente nem sequer se opõe a que o recorrido use exclusivamente a fracção autónoma, nela habitando conforme lhe aprouver (desde que o faça dentro dos padrões de um uso regular e prudente)”.

       Pretende a Recorrente que a invocada compensação se funda no desrespeito pelo acordo sobre o uso da coisa existente entre Recorrente e Recorrido, acordo que, segundo alega, consiste precisamente no arrendamento a terceiro com partilha da renda paga por este; acordo que, “depois de cumprido pelo recorrido ao longo de mais de uma década, foi por ele violado em 2014, quando unilateralmente pôs fim ao arrendamento e, mudando a fechadura, passou a ocupar a fracção directa e exclusivamente, nela habitando.”

        Contra, pugna o Recorrido pela inexistência de acordo quanto ao uso da coisa comum.

         Vejamos.

      Efectivamente existia um acordo entre Recorrente e Recorrido para o uso do imóvel descrito no ponto A) dos factos provados, consistindo na locação a terceiro com a repartição entre eles do valor obtido, após dedução de encargos e despesas.

     Porém, não está aqui em causa uma compensação pelo desrespeito por esse acordo, mas sim uma compensação pelo uso da coisa comum em exclusivo pelo Recorrido. Não existindo qualquer acordo entre Recorrente e Recorrido sobre tal uso exclusivo por este último, notificaram-se as partes para se pronunciarem quanto à possibilidade de a questão da pretendida compensação ser decidida segundo juízos de equidade, nos termos do art. 1407º, nº 2, do Código Civil, relativo à administração da coisa comum.

    Veio a Recorrente declarar entender não ser aqui aplicável o regime do art. 1407º do CC, antes sendo-lhe devida a uma indemnização “em cuja apreciação se aplicam os critérios normativos relativos ao uso de coisa comum, segundo o disposto no art. 1406º CC”, mas que, de qualquer forma não se opõe a fixação equitativa nos termos do art. 566º, nº 3, do mesmo Código.

      Por sua vez o Recorrido limitou-se a defender ser de negar à Recorrente qualquer compensação.

        

      Tendo o acórdão recorrido concluído pela licitude da utilização da fracção autónoma pelo Recorrido, e não estando previsto, neste domínio, responsabilidade civil por facto lícito, não pode fixar-se uma verdadeira e própria indemnização a favor da Recorrente (pedido e) da p.i.).

       Tal como o acórdão recorrido, considera-se aplicável à situação dos autos – atento o conteúdo do direito de usufruto de que a Recorrente é titular (cfr. art. 1446º do CC) – o regime dos arts. 1406º e 1407º do Código Civil .

Tendo em conta que o Recorrido é proprietário da fracção autónoma na proporção de metade e que a Recorrente é usufrutuária da outra metade, não é possível fazer funcionar o critério da maioria (art. 1407º, nº 1, do CC) quanto à decisão sobre a forma de administrar a coisa comum. O respectivo nº 2 prevê que, assim sendo, o tribunal decida segundo juízos de equidade. Fazendo uso desta faculdade, entende-se ser justo e adequado atribuir à Recorrente uma compensação pelo uso exclusivo da coisa pelo Recorrido, correspondente à quantia de € 800,00 por cada mês de ocupação da fracção autónoma descrita no ponto A) dos factos provados; quantia que, atentos os termos do peticionado (pedido subsidiário da alínea d) da p.i.), apenas pode ser contada desde Outubro de 2014; e que é devida enquanto durar a ocupação exclusiva do dito imóvel pelo comproprietário Recorrido.


6. Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, condenando-se o R. a pagar à A. CC uma compensação correspondente à quantia de € 800,00 (oitocentos euros) por cada mês de ocupação da fracção autónoma descrita no ponto A) dos factos provados, desde Outubro de 2014 e enquanto durar a ocupação exclusiva pelo comproprietário R. do citado imóvel.


Custas do recurso na proporção de 1/10 para a Recorrente e de 9/10 para o Recorrido.


Lisboa, 27 de Setembro de 2018


       

Maria da Graça Trigo (Relatora)


Maria Rosa Tching


Rosa Maria Ribeiro Coelho