Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4007/20.3T8MTS.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS
Descritores: CÓDIGO DO TRABALHO
CONCURSO DE NORMAS
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
NORMA IMPERATIVA
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

I- No caso de concurso entre as normas constantes do Código do Trabalho e as disposições dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho, a lei permite a intervenção destas últimas, quer em sentido mais favorável aos trabalhadores, quer em sentido menos favorável, apenas se exigindo que as normas do Código do Trabalho não sejam imperativas.


II- Sendo-o, não é permitida a intervenção das normas dos instrumentos de regulamentação coletiva.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 4007/20.3T8MTS.P1.S1


Recurso revista


Relator: Conselheiro Domingos Morais


Adjuntos: Conselheiro José Eduardo Sapateiro


Conselheiro Mário Belo Morgado


Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.Relatório


1. - AA intentou acção com processo declarativo comum, contra


Associação GPL – Empresa de trabalho Portuário do Douro e Leixões, pedindo:


Ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 79.414,47 (setenta e nove mil quatrocentos e catorze euros e quarenta e sete cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento”, reportada aos anos de 2005 a 1019, a título de retribuição de férias e do subsídio de férias relativa à média de trabalho suplementar prestado nesses anos.


2. - A Ré contestou, alegando que “Nos termos da cláusula 67.ª do CCT, o Autor não tem qualquer direito a ver considerada a média de trabalho suplementar pago por trabalho prestado ao sábado, domingo e feriados no apuramento dos montantes devidos a título de retribuição de férias e do subsídio de férias, razão pela qual o seu pedido de pagamento de créditos salariais daí decorrente deverá ser julgado totalmente improcedente.”.


3. - Na 1.ª Instância foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:


“(J)ulgo parcialmente procedente o pedido formulado nos autos, pelo que condeno a ré a pagar ao autor:


a) a quantia global de € 5.046,62 relativa à repercussão da média anual do subsídio de isenção de horário de trabalho no subsídio de férias dos anos de 2005 a 2009;


b) os juros de mora à taxa de 4% até efetivo pagamento e calculados:


- desde o dia 29/7/2005 sobre a quantia de €957,64;


- desde o dia 31/7/2006 sobre a quantia de €981,11;


- desde o dia 28/6/2007 sobre a quantia de €1.010,54;


- desde o dia 31/7/2008 sobre a quantia de €1.040,85; e


- desde o dia 31/7/2009 sobre a quantia de €1.056,48.”.


4. - O Tribunal da Relação acordou:


A. Quanto ao recurso principal, interposto pelo Autor, AA, julgá-lo improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.


B. Quanto ao recurso subordinado, interposto pela Ré, Associação GPL – Empresa de Trabalho Portuário do Douro e Leixões, julgá-lo parcialmente procedente, em consequência do que se decide revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia global de “€5.046,62 relativa à repercussão da média anual do subsídio de isenção de horário de trabalho no subsídio de férias dos anos de 2005 a 2009”, a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia global €71.34 relativa à integração, nos subsídios de férias de 2007 e de 2009, do subsídio de isenção de horário de trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das quantias em dívida até integral pagamento e, no mais absolvendo-se a Ré do pedido.”.


5. - O Autor interpôs recurso de revista excepcional, concluindo, em síntese:


A entrada em vigor do CT de 2003 não teve por efeito convalidar normas dos instrumentos de regulamentação colectiva que eram nulas no momento em que foram publicadas, por força do estipulado no artº.14º do Decreto Preambular da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto.


Conjugando o constante da Exposição de Motivos, com o disposto nos artºs.13º e 14º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, a única conclusão plausível é no sentido de que o legislador quis dar oportunidade às partes contratantes de convenções colectivas de porem fim àquelas que se mostrassem desadequadas ao, então, novo Código do Trabalho, e negociarem novas convenções adaptadas ao novo regime legal.


Como incentivo para esse fim específico, o legislador criou a possibilidade de as disposições nulas face ao “novo” Código do Trabalho de 2003 poderem vigorar durante mais um ano, tendo, contudo, imposto como limite a impossibilidade de convalidação das disposições que eram nulas durante a vigência da legislação revogada com a entrada em vigor do Código do Trabalho.


Para incentivar a celebração de novas convenções colectivas ao abrigo do Código do Trabalho de 2003, impediu expressamente que as normas daquelas que eram nulas antes do início da vigência do dito Código, se pudessem convalidar, mesmo nos casos em que respeitassem as normas deste último.


Tendo em atenção o disposto no art.º 9º, nºs.1 e 2 do Código Civil, a única forma de interpretar o art.º 14º, nº 2, da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, é no sentido de que as disposições de convenções colectivas que eram nulas face ao anterior regime, continuaram a sê-lo enquanto não foram objecto de alteração após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003.


Sendo nulas, tal nulidade era passível de ser invocada por todo e qualquer trabalhador a quem as mesmas se aplicassem, independentemente do momento em que tal invocação fosse efectuada, pois o legislador não fez qualquer tipo de ressalva quanto a essa matéria, ao contrário do que se verificou com as disposições constantes de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que dispusessem de modo contrário às normas imperativas do Código do Trabalho de 2003.


Se depois da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, as partes subscritoras do CCT publicado no BTE nº 6, de 15/02/1994 entenderam que o mesmo deveria vigorar nos exactos termos que vigorou até à entrada em vigor do referido Código, então as mesmas aceitaram, e conformaram-se com manutenção do regime vigente até então, isto é, as normas que anteriormente eram nulas mantinham-se inválidas e ineficazes.


Sendo inválidas e ineficazes as normas do CCT anteriores à data da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, todos aqueles a quem as mesmas eram aplicadas beneficiavam do regime previsto na lei, independentemente da data em que as referidas normas lhes começaram a ser aplicadas, pois o legislador refere apenas e tão a impossibilidade de convalidação das normas dos IRCT que violassem normas imperativas anteriores à data da entrada em vigor do dito Código do Trabalho. (cfr. Conclusões de L a LVII).


6. - Por Acórdão de 13.09.2023 na Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3 do CPC, foi admitida a revista excepcional, por considerado verificado o requisito do artigo 672.º, n.º 1, alínea c) do mesmo diploma: contradição de acórdãos.


7. - O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência da revista excepcional.


8. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II.Fundamentação de facto


1. - À matéria de facto dada como provada na 1.ª instância, que aqui se dá por reproduzida, a 2.ª instância aditou:


61. A Ré não repercutiu, na retribuição de férias e no subsídio de férias, a média anual do auferido pelo A. pelo trabalho suplementar prestado.”


II.Fundamentação de direito


1. - Questão prévia:


Nas conclusões do recurso de revista excepcional, o Autor alega que “A entrada em vigor do CT de 2003 não teve por efeito convalidar normas dos instrumentos de regulamentação colectiva que eram nulas no momento em que foram publicadas, por força do estipulado no artº.14º do Decreto Preambular da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto.”.


No acórdão recorrido pode ler-se: “Alega o Recorrente que o CCT de 1994, até ao CT/2003, violava o regime legal imperativo relativo à retribuição de férias e subsídio de férias, pelo que, por ser mais favorável, era este o regime legal o aplicável, não tendo a entrada em vigor do CT/2003 por efeito convalidar normas dos IRCT que eram nulas no momento em que foram publicadas – art. 14º do diploma preambular da Lei 99/2003.


Tal argumento não foi invocado pelo A. em sede de 1ª instância, nem foi por esta abordado. (…) e salientando-se que os pedidos formulados nos autos se reportam ao período desde janeiro de 2005, é perante os CT/2003 e CT/2009 que deverá ser aferida, como foi, a validade das clªs em causa.”.


Será, pois, neste contexto jurídico normativo que apreciaremos o objecto do recurso da revista excepcional.


2. - Do objeto do recurso da revista excepcional.


- Saber se, face aos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009, a contratação coletiva pode, ou não, dispor em sentido mais desfavorável ao trabalhador quanto ao valor da retribuição pagável a título de férias e do subsídio de férias. E, em particular, no caso dos autos, se os valores médios de retribuição por trabalho suplementar devem ou não ser reflectidos na retribuição das férias e do subsídio de férias.


3. - Na apreciação jurídica da questão suscitada nos autos devem considerar-se os seguintes diplomas:


- DL n.º 280/93, de 13.08, alterado pela Lei n.º 3/2013, de 14.01, [regime jurídico do trabalho portuário];


- Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969 [L.C.T.];


- Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de dezembro, com as alterações conferidas pelo Decreto-Lei n.º 397/91, de 16 de outubro, e pela Lei n.º 118/99, de 11 de agosto [férias, feriados e faltas];


- Código do Trabalho de 2003;


- Código do Trabalho de 2009;


E os seguintes instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho:


- Contrato Colectivo Trabalho BTE n° 6, de 15 de fevereiro de 1994;


- Contrato Colectivo Trabalho BTE n.º 20, de 29 de maio de 2012 [Contrato coletivo celebrado entre a Associação GPL - Empresa de Trabalho Portuário do Douro e Leixões, a Associação dos Operadores Portuários dos Portos do Douro e Leixões e o Sindicato dos Estivadores, Conferentes e Tráfego dos Portos do Douro e Leixões].


- Contrato Colectivo Trabalho BTE nº 34, de 15 de setembro de 2014.


- Contrato Colectivo Trabalho BTE nº 20, de 29 de maio de 2019.


4. - Na sentença da 1.ª instância pode ler-se:


“(…).


Resulta assim dos preceitos contidos no Código do Trabalho (quer no de 2003, quer no de 2009) que a regulamentação coletiva pode validamente dispor em sentido diferente do das normas legais - seja em sentido mais favorável, seja em sentido menos favorável aos trabalhadores -, desde que estas últimas o não proíbam. (…), e considerando que os arts. 255º do CT/2003 264º do CT/2009 não proíbem, absoluta ou relativamente, a possibilidade de regulamentação coletiva sobre o modo de cálculo do subsídio de férias, considero como válida a cláusula 47.º (1) do CCT de 1994 e a cláusula 67º da sua revisão global de 2012.


Em consequência, entendo que o autor não tem o direito a ver incluído no subsídio de férias a média anual das quantias auferidas a título de subsídio de colocação prolongada ou de trabalhado suplementar.”.


[(1) Como é referido no acórdão recorrido, “A referência à clª 47ª do CCT de 1994 deverá ter-se ficado a dever a lapso manifesto de escrita. A clª em causa é a 42ª, nº 4”].


4. - No acórdão recorrido foi consignado:


«3.1. Ao caso é aplicável o DL 280/93, de 13.08, alterado pela Lei 3/2013, de 14.01, que estabelece o regime jurídico do trabalho portuário, em cujo art. 3º [na redação introduzida por essa Lei] se diz que aos trabalhadores portuários é aplicável tal diploma, bem como o Código do Trabalho e demais legislação do trabalho. (Na redação original dizia-se que “As relações laborais entre trabalhadores do efectivo dos portos e as respectivas empregadoras regem-se pelo disposto no presente diploma e pelas regras aplicáveis ao contrato individual de trabalho e demais legislação de trabalho”).


E, tendo em conta a data dos factos em apreço e a que se reportam os pedidos formulados (período de janeiro de 2005 a junho de 2019), é aplicável, até 16.02.2009, o Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27.08 (CT/2003) e a partir de 17.02.2009, o Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02 (CT/2009).


É também aplicável à relação laboral mantida entre as partes o CCT celebrado entre a Associação dos Operadores Portuários de Leixões e outra e o Sindicato dos Estivadores, Conferentes e Tráfego dos Portos do Douro e Leixões, no qual o A. era filiado, publicado no B.T.E. nº 6, de 15/02/94, alterado no BTE nº 42, de 15.11.1998 e objeto de revisão global publicada no BTE nº 20, de 29.05.2012, com as alterações publicadas nos BTE`s n.ºs 34, de 15.09.2014, 20, de 29.05.2018, e 20, de 29.05.2019, no que as partes estão de acordo.


3.2. Na sentença recorrida considerou-se, e bem, que o pagamento do trabalho
suplementar referido na matéria de facto provada, desde 2005 a 2019, tem natureza retributiva. Com efeito, o pagamento consubstancia contrapartida desse trabalho, tendo sido auferido de modo constante, regular e periódico: foi pago em todos os 12 meses de cada um dos anos, com exceção dos anos de 2012 e 2015, mas em que foi pago em 11 meses. Quanto ao ano de 2017, foi, é certo, pago em 8 meses, sendo que, todavia, nos restantes 4 meses – de setembro a outubro de 2015-, apenas não o foi por virtude da situação excecional de o A. ter estado de baixa médica e, em 2019, foi pago de janeiro a junho, sendo que o contrato de trabalho cessou a 30 de junho desse ano – cfr. nºs 9, 14, 17, 20, 23, 26, 29, 32, 35, 38, 41, 44, 47, 50 e 53 dos factos provados. Tal não exclui, todavia e dada sua excecionalidade, a permanência e constância da prestação de trabalho suplementar e sendo que, no ano da cessação do contrato, o mesmo foi trabalhou em todos os meses enquanto não cessou.


Tal pagamento face quer aos CT/2003 (art. 249º, nº 2) e CT/2009 (art. 258º), quer à contratação coletiva que dispõe, quanto ao conceito de retribuição, de forma similar aos citados preceitos do Código, consubstancia pois prestação que integra a retribuição do A, mostrando-se, pois, desnecessárias considerações adicionais relativas à natureza retributiva de tais pagamentos. Aliás, a sentença, na parte em que considerou ter o pagamento do trabalho suplementar natureza retributiva, não foi impugnada em sede de recurso, pelo que, nessa parte, transitou em julgado.


(…).


Concordamos, no essencial, com as considerações transcritas (da sentença recorrida), sendo de acrescentar que, no mesmo sentido, se voltou o STJ a pronunciar no Acórdão de 27.10.2021 (Proc. 10818/19.5T8LSB.L1.S1), in www.dgsi.pt de cujo sumário consta que: “I - Em caso de concurso entre as normas constantes do Código do Trabalho/2003 e do Código do Trabalho/2009 e as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva, a lei permite a intervenção destas últimas, quer em sentido mais favorável aos trabalhadores, quer em sentido menos favorável, apenas se exigindo que as normas do Código do Trabalho não sejam imperativas, pois se o forem, nunca se permitirá a intervenção das normas da regulamentação colectiva. II - Tendo sido acordado no AE aplicável que durante as férias, e no subsídio de férias, o trabalhador recebia uma retribuição constituída pela retribuição base e diuturnidades, não integrando a média das componentes retributivas constituída pelo subsídio de disponibilidade, são essas as normas a aplicar e não as regras constantes do Código do Trabalho, independentemente de serem, ou não, mais favoráveis para o trabalhador” e em cujo texto se refere o seguinte:


“No que respeita à retribuição de férias e subsídio de férias considerou o acórdão recorrido que as pretensões dos Autores atinentes a férias e subsídios de férias a partir do ano de 2008 até 2017 improcedem na medida em que o regime convencional constante da cláusula 44ª do AE 2008 e bem assim do AE de 2013, restringe a base de cálculo da retribuição de férias e subsídio de férias ao valor da retribuição base e diuturnidades, regime esse que considerou ser o aplicável.


E, como em situação de contornos semelhantes se afirmou no aresto anteriormente citado de 21.9.2017 que aqui, mutatis mutandis, se seguirá de perto, bem se andou.


Efectivamente, o artigo 4º, nº 1, do CT, aprovado pela Lei 99/2003, veio alterar a regra de prevalência de normas constante do artigo 13º da LCT, estatuindo que as normas do Código do Trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.


É assim inequívoco que em caso de concurso entre as normas constantes do Código do Trabalho e as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva, a lei permite a intervenção destas últimas, quer em sentido mais favorável aos trabalhadores, quer em sentido menos favorável, apenas se exigindo que as normas do Código do Trabalho não sejam imperativas, pois se o forem, nunca se permitirá a intervenção das normas da regulamentação colectiva.


Trata-se duma solução diversa da que foi seguida no artigo 13º da LCT, que apenas permitia a intervenção das normas hierarquicamente inferiores quando eram mais favoráveis ao trabalhador.


Para esta mudança legislativa relevou a ideia de que tratando-se dum instrumento de regulamentação colectiva de natureza negocial, e estando os trabalhadores representados pelos sindicatos, fica assim garantido o contraditório negocial, a liberdade de negociação e o equilíbrio das soluções encontradas.


Por isso, devem as normas da contratação colectiva prevalecer sobre a lei geral, que apenas se imporá quando estabeleça um regime absolutamente imperativo.


No caso presente, o Código do Trabalho estabelece no artigo 255º, nº 1, que a retribuição nas férias corresponde à que o trabalhador receberia como se estivesse em serviço efectivo.


E quanto ao subsídio de férias, compreenderá a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da prestação do trabalho (nº 2).


Ora, ainda que da aplicação destas regras resultasse um regime mais favorável para osAA., não se tratando de normas absolutamente imperativas, terá a situação que ser resolvida de acordo com o que se acordou na contratação colectiva.


Concluímos assim, que são de aplicar ao caso as normas do AE e não as regras constantes do Código do Trabalho.


E, face ao regime do AE aplicável, é inequívoco que as partes contratantes quiseram que durante as férias o trabalhador recebesse uma retribuição calculada de acordo com o disposto na cláusula 44ª, nº 1, i. e., correspondente ao valor da retribuição base, esta fixada na cláusula 25ª do AE, e diuturnidades, o mesmo se passando em relação aos subsídios de férias (44ª, nº 2).”.


5. - No sentido de que os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho podem dispor, validamente, em sentido diferente de preceitos dos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009 - quer em sentido mais favorável, quer em sentido menos favorável aos trabalhadores -, desde que tais preceitos o não proíbam, o Supremo Tribunal de Justiça voltou a pronunciar-se, recentemente, nos Acórdãos de 23.06.2023, proc. n.º 17605/21.9T8LSB.L1.S1, 4.ª secção, e de 07.07.2023, proc. n.º 16462/21.0T8LSB.L1.S1, 4.ª secção, ambos in www.dgsi.pt.


No Acórdão do STJ de 23.06.2023, pode ler-se: “a remuneração por trabalho suplementar pago, pelo menos, em 11 meses por ano, integra a retribuição do trabalhador e deverá refletir-se no pagamento das férias e dos subsídios de férias dos trabalhadores do sector portuário, à luz dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, com exceção do período em que a vigência do Contrato Coletivo de Trabalho para o sector, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 6, de 15 de fevereiro de 1994, coincidiu com a dos Códigos do Trabalho, sobre eles prevalecendo nesta matéria, (…).”. (negrito e sublinhado constam do trecho transcrito).


Por sua vez, no Acórdão de 07.07.2023 foi consignado: “se é verdade que o artigo 4.º do Código do Trabalho de 2003, ao dispor que as normas desse Código podiam ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultasse o contrário, alterou a regra de prevalência de normas, constante do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) - que apenas permitia a intervenção das normas hierarquicamente inferiores quando eram mais favoráveis ao trabalhador -, também é certo que o artigo 11.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho de 2003, dispunha: “1 - A retribuição auferida pelo trabalhador não pode ser reduzida por mero efeito da entrada em vigor do Código do Trabalho.”.


Com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, em 17 de fevereiro de 2009, que não contem a limitação imposta pelo artigo 11.º do decreto preambular da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, passaram a valer em pleno as disposições do Código do Trabalho de 2009, que regulam o direito às férias, subsídio de férias e subsídio de natal, em particular quanto à sua forma de cálculo no que reporta à prestação complementar do trabalho suplementar, com excepção dos anos de 2010 a 2014, ano da caducidade do CCT de 1994, (…).”.


6. - O Contrato Colectivo de Trabalho BTE n° 6, de 15 de fevereiro de 1994, dispunha:


- Cláusula 42.ª: 1. Os trabalhadores abrangidos pelo presente contrato terão direito a gozar, em cada ano civil, sem prejuízo da retribuição, um período de férias correspondente a 22 dias úteis (...). 4. A retribuição a que se refere o nº 1 será paga no início das férias e integrará, além da remuneração base correspondente, as diuturnidades, subsídio de turno, subsídio de isenção de horário de trabalho e subsídio global nos termos previstos neste contrato, ficando excluídas todas e quaisquer outras prestações remuneratórias que não estejam previstas para o efeito neste contrato.


- Cláusula 61.ª: “1. Os trabalhadores têm direito anualmente a um subsídio de férias correspondente à retribuição do respectivo período. 2. A retribuição a que se refere o número anterior integrará, além da remuneração base mensal correspondente, o subsídio de turno e diuturnidades, bem como os subsídios previstos nas cláusulas 58ª e 65.ª”. [estas clas 58a e 65a reportam-se ao subsídio de IHT e ao subsídio global].


Por sua vez, o artigo 255.º do CT/2003 estipulava:


1 - A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo.


2 - Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho.”.


E o artigo 262.º do CT/2009 estatui:


1 - Quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base e diuturnidades.”.


O Contrato Colectivo de Trabalho BTE n.º 20, de 29 de maio de 2012, estabelece:


- Cláusula 55.ª, “Às matérias respeitantes à duração, marcação, planeamento e alteração de férias, bem como aos efeitos e ou direitos em casos de suspensão e cessação de contrato, e todas as demais matérias sobre férias contempladas no Código do Trabalho, aplica-se o disposto neste código e na legislação que lhe suceda”.


- Cláusula 67.a, sob a epígrafe Retribuição do período de férias e subsídio de férias: “1. Os trabalhadores têm direito anualmente a um subsídio de férias correspondente à retribuição do respetivo período. 2. A retribuição a que se refere o número anterior integrará a remuneração base mensal correspondente e, se devido, as diuturnidades, o valor do subsídio de turno e por trabalho noturno, bem como o subsídio previsto na cláusula 63.ª”. [Cláusula 63.ª: Retribuição por isenção de horário de trabalho].


As transcritas Cláusulas 55.ª e 67.ª do CCT de 2012 não foram alteradas pelos CCTs de 2014, 2018 e 2019, celebrados pelos mesmos outorgantes.


Decorre, pois, expressamente, do teor da Cláusula 42.ª, n.º 4, do CCT de 1994; e da Cláusula 67.ª, n.º 2, do CCT de 2012 (e CCT seguintes), que a prestação complementar do trabalho suplementar está excluída do cálculo da retribuição pagável a título de férias e do subsídio de férias.


É, assim, incontroverso que em caso de concurso entre as normas constantes do Código do Trabalho e as disposições dos instrumentos de regulamentação coletiva, a lei permite a intervenção destas últimas, quer em sentido mais favorável aos trabalhadores, quer em sentido menos favorável, apenas se exigindo que as normas do Código do Trabalho não sejam imperativas. Se o forem, não será permitida a intervenção das normas da regulamentação coletiva.


Dada a correcta interpretação sistemática, histórica e teleológica (cfr. artigo 9.º do Código Civil) das leis laborais citadas, bem como dos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho aplicáveis, quanto à forma de cálculo da retribuição por férias e subsídio de férias, no período entre 2005 e 2019, no que reporta à prestação complementar do trabalho suplementar, nada a objectar quanto ao decidido no Acórdão recorrido.


IV. - Decisão


Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social julgar improcedente o recurso de revista excepcional do Autor e manter o Acórdão recorrido.


Custas a cargo do Autor.


Lisboa, 08 de fevereiro de 2024


Domingos José de Morais (Relator)


José Eduardo Sapateiro


Mário Belo Morgado