Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
396/2000.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARTINS DE SOUSA
Descritores: EMPRESÁRIO DESPORTIVO
TREINADOR
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO DE MANDATO
COMISSÃO
PAGAMENTO
TERMO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: ANOTAÇÃO DE DANIELA MIRANTE, IN: REVISTA DE DIREITO CIVIL, ANO 3, Nº 1 (2018), P. 241-254
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO DO DESPORTO - CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO / RELAÇÃO LABORAL DESPORTIVA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª edição (reimpressão), 1985, pp. 300 a 302.
- André Dinis de Carvalho, anotação ao “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Abril de 2002 (Recurso n.º 844-A/02) – Notas”, in Desporto & Direito, Ano I, n.º 1, Setembro/Dezembro de 2003, pp. 159 a 176; “A Profissão de Empresário Desportivo – Uma Lei Simplista para uma Actividade Complexa? ”, in Desporto & Direito, Ano I, n.º 2, Janeiro/Abril de 2004, pp. 251 a 275.
- António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, 2009, 3.ª edição, p. 714, 727.
- António Nunes Carvalho, “O Art. 9.º do Código do Trabalho e a Situação Laboral dos Treinadores de Futebol”, in 10 Anos de Desporto & Direito (2003-2013), pp. 315 a 366.
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1985, 2.ª edição, pp. 464/465.
- João Leal Amado, Vinculação versus Liberdade – o processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo, 2002, pp. 488, 494, 497.
- Lúcio Correia, “O Praticante Desportivo Profissional e o Empresário Desportivo na Nova Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto ”, in Desporto & Direito, Ano IV, n.º 11, Janeiro/Abril de 2007, pp. 273 a 283.
- Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 1996, p. 344 e segs.
- Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1993 (reimpressão), p. 207.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, 7.ª edição, pp. 516 e 527, respectivamente.
- Pessoa Jorge, O Mandato sem Representação, reimpressão, 2001, p. 15.
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, 1987, p. 223.
- Rita Lynce de Faria, A Inversão do Ónus da Prova no Direito Civil Português, 2001, p. 12.
- Vaz Serra Provas, ”Direito Probatório Material”, BMJ n.ºs 110, 111 e 112, 1962, pp. 147 e 149, respectivamente.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC). – ARTIGOS 236.º, N.º1, 270.º, 278.º, 342.º, 343.º, N.º3,406.º, 762.º, 798.º, 805.º, N.º2, 806.º, 1154.º, 1155.º, 1156.º, 1157.º, 1161.º, 1167.º, AL. B).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, N.º2 (ACTUAL ART. 608.º, N.º 2, DO NCPC), 664.º, 668.º, N.º 1, AL. D), 690.º.
LEI N.º 28/98, DE 26-06: - ARTIGOS 2.º, AL. D), 22.º, 23.º, 24.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 23-04-2002, PROC. 02A844 E DE 15-11-2011, PROC. N.º 19/08.3TVLSB.L1.S1;
-DE 16-04-2009, PROC. N.º 08B2346; DE 04-11-2010, PROC. N.º 2916/05.9TBVCD.P1.S1; DE 03-02-2011, PROC. N.º 6041/05.4TVLSB.L1.S1, E DE 14-06-2011, PROC. N.º 3222/05.4TBVCT;
-DE 19-11-2009, PROC. N.º 2250/06.7TVPRT.S1, DE 19-10-2010, PROC. N.º 696/07.2TBMTS.P1.S1, DE 14-06-2011, PROC. N.º 3222/05.4TBVCT.S2;
-DE 13-09-2012, PROC. N.º 3737/07.0TBLRA.C1.S1, DE 14-06-2011, PROC. N.º 12290/09.9T2SNT.L1.S1, SUMÁRIOS ACESSÍVEIS EM HTTP://WWW.STJ.PT/JURISPRUDENCIA/SUMARIOS ;
-DE 30-10-2012, PROC. N.º 3313/06.4TVLSB.L1.S1;
-DE 18-12-2012, PROC. N.º 9035/03.0TVLSB.L1.S1.
Sumário :

I - É justificada a apresentação de documentos supervenientes, com as alegações de recurso, com os seguintes fundamentos excepcionais: 1) quando os documentos se destinam a provar factos posteriores aos articulados; 2) quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; e, finalmente, 3) no caso de a sua apresentação apenas se tornar necessária, devido ao julgamento proferido em 1.ª instância.
II - O conceito de questões, mencionado no art. 660.º, n.º 2, do CPC – actual art. 608.º, n.º 2, do NCPC (2013) –, relaciona-se inexoravelmente com a definição do âmbito do caso julgado, dele se excluindo as questões prévias ou prejudiciais ao conhecimento do mérito, bem como os raciocínios, argumentos, razões, considerações, pressupostos ou fundamentos produzidos pelas partes, para a defesa dos seus pontos de vista, que não integram, isoladamente, matéria de decisão jurisdicional.
III - O empresário desportivo desenvolve uma actividade, profissional e remunerada, relevante no processo constitutivo (e, por vezes, mesmo extintivo) da relação laboral desportiva, seja dos praticantes desportivos, seja dos treinadores, actuando, em geral, por conta e no interesse destes, existindo alguma indefinição doutrinal no que se reporta ao relacionamento contratual entre ambos.
IV - Por regra, o contrato de prestação de serviços desempenhado pelo empresário desportivo no agenciamento de um contrato de trabalho desportivo, seja para praticantes, seja para treinadores, constitui um contrato de prestação de serviços atípico, aplicando-se-lhe o regime do mandato.
V - Se o empresário desportivo (autor) diligenciou pelos contactos necessários à celebração do ulterior contrato de trabalho desportivo do treinador (réu), seguindo as ordens e instruções deste, tendo prestado e concluído com sucesso tais serviços, e não se tendo provado, por outro lado, que o réu os tenha pago, é ostensivo que este tinha de ser condenado no pedido.
VI - Não releva para a decisão do mérito da causa saber o momento em que ocorreu, de facto, o termo inicial do direito do autor/recorrido ao pagamento da sua comissão, uma vez que a verificação desse termo apenas releva para efeitos de vencimento da obrigação de pagamento a cargo do réu/recorrente, não sendo a regra geral, plasmada no art. 342.º, afastada pela regra especial do art. 343.º, n.º 3, do CC.
VII - As vicissitudes ocorridas na vigência do contrato de trabalho desportivo do treinador, mormente a sua rescisão unilateral por banda da entidade empregadora, são alheias ao empresário desportivo e não contendem com a obrigação de pagamento da comissão acertada entre ambos, uma vez que a prestação dos seus serviços ficou concluída com a celebração do contrato de trabalho desportivo, tendo sido o próprio treinador a assumir a obrigação de pagamento da comissão.



* Sumário elaborado pelo relator
Decisão Texto Integral:

                 ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I.

AA instaurou acção declarativa, sob a forma do processo comum ordinário, contra BB, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de USD 59 539 (cinquenta e nove mil quinhentos e trinta e nove dólares americanos), acrescida de juros de mora à taxa legal sobre a quantia de USD 56 250 (cinquenta e seis mil duzentos e cinquenta dólares americanos), desde 31-05-2000 até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que o réu exerce a actividade profissional de treinador de futebol; em meados de Maio de 1998, interpelou-o para indagar se estaria interessado em treinar a selecção nacional de futebol dos Emirados Árabes Unidos, tendo este manifestado interesse e disponibilidade para treinar aquela selecção; nesse seguimento, o autor encetou vários contactos com diversos órgãos e pessoas ligadas à selecção daquele país, designadamente com o seu Vice-Presidente, com vista à celebração do contrato de trabalho, o que fez seguindo sempre as instruções e condições que o réu lhe formulou, no que respeita ao salário, prémios, duração do vínculo contratual e restantes condições pretendidas por aquele; que o contrato de trabalho foi celebrado em 24-05-1998 passando o réu a desempenhar as funções de treinador da respectiva selecção nacional de futebol, pelo período de 2 anos, com início em 01-08-1998 e termo em 31-07-2000, auferindo a quantia de USD 450 000 (quatrocentos e cinquenta mil dólares americanos), no 1.° ano, e USD 562 500 (quinhentos e sessenta e dois mil e quinhentos dólares americanos), no 2.° ano; que ficou ainda acordado que, no 1.° ano, o réu receberia de adiantamento USD 200 000 (duzentos mil dólares americanos), e no 2.°, a quantia de USD 250 000 (duzentos e cinquenta mil dólares americanos), adiantamentos estes que seriam pagos até Agosto de 1998 e Agosto de 1999, respectivamente; que quem procedeu a todas as diligências para a concretização do mencionado contrato de trabalho foi o autor, segundo instruções do réu, tendo-se este comprometido, como contrapartida de tais serviços a pagar àquele 10% do valor total dos salários e adiantamentos, a saber, a quantia de USD 45 000 (quarenta e cinco mil dólares americanos) referente ao 1.º ano, e de USD 56 250 (cinquenta e seis mil duzentos e cinquenta dólares americanos) referente ao 2.° ano, pagamentos estes a efectuar (pelo réu) no início do 1.º e do 2° anos do contrato; e, finalmente, que o réu efectuou o pagamento da primeira comissão de USD 45 000 (quarenta e cinco mil dólares), mas não pagou ao autor a segunda parcela acordada no valor de USD 56 250 (cinquenta e seis mil duzentos e cinquenta dólares), apesar de instado para o efeito, devendo pois ser condenado a pagar tal montante, acrescido de juros de mora desde 01-08-1999, que contabilizados até 31-05-2000 ascendem a USD 3 289 (três mil duzentos e oitenta e nove dólares) (cf. fls. 2 a 7).

Devidamente citado, o réu contestou, impugnando, no essencial, os factos articulados pelo autor, invocando, em suma, que a segunda parcela da comissão daquele, correspondente a 10% do valor total dos salários devidos pelo 2.º ano do contrato, só era devida “na eventualidade do contrato ser prorrogado por esse período”, e seria pago após o recebimento por parte do réu, a título de adiantamento, da quantia de USD 250 000 (duzentos e cinquenta mil dólares) a efectuar pela Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos, e que nenhuma dessas condições se verificou, já que não recebeu esse adiantamento, e aquela entidade rescindiu unilateralmente o contrato de trabalho a 23-08-1999, correspondente ao início do 2.° ano do contrato.

Mais requereu a condenação do autor como litigante de má fé, por não desconhecer tal factualidade, em multa e numa indemnização ao réu, por danos morais causados com esta acção, em montante não inferior a 5 000 contos (cf. fls. 24 a 30).

Na réplica, o autor pugnou pela improcedência da sua condenação como litigante de má fé, uma vez que está plenamente convicto do seu direito e fundamentação, requerendo, concomitantemente, a condenação do réu como litigante de má fé, em multa e indemnização condignas, já que, conforme é do seu conhecimento pessoal, o contrato de trabalho que celebrou foi pelo prazo de 2 anos, e a “prorrogação” a que se alude no documento 3, de fls. 17, ocorreu apenas porque nessa data ainda não era certo se tal contrato teria a duração de dois anos, o que veio a estipular-se no próprio contrato de trabalho escrito, cuja data da outorga foi posterior àquele documento – cf. fls. 34 a 38.

Dispensada audiência preliminar, foi proferido despacho saneador com selecção da matéria de facto assente e a integrar a base instrutória – cf. fls. 56 a 62.

Realizada audiência final, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, decidiu condenar o réu a pagar ao autor a quantia de USD 56 250 (cinquenta e seis mil duzentos e cinquenta dólares americanos), acrescida de juros de mora civis calculados às taxas legais, vencidos e vincendos desde 07-10-1999 até integral pagamento, condenando-o, também, como litigante de má fé, tendo determinado, para efeitos de fixação do quantum indemnizatório, que se procedesse à notificação nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do art. 457.º do CPC – cf. fls. 642 a 658.

Foi proferido, depois, despacho, que decidiu”(...) em complemento da decisão proferida a fls. 657/658, conden[ar] o Réu a pagar ao Autor a quantia de 400,00 Euros, a título de indemnização, como litigante de má fé, bem como na multa de 10 uc’s “.

Não se resignando com estas decisões, delas recorreu o réu, para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí proferido acórdão em que, a final, se deliberou “(…) julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida na parte relativa à condenação do réu como litigante de má fé, confirmando-se no mais decidido, e, em consequência, revoga-se o despacho de fls. 932 a 934”.

Novamente inconformado com esta decisão veio o réu interpor o presente recurso de revista, apresentando, no final das alegações recursivas, as seguintes conclusões:

“1. O Acórdão recorrido ignorou por completo e não se pronunciou sobre duas questões suscitadas pelo Recorrente, nas suas alegações de recurso, e que se mostram essenciais para a boa apreciação da causa, a saber a falta de qualquer prova sobre a natureza do pagamento efectuado peja Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos em Outubro de 1999 e a inexistência da prorrogação do contrato de trabalho com aquela federação, pelo segundo ano de vigência do contrato, pelo que o Acórdão recorrido é nulo, por não se pronunciar sobre questões que lhe competia apreciar, nos termos previstos no artigo 668°, n.º 1, alínea d), aplicável por remissão do artigo 721.°, n.º 2, ambos do CPC, na redacção aplicável aos autos.

2. Ainda que assim não se entenda, o Recorrido interpôs a presente acção, pedindo o pagamento da comissão de USD 56.250, correspondente a dez por cento do valor dos salários relativos ao segundo ano do contrato de trabalho celebrado entre o Recorrente e a Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos, nos termos constantes do acordo expresso nas cartas de fls. 17 e 18 dos autos, não tendo, no entanto, alegado os factos constitutivos do seu invocado direito, mais concretamente, o pagamento pela citada Federação do adiantamento, ou até mesmo da totalidade do salário relativo ao segundo ano de vigência do contrato, nos termos previstos no artigo 342.° do Código Civil, o que deveria, desde logo, ter determinado a improcedência do pedido;

3. Independentemente da natureza jurídica - condição ou termo - da estipulação acordada entre as partes, de que a comissão era devida pelo R. ao A apenas após o pagamento do adiantamento, cabia ao A, ora Recorrido o ónus de alegar e provar a verificação da condição ou o vencimento do termo, ao abrigo do disposto no artigo 343.°, n.º 3, do Código Civil;

4. Contrariamente ao que se refere no Acórdão recorrido, não era ao Recorrente que cabia provar a falta de pagamento do adiantamento, mas antes ao A Recorrido que cabia a prova do seu pagamento, ou até mesmo a prova do pagamento do salário relativo ao segundo ano de vigência do contrato;

5. Certo é que tal pagamento não resultou provado nos autos, pelo que deveria a acção ter sido julgada improcedente e, não o fazendo, o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 342.°, 343.º, 1167.°, alínea b), 406.° e 762.°, todos do Código Civil;

6. Apesar de ter sido provado o pagamento, pela Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos ao Recorrente, da quantia de USD 402.338, em 7 de Outubro de 1999, já após a cessação de efeitos do contrato de trabalho que vigorou entre ambos, não resulta minimamente dos autos a que título é que tal pagamento foi efectuado e, muito menos, se o foi a título de adiantamento ou salário relativo ao segundo ano de vigência do contrato;

7. Bem pelo contrário, o que resulta dos autos, e nomeadamente do documento cuja junção se requer, como Doc. 1, ao abrigo do disposto nos artigos 727.°, 706.° n.º 1, e 524.°, todos do CPC, é que o montante pago constituiu o acerto final entre as partes decorrente da cessação de efeitos do contrato de trabalho e era devido ao Recorrente a título de “salários em falta, prémios de jogos, prémios de desempenho e despesas relacionadas com o contrato e pela sua cessação”, nenhum outro montante tendo sido pago por aquela Federação ao Recorrente;

8. Deste modo, não pode deixar de se considerar que não se verificou a condição ou termo a que as partes sujeitaram o direito do Recorrido ao recebimento da comissão reclamada - o pagamento do adiantamento ou de qualquer outra quantia a título de salários relativos ao segundo ano de vigência do contrato -, o que deveria ter determinado, desde logo, a improcedência do pedido;

9. Mesmo que assim não fosse, no que não se consente, o pagamento da reclamada comissão encontrava-se também sujeito à condição - ou termo - de o contrato de trabalho celebrado com a Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos ser prorrogado pelo segundo ano da sua vigência, conforme se retira do teor das cartas reproduzidas nas alíneas E) e F) dos factos assentes;

10. Ora, em 23 de Agosto de 1999, a Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos pôs, unilateralmente, termo ao contrato de trabalho, que assim cessou imediatamente os seus efeitos, não tendo sequer vigorado no segundo ano de vigência, não se verificando, pois, também esta condição ou termo a que as partes sujeitaram o pagamento da comissão reclamada, pelo que o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 1167.º, alínea b), 406.º e 762.º do Código Civil;

11. Não sendo devida a quantia peticionada a título de comissão, por não se mostrar preenchido nenhum dos seus pressupostos, não são igualmente devidos quaisquer juros, pelo que também este pedido deveria ter sido julgado improcedente, ao abrigo do disposto no artigo 804.º (a contrario) do Código Civil;

12. Ainda que se pudesse admitir, por mera hipótese absurda de raciocínio, que a quantia de 402.338 USD, foi paga ao Recorrente a título de adiantamento ou salários relativos ao segundo ano de vigência do contrato, no que não se concede de modo nenhum, o Acórdão recorrido procedeu a uma errada aplicação do disposto no artigo 1167.º, alínea b), e 406.º do Código Civil, já que, quanto muito, apenas poderia ter condenado o R. Recorrente no pagamento do valor correspondente a 10% do montante recebido, isto é 40.233,80 USD, absolvendo o Recorrente do pagamento de parte da comissão reclamada, bem como dos juros peticionados, atenta a liquidez da dívida, ao abrigo do disposto no artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil;

Termos em que deverá ser julgada totalmente procedente a presente Revista e revogada a Sentença e Acórdãos recorridos, absolvendo-se o Recorrente de todos os pedidos (…).”

Houve contra-alegações, sustentando o autor/recorrido a manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.

A. Das Instâncias vem considerada provada a seguinte matéria de facto:

1. O réu desenvolve a actividade profissional de treinador de futebol (alínea A) dos factos assentes).

2) Em meados de Maio de 1998, o réu foi interpelado pelo autor para saber se estaria interessado em treinar a Selecção Nacional de Futebol dos Emirados Árabes Unidos (doravante designado de EAU) (alínea B) dos factos assentes).

3) Em 05-05-1998 o réu enviou à Federação de Futebol dos EAU a comunicação via fax, cuja cópia consta de fls. 46, com o seguinte teor:

“De acordo com a minha conversa telefónica com o Sr. AA e em conformidade com o seu pedido, venho comunicar a vossa excelência o seguinte:

Quero agradecer pessoalmente a Vossa Excelência a oportunidade que me foi apresentada pelo Sr. AA de que o meu nome fosse tido em consideração para servir a Federação de Futebol dos EAU (…)” (alínea C) dos factos assentes).

4) Em 24-05-1998 a Federação de Futebol dos EAU, como primeiro outorgante, e o réu como segundo outorgante, acordaram conforme consta do documento de fls. 47 a 53 dos autos, tendo estipulado, nomeadamente, que:

“(…) Preâmbulo:

Pelo presente, o 1.º outorgante oferece ao 2.º outorgante um contrato para levar a cabo o trabalho de treinar os jogadores da primeira equipa nacional (…).

Artigo (1):

O Preâmbulo acima faz parte integrante do presente contrato.

Artigo (2):

A duração do presente contrato é de 2 anos, com início no dia 1 de Agosto e término em Julho de 2000. (…)

Artigo (6):

Tendo em consideração o desempenho das obrigações do 2.º outorgante nas condições estabelecidas no presente contrato, o 1.º outorgante será responsável:

Pelo pagamento ao 2.º outorgante durante o primeiro ano de vigência do presente contrato, do salário anual de 450.000 dólares americanos (…) que serão pagos da seguinte forma:

Um pagamento adiantado de 200.000 dólares americanos, (…).

Pelo pagamento do salário anual de 562.500 dólares americanos (…) pelo segundo ano do contrato, a liquidar da seguinte forma:

Um pagamento adiantado de 250.000 dólares americanos (…)” (alínea D) dos factos assentes).

5) O réu, através do seu mandatário, o Dr. CC, enviou ao autor, que a recebeu, a missiva datada de 21-05-1998, cuja cópia consta de fls. 17, com o seguinte teor:

“(…) De acordo com o solicitado, venho pela presente confirmar a V. Exa., que de acordo com as indicações recebidas do meu cliente Prof. BB, caso venha a ser celebrado o contrato entre o mesmo e a Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos, o meu cliente pagar-lhes-á, a título de comissão, 10% do valor total dos salários correspondentes ao primeiro ano de contrato e idêntica percentagem do valor total dos salários correspondentes ao segundo ano do contrato, esta última na eventualidade do contrato ser prorrogado por esse período.

A referida comissão será paga imediatamente após o recebimento, pelo meu cliente, dos adiantamentos de USD 200.000 e USD 250.000 a efectuar respectivamente no início do primeiro ano e do segundo ano de contrato pela supra referida citada Federação. (…)” (alínea E) dos factos assentes).

6) O réu, através do seu mandatário, o Dr. CC, enviou ao autor, que a recebeu, a missiva datada de 25-05-1998, cuja cópia consta de fls. 18, com o seguinte teor:

“(…) Em aditamento à minha carta de 21 de Maio p.p. confirmo que tendo o valor anual dos salários devidos ao meu cliente Prof. BB, pela Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos sido fixado em USD 450.000 para o primeiro ano do contrato e em USD 562.500 para o segundo, a sua comissão devida nos precisos termos dos estabelecidos naquela carta será respectivamente de USD 45.000 e USD 56.250 (…)” (alínea F) dos factos assentes).

7) Em meados de Agosto de 1998 o réu entregou ao autor a quantia de USD 45 000 relativa à comissão de 10%, respeitante ao primeiro ano do contrato (alínea G) dos factos assentes).

8) Autor e réu acordaram que este pagaria àquele a quantia correspondente a 10% do valor dos salários e adiantamentos a auferir por aquele, designadamente USD 45 000 e USD 56 250 (alínea H) dos factos assentes).

9) Por o réu ter manifestado interesse e disponibilidade para treinar a Selecção Nacional dos EAU, o autor encetou contactos com vários órgãos e pessoas ligadas à mesma, designadamente com o seu Vice-Presidente, com vista à celebração de um contrato de trabalho (art. 1° da base instrutória).

10) Nos contactos efectuados foram seguidas as instruções e condições apresentadas pelo réu, nomeadamente, as respeitantes ao salário, prémios, duração do vínculo contratual e restantes condições contratuais pretendidas (art. 2.° da base instrutória).

11) Após a comunicação referida em 3), o autor intensificou os seus contactos e negociações com a aludida Federação, tendo em vista a celebração de um contrato de trabalho (art. 4.° da base instrutória).

12) As condições contratuais constantes do acordo referido em 4) foram negociadas pelo autor, directamente com a Federação de Futebol dos EAU (art. 5° da base instrutória).

13) Como contrapartida desses serviços, autor e réu estabeleceram o acordo assente em 8) (art. 6.° da base instrutória).

14) Tal acordo foi feito aquando dos primeiros contactos com o autor (art. 7.° da base instrutória).

15) Tais comissões seriam pagas no início do primeiro ano e do segundo ano do contrato, devendo os valores ser entregues imediatamente após o recebimento, pelo réu, dos adiantamentos de USD 200 000 e USD 250 000 (art. 8.° da base instrutória).

16) A condição acertada entre o autor e o réu quanto ao segundo ano do contrato foi que a comissão seria paga após a recepção, pelo réu, do adiantamento de USD 250 000, a efectuar pela Federação de Futebol dos EAU (art. 9.° da base instrutória).

17) Em 23-08-1999 a Federação de Futebol dos EAU comunicou ao réu que este deixava de ser o treinador da Selecção Nacional de Futebol dos EAU, pondo assim termo às relações profissionais entre ambos (art. 11.° da base instrutória).

18) A Federação de Futebol dos EAU pagou ao réu em Outubro de 1999, a quantia de 402 338 USD (documento junto a fls. 519 dos autos, confessado pelo réu).

B. As conclusões do recorrente, balizando o objecto recursivo, sem prejuízo da eventual apreciação de questões de estrito conhecimento oficioso – tal como estatuído nos arts. 684.°, n.° 3, e 690.°, n.°s 1 e 3, do Código de Processo Civil (CPC), versão anterior à reforma de 2007 –, suscitam o exame e decisão de duas questões, por ordem  de precedência lógica:

1. Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do art. 668.º, n.º 1, al. d), aplicável por remissão do art. 721.º, n.º 2, ambos do CPC (conclusão 1.ª).

2. Caracterização do contrato outorgado entre as partes: - natureza jurídica da estipulação acordada referente à comissão devida ao autor/recorrido; - ónus da prova do respectivo pagamento; – consequências da cessação do contrato de trabalho celebrado entre o réu/recorrente e a Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos (conclusões 2.ª a 12.ª).

B1 - Antes de entrar na análise de cada uma destas questões, importa indagar, a título de questão prévia, da possibilidade legal de junção do (alegado) documento superveniente, patenteado nas alegações da revista do réu/recorrente.

Com as alegações de recurso, para este Tribunal Superior, o réu/recorrente, apoiando-se no disposto nos arts. 727.º, 706.º, n.º 1, e 524.º, todos do CPC, requer a juntada de novo documento (já inserto a fls. 1096/1099), conducente a demonstrar, no que se reporta ao facto provado n.º 18, “que o montante pago constituiu o acerto final entre as partes decorrente da cessação de efeitos do contrato de trabalho era devido ao Recorrente a título de «salários em falta, prémios de jogo, prémios de desempenho e despesas relacionadas com o contrato e pela sua cessação», nenhum outro montante tendo sido pago por aquela Federação ao Recorrente” (sic).

O autor/recorrido pugna pelo desentranhamento desse documento “por inoportuno, não se enquadrando nos normativos alegados (…). Não é um documento superveniente, é uma mera declaração da Federação de Futebol dos EAU que podia ter sido apresentado aquando da 1.ª instância, uma vez que se reporta a factos datados de 1999, com mais de 13 anos” (sic).

Em matéria de apresentação da prova documental, constitui princípio fundamental a regra de que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser ostentados com os articulados em que se exponham os factos correspondentes, ou, sendo tal impossível, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, como decorre do disposto no art. 523.º do CPC, possibilitando a lei processual civil, a título excepcional, por via do estatuído no art. 524.º, n.º 1, que, depois do encerramento da discussão em 1.ª instância, possam ser juntos documentos com as alegações de recurso, mas, ainda assim, apenas se a sua apresentação não tiver sido possível até aquele encerramento.

De entre os documentos supervenientes que podem ser juntos com as alegações de recurso, encontram-se, por um lado, os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior, tal como plasmado no art. 524.º, n.º 2, e, por outro lado, aqueles cuja junção apenas se tornar necessária, em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância, como resulta do art. 706.º, n.º1.

Em resumo, constituem fundamentos excepcionais, justificativos da apresentação de documentos supervenientes com as alegações de recurso, os seguintes: 1) quando os documentos se destinam a provar factos posteriores aos articulados; 2) quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; e, finalmente, 3) no caso de a sua apresentação apenas se tornar necessária, devido ao julgamento proferido em 1.ª instância.

Indo ao caso do documento em apreço, impõem-se as seguintes observações.

A impugnação da matéria de facto fixada pela Relação só seria possível se ocorresse alguma das situações excepcionalmente previstas pelos arts. 729.º e 722.º, n.º 2, do CPC, isto é, se se verificasse violação de normas de direito probatório material, sendo ostensivo que o recorrente não reclama para o documento agora apresentado qualquer força probatória plena, sendo o mesmo inidóneo para fundamentar qualquer modificação (por alteração ou aditamento) do quadro factual provado.

Acresce, outrossim, que o documento em apreço constitui, manifestamente, um depoimento testemunhal reduzido a escrito, sem qualquer tipo de valor probatório conferido por lei.

Por fim, o mencionado documento não se destina a provar factos posteriores aos articulados, nem a sua junção se tornou necessária, por virtude de ocorrência posterior, nem sequer devido ao julgamento proferido em 1.ª instância.

Aliás, este documento, com data de 28-03-2013, procura contextualizar factos ocorridos há já 14 anos…

Nestes termos e pelas razões apontadas, não pode aquele documento ser admitido, ordenando-se o seu desentranhamento e a consequente restituição ao réu/recorrente, nos termos concertados dos arts. 524.º e 543.º, n.º 1, ambos do CPC, ficando as custas do incidente a seu cargo, com taxa de justiça mínima.

B2 - O recorrente começa por referir que o “acórdão recorrido ignorou por completo e não se pronunciou sobre duas questões suscitadas pelo Recorrente, nas suas alegações de recurso (apelação), e que se mostram essenciais para a boa apreciação da causa, a saber a falta de qualquer prova sobre a natureza do pagamento efectuado pela Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos em Outubro de 1999 e a inexistência da prorrogação do contrato de trabalho com aquela federação, pelo segundo ano de vigência do contrato, pelo que o Acórdão recorrido é nulo, por não se pronunciar sobre questões que lhe competia apreciar, nos termos previstos no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), aplicável por remissão do artigo 721.º, n.º 2, ambos do CPC” (sic).

Salvo o devido respeito, sem qualquer razão.

Do art. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, na parte pertinente, descortina-se que é nula a decisão judicial quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, nulidade esta que tem de ser conferida com a parte inicial do art. 660.º, n.º 2, do mesmo Código: daqui se retira que o juiz deve solucionar todas as questões que as partes tenham sujeitado ao seu julgamento, exceptuadas aquelas cuja resolução fique prejudicada pela decisão referente a outras (ou aquelas de que deva conhecer oficiosamente).

A omissão de pronúncia é uma nulidade frequentemente suplicada em sede recursiva, estabelecendo-se, por vezes (diremos mesmo, demasiadas vezes), confusão entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (em suporte daquelas questões), sendo inequívoco que a ignorância da questão de que deva conhecer-se e a falta de estimação de qualquer consideração, argumento, ou razão produzida pela parte reconduzem-se a duas realidades bem diversas.

O conceito de questões, mencionado no art. 660.º, n.º 2, do CPC – actual art. 608.º, n.º 2, do NCPC (de 2013) –, relaciona-se inexoravelmente com a definição do âmbito do caso julgado, dele se excluindo as questões prévias ou prejudiciais ao conhecimento do mérito, bem como os raciocínios, argumentos, razões, considerações, pressupostos ou fundamentos produzidos pelas partes, para a defesa dos seus pontos de vista, que não integram, isoladamente, matéria de decisão jurisdicional.

Pois bem, contrariamente ao que a recorrente sustenta, o Acórdão recorrido pronunciou-se sobre as questões que a apelação suscitava, designadamente nas sobreditas conclusões do recurso de apelação, e o facto de o recorrente divergir do ali decidido, não se confunde com uma suposta nulidade por omissão de pronúncia.

Aliás, para tanto basta ler com um mínimo de atenção o que a este propósito ficou exarado no acórdão sob recurso, no ponto 4 da apelação, intitulado “Condição Suspensiva”, e que ocupa as pp. 23 e 23 daquele aresto (cf. fls. 1043 e 1044 dos autos).

Nesse ponto o Acórdão recorrido deteve-se na questão que tinha de analisar relacionada com a caracterização do contrato e o modo de pagamento da retribuição acordada entre ambas as partes, sustentando de forma coerente e inteligível a solução jurídica do pleito que defendeu (e que afasta, na verdade, a leitura jurídica empreendida pelo réu/recorrente), não tendo, evidentemente, de se debruçar sobre a querela jurídica trazida ao recurso, nos precisos moldes que o recorrente, ali apelando, defendia.

É, pois, manifesto que a Relação de Lisboa, ao apreciar a apelação, se pronunciou sobre as questões suscitadas nas respectivas conclusões, tanto bastando para concluir pela improcedência da suscitada nulidade.

Improcede, pois, esta primeira questão.

B3 - O recurso em apreço traz à liça a problemática relacionada com o exercício da actividade dos denominados empresários ou agentes desportivos e a remuneração dos seus serviços, poucas vezes abordada por este Supremo Tribunal[1], justificando algumas considerações antes de se entrar no âmago da questão que o recurso concita à resolução.

A regulamentação legal da actividade do empresário desportivo encontra-se essencialmente prevista na Lei n.º 28/98, de 26-06 – diploma que veio estabelecer o novo regime jurídico do contrato de trabalho desportivo e do contrato de formação desportiva –, e que, pese embora não seja directamente aplicável ao caso dos autos, considerando que a relação contratual entre autor e réu se estabeleceu em meados de Maio de 1998, é importante salientar nos seus traços mais marcantes.[2]

Aí se define empresário desportivo como “a pessoa singular ou colectiva que, estando devidamente credenciada, exerça a actividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos” – art. 2.º, al. d).

Por sua vez, no Capítulo IV da referida Lei, intitulado Dos Empresários Desportivos, constam, entre outras, as seguintes disposições:

Art. 22.º - Exercício da actividade de empresário desportivo

1. Só podem exercer a actividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou colectivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes.

2. A pessoa que exerça a actividade de empresário desportivo só pode agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual”.

Art. 23.º - Registo dos empresários desportivos

1. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os empresários desportivos que pretendam exercer a actividade de intermediários na contratação de praticantes desportivos devem registar-se como tal junto da federação desportiva da respectiva modalidade, que, para este efeito, deve dispor de um registo organizado e actualizado.

2. Nas federações desportivas onde existam competições de carácter profissional o registo a que se refere o número anterior será igualmente efectuado junto da respectiva liga.

3. O registo a que se refere o número anterior é constituído por um modelo de identificação do empresário, cujas características serão definidas por regulamento federativo.

4. Os contratos de mandato celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo referido no presente artigo, bem como as cláusulas contratuais que prevejam a respectiva remuneração pela prestação desses serviços, são considerados inexistentes.

Art. 24.º - Remuneração da actividade de empresário

1. As pessoas singulares ou colectivas que exerçam a actividade de intermediários, ocasional ou permanentemente, só podem, ser remuneradas pela parte que representam.

2. Salvo acordo em contrário, que deverá constar de cláusula escrita no contrato inicial, o montante máximo recebido pelo empresário é fixado em 5% do montante global do contrato.

Na doutrina nacional, João Leal Amado foi um dos primeiros autores a debruçar-se sobre o estatuto jurídico do empresário desportivo – o terceiro homem – enfatizando que “se o praticante é o principal intérprete do espectáculo desportivo, o agente/empresário é um actor central no teatro da negociação contratual”.[3] Depois, desenvolve que “é indiscutível que no processo constitutivo/extintivo da relação laboral desportiva este terceiro homem vai ocupando um lugar cada vez mais incontornável (…) mas qual seja o seu exacto papel é algo que permanece rodeado de equívocos e ambiguidades. A nosso ver, e a benefício da legitimidade da actuação deste terceiro homem, seria desejável que a evolução da sua actividade se processasse no sentido de o aproximar da figura do agente/representante do praticante desportivo, distanciando-se, tanto quanto possível, do simples empresário/intermediário desportivo. A assunção, por parte do agente, de um claro status de promotor dos interesses do praticante desportivo, de negotiation equalizer (…) em lugar de mero papel de intermediário que realiza operações especulativas em torno da mão-de-obra desportiva, talvez permita que esta nova profissão ganhe a dignidade que hoje lhe vai faltando e consiga fugir, de vez, àquela incómoda analogia com a mais velha profissão do mundo…” (sic).[4]

André Dinis de Carvalho, ao anotar o referenciado Acórdão do STJ, de 23-04-2002, começa por destacar “a importância crescente do empresário, intermediário ou agente desportivo, sendo certo que as suas funções e poderes variam consoante o caso concreto e que esta fluidez pode tornar difícil a qualificação do respectivo contrato”, e após fazer um excurso sobre esta figura jurídica nos ordenamentos jurídicos da Alemanha, Itália e França, debruça-se, outrossim, sobre o papel do empresário desportivo, em face da lei portuguesa, destacando que, perante a mesma, a actividade de agente ou intermediário desportivo supõe uma autorização prévia, concedida pela Federação Portuguesa de Futebol, tendo consagrado a inexistência dos contratos de mandato celebrados com empresários desportivos, não inscritos no registo, e a inexistência das cláusulas contratuais que prevejam a remuneração por esses serviços.[5]

O mesmo autor, Dinis de Carvalho, retomaria o tratamento desta temática, fazendo uma abordagem mais aprofundado da figura em apreço, tecendo as seguintes considerações[6]: “(…) [E]xistem aquelas pessoas que se limitam a pôr em contacto, no sentido de aproximar, dois potenciais contratantes, intervindo na negociação preliminar do contrato, para que se atinja um pleno acordo de vontades que leva à efectiva celebração do contrato. Este tipo de actividade de preparação do contrato é comummente conhecida como mediação: «os mediadores não participam no contrato: a sua actividade desenvolve-se apenas em ordem a preparar este»[7]. Contudo, em regra, o comportamento do empresário desportivo é materialmente distinto: na verdade, o mais normal é que a sua actuação se oriente pela defesa dos interesses de uma das partes. Pode, assim, questionar-se se não estaremos, antes, face a um mandato. Trata-se, como é sabido, do contrato pelo qual uma parte confia à outra a realização de um determinado acto jurídico, nomeadamente um contrato. No mandato, o mandante encarrega o mandatário de realizar um certo acto jurídico, no interesse e por conta do mandante, sendo que o mandato tanto pode ser gratuito como oneroso, e presume-se oneroso quando realizado por um profissional”[8]

Por fim, Lúcio Correia aduz que o empresário desportivo é um sujeito jurídico que “não tem paralelo em qualquer outra relação laboral, pelo que esta figura assume um papel fundamental no ordenamento jurídico desportivo, assumindo-se como um intermediário/promotor essencial na defesa dos interesses do praticante desportivo. Desta forma, o empresário desportivo, por força do exercício das suas funções, assume uma importância fulcral no restabelecer do equilíbrio contratual entre a entidade empregadora desportiva e o praticante, tendo em conta o seu know-how em matérias (laborais, fiscais, etc.) que o seu representado não terá (normalmente) preparação ou vocação”.[9]

De outra banda, a par do empresário, temos o praticante desportivo e o treinador desportivo, enquanto sujeitos jurídicos principais dos contratos de trabalhos desportivos, interessando-nos aqui focar o treinador.[10]

Analisando a situação laboral dos treinadores desportivos, em face do ordenamento jurídico nacional, António Nunes de Carvalho, refere que, ao contrário do que sucede relativamente aos praticantes – cf. art. 34.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2007, de 16-01 (Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto) –, a lei não prevê a definição de um regime contratual privativo que tenha em conta a especificidade da função de treinador – aquela lei alude, no art. 35.º, aos técnicos.[11]

Explica o autor que quando exercida profissionalmente, contra retribuição, “estando em causa a prestação de uma actividade [de treinador], e não existindo limitações legais específicas, poderá, à partida, optar-se por qualquer um dos modelos contratuais que permitem o aproveitamento, por alguém da actividade de outrem”. E, mais adiante, exara: “É por isso perfeitamente possível que as partes modelem os termos do aproveitamento da actividade de treinador de acordo com o esquema contratual da prestação de serviços – caso em que será aplicável o regime do contrato de prestação de serviços plasmado no Código Civil – como podem optar por desenhar o conteúdo do contrato nos moldes que permitem obter a utilidade específica e característica do contrato de trabalho – hipótese na qual se impõe a aplicação da lei do trabalho”.[12]

Por seu turno, Rui Vaz Pereira, após recordar a definição do conceito de treinador, contida no art. 4.º, n.º 6, do DL n.º 407/99, de 15-10[13], considera, também, que são duas as hipóteses existentes para titular a relação entre o treinador e o clube: (i) contrato de trabalho ou (ii) contrato de prestação de serviços. Alude o autor, subsequentemente, após recordar o Acórdão do STJ, de 24-01-2007 (Proc. n.º 06S1821), “às singularidades da relação laboral do treinador desportivo”, salientando que se deve procurar, “numa perspectiva intrasistémica, encontrar soluções (como as previstas na Lei n.º 28/98, de 26-06) que se ajustem melhor às especiais características da referida relação laboral do que as do regime laboral comum, maxime do Código do Trabalho”.

Efectuadas estas observações, definidos os contornos das figuras jurídicas do empresário desportivo e do treinador desportivo, detenhamo-nos, em concreto, na situação trazida a este recurso de revista.

Recapitulando, o autor/recorrido interpôs a presente acção peticionando o pagamento da comissão de USD 56 250 (cinquenta e seis mil duzentos e cinquenta dólares americanos), correspondente a 10% (dez por cento) do valor dos salários relativos ao 2.º ano do contrato de trabalho celebrado entre o réu/recorrente e a Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos, nos termos constantes do acordo expresso nas cartas de fls. 17 e 18 dos autos.

O réu/recorrente, por seu turno, pugna pela inexistência de qualquer obrigatoriedade da sua parte, em pagar qualquer outra comissão ao autor/recorrido, para lá da relativa ao 1.º ano de vigência do seu contrato de treinador profissional daquela selecção nacional, porquanto essa relação contratual foi cessada, unilateralmente, pela Federação de Futebol daquele país antes de lhe ter sido paga a 2.ª anuidade contratual.

Recordando a solução do pleito, escreveu-se no Acórdão ora recorrido, na parte pertinente, que: “(…) Autor e réu celebraram um contrato sujeito às disposições legais do mandato (art. 1157.° do Código Civil), por força do qual o mandante, o réu na acção e ora apelante, estava obrigado a pagar ao mandatário, o autor e aqui recorrido, a retribuição acordada (art. 1167.°, alínea b) do mesmo código).

A retribuição acordada e calculada sobre o valor anual dos salários do réu foi distribuída em duas parcelas: uma sobre o valor anual dos salários do primeiro ano do contrato e outra sobre o valor do segundo ano do contrato. Não está em causa a retribuição relativa ao primeiro ano do contrato, mas tão só a que respeita ao segundo ano e que não foi paga.

O apelante defende que a retribuição em causa estava sujeita a uma condição suspensiva, nos termos do art. 270.° do Código Civil, o qual dispõe que as «partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva».

Tal significaria que o pagamento só seria devido se a condição se verificasse e essa seria o adiantamento de USD 250.000 a efectuar ao réu pela Federação de Futebol dos E.A.U. (…)

A aplicação do disposto no art. 270.º do Código Civil só faria sentido se em lugar de ter sido acordado que «a comissão seria paga após a recepção, pelo R., do adiantamento de USD 250.000», mas se tivesse sido acordado que a comissão só seria paga se fosse pago o adiantamento.

Apesar de o facto se referir a condição, este termo é utilizado em sentido impróprio.

O que na realidade foi estabelecido por acordo foi um termo e não uma condição. A estipulação de termo significa ter sido estipulado que os efeitos do negócio jurídico comecem ou cessem a partir de certo momento (art. 278.º do Código Civil).

A interpretação efectuada pelo apelante seria uma perversão em relação ao acordado, na medida em que se por qualquer razão o réu não recebesse um adiantamento mas o pagamento na sua totalidade levaria ao afastamento do direito do autor a receber a retribuição pelo serviço que prestou e que não está em causa.

De qualquer modo, o réu não conseguiu demonstrar que não recebeu o adiantamento relativo ao segundo ano do contrato.

No entanto, ficou demonstrado, por documento não impugnado e por confissão do réu feita em depoimento de parte, que tem força probatória plena, que o réu recebeu a quantia de USD 402.338 em Outubro de 1999.

Assim, mostra-se ter ocorrido o termo necessário para que seja efectuado o pagamento da retribuição/comissão do segundo ano do contrato” (sic).

Pelas mesmas águas se moveu, aliás, a douta sentença da 1.ª Instância, tendo-se aí exarado, no segmento que aqui releva (cf. fls. 651-653): “(…) Relativamente à alegada condição de pagamento da segunda parcela da comissão do A. estar adstrita à eventualidade do contrato ser prorrogado pelo segundo ano, é o próprio R. na pessoa do seu ilustre mandatário, através da missiva que enviou ao A. em 25-05-98 e que consta de fls. 18 dos autos, que contradiz tal circunstancialismo, ao transmitir-lhe, no seguimento da missiva que lhe enviara a 21-05-98 (Doc. de fls. 17) que «(…) Em aditamento à minha carta de 21 de Maio p.p. confirmo que tendo o valor dos salários devidos ao meu cliente Prof. BB, pela Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos sido fixado em USD 450.000 para o primeiro ano do contrato e em USD 562.5000 para o segundo, a sua comissão devida nos precisos termos estabelecidos naquela carta será respectivamente de USD 45.000 e USD 56.250 (…)».

Ou seja, o contrato de trabalho celebrado entre os EAU e o R. foi-o por 2 anos, as negociações de tal contrato foram efectuadas pelo A. e como contrapartida dos seus serviços, nos termos acordados entre A. e R., o primeiro deveria ser pago com a quantia de USD 45.000 pelo 1.º ano, e a quantia de USD de 56.250 pelo 2.º ano.

Afigura-se-nos, tal como para qualquer declaratário normal, ser este o sentido das declarações negociais do R., nos termos do disposto no art. 236.º, n.º 1, do CC.

Por outro lado, resulta claro de toda a factualidade assente que as vicissitudes que porventura ocorressem (como seja a rescisão unilateral do contrato) no segundo ano do contrato de trabalho estabelecido entre o R. e a Federação de Futebol dos EAU são totalmente alheias ao A., e não contendem com o pagamento da segunda parcela da sua comissão, pois, por um lado, a prestação do seus serviços ficou concluída com a celebração do aludido contrato em 24-05-98, e por outro, é o próprio R. que se obriga a pagar a segunda parcela da comissão do A. (assim como a 1.ª), imediatamente após receber o adiantamento de USD 250.000 relativo ao 2.º ano do contrato, o que inculca de forma inequívoca o facto de ser alheio ao pagamento de tal comissão, o R. concluir, ou não, o 2.º ano do contrato de trabalho.

Aliás, tal entendimento resulta claramente das declarações do R. expressas pelo seu ilustre mandatário na missiva que enviou ao A. em 21-05-98 (fls. 17), onde declara que caso venha a ser celebrado o contrato entre o meu cliente Prof. BB e a Federação de Futebol dos EAU, o meu cliente pagar-lhe-á a título de comissão 10% do valor total dos salários correspondente ao 1.º ano do contrato, e idêntica percentagem do valor total dos salários correspondentes ao 2.º ano do contrato.

Defende ainda o R. que o pagamento ao A. da comissão de USD 56.250 deveria ocorrer quando lhe fosse pago o adiantamento dos seus salários relativo ao 2.º ano do contrato, no mencionado valor de USD 250.000, e que não recebeu o mesmo uma vez que a Federação de Futebol dos EAU rescindiu unilateralmente o contrato relativo a esse 2.º ano.

Todavia, verifica-se da leitura do teor do aludido contrato, na sua cláusula 7.ª, que caso a Federação de Futebol dos EAU pusesse termo ao contrato com o R. em qualquer momento da sua vigência, ficaria responsável pelo pagamento a este último do remanescente do seu salário devido até ao fim do contrato, ou seja, o R. nunca perderia a remuneração que lhe foi estipulada no mencionado contrato.

E. conforme resultou assente, apesar da Federação de Futebol dos EAU ter rescindido o contrato com o R. em 23-08-2009, aquela pagou a este, em 7 de Outubro de 1999, por conta do contrato, a quantia de USD 402,338 que o R. aceitou.

Se porventura ficou em dívida o pagamento de algum montante ao R. conforme este alega, o que se desconhece, pois o mesmo não fez prova de tal matéria, como lhe competia nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC, a verdade é que ainda assim, como se viu, tal vicissitude é alheia ao A. e ao pagamento da segunda parcela da sua comissão, no valor de USD 56.250, conforme acordado entre Autor e Réu.

De onde se conclui que, nos termos do art. 1167.º, al. b), do CC, o R. está obrigado a pagar àquele o montante peticionado de USD 56.250 a título de retribuição pelos serviços prestados (…)” (sic).

Pois bem. A factualidade relevante e provada demonstra que o autor (agente de jogadores e treinadores)[14] interpelou o réu (treinador profissional de futebol), visando indagar se o mesmo estaria interessado em treinar a Selecção Nacional de Futebol dos Emirados Árabes Unidos (EAU), e que, recebida a anuência do réu, encetou contactos com vários órgãos e pessoas ligadas à Federação Nacional de Futebol dos EAU, designadamente o seu Vice-Presidente, com vista à celebração de um contrato de trabalho.

Nesse sentido, nos contactos que efectuou, o autor seguiu as instruções e condições apresentadas pelo réu, nomeadamente, as respeitantes a salário, prémios, duração do vínculo contratual e restantes condições contratuais pretendidas.

O contrato para o exercício das funções de treinador veio a ser celebrado em 24-05-1998, sendo que as condições contratuais nele inseridas foram as negociadas pelo autor, directamente com a Federação Nacional de Futebol dos EAU.

Nesse contrato, celebrado entre a Federação Nacional de Futebol dos EAU, como 1.º outorgante, e o réu, como 2.º outorgante, este comprometeu-se a levar a cabo o trabalho de treinar os jogadores da primeira equipa nacional dos EAU, tendo ficado estabelecido que a duração do contrato seria de 2 (dois) anos, com início no dia 01-08-1998 e término em 31-07-2000.

Ainda no referido contrato, a Federação de Futebol dos EAU ficou responsável pelo pagamento ao réu, durante o 1.º ano de vigência do contrato, do salário anual de USD 450 000, que seriam pagos da seguinte forma: um pagamento adiantado de USD 200 000 e o restante em doze meses, correspondente ao valor mensal de USD 20 833; e, durante o 2.º ano de vigência do contrato, do salário anual de USD 562 500 que seriam pagos da seguinte forma: um pagamento adiantado de USD 250 000 e o restante em doze meses, correspondente ao valor mensal de USD 26 041.[15]

A par deste contrato para o exercício de funções de treinador existe, previamente, o contrato celebrado entre autor e réu, no qual, como contrapartida dos serviços prestados pelos primeiro, autor e réu acordaram que este pagaria àquele, a título de comissão pela celebração daquele contrato, a quantia correspondente a 10% do valor dos salários e adiantamentos a auferir pelo réu, ou seja, USD 45 000 e USD 56 250, pagos imediatamente após o recebimento, pelo réu no início do primeiro ano de contrato, do adiantamento de USD 200 000 e no início do 2.º ano de contrato, do adiantamento de USD 250 000.

Vistos os factos, passemos ao seu enquadramento jurídico.

O empresário desportivo, como se aludiu, desenvolve uma actividade, profissional e remunerada, relevante no processo constitutivo (e, por vezes, mesmo extintivo) da relação laboral desportiva, seja dos praticantes desportivos, seja dos treinadores, actuando, em geral, por conta e no interesse destes, existindo alguma indefinição doutrinal no que se reporta ao relacionamento contratual entre ambos.

A caracterização de um contrato como pertencendo a determinado tipo contratual, necessária para circunscrever qual o regime jurídico aplicável, é uma operação lógica subsequente à interpretação das declarações de vontade das partes e dela dependente, devendo essa interpretação ser efectuada segundo as normas constantes dos arts. 236.º a 238.º do CC, que preconizam, em suma, que as declarações devem valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deve entendê-la, desde que no documento esse sentido encontre um mínimo de correspondência.

Em matéria de interpretação da declaração negocial, a nossa lei consagra, no art. 236.º, n.º 1, do CC, a chamada teoria da impressão do destinatário, estatuindo que “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. [16]

Constituem elementos essenciais da interpretação, em especial, a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas; a finalidade prática visada pelas partes; o próprio tipo negocial; a lei e os usos e os costumes por ela recebidos. Para além destes elementos, também releva a posição assumida pelas partes na execução do negócio. Esta não pode, na verdade, deixar de, razoavelmente, corresponder ao que as partes entendem ser os direitos e as vinculações que para cada uma delas emergem do negócio.[17]

Por fim, o nome com que as partes catalogaram o acordo firmado poderá, quando muito, servir como um elemento auxiliar, entre outros, a ter em consideração no esforço interpretativo para alcançar o real sentido das declarações de vontade, nada garantindo que a conclusão atingida coincida com o nomen por elas utilizado.

O controlo da interpretação das declarações negociais, no que tange à determinação do sentido da vontade real dos intervenientes, por se tratar de questão ainda situada no domínio dos factos, escapa à sindicância do STJ, apenas lhe sendo permitido avaliar a aplicação dos critérios legais de interpretação: esses aspectos já constituem matéria de direito, sobre a qual este tribunal se pode pronunciar livremente, em sede de revista, sem estar vinculado à denominação que as partes tenham empregue (art. 664.º do CPC) e à qualificação jurídica adoptada pelas instâncias, em precedentes decisões objecto de recurso.[18]

Posto isto, perante a facticidade alinhada e escrutinado criticamente o conteúdo contratual ajustado pelas partes, há que concordar que, ostensivamente, no acórdão recorrido – tal como, aliás, na sentença da 1.ª instância –, se fez a devida e correcta interpretação e integração das declarações negociais das partes, à luz dos critérios interpretativos plasmados no Código Civil.[19]

Estamos, efectivamente, perante um contrato de prestação de serviços, genericamente previsto no art. 1154.º do CC – é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição –, não oferecendo dúvidas que, na situação vertente, esse contrato teria que ser oneroso, identificando o legislador, no art. 1155.º do CC, dentro dessa tipologia contratual, três modalidades de prestação de serviços: o mandato, o depósito e a empreitada.

O contrato de mandato, tal como o define o art. 1157.º, é aquele pelo qual uma das partes se obriga a prestar um ou mais actos jurídicos por conta da outra. Concretamente disciplinado pelos arts. 1157.º a 1184.º, o mandato impõe uma série de deveres contratuais, a prestar por um e outro dos contratantes, de que ressaltam as obrigações, para o mandatário de: - Praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante; - Prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão; - Comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu; - Prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir e entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato - cf. art. 1161.º, todos do CC.[20]

A par das três modalidades típicas de prestação de serviços – mandato, depósito e empreitada –, importa acrescentar o contrato de prestação de serviços atípico, não regulado especialmente, que abrange uma enorme variedade de vínculos jurídicos, designadamente os contratos de prestação de serviços desempenhados pelos empresários desportivos no agenciamento de contratos de trabalho desportivo para praticantes e treinadores, tal como, aliás, é propugnado por André Dinis de Carvalho na obra já citada. Nestes casos, aplica-se ao contrato de prestação de serviços atípico o regime do mandato, como resulta do disposto no art. 1156.º do CC.

Em contrapartida, tratando-se de contratos onerosos, como obrigação principal do mandante surge a de pagamento da retribuição que ao caso competir, de harmonia com a regra consagrada no art. 1167.º, al. b), do CC.

Urge, nesta sede, proceder ao exame cuidado das regras de ónus da prova, sabido que a repartição desse ónus influência a actividade probatória, porquanto, de harmonia com o ónus de alegação, incumbe à parte interessada o ónus de provar os factos cuja subsunção a uma norma jurídica lhe propicia uma situação favorável – cf. art. 342.º do CC.

No direito português o ónus da prova é, tal como detalhado por Rita Lynce de Faria, “(…) não um ónus subjectivo, mas um verdadeiro ónus objectivo, traduzindo-se, portanto, para a parte a quem compete, na necessidade de sofrer as consequências da falta de prova do facto visado, caso os autos não contenham a prova bastante desse facto. (…) O ónus da prova encontra-se, deste modo, directamente associado a um risco processual: o risco de, sendo insuficiente a prova produzida, a parte ver desatendida a sua pretensão. Perguntar quem suporta o ónus da prova corresponde, assim, em saber quem suporta o risco processual. É, de resto, o que resulta do art. 516.º do Código de Processo Civil, único artigo respeitante ao ónus da prova que, inexplicavelmente, permanece neste código”.[21]

Isto dito, revertendo ao caso em análise, segundo o estatuído no art. 342.º, n.º 1, do CC, era ao autor/recorrido que competia a prova do cumprimento da sua obrigação (prestação de serviços ajustada) e ao réu/recorrente, nos termos do n.º 2 daquele preceito, cabia a prova do pagamento da retribuição acordada.

Não restando dúvidas que o autor/recorrido cumpriu a sua prestação, é totalmente destituída de qualquer razoabilidade a pretensão do réu/recorrente de que era àquele primeiro que incumbia alegar o pagamento pela Federação Nacional de Futebol dos EAU do adiantamento ou até mesmo da totalidade do salário relativo ao 2.º ano de vigência do contrato, nos termos do art. 342.º do CC (cf. conclusão 2.ª).

O ónus de prova a cargo do autor/recorrido mostra-se satisfeito com a demonstração da existência do contrato e respectivo cumprimento, na íntegra e sem vícios, e a mera alegação da respectiva falta de pagamento da correspectiva retribuição, fazendo recair sobre a contraparte (o réu/recorrido) a concernente prova, por ser um facto extintivo do direito alegado – n.º 2 do art. 342.º do CC.

Resumindo, estando em causa uma modalidade de contrato de prestação de serviços atípica, que se traduziu, em síntese, na actividade de um empresário desportivo (autor) que diligenciou pelos contactos necessários à celebração do ulterior contrato de trabalho desportivo de um treinador (réu), seguindo as ordens e instruções deste, mais se provando que o autor prestou e concluiu com sucesso tais serviços, e não se tendo sido provado, por outro lado, que o réu os tenha pago, é ostensivo que ele tinha de ser condenado no pedido, como foi, sem que tenha ocorrido qualquer violação das regras do ónus da prova – cf., neste mesmo sentido, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ, de 13-09-2012, Proc. n.º 3737/07.0TBLRA.C1.S1, de 14-06-2011, Proc. n.º 12290/09.9T2SNT.L1.S1.[22]

Vem o réu/recorrente, todavia, insistir que independentemente da natureza jurídica – condição ou termo – da estipulação acordada entre as partes, de que a comissão era devida pelo réu ao autor apenas após o pagamento do adiantamento, cabia ao autor/recorrido o ónus de alegar e provar a verificação da condição ou vencimento do termo, ao abrigo do disposto no art. 343.º, n.º 3, do CC.

Sobre a natureza jurídica daquela estipulação, corroboram-se, por inteiramente correctas, as considerações tecidas no Acórdão recorrido e já acima reproduzidas – A aplicação do disposto no art. 270.º do Código Civil só faria sentido se em lugar de ter sido acordado que «a comissão seria paga após a recepção, pelo R., do adiantamento de USD 250.000», se tivesse sido acordado que a comissão só seria paga se fosse pago o adiantamento. Apesar de o facto se referir a condição, este termo é utilizado em sentido impróprio. O que na realidade foi estabelecido por acordo foi um termo e não uma condição. A estipulação de termo significa ter sido estipulado que os efeitos do negócio jurídico comecem ou cessem a partir de certo momento (art. 278.º do Código Civil).

A condição é uma cláusula negocial que tem como conteúdo típico a sujeição da eficácia do negócio ou de parte dele a um facto futuro incerto[23], diversamente do termo que é uma cláusula negocial que tem como conteúdo típico a sujeição do início ou da cessação da eficácia do negócio, ou de parte dele, a um facto futuro e certo.[24]

Pois bem: autor e réu acordaram, antes da efectiva celebração de trabalho desportivo de treinador, por parte do segundo, o pagamento da comissão “na eventualidade do contrato ser prorrogado”, tendo o mesmo sido celebrado por dois anos; mas não estipularam, como o réu/recorrente pretende inculcar, que a comissão só seria devida caso o contrato se mantivesse em vigor até ao fim do período de dois anos contratado com a Federação de Futebol dos EAU. No fundo, pretende o recorrente que não bastaria que se iniciasse o período de vigência do contrato, pelo 2.º ano (como sucedeu), mas que o mesmo durasse de Agosto de 1999 até Julho de 2000, para se verificar a “condição” imposta no acordo acertado com o autor/recorrido.

Ora, o que se infere, cristalinamente, dos documentos insertos a fls. 17 e 18 é que comissão seria devida no início dos 1.º e 2.º anos de duração do contrato, não no seu final, inexistindo qualquer base para sustentar que o pagamento só seria devido se se atingisse o “termo” do contrato de trabalho desportivo.

O que se estipulou foi pois, apenas e só, um termo, em sentido jurídico próprio, tal como vertido no art. 278.º do CC.

Acompanhando as palavras de Pais de Vasconcelos, “[é] característico da condição, como cláusula típica, que o seu conteúdo corresponda à sujeição da eficácia do negócio, ou de parte dele, à verificação ou não verificação de um facto e que esse facto, o facto condicionante, seja na condição tido como facto futuro e como facto incerto”. Pelo contrário, “[o] termo é tipicamente certo, mas o seu grau de certeza pode variar. A doutrina costuma distinguir, nesta matéria, os casos em que existe certeza do evento e certeza da data em que irá ocorrer – dies certus na, certos quando – , ou em que existe certeza do evento, mas incerteza quanto à data em que virá a acontecer – dies certus na, incertus quando”. [25]/[26]

Aqui chegados, não se compreende onde o réu/recorrente pretende chegar com a invocação do regime do ónus da prova do art. 343.º, n.º 3, do CC, para daí retirar, como consequência, a improcedência da acção.

Aquele dispositivo legal contém o seguinte comando: “Se o direito invocado pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial, cabe-lhe a prova de que a condição se verificou ou o termo se venceu; se o direito estiver sujeito a condição resolutiva ou a termo final, cabe ao réu provar a verificação da condição ou o vencimento do prazo”.

A exegese desta norma é exemplarmente efectuada por Rita Lynce Faria: “[E]nquanto que a verificação da condição resolutiva ou do termo final é um facto extintivo do direito do autor, a provar pelo réu; a verificação da condição suspensiva ou do termo inicial é facto constitutivo do direito do autor, a provar por este. Nestes termos, a disposição referida constitui uma mera especificação do artigo 342.º, não produzindo qualquer inversão do ónus da prova”.

O âmbito da norma em apreço (art. 343.º, n.º 3, do CC) é bastante restrito, nada esclarecendo, designadamente, no que concerne à questão do ónus da alegação e prova da existência ou inexistência da condição ou termo, subsistindo uma questão: competirá ao autor provar a pureza do negócio que invoca ou ao réu provar a respectiva condicionalidade?[27]

Vaz Serra, a propósito do termo, entende que “(…) se o demandado alegar que o direito do autor é a termo, caberá ao demandado a prova de que esse direito é a termo e ao autor a de que o termo está vencido (se o termo for um termo final, incumbirá ao demandado a prova do vencimento dele)”. E, continua: “Afigura-se, pois, melhor seguir a chamada teoria da excepção ou da objecção do que a teoria da negação, quer dizer, considerar a condição e o termo como excepção (cuja prova cabe ao réu) e não como negação (caso em que a prova caberia ao autor”.[28]

Diversamente, para Antunes Varela: “Se, não tendo invocado a existência da condição ou do termo, o autor requer a condenação do réu, como se de crédito puro e exigível se tratasse, e for o réu quem alega a limitação do direito, não pode, em bom rigor, afirmar-se que este tenha deduzido excepção (facto impeditivo) contra a pretensão do demandante. O réu limitou-se a impugnar (ou a negar motivadamente) os factos implicitamente afirmados pelo autor, para fundamentar a sua pretensão – sendo a este que compete demonstrar o carácter puro do seu direito, a ausência de termo ou condição, como facto constitutivo da sua pretensão. (...) Feita a prova da existência da cláusula, é ao autor que compete, nos termos do n.º 3 do art. 343.º do CC, a prova da verificação da condição suspensiva ou do termo inicial./ Tendo a condição carácter resolutivo ou sendo final o termo aposto ao direito, será ao réu que cumpre provar a verificação dela ou o vencimento do prazo, visto se tratar de facto extintivo do direito do demandante”.[29]

Seja qual for a solução que se defenda – embora, por nós, propendamos para a primeira posição –, a verdade é que, contrariamente ao alegado pelo réu/recorrente, está provado, por um lado, que o contrato foi celebrado por 2 anos, e está provado, por outro lado, que o réu/recorrente auferiu, da Federação de Futebol dos EAU, em Outubro de 1999, a quantia de 402 338 USD.

Destarte, é inequívoco, mostra-se ocorrido o termo para que seja efectuado o pagamento da retribuição/comissão relativa ao 2.º ano do contrato.

Aliás, como bem refere o Acórdão recorrido, a interpretação efectuada pelo recorrente seria uma perversão em relação ao acordado, na medida em que se por qualquer razão ele não recebesse um “adiantamento” mas o “pagamento na sua totalidade” tal conduziria ao afastamento do direito do autor a receber a retribuição pelo serviço que prestou e que não está minimamente em causa.

Lembre-se que a prova documental de que o réu/recorrente auferiu, da Federação de Futebol dos EAU, em Outubro de 1999, a quantia de 402 338 USD consta de fls. 518/519, tendo ele, aquando do depoimento de parte, confessado o recebimento desse montante, tal como consta da assentada de fls. 627.

Acresce, outrossim, ter ficado por provar que após a comunicação da Federação de Futebol dos EAU, de 23-08-1999, esta se recusou a cumprir o que havia acordado com o réu, relativamente ao pagamento dos seus serviços e que jamais tenha ocorrido o adiantamento de USD 250 000 – cf. respostas negativas aos arts. 12.º e 13.º da base instrutória (cf. fls. 62 e 631/632).[30]

Retomando o caso concreto, concluímos que é irrelevante para a decisão do mérito da causa – subsumível às regras de ónus probatório do art. 342.º do CC –, saber o momento em que ocorreu o termo inicial do direito do autor/recorrido ao pagamento da sua comissão (comprovadamente devida!), uma vez que a verificação desse termo apenas releva para efeitos de vencimento da obrigação de pagamento a cargo do réu/recorrente, não sendo a regra geral, plasmada no art. 342.º, afastada pela regra especial do art. 343.º, n.º 3, do CC.

Por isso, não tem qualquer tipo de base legal a construção do réu/recorrente, empreendida nas conclusões da revista, no sentido de ser antes ao autor/recorrido que cabia a prova do seu pagamento, ou até mesmo a prova do pagamento do salário relativo ao segundo ano de vigência do contrato e (…) que tal pagamento não resultou provado nos autos, pelo que deveria a acção ter sido julgada improcedente e, não o fazendo, o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 342.°, 343.º, 1167.°, alínea b), 406.° e 762.°, todos do Código Civil (cf. conclusões 4.ª e 5.ª).

Recorde-se, ademais, que ambas as instâncias, una voce, consideraram que os juros de mora são devidos a contar de 07-10-1999 – data em que foi paga ao réu/recorrente a totalidade do valor que lhe era devido pelo contrato, em consonância com o estatuído na cláusula 7.ª, al. a), do contrato de trabalho[31] – e não a partir de 01-08-1999, sendo aquela a data do efectivo vencimento da obrigação a seu cargo, nos termos conjugados dos arts. 798.º, 805.º, n.º 2, e 806.º, todos do CC.

Mais ainda, as alegações do réu/recorrente sobre as vicissitudes ocorridas na vigência do contrato de trabalho desportivo, mormente a rescisão unilateral do mesmo por banda da Federação de Futebol dos EAU (cf., em especial, as conclusões 9.ª e 10.ª), são absolutamente alheias ao autor/recorrido e não contendem com a obrigação de pagamento da comissão acertada quanto ao 2.º ano daquele contrato, porquanto a prestação dos seus serviços ficou concluída com a celebração do contrato de trabalho desportivo, em 24-05-1998, tendo sido o próprio réu/recorrente a assumir a obrigação de pagamento da segunda parcela da comissão ao autor, imediatamente após receber o adiantamento de USD 250 000, reportado ao 2.º ano daquele contrato; ao que acresce, repete-se, que o réu jamais perderia a remuneração que foi estipulada no contrato de trabalho, em virtude daquela rescisão contratual, por força da sobredita cláusula 7.ª.

Relativamente à conclusão 12.ª, trata-se de questão nova, que não cumpre apreciar, uma vez que não foi posta à consideração nem consequentemente resolvida pela Relação, não podendo ser estimada pelo Supremo – pois os recursos visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões novas, no quadro do art. 690.º do CPC, aqui aplicável –, embora sempre se diga que não é correcta a interpretação feita pelo réu/recorrente a esse propósito, sendo de manter a condenação no preciso quantitativo que vem estabilizado desde a 1.ª Instância.

Assim sendo, e concluindo, julgam-se improcedentes as conclusões de recurso, o qual improcede in totum.

C.

Compilam-se as seguintes conclusões:

- É justificada a apresentação de documentos supervenientes, com as alegações de recurso, com os seguintes fundamentos excepcionais: 1) quando os documentos se destinam a provar factos posteriores aos articulados; 2) quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; e, finalmente, 3) no caso de a sua apresentação apenas se tornar necessária, devido ao julgamento proferido em 1.ª instância.

- O conceito de questões, mencionado no art. 660.º, n.º 2, do CPC – actual art. 608.º, n.º 2, do NCPC (de 2013) –, relaciona-se inexoravelmente com a definição do âmbito do caso julgado, dele se excluindo as questões prévias ou prejudiciais ao conhecimento do mérito, bem como os raciocínios, argumentos, razões, considerações, pressupostos ou fundamentos produzidos pelas partes, para a defesa dos seus pontos de vista, que não integram, isoladamente, matéria de decisão jurisdicional.

- O empresário desportivo desenvolve uma actividade, profissional e remunerada, relevante no processo constitutivo (e, por vezes, mesmo extintivo) da relação laboral desportiva, seja dos praticantes desportivos, seja dos treinadores, actuando, em geral, por conta e no interesse destes, existindo alguma indefinição doutrinal no que se reporta ao relacionamento contratual entre ambos.

- Por regra, o contrato de prestação de serviços desempenhado pelo empresário desportivo no agenciamento de um contrato de trabalho desportivo, seja para praticantes, seja para treinadores, constitui um contrato de prestação de serviços atípico, aplicando-se-lhe o regime do mandato.

- Se o empresário desportivo (autor) diligenciou pelos contactos necessários à celebração do ulterior contrato de trabalho desportivo do treinador (réu), seguindo as ordens e instruções deste, tendo prestado e concluído com sucesso tais serviços, e não se tendo provado, por outro lado, que o réu os tenha pago, é ostensivo que este tinha de ser condenado no pedido.

- Não releva para a decisão do mérito da causa saber o momento em que ocorreu, de facto, o termo inicial do direito do autor/recorrido ao pagamento da sua comissão, uma vez que a verificação desse termo apenas releva para efeitos de vencimento da obrigação de pagamento a cargo do réu/recorrente, não sendo a regra geral, plasmada no art. 342.º, afastada pela regra especial do art. 343.º, n.º 3, do CC.

- As vicissitudes ocorridas na vigência do contrato de trabalho desportivo do treinador, mormente a sua rescisão unilateral por banda da entidade empregadora, são alheias ao empresário desportivo e não contendem com a obrigação de pagamento da comissão acertada entre ambos, uma vez que a prestação dos seus serviços ficou concluída com a celebração do contrato de trabalho desportivo, tendo sido o próprio treinador a assumir a obrigação de pagamento da comissão.

III.

Face a tudo quanto foi exposto:

Ordena-se o desentranhamento e restituição ao réu/recorrente do documento inserto a fls. 1096/1099.

Nega-se provimento à revista, mantendo-se, integralmente, o acórdão recorrido.

Custas do incidente  e do recurso a cargo do réu/recorrente.

              Lisboa, 20 de Março de 2014

 Martins de Sousa

Gabriel Catarino

 Maria Clara Sottomayor

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[1] Cf., em especial, os Acórdãos do STJ, de 23-04-2002, Proc. 02A844 e de 15-11-2011, Proc. n.º 19/08.3TVLSB.L1.S1

[2] A Lei n.º 28/98 (subsequentemente alterada pela Lei n.º 114/99, de 03-08), veio, no seu art. 41.º, revogar o DL n.º 305/95, de 18-11, que estabeleceu, originalmente, o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva, mas que omitia qualquer alusão à figura jurídica do empresário desportivo.
[3] Cf. Vinculação versus Liberdade – o processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo, 2002, p. 488.
[4] Op. cit, p. 494. O autor concretiza, na mesma obra (cf. p. 497), que “a actividade do agente desportivo deverá consistir, essencialmente, na preparação e negociação do contrato do praticante, mas já não na celebração do mesmo em nome deste. O agente deve negociar as condições contratuais com a potencial entidade empregadora, mas a palavra final quanto à conclusão ou não do contrato sempre deverá caber ao praticante”.
[5] Cf. “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Abril de 2002 (Recurso n.º 844-A/02) – Notas”, in Desporto & Direito, Ano I, n.º 1, Setembro/Dezembro de 2003, pp. 159 a 176.
O indicado autor refere, na citada anotação (p. 175) que “o controlo [da actividade dos agentes desportivos] feito pela federação nacional, à luz do regulamento da FIFA, não é um controlo meramente formal, uma vez que aquela terá de zelar, durante o desenvolvimento da actividade do agente, pelo cumprimento dos deveres funcionais deste, mormente em representação dos jogadores. A possibilidade de aplicar sanções, inclusive a sanção máxima (o cancelamento da licença) mostra, precisamente, a relevância atribuída por lei a tal controlo”.
[6] Cf. “A Profissão de Empresário Desportivo – Uma Lei Simplista para uma Actividade Complexa? ”, in Desporto & Direito, Ano I, n.º 2, Janeiro/Abril de 2004, pp. 251 a 275.
[7] Pessoa Jorge, O Mandato sem Representação, reimpressão, 2001, p. 15.
[8] Op. cit. pp. 258/259. Em todo o caso, como adverte Dinis Carvalho, “contudo, mesmo a qualificação de mandatários não será, com frequência, em nosso entender, completa, porquanto o empresário desportivo realiza (…), amiúde, funções que não se deixam reconduzir à prática de actos jurídicos. Tratar-se-á, por conseguinte, provavelmente, de um contrato misto” (cf. p. 260).
[9] Cf. “O Praticante Desportivo Profissional e o Empresário Desportivo na Nova Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto ”, in Desporto & Direito, Ano IV, n.º 11, Janeiro/Abril de 2007, pp. 273 a 283.
[10] A respeito do contrato de trabalho desportivo de praticante desportivo, in casu, de um jogador de futebol profissional, em que se debatia a legalidade de existência de um pacto de preferência, nesse âmbito, em caso de futura transferência, veja-se o Acórdão do STJ, de 18-12-2012, Proc. n.º 9035/03.0TVLSB.L1.S1.”.
[11] Cf. “O Art. 9.º do Código do Trabalho e a Situação Laboral dos Treinadores de Futebol”, in 10 Anos de Desporto & Direito (2003-2013), pp. 315 a 366.
[12] Op. cit., pp. 347 e 349, respectivamente.
[13] Aquele diploma, que estabelece o regime jurídico da formação desportiva, define por treinadores aqueles que “conduzem o treino dos praticantes desportivos com vista a desenvolver condições para a prática e reconhecimento da modalidade ou optimizar o seu rendimento desportivo, independentemente da denominação que seja habitualmente atribuída”.
[14] O autor integra as listas de “Agentes de jogadores” acessíveis nos sites da FIFA (http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/footballgovernance/playeragents/letter=j.html) e da Federação Portuguesa de Futebol (http://www.fpf.pt/pt-pt/institucional/agentesjogadores.aspx).
Conforme se adverte no site da FIFA, esta entidade deixou de licenciar agentes de jogadores a partir de 2001. Actualmente, eles são licenciados directamente pelas Federações Nacionais. Portanto, não existem «agentes da FIFA».
[15] Cf. artigo 6.º do contrato (cf. fls. 10 a 16, tradução a fls. 47 a 53).

[16] A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, 1987, p. 223.
[17] Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 1996, p. 344 e segs.

[18] Trata-se de jurisprudência pacífica, de que se citam, a título de mero exemplo, os Acórdãos do STJ, de 19-11-2009, Proc. n.º 2250/06.7TVPRT.S1, de 19-10-2010, Proc. n.º 696/07.2TBMTS.P1.S1, de 14-06-2011, Proc. n.º 3222/05.4TBVCT.S2.
[19] Sobre a competência do STJ para avaliar a aplicação dos critérios legais de interpretação – cf., v.g., Acórdãos de 16-04-2009, Proc. n.º 08B2346; de 04-11-2010, Proc. n.º 2916/05.9TBVCD.P1.S1; de 03-02-2011, Proc. n.º 6041/05.4TVLSB.L1.S1, e de 14-06-2011, Proc. n.º 3222/05.4TBVCT.

[20] Para maiores desenvolvimentos, veja-se o Acórdão do STJ de 30-10-2012, Proc. n.º 3313/06.4TVLSB.L1.S1, desta conferência (relator e 1.º adjunto).
[21] A Inversão do Ónus da Prova no Direito Civil Português, 2001, p. 12.
[22] Os sumários dos arestos (inéditos) estão acessíveis em http://www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios.
[23] O Código Civil distingue, no art. 270.º, entre a condição suspensiva, quando o negócio só produz efeitos após a eventual verificação da ocorrência, e a condição resolutiva, sempre que o negócio deixe de produzir efeitos após a eventual verificação da ocorrência em causa – cf. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, 2009, 3.ª edição, p. 714.
[24] Cf. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, 7.ª edição, pp. 516 e 527, respectivamente.
[25] Idem, loc. cit.
[26] De igual modo, Menezes Cordeiro: “Diz-se termo a cláusula pela qual as partes subordinam a eficácia de certo negócio jurídico à verificação de certo evento futuro e certo. Ao contrário da condição, que remete para um acontecimento eventual cuja verificação não é segura, o termo não implica tal incerteza: ele surge apenas como uma efectiva limitação temporal a determinada eficácia” –
op. cit., p. 727.

[27] Na verdade, o disposto no n.º 3 do art. 343.º do CC, não esclarece essa questão, centrando-se no ponto de saber a quem compete o ónus da prova da condição ou do termo, segundo a respectiva natureza – cf. Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1993 (reimpressão), p. 207.
[28] Provas (Direito Probatório Material), BMJ n.ºs 110, 111 e 112, 1962, pp. 147 e 149, respectivamente. E conclui o citado autor, curialmente: “Provada pelo réu a estipulação da condição suspensiva ou do termo inicial, compete ao autor a prova de que ela se verificou ou ele se verificou. A prova da condição resolutiva ou do termo final cabe ao réu”.
[29] Manual de Processo Civil, 1985, 2.ª edição, pp. 464/465. É a mesma a posição de Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª edição (reimpressão), 1985, pp. 300 a 302.
[30] Tal como vertido na motivação da 1.ª Instância às respostas à base instrutória: “A resposta negativa aos arts. 12.º e 13.º da b.i. resultou do documento de fls. 519 junto pelo A., de onde decorre que a 07-10-1999 foi pago ao R. pelos Emirados Árabes a quantia de 402,338,00 USD (…) documento esse que foi exibido ao R. no âmbito do seu depoimento de parte, tendo este confessado ter recebido tal quantia nessa data, sendo certo que as testemunhas inquiridas antecipadamente também confirmaram ter este recebido valores em dinheiro” (cf. fls. 632).
[31] De acordo com a assinalada cláusula contratual, caso o 1.º outorgante (Federação de Futebol dos EAU) pusesse termo ao contrato com o réu, em qualquer momento da sua vigência, ficaria responsável pelo pagamento ao réu do remanescente do seu salário devido até ao fim do contrato.