Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B419
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LUCAS COELHO
Descritores: NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
ALEGAÇÕES
CONTRA-ALEGAÇÕES
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Nº do Documento: SJ200505050004192
Data do Acordão: 05/05/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 5038/02
Data: 11/26/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I - O escopo legislativo visado pelas notificações entre mandatários judiciais reguladas no artigo 229-A - introduzido no Código de Processo Civil pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 183/2000, de 10 de Agosto -, assim declarado no relatório preambular deste diploma, ao qual presidiu um propósito de simplificação tendente a combater a «morosidade processual», consistiu em «desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes», tais como as comunicações da apresentação dos «articulados e requerimentos autónomos» referidos no mencionado preceito;
II - A letra da lei é o «ponto de partida» e o «limite» de toda a interpretação. O resultado a que se chega, a partir dela, na determinação do pensamento legislativo, mediante a auscultação de vectores materialmente fundados, numa «espiral hermenêutica» que passa por momentos descritos no n.º 1 do Código Civil, conferindo um peculiar relevo ao elemento teleológico, e faz regressar o intérprete ao texto legal, esse resultado substancial apenas tem de alcançar na letra da lei «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2 do mesmo artigo);
III - O artigo 229-A, teleologicamente orientado, pois, no sentido de «desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes», tem aplicação, além do mais, relativamente a todos os «requerimentos autónomos», ou seja, àqueles cuja admissibilidade não depende de despacho prévio do juiz;
IV - O aludido artigo vem, por conseguinte, a abranger na sua teleologia as alegações e contra-alegações de recurso;
V - E a expressão «requerimentos autónomos», numa acepção do conceito em termos amplos, representa um mínimo de correspondência verbal, quiçá imperfeitamente expresso, no qual pode ancorar-se a interpretação teleológica do artigo 229-A.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. "A" e esposa B, residentes no Montijo, instauraram no tribunal do Barreiro, em 28 de Maio de 1998, contra C e esposa D, também residentes no Montijo, e outros réus, residentes em Lisboa, acção ordinária, formulando pedido de natureza real e cadastral concernente ao prédio dos autos, considerado idêntico ao pedido deduzido pelos autores contra os mesmos réus, numa acção anterior fundada em idêntica causa de pedir, e aí julgado improcedente por decisão com trânsito em julgado.

No saneador considerou-se, por conseguinte, verificada a repetição de causas e procedente a excepção de caso julgado oposta pelos réus, que foram absolvidos da instância - cfr. agora a alínea i) do artigo 494 do Código de Processo Civil, na redacção da reforma de 1995/96, que transmudou a natureza da excepção em dilatória.

Agravaram os autores sem êxito, tendo a Relação de Lisboa negado provimento ao recurso, confirmando inteiramente o despacho recorrido.

Do acórdão proferido, em 26 de Novembro de 2002, interpuseram os autores vencidos novo agravo para este Supremo Tribunal, e, admitido este, apresentaram a respectiva alegação em 12 de Fevereiro de 2003.

2. O Ex.mo Relator proferiu seguidamente despacho (fls. 188), no sentido de os recorrentes comprovarem documentalmente no processo a data da notificação da alegação às contrapartes.

Reclamaram os agravantes, requerendo que sobre a matéria da decisão recaísse acórdão (artigo 700, n.º 3).

A conferência indeferiu, porém, a reclamação, confirmando o despacho do Relator no sentido de que o mandatário judicial dos recorrentes deve comprovar no processo a notificação da apresentação da alegação aos mandatários das partes contrárias.

3. Do acórdão nestes termos proferido, a 1 de Julho de 2003, trazem os autores estoutro agravo ao Supremo Tribunal de Justiça, sintetizando a alegação respectiva nas conclusões que se reproduzem:

3.1. «Desde sempre, na lei, na doutrina e na jurisprudência, se distinguiram, se autonomizaram, os conceitos de alegações de recurso (e, obviamente, a subespécie, requerimentos autónomos);

3.2. «E tal distinção e autonomia continua a fazer-se no Código de Processo Civil actual, como ressalta expressamente do artigo 150 e do n.º 6 do artigo 152, nomeadamente, sendo certo que esses preceitos, assim como os artigos 229-A e 260-A, foram todos eles legislados pelo mesmo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto;

3.3. «Portanto, as alegações de recurso não são abrangidas pelo disposto nos artigos 229-A e 260-A do Código de Processo Civil;

3.4. «Estes dois preceitos não têm qualquer sanção, não sendo, por conseguinte, preceitos cominatórios, pelo que somente exprimem uma mera recomendação, um mero voto, do legislador;

3.5. «Com efeito, como ensinou o grande Mestre, Prof. José Alberto dos Reis, nomeadamente no seu Código de Processo Civil Anotado, vol. V, em anotação ao artigo 688, as cominações legais não se ampliam com base em analogia.»

Foi ordenada a notificação da alegação aos agravados, mas não houve contra-alegação.

E o objecto do agravo, considerando as conclusões que vêm de se extractar, à luz da fundamentação da decisão em recurso, consiste estritamente na questão de saber se a alegação de recurso deve ser notificada pelo advogado subscritor ao advogado da parte contrária, nos termos do artigo 229-A do Código de Processo Civil.
II
Tratando-se assim de uma pura questão de direito processual, e coligidos no intróito precedente os necessários elementos de apreciação, cumpre decidir.

1. O tema que assim nos é presente redunda ultima ratio na interpretação do artigo 229-A, do seguinte teor:
«Artigo 229-A
Notificações entre os mandatários das partes

1 - Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artigo 260-A.
2 - O mandatário judicial que só assuma o patrocínio na pendência do processo, indicará o seu domicílio profissional ao mandatário judicial da contraparte.»

O artigo 260-A, objecto de remissão no n.º 1 do artigo que acaba de se reproduzir, dispõe, por seu lado, na parte com interesse:
«Artigo 260.º-A
Notificações entre os mandatários
1 - As notificações entre os mandatários judiciais das partes, nos termos do n.° l do artigo 229-A, são realizadas por todos os meios legalmente admissíveis para a prática dos actos processuais, aplicando-se o disposto nos artigos 150.° e 152.°
2 - O mandatário judicial notificante juntará aos autos documento comprovativo da data da notificação à contraparte.
3 - Se a notificação ocorrer no dia anterior a feriado, sábado, domingo ou férias judiciais, o prazo (...)»

2. Como compreender as estatuições nucleares de notificações entre mandatários que fluem dos normativos transcritos?

Importa notar que se trata de disposições introduzidas no Código pelo artigo 2.º Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto - em vigor no dia 1 de Janeiro de 2001 (artigo 8.º), aplicando-se o artigo 229-A «às notificações dos processos pendentes» (artigo 7.º, n.º 5).

Pois bem. Este diploma legal, sensibilizado pelo problema da «morosidade processual», «um dos factores que mais afecta a administração da justiça, originando atrasos na resolução dos litígios, perda de eficácia das decisões judiciais e falta de confiança no funcionamento dos tribunais» - pondera o relatório preambular - impôs-se «a adopção de medidas simplificadoras que permitam a resolução dos litígios em tempo útil e evitem o bloqueio do sistema judicial».

De entre essas medidas, e na perspectiva exactamente do artigo 229-A, o exórdio que estamos a perscrutar refere apenas ter-se pretendido «desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes, como acontece, por um lado, com a de recepção e envio de articulados e requerimentos autónomos por estas apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, os quais passarão a ser notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional».

Eis assim o escopo visado legislativamente mediante as notificações entre mandatários judiciais reguladas no artigo 229-A do Código de Processo Civil: num propósito de simplificação tendente a combater a morosidade processual, desonerar o tribunal da prática desses actos de expediente quanto à comunicação das peças processuais aludidas.

3. Não se pode, todavia, dizer que a formulação terminológica utilizada na menção a essas peças - «todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu» - tenha sido a mais feliz.

E a melhor prova disso está nas divergências de entendimento, no seio, inclusive, deste Supremo Tribunal, que o segmento recortado tem originado no tocante justamente à questão de saber se as alegações de recurso estão aí compreendidas.

Et pour cause, as justas preocupações de clarificação do sintagma em causa cremos que podem ter conduzido a privilegiar o elemento literal da interpretação - se uma «alegação» de recurso é ou não um «requerimento autónomo», poderíamos sintetizar -, nos casos em que se concluiu que as alegações não estão sujeitas ao regime de notificações entre mandatários gizado no artigo 229-A.

À semelhança aliás, da posição expressa em conclusões do presente agravo.

No entanto, a letra da lei é apenas um «ponto de partida» e o «limite» da interpretação.

O resultado a que se chega, partido dela, na determinação do pensamento legislativo mediante a auscultação de vectores materialmente fundados, numa «espiral hermenêutica» que passa por momentos descritos no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, conferindo um peculiar relevo ao elemento teleológico, e faz regressar o intérprete ao texto legal, esse resultado substancial apenas tem de alcançar na letra da lei «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2 do mesmo artigo).

4. É nessa atitude metodológica que a jurisprudência desta Secção vem considerando que as alegações de recurso estão sujeitas ao regime de notificações entre mandatários judiciais definido no artigo 229-A, entendimento, aliás, correspondente generalizadamente, tanto quanto nos é dado ajuizar, à prática forense.

Nesta linha se ponderou em recente aresto, paradigmaticamente (1) , que o artigo 229-A, teleologicamente orientado, consoante flui do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 183/2000, recorde-se, no sentido de «desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes», tem aplicação relativamente a «todos os articulados e todos os requerimentos cuja admissibilidade não dependa da apreciação prévia do juiz».

Tal, pois, o entendimento preferencial do aludido segmento do citado preceito.

Arrancando do conceito de «requerimentos» «interpretado em termos amplos» - precisa o acórdão em exame -, vem a «abranger as alegações e contra-alegações de recurso, cuja admissibilidade não depende de apreciação judicial e que razão nenhuma justifica a sua exclusão do novo regime» (2) .
«Requerimentos autónomos» em «sentido amplo», eis aí, por conseguinte, aquele mínimo de correspondência verbal, quiçá imperfeitamente expresso, de que há momentos se falava, no qual pode efectivamente ancorar-se a interpretação teleológica do artigo 229-A.

5. Neste sentido é, de resto, a fundamentação do despacho do Ex.mo Relator na 2.ª instância, confirmado com as mesmas razões pela Ex.ma Conferência.

Improcedem, consequentemente, as alegações dos agravantes.

As alegações e contra-alegações de recursos estão sujeitas ao regime de notificações plasmado no artigo 229-A do Código de Processo Civil.
III
Nos termos expostos, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso, com custas pelos recorrentes (artigo 446 do Código de Processo Civil).

Lisboa, 5 de Maio de 2005
Lucas Coelho,
Bettencourt de Faria,
Moitinho de Almeida.
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(1) Acórdão, de 30 de Setembro de 2004, em agravo decidido no processo de revista n.º 1226/04, 2.ª Secção.
(2) Na mesma orientação o acórdão, de 26 de Fevereiro de 2004, no agravo n.º 3134/03, 2.ª Secção, com outros subsídios interpretativos para que se remete.