Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
860/03.3TLBGS-B.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: CONTRATO PROMESSA
POSSE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

- Do facto de os promitentes compradores num contrato promessa terem pago a totalidade do preço não se pode presumir que teria havido incumprimento culposo por parte do promitente vendedor.
- Requisito para que o beneficiário de promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa objecto do contrato prometido goze do direito de retenção é que seja titular de um crédito resultante do não cumprimento imputável à parte que promete transmitir ou constituir um direito real.
- Um contrato promessa não é susceptível de, só por si, transmitir a posse ao promitente comprador.
- No entanto, são configuráveis hipóteses, a título excepcional, de verdadeira posse.
- Trata-se de situações em que o promitente transmissário pratica, com a traditio e em relação à coisa, actos materiais em nome próprio, correspondentes ao exercício do direito em causa.
- Uma das hipóteses que tem vindo a ser apontada com base neste entendimento tem sido a de ter havido pagamento da totalidade do preço aliado à entrega da coisa, com a prática, a partir desse momento, de actos materiais correspondentes ao exercício do direito em causa.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 04.06.21, no Tribunal Judicial da Comarca de Lagos – 2º Juízo – por apenso aos autos de arresto em que é requerente AA e requerido BB e em que foi decretado o arresto sobre o prédio rústico inscrito na matriz sob o art. 34, secção D e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aljezur sob o nº 00000000 e sobre o prédio urbano sito em .........., Lagoas, freguesia e concelho de Aljezur, inscrito na matriz sob o art. 8080, vieram CC e mulher DD deduzir embargos de terceiro

alegando
em resumo, que
- em 13 de Janeiro de 1999, o embargante marido outorgou com o embargado BB, proprietário do prédio rústico, um contrato-promessa de compra e venda pelo qual este lhe prometia vender uma parcela de 600 m2 para construção de uma moradia unifamiliar e a parcela restante não urbanizável, pelos preços, respectivamente, de 2.000.000$00 e 1.000.000$00;
- os embargantes pagaram o preço na íntegra, tendo os outorgantes condicionado a validade do contrato à desanexação das parcelas a adquirir pelos embargantes, o que a Câmara Municipal de Aljezur veio a autorizar;
- em 12 de Janeiro de 1999, o embargante marido outorgou com EEum contrato de empreitada para construção de uma moradia unifamiliar, a edificar numa das parcelas, com valor orçamentado de 11.500.000$00, que os embargantes liquidaram integralmente ao empreiteiro, tendo a construção ficado concluída em finais de Agosto de 1999, ali passando os embargantes a residir a partir de finais de Setembro de mesmo ano, sobre ela e respectivo logradouro exercendo desde então a posse, à vista de toda a gente, de forma continuada e de boa fé;
- os embargantes não outorgaram ainda a escritura de compra e venda das parcelas e só em 24 de Maio de 2004 tiveram conhecimento do arresto

pedindo
- que se condenassem os embargados a reconhecerem que os embargantes são possuidores dos prédios acima identificados;
- que se suspendessem, relativamente aos mesmos, os termos do arresto;
- que se ordenasse o cancelamento do registo do arresto e que o mesmo fosse declarado extinto na parte correspondente aos presentes embargos.

Proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Em 08.10.21, foi proferida sentença que julgou os embargos parcialmente procedentes e ordenou “o levantamento do arresto sobre o prédio urbano, sito em .........., Lagos, freguesia e Aljezur, inscrito na matriz sob o artigo 8080, bem como parte do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Aljezur sob o nº 00000000 que àquele urbano corresponde”.

A embargada AA apelou, sem êxito, pois a Relação de Évora, por acórdão de 09.05.28, confirmou a decisão recorrida, observando quanto a uma dúvida levantada pela apelante “quanto à área afecta ao edifício que fica excluída do arresto, que a mesma não pode deixar de ser o logradouro onde os embargantes implantaram um jardim”.

Novamente inconformada, a dita embargada deduziu a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.
Não houve contra alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
São os seguintes os temas das questões propostas para resolução:
A) - Nulidades
B) – Direito de retenção
C) – Posse.


Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:
1 – No dia 15 de Março de 2004 foi decretado arresto sobre o prédio rústico sito no sítio das Lagoas, freguesia e concelho de Aljezur, composto de terra arvense, com área de 33.180 m2, inscrito na matriz cadastral rústica sob o art. 34. secção D, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aljezur sob o nº 00000000;
2 – Também nos mesmos autos foi decretado o arresto do prédio urbano sito em............, Lagoas, freguesia e concelho de Aljezur, inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 8080 e omisso na respectiva Conservatória.
3 – Este último prédio é composto de três assoalhadas, uma cozinha, duas casas de banho, um corredor, uma despensa e um terraço, com área coberta de 138 m2 e descoberta de 491 m2 e confronta de todos os lados com o proprietário.
4 – O prédio rústico acima referido resultou da anexação dos prédios que, com os nºs 000000 e 00000000 (sitos na freguesia e concelho de Aljezur) se achavam descritos na Conservatória do Registo Predial de Aljezur.
5 – De acordo com o teor da inscrição G1, Ap.0000000, incidente sobre a primeira descrição predial (prédio rústico), consta que o segundo embargado BB era o proprietário inscrito do prédio anteriormente descrito sobre o nº 000000 ( e que consubstancia um dos anexados).
6 – Tal prédio encontrava-se, então, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o art. 3º de secção D, da freguesia de Rogil, concelho de Aljezur.
7 – Em 13 de Janeiro de 1999 o embargante marido (na qualidade de promitente comprador) outorgou com o embargado BB (este na qualidade de promitente vendedor), um contrato promessa de compra e venda.
8 – Nos termos do art. 1º do aludido contrato as partes fizeram constar que “o vendedor é titular de plena posse do prédio rústico, artigo 3º, secção D, sito em Lagoas, .........., freguesia do Rogil, concelho de Aljezur, descrito na Conservatória sob o nº 00000000\ a favor do mesmo”.
9 – Nos termos da cláusula 2ª do mesmo contrato, o vendedor prometia ali vender aos compradores - que por sua vez prometiam adquirir – “uma parcela com 600 m2, para construção de uma moradia unifamiliar, com projecto aprovado pela Câmara Municipal de Aljezur, pronta a licenciar e a parcela restante não urbanizável”.
10 – As partes fixaram o preço de 2.000.000$00 “pela parcela de construção” e 1.000.000$00 “pela parcela não urbanizável”.
11 – Os embargantes liquidaram na íntegra, ao embargado BB o valor do preço acordado, conforme quitação ínsita na cláusula 4ª do contrato promessa.
12 – Os ali outorgantes condicionaram a validade do contrato à desanexação das parcelas a adquirir pelos autores.
13 – Em11 de Abril de 2000, é apresentado na Repartição de Finanças de Aljezur o Modelo 129, referente à moradia “sub Judice”, destinado à inscrição do referido prédio na respectiva matriz,
14 – Tal moradia possui uma área coberta de 138 m2 e descoberta de 491 m2, que corresponde ao respectivo logradouro.
15 – A tal prédio urbano, assim participado matricialmente, veio a ser atribuído o artigo urbano 8080 da freguesia e concelho de Aljezur.
16 – Em 12 de Janeiro de 1999, o embargante marido outorgou com EE um contrato de empreitada para construção de uma moradia unifamiliar, a edificar numa das parcelas de terreno prometidas adquirir através do contrato promessa referido.
17 – O valor orçamentado para a construção da referida moradia foi se 11.500.000$00.
18 – Tal quantia abrangia a mão-de-obra e custo dos respectivos materiais.
19 – Os embargantes liquidaram integralmente ao empreiteiro o valor acordado no contrato de empreitada nos moldes e datas que infra se descriminam:
a) No dia 3.2.1999, os embargantes liquidaram ao identificado EE a quantia de 3.450.520$00, através de transferência efectuada pelo Banco BPI, agência de Aljezur, para a conta com o NIB0000000000, de que aquele é titular na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo.
b) No dia 5.7.1999, os embargantes liquidaram a EE a quantia de 3.400.000$00, através de transferência efectuada para a mesma conta.
c) No dia 12.8.1999, os embargantes liquidaram a favor de EEa quantia de 10.000 DM (dez mil marcos alemães), da qual, cambiado à taxa legal em vigor na data a que se alude, resultou o contravalor de 1.000.000$00, o que fizeram através de transferência bancária ordenada do Banco “Sparkasse”, sito na Alemanha, para aquela conta da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Aljezur.
d) No dia 10.8.1999, os embargantes liquidaram a EE a quantia de 1.000.000$00, através de cheque.
e) No dia 6.9.1999, liquidaram a EE d quantia de 11.ooo DM (onze mil marcos alemães) da qual, por aplicação da taxa de câmbio em vigor resultou o contravalor de 1.100.000$00 (um milhão e cem mil escudos) – o que fizeram através de nova transferência bancária.
f) No dia 15.12.1999, os embargantes liquidaram ao referido EE a quantia de 380.000$00, o que fizeram através de depósito em numerário.
g) No dia 7.2.2000, os embargantes liquidaram ao referido EE a quantia de 300.000$00, o que fizeram através e depósito de numerário.
h) No dia 7.11.2000, os embargantes liquidaram ao referido EE a quantia de 600.000$00, o que fizeram através de depósito em numerário.
i) No dia 13.11.2000, os embargantes liquidaram ao referido EE a quantia de 370.000$00, o que fizeram através de depósito em numerário.
20 – A construção da moradia foi concluída em finais de Agosto de 1999.
21 – A moradia encontra-se fisicamente implantada em parte do terreno rústico referido em primeiro lugar, mais concretamente numa parcela daquele de seiscentos e vinte e nove metros quadrados que corresponde à soma da respectiva área coberta e descoberta, tal como foi matricialmente participada através do respectivo modelo 129.
22 – No que concerne à energia eléctrica, os embargantes outorgaram com SLE-Electricidade do SUL, SA, em 29.10.99, o respectivo contrato de fornecimento, cuja titularidade se encontra em nome do embargantes marido.
23 – Em 6 de Junho de 2000, os embargantes outorgaram com a Companhia de Seguros Tranquilidade um contrato de seguro, que abrange imóvel e respectivo recheio, cuja apólice possui o nº 000000000 na qual consta como local de risco “Alagoas,.........., .......... Aljezur.
22 – E desde aquela data até à presente vêem os embargantes liquidando o respectivo prémio.
23 – No logradouro adjacente à moradia os embargantes implantaram um jardim, de que cuidam.
24 – Os referidos actos foram praticados desde Setembro de 1999 e até hoje, à vista de todos, pacificamente, na convicção de que não lesavam ninguém.
25 – Os embargantes não outorgaram ainda a escritura de compra e venda das parcelas prometidas adquirir através do aludido contrato promessa.
26 – Os embargantes continuam a pretender fazer a escritura.
27 – Em 24.05.2004, o embargante CC assinou a requisição da certidão de fls. 20 e segts.

Os factos, o direito e o recurso

A) – Nulidade

Vem a embargada recorrente alegar que foi cometida uma nulidade no acórdão recorrido, prevista na alínea d) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, alegando que não teria sido conhecida uma questão, na medida em que naquele acórdão não teria sido concretizado o alcance da exclusão do arresto.
É evidente que não tem razão.

Conforme acima ficou transcrito, está expressamente referido na decisão contida no citado acórdão, que para além da área afecta ao edifício construído pelos embargantes, está excluída do arresto a área do logradouro onde os embargantes implantaram um jardim.
Área esta que corresponde, obviamente, à área descoberta de 491 m2, conforme resulta do ponto 14º do elenco dos factos dados como provados.
Não foi, assim, cometida a nulidade invocada.

B) – Direito de retenção

Nos termos da alínea f) do nº1 do artigo 755º do Código Civil, goza do direito de retenção “o beneficiário de promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º”.
E nos termos do nº3 do art. 759º do mesmo diploma, “até à entrega da coisa são aplicáveis, quanto aos direitos e obrigações do titular da retenção, as regras do penhor, com as necessárias adaptações”.
E nos termos da alínea a) do artigo 670º também do Código Civil, mediante o penhor o credor pignoratício adquire o direito de “usar, em relação à coisa empenhada, das acções destinadas à defesa da posse, ainda que seja contra o próprio dono”.

No acórdão recorrido entendeu-se que os embargantes gozavam do direito de retenção sobre a parcela onde vieram a construir o prédio urbano objecto do arresto na medida em que, obtendo a tradição da parcela e tendo pago a totalidade do preço, era de presumir que a escritura relativa ao negócio prometido não se tinha realizado por motivo imputável ao embargado, promitente vendedor.

A embargada recorrente entende que não existem quaisquer factos que demonstrem que tenha havido incumprimento do contrato promessa por parte do promitente vendedor.
Cremos que tem razão.

Na verdade não existem quaisquer indícios com base nos quais se possa concluir por presunção que tinha havido incumprimento do contrato promessa por parte do promitente vendedor.
Antes e pelo contrário, do que os próprios embargantes – promitentes compradores – alegam na sua petição inicial desses embargos, resulta que o contrato vai ser cumprido pelo promitente vendedor, uma vez que mantendo interesse na sua realização, alegam que aquele promitente vendedor já conseguiu a desanexação das parcelas a vender, motivo apresentado por aquele promitente vendedor para a não realização imediata da escritura de compra e venda, que os embargantes acataram – cfr. artigos 23º, 24º e 25º daquela petição inicial.

Assim, do facto de os embargantes promitentes compradores terem pago a totalidade do preço não se podia presumir, como se presumiu no acórdão recorrido, que teria havido incumprimento culposo por parte do embargado promitente vendedor.

Ora e como se infere dos dispositivos legais atrás transcritos, um dos requisitos para a aplicação do direito de retenção ao caso concreto em apreço era que os embargantes fossem titulares de um crédito sobre o embargado decorrente do incumprimento definitivo do contrato promessa imputável a este.
Neste sentido, ver Gravato de Morais “in” Contrato Promessa em Geral – Contratos Promessa em Especial, 2009, página 233 e Calvão da Silva “in” Sinal e Contrato Promessa, 3ª edição, página 120.

Consequentemente, os embargantes não gozam de direito de retenção sobre as parcelas prometidas vender.
E, por isso, nunca poderiam utilizar esse fundamento para intentar os presentes embargos de terceiro.

C) - Posse

No acórdão recorrido entendeu-se que os embargantes podiam utilizar o presente procedimento de embargos de terceiro porque tinham uma verdadeira posse na medida em que “não se trata defender a parcela prometida comprar, mas de um bem imóvel diferente, ou seja o prédio urbano nela construído e respectivo logradouro e relativamente ao qual não pode falar-se de traditio por isso mesmo que nela implantado pelo próprio promitente comprador e sobre o qual vem praticando actos integradores do corpus e do animus da posse, como decorre dos factos supra referidos sob os nºs 22 a 24”.
A ré recorrente entende que um promitente comprador, mesmo que tenha obtido a tradição da coisa, exerce sempre uma posse apenas precária e em nome alheio, não podendo assim deduzir o meio de defesa da posse em causa.
Cremos que não tem razão.

Conforme nos dão conta Pires de Lima e Antunes Varela “in” Código Civil Anotado, em anotação ao artigo 1251º, “o contrato promessa (…) não é susceptível de, só por si, transmitir a posse ao promitente comprador”.
Ou como refere Gravato de Morais “in” obra citada, página 243, “a entrega da coisa, independentemente do momento em que ocorra (…) não permite, em regra, falar de posse do promitente transmissário”.

No entanto e também como referem aqueles autores, são configuráveis hipóteses, a título excepcional, de verdadeira posse.
Trata-se de situações em que o promitente transmissário pratica, com a traditio e em relação à coisa, actos materiais em nome próprio, correspondentes ao exercício dos direitos em causa.
Tal ocorrerá, como se disse no acórdão deste Supremo de 07.04.17 (Alves Velho) “in” www.dgsi.pt, quando “obtido o corpus pela tradição a coberto daquela pressuposição de cumprimento do contrato definitivo e na expectativa fundada de que se verifique, pratica actos de posse com o animus de estar a exercer o correspondente direito de propriedade em seu próprio nome, ou seja, intervindo sobre coisa como se fosse sua”.

Uma das hipóteses que tem vindo a ser apontada com base neste entendimento tem sido a de ter havido pagamento da totalidade do preço aliado à entrega da coisa, com a prática, a partir desse momento, de actos materiais correspondentes ao exercício do direito em causa.
Nesta caso, “a traditio visou antecipar o cumprimento do próprio contrato definitivo; (…) o próprio adquirente é, então, desde logo, investido num controlo material semelhante ao do proprietário, podendo falar-se de posse em termos de propriedade” – Menezes Cordeiro “in” A Posse – Perspectivas Dogmáticas Actuais”, 1997, página 97.

Empregando os termos seguidos por aqueles professores Pires de Lima e Antunes Varela na citada anotação, embora para um caso diferente, a coisa é entregue ao promitente comprador como se sua fosse já e nesse estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade.
Tais actos não são realizados em nome do promitente vendedor, mas sim em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real.

Voltemos, então, ao caso concreto em apreço.
Da matéria assente e dada como provada resulta que
- em 13 de Janeiro de 1999, o embargante marido (na qualidade de promitente comprador) outorgou com o embargado BB (este na qualidade de promitente vendedor), um contrato promessa de compra e venda;
- os embargantes, promitentes compradores, liquidaram na íntegra a totalidade do preço acordado no contrato promessa;
- a parcela prometida vender foi entregue aos embargantes;
- nela, estes construíram um prédio urbano, com respectivo logradouro;
- esse prédio foi inscrito na matriz;
- o embargante marido outorgou num contrato de fornecimento de energia eléctrica a essa moradia;
- e num contrato de seguro também relativo a essa moradia;
- no logradouro implantaram um jardim, de que cuidam;
– os referidos actos foram praticados desde Setembro de 1999 e até hoje, à vista de todos, pacificamente, na convicção de que não lesavam ninguém.
- os embargantes não outorgaram ainda a escritura de compra e venda da parcela prometida adquirir através do aludido contrato promessa.
- os embargantes continuam a pretender fazer a escritura.

Ora, de tudo isto e tendo em conta o que acima ficou dito sobre a consideração de um promitente comprador como possuidor da coisa prometida vender, não podemos deixar de concluir que os embargantes actuaram como proprietários em relação à parcela de terreno prometida vender e, consequentemente, ao prédio urbano que nela construíram e respectivo logradouro, não se vendo qualquer razão para lhes negar a acesso a meios de tutela possessória como são os embargos de terceiro.

Na verdade, ao construírem aquele prédio e ao implantarem no logradouro do mesmo um jardim, depois de terem pago a totalidade do preço estipulado no contrato promessa, com conhecimento de todos – e, portanto, do promitente vendedor – sem qualquer violência e de boa fé, ao outorgarem no contrato de fornecimento de energia eléctrica ao citado prédio e ao outorgarem no contrato de seguro sobre o imóvel e ao manterem a expectativa que o contrato promessa fosse cumprido, os embargantes praticaram actos de posse na medida em que este comportamento revelou, para além da manifesta existência de um corpus, a existência de animus, ou seja, do exercício de um direito de propriedade em seu próprio nome.
Dito doutro modo, comportaram-se como que a parcela prometida vender fosse já sua.

Sendo assim e em relação a esta parcela e ao prédio urbano e logradouro nela construídos, os embargantes podiam utilizar o presente procedimento de embargos de terceiro para defender a sua posse.
E não estando em causa no presente recurso a existência dos restantes pressupostos deste procedimento referidos no artigo 351º do Código de Processo Civil, inquestionável é a procedência dos embargos, nos termos em que foram decretados nas instâncias.
Não merece, assim, censura o acórdão recorrido.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 7 de Janeiro de 2010

Oliveira Vasconcelos (Relator)
Serra Baptista
Álvaro Rodrigues