Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04A1992
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
INÉRCIA DAS PARTES
Nº do Documento: SJ200406150019926
Data do Acordão: 06/15/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 5534/03
Data: 01/05/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I - A deserção da instância não necessita de despacho judicial que a declare, verificando-se automaticamente pelo decurso de um prazo de interrupção de dois anos.
II - A interrupção da instância, por pressupor um juízo sobre a falta de diligência da parte onerada com o impulso processual em promover os termos do processo, implica a necessidade de um despacho judicial que, após um ano e um dia pelo menos de paragem do processo, a declare.
III - Tal despacho tem carácter meramente declarativo, e não constitutivo, pois não determina a interrupção, limitando-se a constatar que esta se verificou por ter havido inércia negligente durante mais de um ano da parte onerada com o impulso processual, não significando sequer que só na data desse despacho a interrupção se tenha completado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Na execução ordinária para pagamento de quantia certa proposta em 12/4/96 contra "A, Lda.", B e mulher, C, D e mulher, E, F e mulher, G, e H e mulher, I, pelo "J, S.A.", hoje "L, S.A.", foi, após diligências várias, declarada suspensa a instância por despacho de 15/1/98, a fls. 117, por óbito da executada C.
Procurou o exequente obter elementos sobre os eventuais sucessores daquela executada a fim de requerer a correspondente habilitação de herdeiros, para o que pediu em 11/9/98 (fls. 124) a notificação do executado B para os identificar ou informar se houvera lugar a escritura de habilitação.
Foi efectuada essa notificação, mas o dito executado não prestou qualquer informação, pelo que foi sancionado por despacho de 25/2/99, a fls. 126vº, que também determinou a notificação do exequente para requerer o que tivesse por conveniente.
Feita esta notificação por carta da mesma data, a fls. 129, e nada tendo entretanto sido requerido pelo exequente, foi este notificado, por carta de 14/10/99, de que os autos ficavam a aguardar nos termos do art. 51º, nº. 2, al. b), do Cód. das Custas Judiciais; e, em 15/6/2000, foram os mesmos remetidos à conta, que, elaborada, foi notificada ao exequente por carta de 20/6/2000 e por ele liquidada em 11/7/2000.
Foi depois proferido, a fls. 141, despacho de 21/9/2000, notificado ao exequente por carta de 27/9/2000, a determinar que os autos aguardassem nos termos do art. 285º do Cód. Proc. Civil; e, a fls. 141vº, foi exarado despacho de 15/11/2000, notificado ao exequente por carta de 17/11/2000, a determinar que os autos aguardassem o decurso do prazo do art. 291º do mesmo Código.
Em 15/11/2002, porém, o exequente veio declarar que desistia da instância contra a dita executada C, e requerer o prosseguimento dos autos com a efectivação das penhoras requeridas e ordenadas.
A fls. 150 foi proferido despacho de 2/12/2002, que indeferiu aquele requerimento com base no facto de a instância já se encontrar deserta. Desse despacho agravou o exequente, mas a Relação negou provimento ao agravo, confirmando o mesmo despacho, por acórdão de que vem interposto o presente agravo, de novo pelo exequente, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:
1ª - Os prazos de interrupção e de deserção são sucessivos;
2ª - Em 15/11/2002, - data em que foi apresentado no Tribunal de 1ª instância o requerimento indeferido pelo despacho que veio a ser confirmado pelo acórdão recorrido -, ainda não tinha decorrido o prazo a que alude o art. 291º do Cód. Proc. Civil;
3ª - Foi assim violado o disposto naquele artigo;
4ª - E também foi violado o disposto no art. 672º, nº. 2, do Cód. Proc. Civil, pois o despacho de 15/11/2000 existe com força de caso julgado (logo com força obrigatória dentro do processo) e do mesmo tem que se retirar as necessárias consequências;
5ª - Impõe-se a revogação do despacho do Tribunal da 1ª instância que indeferiu o requerido em 15/11/2002 por outro que defira o nele requerido.

Em contra alegações, a executada "A, Lda." pugnou pela confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes são os consistentes nos actos e nas peças processuais sumariamente descritos no antecedente relatório.
A questão a decidir é a de saber se se verificara ou não deserção da instância na data da entrada do requerimento de desistência da instância quanto á executada C e de prosseguimento dos termos da execução (15/11/2002).
Nos termos do art. 285º do Cód. Proc. Civil, a instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento.
Refere por sua vez o art. 291º do mesmo Código, no nº. 1, que se considera deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos.
Da conjugação destes dois dispositivos resulta que, enquanto a deserção da instância não necessita de despacho judicial que a declare, verificando-se automaticamente pelo simples decurso de um prazo de interrupção de dois anos, já a interrupção da instância, por pressupor um juízo sobre a falta de diligência da parte onerada com o impulso processual em promover os termos do processo, implica a necessidade de um despacho judicial que, após um ano e um dia pelo menos de paragem do processo, a declare, despacho esse com carácter meramente declarativo, e não constitutivo: isto é, tal despacho não determina a interrupção, limitando-se a constatar que esta se verificou por ter havido inércia negligente durante mais de um ano da parte onerada com o impulso processual, mas sem significar sequer que só na sua data a interrupção se tenha completado, pois dele apenas resulta que esse período se completou antes dele, porventura até muito antes. Como foi, obviamente, o caso dos autos, nem doutra forma se compreenderia que o despacho a mandar aguardar o prazo do art. 291º fosse proferido menos de dois meses depois.
A interrupção da instância significa, pois, que, por negligência da parte, o processo esteve parado durante mais de um ano; a deserção significa que essa paragem se prolongou por mais dois anos.
Ora, tendo em conta que o exequente, notificado para requerer diligências destinadas a provocar o prosseguimento do processo por carta de 25/2/99, nada requereu, - dessa forma originando, como forçosamente sabia muito bem, a paragem do processo, que manteve nessas condições por mais de um ano, até data posterior a 1/3/2000 -, o sentido do mencionado despacho de 21/9/2000 não é o de indicar que começa então a correr o prazo de um ano conducente à interrupção, como o recorrente parece interpretar, não podendo ser senão o de declarar que já então a instância se encontrava interrompida, como efectivamente estava desde 2/3/2000, data à qual retrotrai os seus efeitos, devendo por isso o processo aguardar como tal, ou seja, como integrante de uma instância interrompida. É certo que esse despacho foi notificado ao exequente por carta de 27/9/2000, mas tal não significa que a interrupção da instância apenas tivesse começado em 30/9/2000, aliás em 2/10/2000 por 30/9 ter sido sábado: a notificação apenas informa o exequente de que a instância se encontrava interrompida, dispondo aquele de todos os elementos necessários, por saber desde quando não dava andamento ao processo, para saber que a interrupção começara em 2/3/2000, ou, se assim não o entendesse, pelo menos na data daquele despacho, podendo, se fosse caso disso, impugná-lo.
Assim, como o prazo da deserção se segue ininterruptamente ao da interrupção, tem de se entender que a instância ficou efectivamente deserta em 2/3/2002, ou, pelo menos, em 21/9/2002.
É certo também que o despacho que determinou que os autos aguardassem o decurso do prazo do art. 291º data de 15/11/2000, tendo sido notificado ao exequente por carta de 17 do mesmo mês. Mas isso não significa que o prazo da deserção só então começasse: o que resulta da lei - que não pode deixar de ser atendida face ao disposto no art. 6º do Cód. Civil -, é que tal prazo de dois anos começou assim que a instância ficou interrompida.
Assim, o dito despacho de 15/11/2000, que se considera ser de mero expediente e, como tal, insusceptível de recurso nos termos do art. 679º do Cód. Proc. Civil, por, nos termos do art. 156º, nº. 4, do mesmo Código, se destinar apenas a prover ao andamento regular do processo sem interferir no conflito de interesses entre as partes, (diversamente do que se passa com o despacho de 21/9/2000, que pressupõe um juízo sobre a falta de diligência da parte onerada com o impulso processual), não tendo por isso aquele despacho de Novembro a força de caso julgado consagrada no art. 672º do mesmo Código, não pode ser interpretado no sentido de marcar a data de início da contagem do prazo de deserção, coisa que aliás não diz, apenas referindo o decurso do prazo da deserção sem referir que este começasse somente então e não tivesse começado antes.
Quer isto dizer que, iniciado o prazo da deserção em 2/3/2000 ou, pelo menos, em 21/9/2000, já se encontrava esgotado em 15/11/2002, data do requerimento indeferido pelo despacho da 1ª instância, despacho esse que, consequentemente, não podia senão ter sido confirmado, como foi, pelo acórdão recorrido.

Pelo exposto, acorda-se em negar o agravo, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 15 de Junho de 2004
Silva Salazar
Ponce de Leão
Afonso Correia