Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SOUTO DE MOURA | ||
Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO CORRUPÇÃO ACTIVA RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO VÍCIOS DO ARTº 410 CPP CONHECIMENTO OFICIOSO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO CONCURSO DE INFRACÇÕES CONEXÃO DE PROCESSOS ÂMBITO DO RECURSO MEDIDA CONCRETA DA PENA CÚMULO JURÍDICO | ||
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Nº do Documento: | SJ200810290010165 | ||
Data do Acordão: | 10/29/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE. | ||
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Sumário : | I - Na sua precedente redacção, o art. 417.º do CPP era omisso, em matéria de consequências da a falta de resposta ao convite que tivesse sido feito para serem completadas ou esclarecidas as conclusões formuladas. Só o art. 412.º do Código explicitava, na altura, uma cominação, no seu n.º 2, quando estivessem em causa conclusões que versassem matéria de direito. Tratando-se de conclusões relativas a matéria de facto, se, por um lado, havia que observar a doutrina do Ac. do TC n.º 320/2002, de 09-07, nos termos do qual se impedia a rejeição do recurso, antes do tribunal ter convidado o recorrente a suprir as deficiências encontradas, por outro lado, a falta de resposta, ao convite feito, implicava a dita rejeição. Era este o entendimento uniforme, já então (cf. Acs. deste STJ de 30-10-2002, Proc. n.º 2535/02, ou de 13-11-2002, Proc. n.º 3176/02, ambos da 3.ª Secção, v.g.).
II - O art. 417.º, n.º 3, do CPP, na actual redacção (Lei 48/2007, de 29-08), passou a consagrar, explicitamente, a cominação para a omissão em foco, sem se distinguir entre recurso da matéria de facto ou de direito. Não apresentando, completando ou esclarecendo as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias a contar da notificação para tal efeito, o recurso é rejeitado, ou não é conhecido na parte afectada. III - O facto da Relação conhecer de facto não significa que tenha de proceder a um novo julgamento de facto, em toda a sua extensão, tal como ocorrera em 1.ª instância. No recurso de matéria de facto, haverá que ter por objectivo o passo que se deu, da prova produzida aos factos dados por assentes, e/ou o passo que se deu, destes, à decisão. O recorrente poderá insurgir-se contra o modo como teve lugar um ou ambos os momentos deste trânsito. Desde logo, impugnando a própria matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP. Ou, então, invocando um dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP. IV - Em qualquer das hipóteses, haverá que ter em conta que uma coisa é considerar objecto do recurso ordinário o acontecimento histórico sobre que incidiu a decisão recorrida e, outra, ter por objecto do recurso essa decisão ela mesma. No primeiro caso haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida. No segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) dispôs(useram). V - Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo julgamento global de todo o objecto do processo, porque a garantia do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência antes visando, apenas, a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da dita matéria de facto. VI - Quanto ao julgamento de facto pela Relação, importa ter em conta que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório. VII - Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal que não interessam ao caso), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir. O trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramentos dos factos realizado em 1.ª instância, traduz-se fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado. VIII - Quanto aos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do n.º 2 do art. 410.º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (als. a) e b) do n.º 2 do art. 410.º). IX - Tem sido a jurisprudência constante deste STJ, quanto à invocação de tais vícios, que o conhecimento de recurso em matéria de facto, interposto de decisão final do tribunal colectivo, é só da competência do Tribunal da Relação, mesmo tratando-se da mera invocação dos vícios do art. 410.º do CPP. Quando o art. 434.º do CPP nos diz que o recurso para o STJ visa exclusivamente matéria de direito, “sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º”, não pretende, sem mais, com esta afirmação, que o recurso interposto para o STJ possa visar sempre a invocação dos vícios previstos neste artigo. Pretende simplesmente admitir o conhecimento dos vícios mencionados pelo STJ, oficiosamente, mesmo não se tratando de matéria de direito. O âmbito dos poderes de cognição do STJ é-nos revelado pela al. c), hoje al. d), do n.º 1 do art. 432.º, que restringe o conhecimento do STJ a matéria de direito. E refira-se que as alterações do CPP, operadas pela Lei 48/2007, de 29-08, não modificaram os preceitos em causa (al. c), depois d), do art. 432.º e art. 434.º), de modo a justificar-se uma inflexão da orientação seguida neste STJ. X - Ao pronunciar-se de direito, nos recursos que para si se interponham, o STJ tem que dispor de uma base factual escorreita, no sentido de se apresentar expurgada de eventuais insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos. Por isso conhece dos vícios aludidos por sua iniciativa. Aliás, tem mesmo de os conhecer, nos termos do Acórdão para fixação de jurisprudência de 19-10-1995, do Pleno das Secções Criminais deste STJ (Proc. n.º 46 580 - 3.ª, in DR Série I - A, de 28-12-1995). XI - O erro notório na apreciação da prova, como tem sido repetido à saciedade, na jurisprudência deste STJ, tem que decorrer da decisão recorrida ela mesma. Por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum. Tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida. XII - O recorrente foi condenado na pena de 9 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1, e 24.º, als. h) e j) do DL 15/93, de 22-01, e ainda na pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de corrupção activa para acto ilícito, p. e p. pelo art. 374.º, n.º 1, do CP. Em cúmulo, ficou condenado pena única de 10 anos de prisão. XIII - O crime de corrupção em foco é punido com a pena de prisão de 6 meses a 5 anos. Ora, de acordo com a al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, caso atendêssemos à sua redacção actual (introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08), o acórdão da Relação não seria recorrível, nesse particular, por ter havido confirmação da decisão da 1.ª instância, e a pena aplicada não ser superior a 8 anos. XIV - Interessa, porém, ver a questão à luz da redacção anterior, contemporânea da decisão de 1.ª instância proferida contra o arguido, das decisões subsequentes, bem como da interposição do presente recurso para este STJ. Ora, atendendo a tal redacção, porque a pena aplicável também não é superior a 8 anos, e se está perante uma dupla conforme, a irrecorribilidade continua a ser de afirmar quanto ao crime de corrupção activa. XV - Entende-se, na verdade, que, se os crimes determinantes de uma conexão de processos, nos termos dos arts. 24.º e 25.º do CPP, ou determinantes de uma conexão, para os quais se organizou um só processo, de acordo com o n.º 1 do art. 29.º do mesmo Código, têm um limite superior da moldura que não excede os 8 anos, então, nunca tais crimes seriam passíveis de recurso, caso fossem julgados isoladamente. Ora não concorrem razões substanciais ou sequer processuais, que obriguem a que se beneficie o arguido com mais uma possibilidade de recurso, só porque, por razões de conexão, aconteceu que os vários crimes tenham sido julgados conjuntamente. Não se nega que, caso ocorressem julgamentos separados, poderia haver lugar a julgamento para realização do cúmulo, sendo esta última decisão recorrível. Só que, neste caso, a decisão estaria exactamente confinada à determinação da pena única, e do mesmo modo o recurso que dela se interpusesse. XVI - Deverá conhecer-se neste recurso da pena aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes agravado, por se mostrar demasiado pesada, certo que a mesma, tendo sido de 9 anos, não está sujeita à restrição recursória apontada. Procede-se assim, mesmo que se não tenha explicitamente pedido uma diminuição da pena, nas conclusões da motivação, por certo devido ao convencimento, por parte do recorrente, de que essa questão estaria prejudicada, dada a impugnação da matéria de facto que tentou fazer. Releva aqui o disposto no art. 402.º do CPP, relativo ao âmbito do recurso, e de acordo com o qual a regra-base é a de que o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão. E nos termos da al. a) do n.º 2 do preceito, o recurso interposto por um dos arguidos, em casos de comparticipação, aproveita em princípio aos demais. XVII - O co-arguido FP foi condenado, em 1.ª instância, no mesmo julgamento, nas mesmas penas e pelos mesmos crimes que o ora recorrente. Os factos imputados a ambos são praticamente os mesmos. Confirmadas as penas em que fora condenado, pela Relação, viu o co-arguido FP reduzida a pena, pelo crime de tráfico, em acórdão tirado a 13-03-2008. Razões de tratamento igual no que for igual, e portanto de justiça, também levam a reapreciar a pena aplicada ao ora recorrente por tal crime. XVIII - As considerações que presidiram à determinação da pena concreta aplicada ao recorrente, que se mostram pertinentes, deverão ter por consequência a aplicação de uma pena muito próxima senão igual à que foi aplicada ao co-arguido FP. Os factos imputados a ambos são praticamente os mesmos, e não ressaltam diferenças assinaláveis de personalidade que relevem em termos de prevenção. Tanto o FP como o recorrente cumpriam pena pelo crime de tráfico maior de estupefacientes (por 9 e 8 anos de prisão, respectivamente), quando praticaram os crimes do presente processo. Ambos têm passado criminal. Considera-se correcta a aplicação ao recorrente, pelo crime dos arts. 21.º, n.º 1, e 24.º, als. h) e j), do DL 15/93, de 22-01, combinados, da pena de sete anos e meio de prisão, numa moldura penal que vai de seis anos e oito meses, por efeito da qualidade de reincidente, a quinze anos de prisão. XIX - Importa agora operar o cúmulo com a pena de 2 anos de prisão, pela prática do crime de corrupção activa para acto ilícito, p. e p. pelo art. 374.º, n.º 1, do CP, em que o arguido também foi condenado. A parcelar mais grave aplicada ao recorrente é de sete anos e meio de prisão, e a soma das parcelares atinge os nove anos e seis meses de prisão, pelo que é entre estas medidas que teremos que encontrar a pena única. XX - De um lado, defrontamo-nos com razões de prevenção especial prementes. Do outro, perfilam-se exigências de prevenção geral positiva não menos importantes. Tanto quanto resulta dos factos dados por provados, o recorrente cumpria pena por tráfico, ao mesmo tempo que continuava a traficar. O que pode levar a comunidade a descrer do efeito dissuasório do sistema repressivo penal. Quanto à prevenção especial, só uma pena com algum significado poderá ter efeito, se vier a ter, sobre a conduta futura do arguido. Mais do que uma vez condenado, entre o mais, por tráfico de droga, o recorrente conta com 54 anos. Ainda é possível mudar de rumo. Deve ficar o recorrente condenado, em cúmulo, na pena única de 8 anos de prisão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA foi julgado a 18 de Fevereiro de 2005, pelo tribunal colectivo do 2º juízo do Tribunal de Alcobaça (Pº 342/02), juntamente com mais dezasseis arguidos, e condenado na pena de 9 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts.21º,nº1 e 24º, als.h) e j) do Dec. Lei nº15/93, de 22/1, e ainda na pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de corrupção activa para acto ilícito, p. e p. pelo art.374º, nº1 do C. P.. Em cúmulo, ficou condenado pena única de 10 anos de prisão. Recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo sido proferido acórdão sobre a matéria dos autos, o qual veio a ser declarado nulo por este S.T.J.. Elaborado novo acórdão a 22/11/2006 (fls. 5672 e segs.) nele viu, o recorrente AA, ser confirmada a pena em que havia sido condenado na 1ª instância. É desta decisão que agora vem recorrer. A – DECISÃO DA PRIMEIRA INSTÂNCIA 1) No que toca à matéria de facto dada por provada e no que mais respeita ao ora recorrente, deram-se por provados os seguintes factos (transcrição parcial): “a) o arguido BB, também conhecido pelas alcunhas “...” e “...” exerceu as funções de Guarda Prisional provisório no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus no período compreendido entre o dia 4 de Setembro de 2002 e o dia 8 de Junho de 2003, com excepção do período de férias que gozou no período compreendido entre o dia 23 de Abril de 2003 a 7 de Junho do mesmo ano; b) estabelecimento Prisional esse no qual, pelo menos nesse período e, ainda actualmente, se encontravam e encontram detidos os arguidos AA, também conhecido pelas alcunhas de “...” e “...”, e CC; c) o arguido AA, em cumprimento da pena de 8 (oito) anos e 11 (onze) meses de prisão, na qual foi condenando por douto Acórdão proferido nos Autos de Processo Comum Colectivo nº 2166/99.1 JELSB, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Benavente, parcialmente confirmado por douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no dia 20 de Março de 2003, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigo 21º, nº 1 e 24, nº 1, al. c), ambos do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, Acórdão esse que transitou em julgado no dia 9 de Abril de 2002, pena essa que cumpre à ordem desses Autos e cujo termo se encontra previsto para o dia 23 de Maio de 2009, por factos praticados no período compreendido entre pelo menos o dia 31 Maio e o dia 23 de Junho de 2000; d) o arguido CC, em cumprimento da pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão, na qual foi condenado por douto Acórdão proferido no dia 9 de Julho de 1999, nos Autos de Processo Comum Colectivo nº 19/98.0 PBLRA, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º, nº 1 e 24º, al. i), ambos do DL. nº 15/93, de 22 de Janeiro e de 2 (dois) crimes de receptação, p. e p. pelo artigo 231º, nº 1, Código Penal, transitado em julgado no dia 26 de Julho de 1999, pena essa que cumpre à ordem desses Autos e cujo termo se encontra previsto para o dia 27 de Novembro de 2007, por factos cometidos no período compreendido entre os dias 4 a 27 de Maio de 1998; (…) f) a arguida DD, também conhecida pelas de alcunhas de “...” e “...” é companheira do arguido CC; g) em concordância com o previamente determinado e concertado, o arguido AA decidia o momento e a ocasião para que o arguido CC contactasse a arguida DD, no sentido desta adquirir ou obter substância estupefaciente ; h) nomeadamente, junto do arguido EE, nas proximidades dos estabelecimentos comerciais de café e pastelaria utilizados por este para transaccionar estupefacientes; i) sitos, os dois primeiros, um na Quinta dos Salgados, ... - Zona .... - Lisboa, o outro na Rua ....l, ... - Lote ...., Loja ... - Zona ... - Lisboa e o de pastelaria denominado “Empresa-A, Lda.”, sito Rua..., Lt. ..., Loja ... - Zona .... —Lisboa; j) assim, e de acordo com o acordado e determinado, a arguida DD adquiria ou obtinha heroína junto do arguido EE, a qual era posteriormente entregue ao arguido BB, nomeadamente, e pelo menos, junto à caixa Multibanco da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ...., e nas imediações do estabelecimento comercial denominado Restaurante ..., sito na ..., em Aveiras; k) Nas mãos deste, a heroína era por si levada para o interior do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus e aí por si entregue, umas vezes ao arguido AA, outras vezes ao arguido CC; l) como contrapartida por cada um dos transportes efectuados, a mando dos arguidos AA e CC, a arguida DD entregou ao arguido BB, pelo menos por três vezes, quantias em dinheiro, em montante total não determinado mas de, pelo menos, 1.750,00€; m) o que aconteceu nos locais mencionados em j) e em Alcobaça; n) Como contrapartida de entregas efectuadas nos termos referenciados em k), que aconteceram, pelo menos, nos meses de Março e Abril de 2003, em número não concretamente apurado de vezes, mas não inferior a três, nos locais mencionados em j); o) Apesar do arguido BB saber que não tinha direito a tais vantagens pecuniárias; p) Correspondendo cada entrega a um pacote de heroína com o peso não concretamente apurado, mas não inferior a 50 gramas; q) Que o arguido BB levou para o interior do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, e aí entregou nos termos expostos em k); (…) gg) para estabelecerem os contactos supra descritos, e para além dos contactos pessoais referenciados os arguidos BB, AA, CC, EE e DD utilizavam, de forma privilegiada as redes móveis, vulgarmente conhecidos por telemóveis; hh) utilizando, ainda, os arguidos AA e CC o posto público da rede fixa existente no interior do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, mediante a utilização de cartões denominados credifone; ii) utilizando ainda os demais arguidos tais meios e formas de comunicação, quer para com eles combinarem as formas de entrega de estupefacientes e de dinheiro, quer para marcarem encontros com vista à aquisição e venda de heroína e cocaína a consumidores de tais substâncias; jj) assim, e para tais efeitos: a) O arguido BB utilizou o telemóvel com o número ...; b) O arguido AA utilizou, para além do posto fixo existente no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, o telemóvel com o número ...., com a referência de carregamento 41; (…) nnnn) ainda no cumprimento das penas de prisão mencionadas em c) e d), voltaram os arguidos AA e CC a cometer os crimes, dolosos, de cuja prática vêm agora acusados, revelando, assim, clara e notória indiferença, desrespeito e insensibilidade às advertências que lhe deveriam ter servido as anteriores condenações; (…) rrrr) sabiam os arguidos BB, AA, CC, EE e DD que, ao actuarem da forma supra descrita, reiterada, conjunta e sincronizada, introduziam heroína no interior do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, agindo e colocando em causa ou perigo a vida, a segurança, a saúde e da integridade física dos demais reclusos aí detidos; ssss) actuaram sempre de forma deliberada, livre e consciente, em conjugação e comunhão de esforços e intentos, conhecendo as características do produto estupefaciente que adquiriram, detiveram, transportaram e cederam a outrem, por qualquer forma, respectivamente, eram censurados, proibidos e punidos por lei; (…) uuuu) sabiam ainda os arguidos AA, CC e DD que a quantia em dinheiro supra descrita que ofereceram ao arguido BB, e que este aceitou, fazendo-a sua, não lhe era devida e, com as suas actuações, tiveram intenção, concretizada, de conduzi-lo a efectuar transportes de heroína para o interior do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, factos que eram contrários ao cumprimento dos seus deveres de Guarda Prisional, assim tendo logrado a que o mesmo não cumprisse, como efectivamente não cumpriu, o que se lhe era imposto a nível legal, pessoal e deontológico, assim conseguindo deturpar e desviar os princípios da legalidade, o que conseguiram; (…) XLI. o arguido AA é solteiro e tem como habilitações literárias a 4ª classe, XLII. afirma desempenhar as funções de empresário do ramo alimentar, XLIII. mantém uma relação marital há aproximadamente 16 anos, da qual tem dois filhos menores com as idades de 13 e 11 anos; XLIV. goza de apoio familiar, nomeadamente da sua companheira e filha desta, que lhe apontam, todavia, a necessidade de alterar o vivenciado consumo de bebidas alcoólicas; XLV. mantém adequado comportamento prisional, ajustando-se às normas da instituição, tendo concluído, já no cumprimento da pena, o Curso de Formação Profissional de Canalizador; XLVI. apresenta um baixo limiar de critica e de censura relativamente aos factos que determinaram o cumprimento da pena em execução, revelando ausência de alterações no modo de se pensar; XLVII. para além do constante em c), do CRC do mesmo consta, ainda, o seguinte: - por Acórdão de 22/04/1985, do 1º Juízo Criminal, 2a Secção, de Lisboa — Processo de Querela nº 1820/84 -, foi condenado pela prática do crime de posse ilícita de estupefacientes, na pena Única de 4 meses de prisão, e esc: 6.000.00 de multa; - por Acórdão de 26/09/1990, do 1º Juízo Criminal de Lisboa, 2a Secção — Processo de Querela nº 4863/87 -, foi condenado pela prática do crime de receptação, p. e p. pelo art. 329º, nº 1, do Cod. Penal, na pena de 2 anos de prisão e esc: 25.000.00 de multa ou, em alternativa, 33 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos; - por despacho de 15/06/93, foi revogada a suspensão da pena decretada, e declarado perdoado um ano de prisão e metade da pena de multa; - por Acórdão de 19/12/1991, do 3º Juízo Criminal de Lisboa, 1ª Secção — PCTC nº 277/91 -, foi condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artºs 23º e 27º, ambos do DL nº 430/83, na pena de 6 anos de prisão; - por sentença de 24/04/97, do 2º Juízo do Tribunal de Vila Franca de Xira — Processo Sumário nº 49/97 96TALQ , e por factos praticados em 19/04/97, foi condenado pela prática do crime de condução sob o efeito do álcool, p. e p. no art. 292º do Cod. Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de esc. 700.00, e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 meses;” 2) A convicção formada assentou nas seguintes considerações (transcrição parcial): “ O Tribunal fundamentou a sua convicção na globalidade da prova produzida na audiência de discussão e julgamento e na ponderação dai advinda. Nomeadamente, e no que concerne à prova testemunhal, o Tribunal teve em atenção o teor dos seguintes depoimentos: (…) - de FF, Inspector da Polícia Judiciária, titular da investigação conducente aos presentes autos. Referiu ter chegado ao conhecimento da entidade investigatória que o arguido GG, conhecido como ... ou ... dedicar-se-ia á venda de estupefacientes, vindo a ser posteriormente apurado que o EE forneceria heroína e a HH e o GG forneceriam cocaína. Concretizou que o arguido II era o braço direito do arguido GG, vendendo por conta deste, o que acontecia também com os arguidos JJ e KK, sendo que o ... guardava a droga noutros locais que não a sua casa. Acrescentou ter presenciado no restaurante .... um encontro entre o arguido EE, o GG e o FF, sendo igualmente naquele local que o arguido EE e se encontrava com a arguida DD. Referenciou que o arguido EE abastecia ambos de heroína e que o arguido LL adquiria a ambos, pagando-lhe o pai a droga. Esclareceu que o FF, para além de vender ao GG, abastecia vários consumidores em quantidades assinaláveis, confirmando a busca efectuada e os bens que lhe foram apreendidos. Identificou quais os bens apreendidos ao arguido MM, a busca efectuada à viatura da arguida DD, a heroína apreendida, o facto de esta anteriormente já ter explorado casas de alterne, a vivência comum com o arguido NN, sendo que este também ia por vezes sozinho abastecer-se a Lisboa ao arguido EE, sendo que parte da droga era entregue ao arguido BB, que a introduzia no Estabelecimento Prisional. Acrescentou que a residência que a arguida DD tinha em Alfeizerão destinava-se a guardar exclusivamente a substância estupefaciente, confirmando os bens ali apreendidos, para além do estupefaciente. Confirmou o acto de penhora do ouro, o acompanhamento até á Nazaré, a ida subsequente a Lisboa e o encontro da arguida com o arguido EE. Acompanharam o trajecto da arguida em Lisboa, a ida ás traseiras de um dos cafés alegadamente explorados pelo arguido EE, local onde terá recebido o produto estupefaciente, pois, quando abandonou tal local, saiu de imediato para a A1, saindo de Lisboa. Confirmou o encontro com o OO e com o arguido BB no restaurante ...., que a DD e o BB ficaram a falar junto do balcão, e que o OO e o arguido NN saíram para a Nazaré levando a droga. Esclareceu que o arguido AA era conhecido pelas alcunhas de ..., ... e ..., e que a droga era entregue pela DD ao arguido BB, que a introduzia no Estabelecimento Prisional, entregando-a ao ....e ao CC, sendo que ambos teriam um telemóvel, ainda que o ... não guardasse o seu. (…) Por fim, referiu ainda que a arguida DD procurou por várias vezes os inspectores da Policia Judiciária, após a sua detenção, referindo-lhes estar a ser ameaçada pelo co-arguido AA, atento o teor do seu depoimento, demonstrando medo e receio. Outros factos alegados, nomeadamente o número de pagamentos efectuados ao arguido BB, os respectivos montantes e os alegados pagamentos efectuados pela arguida DD ao co-arguido AA, tiveram fundamentalmente por fonte de conhecimento os depoimentos dos arguidos prestados em sede de inquérito, ainda que perante o Juiz de Instrução Criminal, mas não reiterados em sede de julgamento, pelo que não puderam ser considerados pelo Tribunal; - de PP, inspector-chefe da Policia Judiciária, o qual explicitou a factualidade subjacente ao início da investigação, os trajectos de entrega e venda dos estupefacientes, as apreensões efectuadas consequentes ás buscas e revistas, a identificação do AA nas intercepções telefónicas como o ..., e que estas, mas não só estas, tiveram importância no desenvolvimento da investigação e factualidade apurada; (…) O depoimento das testemunhas supra identificadas revelou-se, na sua globalidade, ponderado e equilibrado, procurando relatar com objectividade os factos percepcionados, e explicitar os passos de investigação trilhados, consoante a fase ou fases específicas de investigação em que cada um interveio. Desvios momentâneos a tal objectividade, com a formulação de entendimentos subjectivos ou partilha de conclusões, quer por impulso próprio, quer por sugestão indagatória, não mereceram ponderação por parte do Colectivo, procurando-se antes uma purga conducente a uma racionalidade factual, tradutora de actos reais, objectivos e concretos, enformadores do corpo de delito em equação. (…) Apenas três arguidos pretenderam prestar declarações. O Arguido AA negou frontalmente os factos, referindo conhecer o co-arguido CC por cumprir pena no mesmo EP, e o arguido EE de vista, dado ter frequentado um bar deste, em Chelas. Acrescentou ser conhecido como ..., e que apenas conheceu a arguida DD das visitas que esta fazia ao companheiro. (…) Relativamente á prova documental constante dos autos, incluindo os autos de busca e apreensão, revelaram-se pertinentes para a formação da convicção do Tribunal, relativamente aos arguidos indicados, os seguintes elementos probatórios (com a indicação das folhas respeitantes) 2: (…) AA: relatório social — 4117 a 4119 —e CRC —1936 a 1941; (…) O Tribunal, na formação da sua livre convicção, ainda que legalmente e estritamente vinculada, teve em consideração e ponderação os autos de relato de diligências externas constantes dos autos, em articulação e concatenação com a prova testemunhal produzida, nomeadamente no que concerne á precisão das datas e horas, âmbito do conhecimento adquirido e fonte precisa do declarado. Outras das fontes enformadoras da convicção do Tribunal reporta-se ao conteúdo das intercepções telefónicas efectuadas e plasmadas nos autos, obtendo desta forma o valor e natureza de prova documental, que pode e deve ser valorada livremente pelo Tribunal, de acordo com as regras da experiência, de forma a auxiliar na formação da convicção do julgador. Todavia, atenta a especificidade de tal meio de obtenção de prova, e tendo em atenção que se encontra pendente nos autos recurso acerca da sua alegada nulidade, consideramos dever o Tribunal ponderar, de forma quanto possível exegética, a admissibilidade de recurso a tal meio probatório. (…) Assim, no que concerne a tal meio probatório, teve-se especialmente em atenção o teor das seguintes intercepções, por referência aos apensos donde as mesmas constam, e aos números de telefone dos arguidos indicados: 1) DD: Nº .... ----) EE (....): fls. 130, 131 a 134 e 135 (referência ao arguido AA); -----) EE (...): fls. 144, 147, 150 (referência ao ...), 161 (referência ao CC), 212, 213 e 215 a 217; -----) ... (....): fls. 214 (referência ao EE), 220 a 224 (referência ao ..., CC e BB), 225 e 228; ----- ) BB (....): 218, 219, 232, 233 a 236 (referência ao ... e ao CC), 237 e 238 (referência directa ao ...); -----) EE (....): 136 e 140 (referência ao ...), 138 e 139, 141, 143, 145, 149 (referência ao ... e ao CC), 155, 157, 158, 160, 162 (referência ao ..., CC e de forma mais remota ao BB), e 163 (referência ao ... e de forma indirecta ao BB); (----- ... (...): 210 e 211; (----- CC: 227; (----- EE (...): 229 e 230; (-----... (...): 242 a 245 (referência ao CC), 246 a 249; Nº ....-----) ...: 256 e 257; Nº ...-----) F: 258; -----) CC: 259 a 261 (referência ao ... e ao EE), 262 e 263, 265, 266 e 270 a 272 (referência ao ....); -----) Z: 267; 2) EE: Nº .... -----) ... (....): 142, 146, 153, 154, 156, 159, 165, 167 (referência aos elementos da PJ que se encontravam em observação), 168, 191 (referência indirecta à DD), 199 e 200, 201, 203 e 204 (referência indirecta à DD); -----) desconhecido:148: -----) DD (...): 202 (referência ao .... e ao CC; Nº ... ----) ....:190; Nº .... -----) ...:286 (referência à prisão da DD); 3) CC (....) -----) N....: 304 e 305 -----) N...: 307 e 308 (-----DD: 309 a 311 (referência ao ...), 312 a 315 (referência ao .... e ao BB), 316 a 319 e 320 a 324 (referência ao ...) (…) Relativamente a específicos actos de tráfico, as intercepções supra mencionadas apenas foram ponderadas, na falta de outra prova, quando das mesmas foi possível extrair que existiu efectiva venda, cedência ou entrega de substância estupefaciente, atenta a cronologia dos factos constantes e relatados nas intercepções (exemplificativamente, a reclamação pela qualidade da substância estupefaciente, o peso não conforme o acordado, a consumação imanente da entrega e a divida proveniente desta). Pelo que não mereceram relevância as aparentes ou efectivas encomendas, as conversas a combinar entregas posteriores ou a manifestar simples intenções. Por fim, a factualidade dada como não provada resultou da total ausência de prova, de prova de factualidade contrária e de ausência de prova convincente. Exemplificativamente, no que concerne ao grau de participação dos arguidos CC e AA, o Tribunal apenas conseguiu apurar que a heroína era-lhes entregue pelo arguido BB no interior do EP, não se conseguindo precisar qual o destino da mesma, ainda que estejamos perante quantidade relevante, tenham existido despesas na sua aquisição e entrada (pagamentos ao arguido BB) e não existir notícia de consumo por parte de ambos os receptadores, o que indicará logicamente algo que o tribunal não conseguiu concluir com a necessária certeza e segurança, ficando-se pela detenção.” B – O PRIMEIRO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO, ANULADO POR ESTE S.T.J. Da decisão de 1ª instância foi interposto, como se viu, recurso para o tribunal da Relação de Coimbra, que lhe não deu provimento. Interposto recurso da decisão, para este S.T.J., aqui se produziu acórdão a 6/4/2006 (fls. 5243 e segs.), que anulou o primeiro acórdão da Relação, por falta de fundamentação da decisão proferida sobre os recursos da decisão da 1.ª instância «nos pontos assinalados» (recurso 796/06-5): Fê-lo do seguinte modo, no ponto que mais releva para o presente: “ (…) B. A não (re)apreciação da matéria de facto provada na 1.ª Instância e impugnada nos termos prescritos na lei processual. Sobre este item, consta do acórdão recorrido: “Como se verifica pelas actas de audiência de julgamento a prova aí produzida foi documentada, o que estenderia os poderes de cognição deste tribunal à matéria de facto e de direito. Todavia, para que tal fosse processualmente permitido, tornava-se necessário que os recorrentes observassem o que impõe o art. 412º, nºs 3 e 4, ou seja, que indicassem os pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgada, as provas que impõem decisão diversa, sendo que tal se deve efectuar com referência aos suportes técnicos. Nenhum dos recorrentes cumpriu tais normativos, pelo que a matéria de facto se tem de considerar como fixada (art. 431º, al. b), do CPP). Impugnou a decisão proferida sobre a (alguma) matéria de facto, com observância mínima do estabelecido no artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP, o recorrente AA. E fê-lo como segue, na motivação e nas conclusões da mesma, estas transcritas integralmente no acórdão recorrido: “6. Finalmente, analisando a pronúncia, as imputações criminosas que determinaram a levada do arguido a julgamento, depois a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, cabe perguntar e esclarecer, como, objectivamente, deu o colectivo por provado, ao que se diz por unanimidade, o que se contém a fls. 15, em g), h), k), l), n), p), q), gg), hh), ii), b) (fls. 19), nomeadamente a detenção ou propriedade de um telemóvel por parte do arguido, a referência de carregamento 41, nnnn), (fls. 42), rrrr), ssss) e uuuu) (fls. 43), XLV e XLVI (fls. 51), e por não provado o que se contém em 1) e 3), (fls. 55); 5), (fls. 56); 23), 24) e 25), (fls. 57), 26) (fls. 58), uma vez que a prova testemunhal produzida em julgamento, vide a gravação da prova que se cita nos termos e para os efeitos do art. 412º, nº. 4., do CPP, nomeadamente Inspectores VO, totalidade da cassete nº. 1, gravada a 13 de Janeiro de 2005, LC, totalidade da cassete nº. 1, gravada no mesmo dia, RPG, cassete n.ºs 1 e 2, lado A, gravadas na mesma data, AR, cassete nº. 2., lado B, gravada em igual data e FF, titular dos autos, totalidade das cassetes 1 e 2, gravadas a 24 de Janeiro, toda a prova sendo unânime no sentido de garantir que não se realizaram quaisquer investigações no EP de Vale de Judeus, junto da Banca, dos CTT, da Western Union, das Finanças ou qualquer outra entidade, em relação ao arguido, assim valendo, apenas, dizemos nós, as declarações prestadas pelos arguidos BB e DD, em sede de Inquérito, não confirmadas em audiência já que, em tal sede, por estratégia colectiva, decidiram remeter-se ao silêncio”. O artigo 428º, nº 1, do CPP, dispõe que as relações conhecem de facto e de direito. Até à revisão operada no CPP pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, o conhecimento da matéria de facto pelas relações era meramente formal, feito apenas através da verificação dos vícios da sentença tal como configurados no artigo 410º, nº 2, do CPP, isto é, pela simples leitura do texto da decisão. Com essa revisão visou-se, neste domínio, assegurar um efectivo direito de reapreciação da matéria de facto em sede de recurso, tal como consta da exposição de motivos (no nº 16, al. g) da Proposta de Lei nº 157/VII). Para tal desiderato, as declarações prestadas na audiência passaram a ser por regra documentadas, designadamente por meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas. E partindo dessa documentação, os sujeitos processuais começaram a poder impugnar efectivamente a matéria de facto perante o tribunal de recurso, devendo, previamente, obedecer aos requisitos formais previstos no artigo 412º, nºs 3 e 4, do CPP: “3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição”. Cumpridas que sejam essas exigências, o tribunal da relação pode modificar a matéria de facto, como diz o artigo 431º do CPP: “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada, nos termos do artigo 412º, n.º 3; ou, c) Se tiver havido renovação da prova”. Perante estas normas jurídicas e com toda a jurisprudência que este Supremo Tribunal e o Tribunal Constitucional vêm produzindo, não é hoje mais defensável que, tendo o recorrente impugnado em recurso determinados pontos da matéria de facto e tendo cumprido, minimamente, as especificações legais com vista à sua modificação, estando a audiência documentada e as respectivas transcrições feitas nos autos, o tribunal da relação possa refugiar-se, essencial e nomeadamente, em justificação de deficiente incumprimento de formalidades processuais (as do citado artigo 412º, nºs 3 e 4, do CPP), para assim não apreciar efectiva e concretamente se há ou não motivo para alterar os pontos de facto impugnados. E, não havendo o recurso da decisão sobre a matéria de facto sido rejeitado por incumprimento das exigências do nº 3 do artigo 412.º do CPP, a Relação, no exercício do poder/dever do nº 1 do artigo 428.º do CPP, tinha de apreciar o mérito desse recurso e decidir em conformidade (artigo 431.º, al. b), do mesmo Código), salvo se, previamente, concluísse pela via do convite ao aperfeiçoamento. Se o recorrente não der cabal cumprimento às exigências do n.º 3 e especialmente do n.º 4 do artigo 412.º do CPP, nas conclusões da motivação, mas o fizer no texto dessa motivação, a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do artigo 431.º do CPP. Este último artigo, como resulta do seu teor, não toma partido sobre o endereçar ou não do convite ao recorrente, em caso de incumprimento pelo recorrente dos ónus estabelecidos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º, antes vem prescrever, além do mais, que a Relação pode modificar a decisão da 1ª instância em matéria de facto, se, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada, nos termos do artigo 412.3, não fazendo apelo, repare-se, ao n.º 4 daquele artigo, o que no caso teria sido infringido. Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é "a improcedência", por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões. A ausência de tal convite e a subsequente ausência de pronúncia sobre matéria que devia conhecer torna nulo o acórdão da Relação . Assim o vem decidindo também o Tribunal Constitucional, que distingue a deficiência resultante da omissão na motivação dessas especificações, caso em que o vício seria insanável, da omissão de levar as especificações constantes do texto da motivação às conclusões, situação que impõe o convite à correcção. Assim sendo, nada obstava e tudo (a lei, designadamente) impunha que o acórdão recorrido apreciasse especificamente os fundamentos do recurso deste arguido e, repetindo-nos, decidisse em conformidade. Não tendo o acórdão recorrido feito tal apreciação, falha a respectiva fundamentação, o que o torna nulo, nos termos dos art.s 425.º e 379.1.a do CPP. Tudo isto a determinar a prolação de um outro acórdão, no tribunal recorrido, se possível pelos mesmos juízes, em que os assinalados vícios sejam sanados (artigo 122º do CPP). Prejudicado, de imediato, o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos. Termos em que se anula o acórdão recorrido por falta de fundamentação da decisão proferida sobre os recursos da decisão da 1ª instância nos pontos assinalados”. Os autos baixaram então ao Tribunal da Relação de Coimbra para que fosse observado o prescrito no acórdão deste S.T.J. de 6/4/2006. C – ACÓRDÃO RECORRIDO Extraem- se do acórdão recorrido as seguintes passagens com interesse para o presente recurso: “Tendo sido proferido o nosso acórdão sobre a matéria dos autos, veio o mesmo a ser declarado nulo por falta de fundamentação quanto à nulidade das escutas telefónicas efectuadas, onde se remeteu, por concordância, quanto ao que consta da douta sentença recorrida, e porque se não apreciou a matéria de facto, cujos requisitos legais, que entendemos não estarem cumpridos, o foram considerados, no mínimo. Esta última nulidade baseia-se em que haveria que efectuar convite ao recorrente AA para corrigir a deficiência detectada. Isto foi feito, não tendo sido apresentada nova motivação de recurso corrigida. Dado que no douto acórdão do S.T.J. se refere que este recorrente cumpre minimamente as especificações, há que analisar a matéria de facto que contraria.” (…) “Como se verifica pelas actas de audiência de julgamento a prova aí produzida foi documentada, o que estenderia os poderes de cognição deste tribunal à matéria de facto e de direito. Todavia, para que tal fosse processualmente permitido, tornava-se necessário que os recorrentes observassem o que impõe o art.412º,nºs 3 e 4, ou seja, que indiquem os pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgada, as provas que impõem decisão diversa, sendo que tal se deve efectuar com referência aos suportes técnicos. Nenhum dos recorrentes cumpre tais normativos, pelo que a matéria de facto se tem de considerar como fixada (art.431º,al.b) do Cod. Proc. Penal). Sendo várias as questões suscitadas, há que analisar os recursos de per si, sem que a solução dada a um possa ser igual a de qualquer outro, pois se trata de meros problemas de direito. (…) “O arguido AA começa por invocar a nulidade derivada da circunstância de o acórdão não se encontrar assinado pelo Colectivo de Juízes. Consta do mesmo que a presente decisão foi tomada por unanimidade. A Meritíssima Colega que participou no Colectivo encontra-se de baixa médica antecedente a licença de parto, desconhecendo-se se, e quando, reassumirá funções. Pelo que se decide dispensar a sua assinatura ou visto. Sendo que o regime das nulidades estabelecido na legislação processual penal é taxativo, nele não se enquadra a situação presente. Por outro lado, a considerar-se como uma irregularidade, estaria sanada por não ter sido invocada no próprio acto ou dentro dos três dias seguintes a contar daquele em que tiveram conhecimento. O recorrente e seu ilustre mandatário estiveram presentes à leitura do acórdão, pelo que deveria ser então a sede própria para suscitar a questão. Não o fizeram, pelo que, a existir irregularidade, estaria sanada. No que respeita às escutas telefónicas já nos pronunciámos supra, pelo que nada mais há a acrescentar, o mesmo sucedendo quanto à prova produzida, nomeadamente, princípio da livre apreciação e modo de impugnação da matéria de facto. Suscita o recorrente a questão da motivação da sentença. Mais uma vez sem razão. A fundamentação deve conter a indicação das exigências cautelares e dos indícios que em concreto justificam a medida aplicada e a indicação dos meios de prova pertinentes. (cfr. Germano M. Silva, “Curso de Processo Penal”, I, pags.224 /5). A razão da sanção para a violação deste dever de fundamentar as decisões está presente no que o Prof. Alberto dos Reis assim resume: “Uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas”,´”é uma peça sem base”. A fundamentação, ao fim e ao cabo, traduz-se “na concretização dos elementos que em razão das regras da experiência e dos critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduziu o que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido” – vide Germano M. Silva, ob.cit.,pag.290). E o art.374º,nº2 a mais não obriga. “Não há que reproduzir os dizeres dos depoimentos numa tentativa de substituir a gravação de que se prescindiu e que sempre, nessa falta, poderia levar a dúvidas e suspeitas pelo rigor dos mesmos. Interessa e basta, quanto a nós, a indicação dos meios de prova, analisados criticamente na sua isenção e credibilidade, conjugando-os e harmonizando-os num processo lógico-dedutivo que conduza indubitavelmente, em certeza humana, à factualidade. Como já expôs o STJ, a fundamentação da sentença não tem de ser uma espécie de “assentada” em que o tribunal reproduza os depoimentos dos testemunhos ouvidos, ainda que de uma forma sintética. O exame crítico das provas deve ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (STJ 11/10/2000, Proc.nº 2253/00- 3ª Secção.). O objectivo do segmento final da norma do art.374º,nº2 do CPP, em que se estatui o dever de indicação e exame crítico das provas, é o da explicitação e reforço do indiscutivelmente importante dever de fundamentação. Pretende-se que, de uma forma sucinta, seja tanto quanto possível transparente e explícito o processo lógico-racional que levou à convicção do tribunal, formado com base no princípio da livre apreciação da prova (art.127º do CPP) em ordem a facilitar o auto controle da decisão pelo julgador, a viabilizar a exigível sindicabilidade da decisão e a reforçar a sua compreensibilidade pelos diversos destinatários directos e da comunidade em geral, como elemento de relevo para a sua aceitação e legitimação. Esse dever não exige a referência específica a cada elemento de prova ou, muito menos, àqueles que tendo sido observados não mereceram crédito. (Ac. STJ, de 1/10/2000, Proc. Nº2437/00-3ª Sec). Daí podemos decorrer que nada há a criticar à decisão recorrida, que obedece, em todos os campos contraditados, aos parâmetros exigidos pela lei, para o que basta vermos a sua extensa fundamentação. Contende ainda quanto a parte da prova considerada pelo tribunal como provada e não provada, reportando-se à falta de prova produzida em julgamento sobre esses elementos. Todavia, olvida que no decurso dos autos foram efectuadas intercepções de conversas telefónicas e foi com base nesse elemento de prova que o tribunal se fundamentou, o que se afigura correcto, após a leitura da respectiva transcrição. E não se pode esquecer o que se referiu sobre a apreciação da prova, nomeadamente quanto aos princípios da imediação e da oralidade.” D – RECURSO Numa leitura, sem dúvida original, do disposto no nº 1 do artº 412º do C.P.P., nos termos do qual as conclusões resumem as razões do pedido, o recorrente AA apresentou a seguinte motivação (fls. 5821 a 5823), seguida das conclusões (fls. 5823 a 5826) que também se transcrevem. Certo que, uma e outras, seguem de perto, por vezes textualmente, as apresentadas aquando do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 4675 a 4679). “Quanto à validade das escutas telefónicas À cautela, como dizia o sábio judeu "não vá o diabo tecê-las", sempre se dirá que a nulidade das escutas não pode deixar de ser declarada, como igualmente declarada a contaminação da prova, que se diz delas ter resultado, impondo-se considerar que, o tão prolixo quanto desadequado quadro teórico esgrimido no acórdão, reafirmado pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, manifestamente se mostra em contraponto com a doutrina vinculativa do Tribunal Constitucional, nenhum argumento podendo validar que, a prescrita apresentação imediata das fitas gravadas ao Magistrado Judicial, vide n°. 1., do art°. 188°., do CPP, possa interpretar-se como imediata cabendo num prazo de trinta dias. No mínimo, e com todo o respeito, trata-se de um atentado à inteligência de qualquer cidadão comum, seguramente a corrigir nesta alta sede judicial, mais do que tudo cabendo reafirmar que, contra o arguido, não podem ter-se por apuradas sequer quaisquer escutas telefónicas, não existindo conversas entre o mesmo e terceiros, apenas estes, a que não se mostra ligado, a referirem-se a um "preto", a um "compadre", nenhuma prova militando a favor da associação destes epítetos com o aqui arguido recorrente. Sem prejuízo de explanação em tempo oportuno, com vista a garantir a declaração de nulidade das escutas, e da consequente inexistência da prova que delas resulta, o sempre referenciado efeito à distância, invoca-se e sufraga-se, por nulidade absoluta, o que se contém no acórdão 528/2003 e 407/97, ambos tirados pelo Tribunal Constitucional, respectivamente publicados no DR., II Série, de 17 de Dezembro e DR., II Série, de 18 de Julho, igualmente se louvando o arguido no que se contém no acórdão 347/2001, tirado pelo Tribunal Constitucional, publicado no DR., II Série, de 9 de Novembro de 2001, este, e os demais, sintetizado no acórdão 528/2003, publicado no DR., II Série, de 17 de Dezembro de 2003, decisões que não se mostram minimamente contrariadas pela douta decisão ora sindicada, aliás o que já ocorria anteriormente, quando para este Tribunal se recorreu. Naturalmente que toda a jurisprudência citada, produzida em razão da cominação de nulidade que se contém no art°. 189°., do CPP, resultando da conformidade, ou não, com o que se contém nos art°s. 32°., n°s. 1 e 8, 34°., n°s. 1 e 4,204°., 210°, n° 1 e 202°, todos da CRP, finalmente, em razão do quadro legal que se contém nos art°s. 120°. e 121°., do CPP. E se, quanto a todos os arguidos interceptados telefonicamente, este deve ser o quadro legal de aplicação inequívoca, quanto ao recorrente, como acima se manifestou, inexiste prova de qualquer afectação a um telefone escutado, não se lhe podendo assacar quaisquer ligações a um aparelho de telecomunicações, que jamais se lhe apreendeu, nem sequer se tendo feito prova da respectiva existência, de onde tal questão nem se coloque, em bom rigor, ainda que se admitisse que o Tribunal a quo, de uma vez por todas, apurada tal inexistência, desse finalmente corpo a uma declaração decisória de nulidade de todo o processado, o que novamente não ocorreu. Finalmente, analisando a pronúncia, as imputações criminosas que determinaram a levada do arguido a julgamento, depois a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, como deu o Colectivo de Juízes por provado, o que se contém a fls. 15, em g), h), k), 1), n), p), q), gg), hh), ii) , b), (fls. 19), nomeadamente a detenção ou propriedade de um telemóvel por parte do arguido, a referência de carregamento 41, nnnn), (fls. 42), rrrr), ssss) e uuuu), (fls. 43), XLV e XLVI, (fls. 51), e por não provado o que se contém em 1) e 3), (fls. 55); 5), (fls. 56); 23), 24) e 25), (fls. 57); 26), (fls. 58),\uma vez que a prova testemunhal produzida em julgamento, vide a gravação da prova que se cita nos termos e para os efeitos do art°. 412°., n°. 4., do CPP, nomeadamente Inspectores VO, totalidade da cassete n°. 1, gravada a 13 de Janeiro de 2005, LC, totalidade da cassete n°. 1, gravada no mesmo dia, RPG, cassete n°s. 1 e 2, lado A, gravadas na mesma data, AR, cassete n°. 2., lado B, gravada em igual data e FF, titular dos autos, totalidade das cassetes 1 e 2, gravadas a 24 de Janeiro, toda a prova sendo unânime no sentido de garantir que não se realizaram quaisquer investigações no EP de Vale de Judeus, junto da Banca, dos CTT, da Western Union, das Finanças ou qualquer outra entidade, em relação ao arguido, assim valendo, apenas, dizemos nós, as declarações prestadas pelos arguidos BB e DD, em sede de Inquérito, não confirmadas em audiência já que, em tal sede, por estratégia colectiva, decidiram remeter-se ao silêncio. Sem prejuízo do que se explanará em momento oportuno, sempre se dirá que o Colectivo de Juízes, não sustentado em prova testemunhal {vide suportes magnéticos em confronto com o constante de fls. 4435 e ss.), menos em prova documental {vide fls. 4447, 4463, 4464, aqui por verdadeiro absurdo), violou os art°s. 127°. e 374°., n°. 2, ambos do CPP, já que o sentido decisório apenas se sustenta em insustentáveis declarações de coniventes arguidos, cujos depoimentos, por produzidos em Inquérito, naturalmente não se invocam, com ligações íntimas entre todos, dessa forma incorrendo na previsão do art°. 410°, n°s. 1 e 2, alíneas a), b) e c), de tal violação normativa, cabendo lançar mão do disposto no que se contém no art°. 412°., do CPP, impondo-se, a absolvição do arguido, a não se acolher esta, o necessário reenvio de toda a prova testemunhal para novo julgamento, tudo nos termos do art°. 426°., do CPP, assim se buscando provar toda a matéria que se enumera supra, em relação à dada por provada. Termos em que, e em conclusão, 1. Quanto à validade das escutas telefónicas, e à cautela, sempre se dirá que a sua nulidade não pode deixar de ser declarada, como igualmente declarada a contaminação da prova, que se diz delas ter resultado, impondo-se considerar que, o tão prolixo quanto desadequado quadro teórico esgrimido no Acórdão ora sindicado, cuja matriz se decalca na douta decisão proferida anteriormente pelo mesmo Tribunal da Relação, ainda antes em sede de primeira instância, manifestamente se mostra em contraponto com a doutrina vinculativa do Tribunal Constitucional, nenhum argumento podendo validar que, a prescrita apresentação imediata das fitas gravadas ao Magistrado Judicial, vide n°. 1., do art°. 188°., do CPP, possa interpretar-se como imediata cabendo num prazo de trinta, ou mais ou menos dias. 2. Sem prejuízo de explanação em tempo oportuno, ou seja, em sede de explanação oral na V. prestigiada presença, com vista a garantir a declaração de nulidade das escutas, e da consequente inexistência da prova que delas resulta, o sempre referenciado efeito à distância, invoca-se e sufraga-se, o que se contém nos Acórdãos 528/2003 e 407/97, ambos tirados pelo Tribunal Constitucional, respectivamente publicados no DR., II Série, de 17 de Dezembro e DR., II Série, de 18 de Julho. Igualmente se louvando o arguido no que se contém no acórdão 347/2001, tirado pelo Tribunal Constitucional, publicado no DR., II Série, de 9 de Novembro de 2001, todos sintetizados no aludido Acórdão 528/2003. 3. Acórdãos cuja existência radica na cominação de nulidade que se contém no art°. 189°., do CPP, tudo resultando da conformidade, ou não, com o que se contém nos arts. 32°., n°s. 1 e 8, 34°., n°s. 1 e 4, 204°., 210°., n° 1 e 202°., todos da CRP, finalmente, em razão do quadro legal que se contém nos arts. 120°. e 121°., do CPP, que ora se invocam enquanto balizantes da matéria em apreço. Contudo, 4. E se, quanto a todos os arguidos interceptados telefonicamente, este deve ser o quadro legal de aplicação inequívoca, quanto ao recorrente, como sempre se disse, e ora claramente se confirma do texto decisório, inexiste prova de qualquer afectação sua a um telefone escutado, não se lhe podendo assacar quaisquer ligações a um aparelho de telecomunicações, jamais se lhe apreendeu ou meramente comprovou a respectiva existência, nunca se apurando quem seja o autor dos telefonemas, que ora se diz terem origem na pessoa do arguido, ora se decide com base em que nos mesmos, por terceiras pessoas, se mostra referenciado, aqui, também numa dupla e tão errada quanto infundamentada decisão, que se mostra dissertada entre fls. 115 a 119, podendo concluir-se que, quanto a si, por falta de verdadeiro corpo de delito, nem se colocando tal, na origem, prejudicada questão. 5. Finalmente, analisando a pronúncia, as imputações criminosas que determinaram a levada do arguido a julgamento, depois a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, cabe voltar a perguntar, e esclarecer, como, objectivamente, dois Tribunais decidiram o que, desde o início, agora neste acórdão, se plasma, os iniciais quesitos condenatórios, que então se elencaram em g), h), k), 1), n), p), q), gg), hh), ii) , b), (fls. 19), nomeadamente a detenção ou propriedade de um telemóvel por parte do arguido, a referência de carregamento 41, nnnn), (fls. 42), rrrr), ssss) e uuuu), (fls. 43), XLV e XLVI, (fls. 51), e por não provado o que se contém em 1) e 3), (fls. 55); 5), (fls. 56); 23), 24) e 25), (fls. 57); 26), (fls. 58). 6. Quanto à prova testemunhal, que se contém na totalidade da cassete 3, gravada a 13 de Janeiro de 2005, impondo-se referir que a testemunha VO, fls. 105 e ss, das transcrições, apenas refere conhecer um ... e a ..., assim desconhecendo o Recorrente. LC, fls. 119, das transcrições, apenas refere conhecer a DD, o LL, o GG e o EE, resultando infrutíferas duas diligências por si protagonizadas, que participou na busca a casa da DD, e que esta estaria relacionada com a prostituição, concluindo, a fls 149, permita-se, aqui tocando de ouvido, que haveria "um género de hierarquia em que colocava o EE no topo da pirâmide", confirmando a fls. 160/161, não conhecer nem ter realizado qualquer diligência conexa com o aqui Recorrente. 7. RPG, fls. 175 e ss., das transcrições, cassete n°s. 1 e 2, lado A, gravadas na mesma data, confirma conhecer o arguido e outros seus co-arguidos, a fls. 204 dizendo que se apurava ser um dos estrategas da entrega da droga no EP de Vale de Judeus, a fls. 205 confirmando nunca sequer ter falado com o mesmo e que tudo se mostrava fundamentado em escutas. Já a fls. 218 afirmando que nunca havia referido conhecer bem o ... intervindo pontualmente no processo, fls. 220, finalmente acedendo a confirmar que o Recorrente nunca foi chamado por ..., que havia conversas entre a DD e o marido GG, tendo sido esta quem colou ao Recorrente à designação de "preto", com que se estriba a afectação entre ambos, assim a sua responsabilidade criminal, fls. 221 a 223, a final, fls. 224 e ss., confirmando não terem sido levadas a cabo diligências no EP ou em qualquer outro lado. Por absurdo, fls. 227 e ss., concluindo que não se apuraram visitas da DD ao AA, a quem não buscaram ou encontraram droga. 8. AR, cassete n°. 2., lado B, gravada em igual data, fls. 250 e ss., das transcrições, refere desconhecer o arguido, assim em nada contribuindo, tal como os demais, para a formação da convicção decisória, cujo errado sentido se mostra exarado em todas as decisões proferidas até ao momento. 9. Finalmente, FF, titular dos autos, totalidade das cassetes 1 e 2, gravadas a 24 de Janeiro, fls. 413 e ss., das transcrições, confirma que antes deste processo não conhecia os arguidos, que a arguida DD tinha uma casa de alterne, "portanto, uma casa de prostituição", fls. 429, falando de abastecimentos e tráficos, receptações e penhores de bens, tudo por parte da DD, a partir de fls. 432 e ss., a fls. 434 referindo a alcunha de "compadre" do Recorrente, atenta uma segura ligação familiar ao EE, na mesma resposta afirmando que "é o nome que todos eles chamam...", "eles (leia-se pretos) falam entre si, compadre, comadre". A fls. 436 procura explicar o inexplicável, quanto à existência de um telemóvel, mesmo que temporariamente possuído pelo Recorrente, não adiantando uma prova que seja em tal favor. Relativamente aos significativos meios económicos do arguido, que a acusação plasma de forma inaceitável, refere nada ter apurado, nomeadamente quanto a transferências bancárias ou via Western Union, fls. 438. Por criminoso absurdo, se se permite, a fls. 443 coloca o Recorrente no topo da tal antes citada pirâmide, concluindo na folha seguinte quem liderava a distribuição de droga na zona de Alcobaça, Benedita e Rio Maior, o LS, que dividia o negócio e a geografia com a DD, esta, assim o diz, "que abastecia também Alcobaça, Nazaré, São Martinho, ali aquelas zonas...". 10. A instâncias da defesa, fls. 479 e ss., declarando conhecer o arguido destes autos, que nunca lhe relatou, em diligência policial, o que contra si militava, que desconhece as quantidades de droga entradas na cadeia, que não analisaram as contas bancárias do BB, que nunca investigou os lucros do Recorrente, quer junto da banca, quer junto da Western Union, da família do arguido, da conta corrente da cadeia, que nunca apurou visitas da DD com o AA no EP, a fls. 487 confirmando não ter feito qualquer diligência relativamente ao AA, apenas tendo como prova o testemunho de uma co-arguida, e as intersecções telefónicas, fls. 486 a 488. Concluindo, a fls. 492, não se ter mostrado necessário apurar, se o arguido tinha bens, casas, automóveis, contas bancárias. Ainda, o que se mostra particularmente grave, a fls. 498, referindo-se a papéis visualizados, talões da Western Union, na casa da DD, referiu não os terem apreendido "na altura não sabíamos o que é que significava", em alternativo rigor, e a fls. 512, identificando o "preto" como o .... Confirmando a fls. 504 e ss., que não fizeram ou requereram buscas em Vale de Judeus, que não apuraram as condições de vida do AA, dentro e fora da cadeia, que não confirmaram a afectação de carregamentos a um dito telefone do Recorrente AA, que o AA não frequentava casas de alterne ou que tivesse anterior conhecimento com a DD, 11. Assim, toda a prova se mostrando unânime no sentido de garantir que não se realizaram quaisquer investigações no EP de Vale de Judeus, junto da Banca, dos CTT, da Western Union, das Finanças ou qualquer outra entidade, em relação ao arguido, assim valendo, apenas, dizemos nós, as declarações prestadas pelos criminosos e maquiavélicos co-arguidos BB e DD, em sede de Inquérito, não confirmadas em audiência já que, em tal sede, por estratégia colectiva, decidiram remeter-se ao silêncio. De onde, uma vez mais, 12. Sempre se dirá que o Tribunal, não sustentado em prova testemunhal (vide suportes magnéticos em confronto com o constante de fls. 4435 e ss.), menos em prova documental (vide fls. 4447, 4463, 4464, aqui por verdadeiro absurdo), violou os art°s. 127°. e 374°., n°. 2, ambos do CPP, neste último caso com a cominação prevista no art°. 379°, do mesmo diploma, já que o sentido decisório apenas se sustenta em insustentáveis declarações de coniventes arguidos, cujos depoimentos, por produzidos em Inquérito, naturalmente não se invocam no Acórdão, arguidos com ligações íntimas entre todos, dessa forma incorrendo a decisão na previsão do art°. 410°, n°s. 1 e 2, alíneas a), b) e c), de tal violação normativa cabendo lançar mão do disposto no art°. 412°., do CPP, impondo-se, por tão gritante a má Justiça decidida, a absolvição do arguido, não se acolhendo esta, o necessário reenvio de toda a prova testemunhal para novo julgamento, tudo nos termos do art°. 426°., do CPP, com o que buscará sustentar toda a prova que se enumera supra, em verdadeiro eufemismo, dita dada por provada, com o que se fará Justiça.” O Mº Pº , na sua resposta, disse a fls. 5869 e segs.: “Dos anteriores arguidos recorrentes, sobram inconformados relativamente ao reiterado julgado condenatório os arguidos CC, II e AA. E fazem-no reincidindo mais uma vez na invocação de erros de apreciação da prova e de julgamento da matéria de facto, que confundem ou apresentam sob a capa de vícios dos artigos 374°, n°2, 379°,n°l ais a) e b) e 410°, n°2 do Código de Processo Penal, e que alguns enfatizam serem em parte o resultado da indevida consideração das escutas telefónicas que serviram de lastro à investigação, por, na sua óptica, estas terem sido efectuadas à margem de alguns dos procedimentos legais exigidos. Mas sobre estas questões se pronunciou detalhadamente o douto acórdão recorrido em termos de bem evidenciar a sua improcedência, com reafirmação da validade das escutas telefónicas impugnadas, assim concluindo pela inalterabilidade do quadro factual dado como assente e, portanto, pela inatacabilidade das decisões de facto questionadas e pela sua consequente aceitação à luz dos ditames do artigo 127°daquele mesmo Código, sendo que conforme foi também a posição assumida pelo Ministério Público quer na Ia instância, quer nesta Relação. Por isso que, naufragando os alegados vícios e expurgados os recursos das questões de índole factual que, concomitantemente ou em decorrência disso, aqui são reeditadas, porque também elas alheias aos poderes de cognição desse Supremo Tribunal, enquanto tribunal de revista, mais não restará portanto, como matéria de direito merecedora de reapreciação superior, que não seja as divergências, também aqui reafirmadas paios arguidos CC e /II, sobre aspectos relacionados com a qualificação jurídico-penal das condutas (que se aponta para incriminições mais privilegiadas ) e com a medida das penas ( que se pretende mais moderadas). Só que, também no que toca a estes pontos, nada de relevante e atendível se colhe que de algum modo permita bulir com a justeza e bondade do sentenciado. Razão porque, negando provimento aos recursos e confirmando o douto acórdão impugnado, farão VOSSAS EXCELÊNCIAS JUSTIÇA” Já neste S.T.J. o Mº Pº tomou posição relativamente ao recurso do recorrente AA nos termos seguintes: (…) “Do douto acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 23.11.2006 (fls. 5672 e segts.), recorrem em tempo os arguidos II (fls. 5767, 5791 e segts.), CC (fls. 5782 e segts.) e AA (fls. 5806, 5821 e segts.), respondendo o MºPº, através do Procurador Geral Adjunto (fls. 5859 e segt.). Deverá ser mantido o efeito que lhe foi atribuído por douto despacho de fls. 5834. Os recursos dos acórdãos das relações interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça só podem ter por finalidade o reexame da matéria de direito e já não os recursos interlocutórios já decididos bem como a matéria de facto incluindo os vícios p. no nº 2 do art. 410º do CPP porque estes só poderão ocorrer oficiosamente (arts. 432º, al, d) e 434º do CPP). É também pacífico o entendimento da jurisprudência do STJ que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que são apresentadas nas alegações. O acórdão da Relação de Coimbra, agora novamente em recurso, foi proferido porque o anterior fora anulado por douto acórdão do STJ de 06.04.06, por não ter fundamentado a negação do provimento do recurso do arguido EE quanto às escutas telefónicas e dos restantes arguidos por ter deixado de apreciar os recursos quanto à matéria de facto (fls. 5337, 5672 e segts.). Agora em novo recurso os arguidos/recorrentes CC e AA, vêm impugnar outra vez as escutas telefónicas, que tendo sido objecto de recurso intercalar foram agora apreciadas e fundamentadas com os recursos da decisão final, como questão prévia. No entanto, tal como tem sido doutamente decidido neste Supremo Tribunal será “irrecorrível o acórdão da Relação que, em recurso meramente intercalar que não põe termo à causa”, é ordinariamente irrecorrível (Acs. do STJ de 06.04.06, p. 1037/06, de 16.09.05, p. 2324/05 e de 12.07.05, p. 765/05, todos da 5ª secção, entre outros). Os arguidos/recorrentes AA e II no recurso agora interposto do acórdão da relação versam matéria de facto quando pretendem defender alguns dos vícios p. no nº 2 do art. 410º do CPP e ainda violação de “princípio in dúbio pro reo”. O arguido CC pretende a apreciação de toda a prova produzida em audiência na 1ª instância. Assim, como os recursos dos arguidos II, CC e AA, só podem versar matéria de direito, que também impugnam então relativamente à matéria que versa, quer os recursos intercalares, quer a matéria de facto, parece-nos que poderão/deverão ser de rejeitar no que respeita (arts. 400º, nº 1, al. b) e 424º do CPP) e oportunamente, podendo prosseguir relativamente às eventuais questões de direito.” E – APRECIAÇÃO 1) O recorrente começa por solicitar a declaração de nulidade das escutas telefónicas (conclusões 1, 2 e 3). 2) Mas, logo a seguir (conclusão 4), refere que a questão está, quanto a ele, prejudicada, porque nenhum aparelho que lhe estivesse afecto foi submetido a escuta. 3) Defende então que inexiste prova que possa sustentar a condenação de que foi alvo (conclusão 5), e passa depois a debruçar-se sobre os depoimentos de várias testemunhas, com recurso à prova gravada (conclusões 6 a 11). 4) Por fim (conclusão 12), defende a violação dos artºs. 127º e 374º nº 2, com a cominação do artº 379º, todos do C.P.P., e bem assim a verificação de todos os vícios do artº 410º nº 2 do C.P.P., com a consequente absolvição do arguido, ou a remessa “de toda a prova testemunhal para novo julgamento”, nos termos do artº 126º, sempre do C.P.P.. 1) Em relação à primeira questão, da validade das escutas telefónicas, importa ter em conta a posição que já se tomou no acórdão proferido neste mesmo processo, e que visou conhecer o recurso interposto pelo co-arguido CC (fls. 6132 e segs.). Trata-se do acórdão de 13/3/2008, relatado pelo Conselheiro Carmona da Mota, e que nós mesmos subscrevemos. A posição que aí se assumiu, a propósito da questão das escutas, é a que agora aqui reiteramos, procedendo-se à transcrição da seguinte passagem: “7.2. Ora, a Relação julgou oportunamente esta questão (colocada pelo co-arguido EE, em recurso interlocutório), tendo concluído pela «validade da prova obtida através das escutas telefónicas»: «O quadro legal das escutas telefónicas, enquanto meio de obtenção da prova, encontra-se plasmado nos artigos 187º a 189º do Cód. de Processo Penal. O primeiro dos normativos prevê acerca da admissibilidade de tal meio, o art. 188º processualiza acerca das exigências formais a observar em tais operações, enquanto que o último dos normativos consigna que os requisitos e condições plasmados naqueles artigos “são estabelecidos sob pena de nulidade”. A alegada questão da nulidade das escutas telefónicas efectuadas nos presentes autos é colocada fundamentalmente pelo arguido EE aduzindo, em suma, os seguintes argumentos (...). A problemática subjacente á (in)validade do recurso ao presente meio de obtenção de prova, e quais as consequências decorrentes da inobservância dos requisitos ou formalidades legais, tem merecido tratamento diferenciado por parte da nossa jurisprudência, e várias posições doutrinárias, merecendo atenção preferencial as decisões que têm sido proferidas pelo Tribunal Constitucional. Pugnando acerca do reconhecimento da dignidade humana e da liberdade individual, a nossa Lei Fundamental consagra como direitos fundamentais dos cidadãos o direito à palavra, á reserva da intimidade da vida privada e familiar e á inviolabilidade do domicilio, da correspondência e das telecomunicações — cfr., artigos 26.1 e 34.4 da CRP. Todavia, é a mesma lei fundamental que, compreensivelmente, admite várias limitações ou restrições aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, na medida do estritamente necessário à garantia e salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente consagrados. E o que acontece com o citado nº 4 do art. 34º da Constituição pois, apesar de estabelecer a já enunciada proibição, salvaguarda os casos previstos na lei em matéria de processo criminal ou penal. Nas palavras de Cristina Ribeiro, “a admissibilidade de tal ingerência impõe, ainda assim, que ela tenha de ser compaginada com uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao art. 18º, no 2, da CRP, limitando-se “ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente”. Ora, as normas processuais penais que tratam acerca das escutas telefónicas como meio de obtenção de prova procuram conciliar interesses opostos e aparentemente contraditórios. Procuram “fazer a ponderação entre os interesses e direitos conflituantes e espelham a tensão dialéctica existente entre: a) por um lado, garantir a tutela dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; b) por outro, salvaguardar os interesses mais relevantes da eficácia da investigação criminal e o interesse comunitário no cumprimento das normas penais, garantindo o ius puniendi do Estado”. Ora, assim sendo, e reconhecendo-se a danosidade social que tal meio de prova potencia, nomeadamente no que concerne aos já mencionados direitos fundamentais dos cidadãos, deve o mesmo efectivamente assumir uma natureza ou carácter excepcional, sempre orientado pelas finalidades e fins específicos previstos na lei processual penal. As linhas orientadoras ou traves mestras do presente regime legal de escutas telefónicas orientam-se pelos seguintes princípios ou requisitos: - apenas são admissíveis nos denominados crimes de catálogo ou seja, nos chamados crimes de média e alta gravidade especificamente e exaustivamente elencados no n.º 1 do art. 187º do CPP, não sendo legalmente admissível qualquer extensibilidade de tal catálogo; - é necessária a pendência de um processo criminal, in casu, de um inquérito, ainda que contra desconhecidos, parecendo nada impedir que o mesmo processo tenha por base denúncias anónimas, “desde que, como é óbvio, elas contenham factos determinados que conduzam à formação da convicção judicativa exigida pelo art. 187.1”; - é necessária a existência de um despacho judicial devidamente fundamentado, existindo quanto ao presente meio de obtenção de prova uma verdadeira reserva de competência jurisdicional, conforme resulta do art. 269.1, al. c), do CPP. E, este despacho deve ser efectivamente fundamentado, atendendo “aos princípios de subsidiariedade e de proporcionalidade, ponderando por um lado, a necessidade de investigar os crimes (....) e, por outro, a necessidade de tutelar os interesses individuais que vão ser postos em causa, devendo ainda ficar inequivocamente demonstrado, conforme legal exigência que o recurso a outra diligencia menos gravosa de aquisição probatória não tem eficácia relativamente aos factos que se pretendem apurar, pela natureza do crime, qualidade dos seus agentes, e/ou atento o modo de execução”. O que determina um juízo de “essencialidade para a recolha da prova e a sua idoneidade para a descoberta da factualidade em investigação no processo”. Para além do exposto, compreende-se que a densidade da fundamentação do despacho de autorização não seja uniforme, mas antes dependente “da fase das diligencias investigatórias em que a escuta for ordenada”, através de um juízo sustentado, e tanto quanto possível factualizado, longe de “meras repetições do texto da lei ou de fórmulas vazias de sentido”. Assim, não é suficiente a existência de meras suspeitas para se recorrer a tal meio de obtenção de prova, antes se exigindo que a investigação assente “em factos determinados”, traduzindo e exigindo “menos do que os “fortes indícios de prática de crime” (art. 202.1.a), mas mais do que “meras suspeitas ou boatos não confirmados”. Para além dos princípios já mencionados, exige-se ainda observância pelo princípio da adequação, devendo a diligência revelar-se de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, segundo um necessário juízo de prognose. Inspirando-se nos trabalhos da doutrina germânica, André Lamas Leite faz depender a admissibilidade de tal meio de obtenção da existência de “razões objectiva e judicialmente controláveis que permitam concluir que já foram utilizados malogradamente outros meios de prova, ou que o recurso às escutas telefónicas (mesmo que o primeiro a ser usado) e o mais eficaz, atendendo á natureza do crime e às suas circunstancias”, no que se traduz, afinal, no reconhecimento do já enunciado princípio da subsidiariedade. E, acrescenta o mesmo autor, tendo a enunciação legal por base um interesse qualificado (grande interesse), o princípio da adequação implica a essencial demonstração de que o recurso às escutas telefónicas configura-se, em concreto, como o meio de obtenção de prova idóneo á recolha do material probatório. No campo específico das formalidades das operações, urge considerar que o auto de intercepção e gravação das comunicações telefónicas deve ser, juntamente com os registos das gravações, levado ao imediato conhecimento do juiz, com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova. A legal expressão imediatamente tem merecido vários entendimentos jurisprudenciais, tendo o Tribunal Constitucional (...) salientado e realçando os seguintes pontos ou entendimentos: “a imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica aparece como o meio que melhor garante que uma medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas pelo texto constitucional; tal garantia pressupõe o acompanhamento da operação de intercepção telefónica pelo juiz; não se impõe que a escuta seja realizada materialmente pelo juiz, mas deve assegurar-se um acompanhamento efectivo, continuo e próximo temporal e materialmente da fonte («imediato»), assegurando que, em função do decurso da escuta, seja mantida ou alterada a decisão que a determinou; não é, pois, constitucionalmente admissível a inexistência, documentada nos autos, desse acompanhamento e controlo ou a existência de largos espaços de tempo em que essa actividade do juiz não resulte do processo”. Deste modo, entendem e concluem tais arestos do Tribunal Constitucional, ser inconstitucional a interpretação do art.188º, nº 1, do C.P.P., no sentido de “não impor que o auto de intercepção e gravação das conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a: - que o juiz possa decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou alguns deles; - que a autorização para a continuação da realização de intercepção e gravação por determinado período seja concedida após o juiz tomar conhecimento do resultado da anterior intercepção”; - por fim, como último procedimento garantístico, deve o juiz ordenar, por despacho, a transcrição em auto e a junção ao processo dos elementos probatórios relevantes, bem como a destruição dos irrelevantes, podendo, e devendo, ordenar uma transcrição mais ampla ou mais restrita do que aquela que lhe é proposta, após consulta do auto e audição das gravações. Exposto, de forma necessariamente breve, o quadro legal e conceptual que subjaz ao meio de obtenção de prova em análise, dever-se-á concluir que as escutas efectuadas nos presentes autos violaram os normativos e princípios referenciados? E, na afirmativa, estamos perante verdadeiras proibições de prova, sujeitas a um regime diferenciado do regime geral das nulidades dos actos processuais? Com que efeitos, nulidade sanável, insanável, ou mesmo inexistência, próxima da figura da não possibilidade de utilização de tal meio probatório? Antes de respondermos a tais questões, atenta até a sua parcial prejudicialidade, vejamos a forma como tal meio de obtenção de prova foi ordenado, autorizado, fundamentado e acompanhado por parte do Sr. Juiz de Instrução, através da cronologia das suas intervenções processuais, em articulação com a evolução da investigação: a) a investigação teve início em 28/08/2002, com a abertura do competente inquérito; b) em 14/10/2002, e após algumas diligências identificativas dos suspeitos em equação, é efectuada diligência externa, no sentido, nomeadamente, de identificar a residência do suspeito inicial; c) em 20/11/2002 é efectuada nova diligência externa, junto á residência do suspeito GG, desde logo se referindo a existência de entrada saída de alguns indivíduos que, devido à fraca luminosidade existente no local, não foi possível visionar em condições, tendo-se abandonado o local pelo facto de se considerar que não existiam as condições de segurança necessárias para permanecer no local sem sermos detectados; d) no dia 25/11/2002 é dada a informação de que o mencionado GG terá alguns indivíduos a vender produto estupefaciente que o mesmo fornecerá, deixando praticamente de lidar directamente com os consumidores; e) em 17/01/2003 é junta aos autos reportagem fotográfica da residência do mencionado GG; f) em 23/01/2003, a fls. 25 e 26, foi dada a informação de que o mesmo arguido se movimentava bastante e a diferentes horas do dia, não obedecendo a uma rotina diária, e que a localização da sua residência também cria sérias dificuldades para a realização de vigilâncias sem sermos detectados; g)-h) a fls. 27 existe despacho do coordenador da investigação, de 24/01/2003, referindo que as intercepções telefónicas são, nesta fase, o único meio de se proceder à recolha de prova que conduza ao desmantelamento da rede de tráfico, sugerindo-as por um período mínimo de 30 dias, o que é corroborado pelo Ministério Público a fls. 28 a 30; i) louvando-se certamente no até ai aduzido, a Juiz de Instrução, em 30/01/2003, invocando o crime indiciado, refere que se mostra necessária ás finalidades do inquérito, para recolha da prova com vista á descoberta da verdade material, a intercepção das conversas telefónicas (fls. 33); j) a fls. 52 e 53, em 03/02/2003, são lavrados autos de início de intercepção telefónica, respeitantes aos números aí referenciados; k) a fls. 64 e 65, em 07 03 2003, é proferido despacho a consignar a audição dos registos relativos ás escutas até ai efectuadas, ordenando a transcrição das relevantes, a prorrogar do prazo de intercepção anteriormente ordenado, a declarar cessada a autorização de efectivação de escutas a um n.º anteriormente ordenado e a ordenar a intercepção e gravação de registos de outros números; 1) a fls. 142 a 147, em 10/03/2003, são lavrados autos de início de intercepção telefónica, respeitantes aos números ai referenciados; m) em 07/04/2003, é proferido despacho de certificação da conformidade das transcrições constantes de fls. 3 a 54 do apenso I, a consignar a realização da audição e a ordenar a transcrição dos elementos relevantes para a prova, a determinar a destruição das demais, a declarar a cessação da autorização de efectivação de escutas relativamente a um telemóvel, e a prorrogar a intercepção de outros (fls. 185 a 188); n) em 09/04/2003, a fls. 261, é lavrado auto de início de intercepção telefónica, respeitante ao número aí referenciado; o) em 22/05/2003, é proferido despacho de certificação da conformidade das transcrições constantes de fls. 55 a 189 do apenso I, a consignar a realização da audição e a ordenar a transcrição dos elementos relevantes para a prova, a determinar a destruição das demais, a declarar a cessação da autorização de efectivação de escutas relativamente a quatro números de telemóveis, a autorizar a intercepção de outros números e a prorrogar a intercepção de outros (fls. 520 a 524);p) a fls. 567 a 575, em 28/05/2003, são lavrados autos de início de intercepção telefónica, respeitantes aos números ai referenciados; q) em 26/06/2003, é proferido despacho de consignação de realização de audição de intercepções (fls. 637); r) em 30/06/2003, é proferido despacho de certificação da conformidade das transcrições constantes de fls. 190 a 238 do apenso I, a consignar a realização da audição e a ordenar a transcrição dos elementos relevantes para a prova, a determinar a destruição das demais, a declarar a cessação da autorização de efectivação de escutas relativamente a seis números de telemóveis e a autorizar a intercepção de outros números (fls. 680 a 683); s) em 11/07/2003, é proferido despacho a prorrogar a intercepção, por mais 45 dias, das conversas telefónicas efectuadas de e para vários aparelhos devidamente identificados, e a ordenar a intercepção de um outro número de telemóvel (fls. 835, 836 e 846); t) a fls. 912 a 916 e 1192, em 15/07/2003, são lavrados autos de início de intercepção telefónica, respeitantes aos números ai referenciados; u) a fls. 936 e 937, em 31/07/2003, são lavrados autos de destruição das intercepções; v) a fls. 1021, em 13 08 2003, é proferido despacho a autorizar a prorrogação, pelo período de 45 dias, da intercepção de um número aí referenciado; w) a fls. 1127 a 1129, em 27/08/2003, é proferido despacho a consignar a audição dos registos relativos às escutas até ai efectuadas, ordenando a transcrição das relevantes, a prorrogar do prazo de intercepção anteriormente ordenado, a declarar cessada a autorização de efectivação de escutas a 4 números anteriormente ordenado e a ordenar a destruição das demais; x) a fls. 1199 e 1200, em 09/08/2003, são lavrados autos de início de intercepção telefónica, respeitantes aos números ai referenciados; y) em 24/09/2003, é proferido despacho de certificação da conformidade das transcrições constantes de fls. 239 a 249 do apenso I (fls. 1210 e 1211); z) em 06/10/2003, é proferido despacho a consignar a realização da audição e a ordenar a transcrição dos elementos relevantes para a prova, a determinar a destruição das demais, a declarar a cessação da autorização de efectivação de escutas relativamente a dois números de telemóveis (fls. 1267 e 1268); aa) em 13/10/2003, é proferido despacho a consignar a realização da audição e a ordenar a destruição por falta de interesse para as finalidades do inquérito, a declarar a cessação da autorização de efectivação de escutas relativamente a um número de telemóvel, e a prorrogar a autorização de intercepção, por mais 45 dias, de dois números ai identificados (fls. 1444 e 1445); bb) a fls. 1525, em 16/10/2003, é lavrado auto de início de intercepção telefónica, respeitante ao número aí referenciado; cc) a fls. 1533, 1524, 1724 e 2417, nas datas ai referenciadas, são lavrados autos de destruição das intercepções; dd) em 19/12/2003, é proferido despacho de certificação da conformidade das transcrições constantes de fls. 294 a 303 do apenso II e a consignar a realização da audição e a ordenar a destruição por falta de interesse para as finalidades do inquérito (fls. 1692); ee) em 09/01/2004, é proferido despacho a autorizar a intercepção e gravação, pelo período de 45 dias, das chamadas recebidas e efectuadas de dois números de telemóvel (fls. 1766); ff) a fls. 1867 e 1868, em 13/01/2004, são lavrados autos de início de intercepção telefónica, respeitante aos números ai referenciados; gg) em 18/02/2004, é proferido despacho a consignar a realização da audição e a ordenar a transcrição dos elementos relevantes para a prova, a determinar a destruição das demais, e a prorrogar, por 20 dias, a intercepção de outros números já autorizados (fls. 2122 e 2123); hh) em 17/03/2004, é proferido despacho de certificação da conformidade das transcrições constantes de fls. 304 a 308 do apenso II, a consignar a realização da audição e a ordenar a transcrição dos elementos relevantes para a prova e a determinar a destruição das demais (fls. 2302 e 2303); ii) em 29/03/2004, é proferido despacho de certificação da conformidade das transcrições constantes de fls. 309 a 319 do apenso II, a consignar a realização da audição e a ordenar a transcrição dos elementos relevantes para a prova e a determinar a destruição das demais (fls. 2395 e 2396); jj) em 14/04/2004, é proferido despacho de certificação da conformidade das transcrições constantes de fls. 320 a 324 do apenso II. Atento o exposto, como justificar a alegação de que as escutas ordenadas não foram controladas exclusivamente pelo juiz de instrução e que este não as ouviu todas conforme legalmente determinado? E, atento o acompanhamento efectuado, será justificável a alegação de que as mesmas não foram imediatamente levadas ao conhecimento do Juiz? Não o cremos, decisivamente, antes resultando dos autos um efectivo, contínuo e próximo acompanhamento por parte do juiz de instrução, com a periodicidade muitas vezes inferior a 30 dias, com a efectiva audição da totalidade dos registos, com a selecção das partes relevantes a transcrever, com a determinação da destruição das demais, e com a prévia audição antes das decisões de prorrogação. Tudo de forma a tornar operatório o legalmente exigível acompanhamento judicial, para que a compressão dos direitos afectados pelas escutas seja a mínima possível. Com efeito, não existem nos autos espaços de tempo minimamente relevantes em que não se descortine a tutela, o controlo ou o acompanhamento por parte do Juiz de Instrução, ou que a actividade do mesmo não surja plasmada no processo, existindo antes a plena demonstração de um efectivo controlo e acompanhamento, uma efectiva sindicância e aferição dos resultados das intercepções, de forma a poder determinar a transcrição do relevante, a destruição do irrelevante para os autos e a cessação das intercepções supervenientemente injustificáveis. Pelo que não se descortina qualquer inobservância das formalidades elencadas no citado art. 188.º do CPP, conducentes à alegada nulidade. Todavia, e para além do exposto, mostrar-se-ão respeitados, no concreto recurso a tal meio de obtenção de prova, os já elencados princípios da subsidiariedade, proporcionalidade, necessidade, essencialidade e idoneidade? Encontrar-se-á minimamente fundamentado o despacho que decidiu acerca da pertinência a tal recurso? Reconhecemos que o despacho em equação (...) não é propriamente pródigo ou generoso na sua fundamentação ou sustentabilidade, de forma a observar, sem quaisquer hesitações, o plasmado no n.º 4 do art. 97º do CPP. Todavia, a noção de deficiente fundamentação, a admitir-se, não equivale a falta da mesma, tanto mais que, tal despacho não surge isolado no processo, de forma oficiosa ou avulsa, surgindo antes no desenrolar das dificuldades de investigação já apontadas no processo pela entidade investigatória — local de difícil visibilidade, prática não uniforme de comportamentos potencialmente criminosos, intervenção de terceiras pessoas na actividade de venda de estupefacientes, natural dificuldade de visualização directa dos actos de tráfico -, que tiveram eco no ministério Público, e que estiveram subjacentes ao despacho judicial proferido. Ora, não se olvidando ainda que a densidade fundamentadora de tal decisão depende sempre da fase das diligências investigatórias em curso, consideramos que o mesmo foi minimamente fundamentado, justificando, pelos apontados motivos, o recurso a tal meio de obtenção de prova, em respeito à requerida proporcionalidade ou necessidade» 7.3. E julgou-a «definitivamente». Com efeito, o Supremo, no processo 4570/07-3, decidido em 23Jan08, considerou o recurso de EE, «nessa parte», «irrecorrível»: «O arguido contesta o acórdão da Relação na parte referente às escutas telefónicas, que haviam sido impugnadas em recurso autónomo, interposto da decisão instrutória, mas tendo subido com a decisão final. Contudo, nessa parte, a decisão da Relação é irrecorrível, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, uma vez que se trata de decisão que não conhece [a final] do objecto do processo» . Entende-se portanto que, em relação à pretendida invalidade, ela configura questão decidida de que não cabe recurso para este S.T.J., de acordo com a al. c) do n.º 1 do art. 400.º do C.P.P., devendo nessa parte o recurso do arguido AA ser rejeitado, de acordo com o artº 420º nº 1 al. b) e 414º nº 2, ambos do C.P.P.. 2) Quanto à segunda questão, centrada no facto de nenhum telemóvel, ou outro aparelho de comunicação posto sobre escuta, ter gravado conversas do recorrente, merece-nos o seguinte comentário: Como se vê da sentença de primeira instância, pesou na formação da convicção do tribunal, a propósito das responsabilidades do ora recorrente, prova retirada de intercepções telefónicas feitas a DD, EE e CC. Nas conversas gravadas fazem-se repetidas referências ao “....”. Ora, este era exactamente um dos nomes porque era conhecido o ora recorrente entre os co-arguidos, tanto quanto resulta do depoimento o Inspector da P.J. FF. Assim sendo, o tribunal pôde valorizar as aludidas referências ao recorrente, nas escutas, como entendesse, e conjugando-as com outros elementos probatórios, sendo obviamente indiferente que os aparelhos sob escuta fossem ou não propriedade, ou possuídos, pelo aqui arguido. 3) O terceiro ponto prende-se com o recurso propriamente dito da matéria de facto. Já se viu que o recorrente AA recorreu da decisão da 1ª instância, também de facto, para o Tribunal da Relação de Coimbra. E, no acórdão deste S.T.J., que anulou o primeiro acórdão da Relação, disse-se muito claramente que “Impugnou a decisão proferida sobre a (alguma) matéria de facto, com observância mínima do estabelecido no artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP, o recorrente AA.” Mais adiante, e entre o mais, refere-se: “E, não havendo o recurso da decisão sobre a matéria de facto sido rejeitado por incumprimento das exigências do nº 3 do artigo 412.º do CPP, a Relação, no exercício do poder/dever do nº 1 do artigo 428.º do CPP, tinha de apreciar o mérito desse recurso e decidir em conformidade (artigo 431.º, al. b), do mesmo Código), salvo se, previamente, concluísse pela via do convite ao aperfeiçoamento.” Acontece que o Tribunal da Relação entendeu que o conhecimento do recurso do arguido AA, em matéria de facto, passava mesmo pelo dito aperfeiçoamento. E, conforme se pode ver de fls. 5383 (19º volume) foi lavrado o seguinte despacho: “Face ao decidido no douto acórdão do S.T.J., convidam-se os recorrentes a apresentar novas motivações e conclusões, devidamente elaboradas suprimindo as faltas assacadas no nosso anterior acórdão. Prazo: 15 dias”. Na sua precedente redacção, que era a vigente à data em que se procedeu à notificação do ora recorrente, o artº 417º do C.P.P. era omisso, em matéria de consequências para a falta de resposta, ao convite que tivesse sido feito para serem completadas ou esclarecidas as conclusões formuladas. Só o artº 412º do Código, explicitava na altura uma cominação, no seu nº 2, quando estivessem em causa conclusões que versassem matéria de direito. Tratando-se de conclusões relativas a matéria de facto, se, por um lado, havia que observar a doutrina do Acórdão do Tribunal Constitucional 320/2002, de 9 de Julho, nos termos do qual se impedia a rejeição do recurso, antes do tribunal ter convidado o recorrente a suprir as deficiências encontradas, por outro lado, a falta de resposta, ao convite feito, implicava a dita rejeição. Era este o entendimento uniforme, já então (cf. Acs. deste S.T.J. de 30/10/2002, Pº 2535/02, ou de 13/11/2002, Pº 3176/02, ambos da 3ª Secção, v.g.). Refira-se que o artº 417º nº 3 do C.P.P., na actual redacção (da Lei 48/2007 de 29 de Agosto), passou a consagrar, explicitamente, a cominação para a omissão em foco, sem se distinguir entre recurso da matéria de facto ou de direito. Não apresentando, completando ou esclarecendo as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias a contar da notificação ocorrida para tal efeito, o recurso é rejeitado, ou não é conhecido na parte afectada. O recorrente AA deveria ter indicado, no seu recurso sobre matéria de facto, e de acordo com o nº 3 do artº 412º do C.P.P., os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, as provas que impunham decisão diversa da recorrida, com referência às cassetes gravadas, e/ou as provas que deviam ser renovadas. Aquilo que consta das conclusões 6 e 7 do seu recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra (cf. 4679), não satisfez esse Tribunal da Relação, e daí o convite a apresentar nova motivação e conclusões. O ora recorrente nada veio dizer, na sequência da notificação que lhe foi feita para apresentação dessas novas motivação e conclusões (fls. 5389). Na sua decisão, o acórdão recorrido, o segundo do Tribunal da Relação, afirma que, para se conhecer de facto, importa que os recorrentes dêem cumprimento ao prescrito no artº 412º, nºs 3 e 4 do C.P.P., “ou seja, que indiquem os pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgada, as provas que impõem decisão diversa, sendo que tal se deve efectuar com referência aos suportes técnicos”. E depois acrescenta que “Nenhum dos recorrentes cumpre tais normativos, pelo que a matéria de facto se tem de considerar como fixada (art.431º,al.b) do Cod. Proc. Penal)”. Entende-se então que, no seu segundo acórdão, a Relação não tinha necessariamente que se pronunciar sobre a matéria de facto especificamente contrariada pelo recorrente. E, não obstante, o acórdão recorrido até transcreveu o exame crítico da prova, demorado, que fora feito na 1ª instância. Entendeu, depois, que a fundamentação apresentada se apresentava suficiente, e teceu, ainda, considerações, sobre a motivação da sentença, tal como se impõe ao tribunal de recurso, à luz do artº 425º nº 4 e 374º nº 2, ambos do C.P.P.. Não temos especial reparo a fazer à Relação, neste ponto do julgamento da matéria de facto. Recorde-se que, segundo jurisprudência deste Supremo Tribunal, “Os nºs 3 e 4 do artº 412º do C.P.P. limitam o julgamento da matéria de facto àqueles pontos que referem, mas não permitem o julgamento da globalidade dessa matéria de facto” (Ac. de 18/1/2001, Pº 3105/00 desta 5ª Secção). “O reexame da matéria de facto pelas Relações não corresponde a um segundo julgamento, como se não tivesse havido um julgamento anterior, antes visa correcção de erros de julgamento da 1ª instância, impondo-se que os recorrentes especifiquem os pontos de facto e as suas provas que em relação a cada facto deviam conduzir a um veredicto diferente, para que a instância de recurso reaprecie essas provas, e eventualmente altere a decisão da matéria de facto quanto a esses pontos” (Ac. de 11/10/2005, Pº 2435/05 da 3ª secção). O facto da Relação conhecer de facto não significa, portanto, que tenha de proceder a um novo julgamento de facto, em toda a sua extensão, tal como ocorrera em 1ª instância. No recurso de matéria de facto, haverá que ter por objectivo o passo que se deu, da prova produzida aos factos dados por assentes, e/ou o passo que se deu, destes, à decisão. O recorrente poderá insurgir-se contra o modo como teve lugar um ou ambos os momentos deste trânsito. Desde logo, impugnando a própria matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no nº 3 do artº 412º do C.P.P.. No caso, essa pretensão não surtiu efeito, como se viu, por falta de acolhimento do convite para aperfeiçoamento da motivação e conclusões. Ou, então, invocando um dos vícios do nº 2 do artº 410º do C.P.P., o que o recorrente também fez, desde logo no recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, sem qualquer razão, aliás. Em qualquer das hipóteses, haverá que ter em conta que uma coisa é considerar objecto do recurso ordinário o acontecimento histórico sobre que incidiu a decisão recorrida, e outra, ter por objecto do recurso, essa decisão ela mesma. No primeiro caso haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida. No segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) dispuseram. Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Repete-se, não um novo julgamento global de todo o objecto do processo, porque a garantia do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência antes visando, apenas, a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da dita matéria de facto. Importa ainda ter em consideração, quanto ao julgamento de facto pela Relação, que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova, e outra é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório. Ora, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no artº 127º do C.P.P., ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal que não interessam ao caso), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em primeira instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir. Serve para dizer, que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramentos dos factos realizado em primeira instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado. Assim sendo, não se descortina no acórdão recorrido qualquer omissão de pronúncia que pudesse responder pela anulação do acórdão recorrido, e relacionada com a falta de julgamento da matéria de facto. 4) Importa, por último, ver se se configuram quaisquer dos vícios do nº 2 do artº 410º do C.P.P., já que o recorrente, indiscriminadamente, a todos eles se refere. Nestes casos, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do nº 2 do artº 410º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (al. a) e b) do nº 2 do artº 410º).Importa repetir mais uma vez, aquilo que tem sido a jurisprudência constante deste S.T.J., quanto à invocação de tais vícios. O conhecimento de recurso em matéria de facto, interposto de decisão final do tribunal colectivo, é só da competência do Tribunal da Relação, mesmo tratando-se da mera invocação dos vícios do artº 410º do C.P.P.. Quando o artº 434º do C.P.P. nos diz que o recurso para o S.T.J. visa exclusivamente matéria de direito, “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artº 410º”, não pretende, sem mais, com esta afirmação, que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça possa visar sempre a invocação dos vícios previstos neste artigo. Pretende simplesmente admitir o conhecimento dos vícios mencionados pelo S.T.J., oficiosamente, mesmo não se tratando de matéria de direito. O âmbito dos poderes de cognição do S.T.J. é-nos revelado pela al. c), hoje al. d) do nº 1 do artº 432º, que restringe o conhecimento do S.T.J. a matéria de direito. E refira-se que as alterações do C.P.P., operadas pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, não modificaram os preceitos em causa (al. c), depois d), do artº 432º e artº 434º), de modo a justificar-se uma inflexão da orientação seguida neste S.T.J.. Isto dito, acrescentaremos porém que, ao pronunciar-se de direito, nos recursos que para si se interponham, o S.T.J. tem que dispor de uma base factual escorreita, no sentido de se apresentar expurgada de eventuais insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos. Por isso conhece dos vícios aludidos por sua iniciativa. Aliás, tem mesmo de os conhecer, nos termos do acórdão para fixação de jurisprudência de 19/10/1995, do Pleno das Secções Criminais deste S.T.J. (Pº 46580-3ª, in D.R. Iª série – A, de 28/12/2005). O erro notório na apreciação da prova, como tem sido repetido à saciedade, na jurisprudência deste S.T.J., tem que decorrer da decisão recorrida ela mesma. Por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum. Tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida o que, como já se afirmou, é configurado pelo caso dos autos. Também se não vê qualquer contradição ao nível da fundamentação, designadamente por o mesmo facto ter sido simultaneamente dado por provado e por não provado, ou por haver total incompatibilidade entre factos provados, ou entre estes e os não provados. Fica ainda sem objecção, a decisão de primeira instância, e na sequência dela a da Relação, no tocante a uma possível insuficiência da matéria de facto dada por provada, para que a decisão de condenação pudesse ter sido proferida como foi. Por todo o exposto, entende-se que se não verificou nenhum vício dos elencados no nº 2 do artº 410º do C.P.P., estando definitivamente adquirida, em relação ao recorrente, a matéria de facto fixada, tal como já havia sido declarado no acórdão recorrido. 5) Para além das questões que retirámos das conclusões formuladas, uma outra merece a nossa atenção, e prende-se com a medida da pena aplicada ao recorrente. Recorde-se que o recorrente foi condenado na pena de 9 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts.21º,nº1 e 24º, als.h) e j) do Dec. Lei nº15/93, de 22/1, e ainda na pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de corrupção activa para acto ilícito, p. e p. pelo art.374º, nº1 do C. P.. Em cúmulo, ficou condenado pena única de 10 anos de prisão. O crime de corrupção em foco é punido com a pena de prisão de 6 meses a 5 anos. Ora, de acordo com a al. f) do nº 1 do artº 400º do C.P.P., caso atendêssemos à sua redacção actual (introduzida pela lei 48/2007 de 29 de Agosto), o acórdão da Relação não seria recorrível, nesse particular, por ter havido confirmação da decisão da 1ª instância, e a pena aplicada não ser superior a 8 anos. Interessa, porém, ver a questão à luz da redacção anterior, contemporânea da decisão de 1ª instância proferida contra o arguido, das decisões subsequentes, bem como da interposição do presente recurso para este S.T.J.. Ora, atendendo a tal redacção, porque a pena aplicável também não é superior a oito anos, e se está perante uma dupla conforme, a irrecorribilidade continua a ser de afirmar quanto ao crime de corrupção activa. Entende-se, na verdade, que, se os crimes determinantes de uma conexão de processos, nos termos dos artºs 24º e 25º do C.P.P., ou determinantes de uma conexão, para os quais se organizou um só processo, de acordo com o nº 1 do artº 29º do mesmo Código, têm um limite superior da moldura que não excede os 8 anos, então, nunca tais crimes seriam passíveis de recurso, caso fossem julgados isoladamente. Ora não concorrem razões substanciais ou sequer processuais, que obriguem a que se beneficie o arguido com mais uma possibilidade de recurso, só porque, por razões de conexão, aconteceu que os vários crimes tenham sido julgados conjuntamente. Não se nega que, caso ocorressem julgamentos separados, poderia haver lugar a julgamento para realização do cúmulo, sendo esta última decisão recorrível. Só que, neste caso, a decisão estaria exactamente confinada à determinação da pena única, e do mesmo modo o recurso que dela se interpusesse. Debruçando-nos agora sobre a pena aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes agravado, não sujeita à restrição recursória apontada, porque foi de 9 anos, entendemos que dela se deverá conhecer neste recurso, por se nos afigurar, antecipando já, que a mesma se nos apresenta exagerada. Procede-se assim, mesmo que se não tenha explicitamente pedido uma diminuição da pena, nas conclusões da motivação, por certo devido ao convencimento, por parte do recorrente, de que essa questão estaria prejudicada, dada a impugnação da matéria de facto que tentou fazer. Releva aqui o disposto no artº 402º do C.P.P., relativo ao âmbito do recurso, e de acordo com o qual a regra-base é a de que o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão. E nos termos da al. a) do nº 2 do preceito, o recurso interposto por um dos arguidos, em casos de comparticipação, aproveita em princípio aos demais. Acontece que o co-arguido CC foi condenado, em 1ª instância, no mesmo julgamento, nas mesmas penas e pelos mesmos crimes que o ora recorrente. Os factos imputados a ambos são praticamente os mesmos. Confirmadas as penas em que fora condenado, pela Relação, viu o co-arguido Fernando reduzida a pena, pelo crime de tráfico, no acórdão de fls. 6132, tirado a 13/3/2008, que subscrevemos então. Razões de tratamento igual no que for igual, e portanto de justiça, também nos levam a reapreciar a pena aplicada ao ora recorrente por tal crime. Temos seguido o ensinamento de Figueiredo Dias, no sentido e ser possível a sindicância da determinação da medida da pena, como matéria de direito que é, “quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada” (in “Direito penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 197). O artº 71º do C. P. vem-nos dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, com o que teremos que ter em mente o disposto no artº 40º do C.P., que assinala a toda a pena, como finalidades, a defesa de bens jurídicos e a reinserção social do arguido. Daí que a doutrina venha a defender, ainda pela mão de Figueiredo Dias, (Cfr. ob. cit. pags. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente naquela tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na referida reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” (Cf. idem pág. 229). Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico- normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimemente num sentido igual ao que acaba de se referir. O nº 2 do artº 71º do C. P. manda atender , na determinação concreta da pena, “ a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime. Voltando agora ao caso concreto, diremos que, para além de se concordar com as qualificações penais feitas, também são, a nosso ver, pertinentes, as considerações que presidiram à determinação da pena concreta aplicada ao AA. Considerações que, porém, deverão ter por consequência a aplicação de uma pena muito próxima senão igual à que foi aplicada ao co-arguido CC, por tudo quanto já se adiantou. A parcelar mais grave aplicada ao recorrente é de sete anos e meio de prisão, e a soma das parcelares atinge os nove anos e seis meses de prisão, pelo que é entre estas medidas que teremos que encontrar a pena única. De um lado, defrontamo-nos com razões de prevenção especial prementes. Do outro, perfilam-se exigências de prevenção geral positiva não menos importantes. Lisboa, 29 de Outubro de 2008 Souto de Moura (Relator) Soares Ramos Simas Santos Rodrigues da Costa |