Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A243
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: RECURSO
Nº do Documento: SJ200603140002436
Data do Acordão: 03/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I - O recurso interposto por um recorrente aproveita aos respectivos compartes, se todos tiverem sido condenados como devedores solidários, a não ser que o recurso, pelos seus fundamentos, respeite unicamente à pessoa do devedor.

II - Tal significa que os efeitos do recurso não aproveitam aos não recorrentes se o recorrente funda o seu recurso em causa que lhe seja pessoal, como acontece, por exemplo, com a invocação da incapacidade do recorrente para contrair a obrigação, o dolo ou a coacção.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Na acção ordinária que AA instaurou contra os réus BB e marido CC e DD e marido EE, foi proferida sentença, em 1ª instância, que decidiu:
- condenar todos os réus, solidariamente, a pagarem à autora a quantia de 9.900.000$00, acrescida de juros, desde 18-4-95;
- condenar os 1ºs réus, BB e marido, a pagarem à autora a quantia de 880.000$00, acrescida de juros;
- condenar os 2ºs réus, DD e marido, a pagarem à autora a quantia de 803.000$00, com juros.

Apelaram todos os réus, mas o recurso interposto pelos réus DD e marido EE foi julgado deserto, por falta de alegações.

A apelação viria a obter parcial procedência, tendo então a autora interposto recurso de revista.

O Supremo Tribunal de Justiça, por Acordão de 3-6-03, após concluir que a "quantia de capital a cuja restituição pelos primeiros réus a autora tem direito ascende a 8.980.000$00, sendo a parcela de 7.300.000$00 solidariamente com a os segundos réus (as de 800.000$00 e de 880.000$00 são da responsabilidade exclusiva dos primeiros réus, por em nada os segundos terem com elas beneficiado, nem para a sua entrega aos primeiros terem contribuído), e encontrando-se os segundos réus obrigados ainda ao pagamento da mencionada quantia de 803.000$00)", decidiu alterar o Acordão recorrido, "na parte em que fixou o montante rectificado de 4.530.000$00, que passa a ser de 8.980.000$00 (correspondente a 44.792 euros), sendo de responsabilidade solidária de todos os réus a quantia de 7.300.000$00 (36.410 euros) e confirmando-se o mesmo acordão quanto ao demais ".

Após reclamação dos réus BB e marido, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu novo acordão, em 30-9-03, reformando aquele outro, " no sentido de que a parcela de 7.300.000$00 em cujo pagamento os réus se encontram solidariamente condenados, passar a ser de 3.841.945$00, e o valor global de 8.980.000$00 ali indicado passar a ser de 5.521.945$00, mantendo-se o demais decidido".

Na sequência disso, os executados DD e marido EE requereram, na execução que contra eles corre termos , que a quantia mencionada no requerimento executivo, no montante de 9.900.000$00, passasse a ser de 3.841.945$00, uma vez que o recurso dos outros réus lhes aproveitava, nos termos do art. 683, nº2, al. c), do C.P.C.

A exequente opôs-se, com o argumento de que aqueles executados não haviam aderido ao recurso.

Por despacho de 24-6-04, foi dada razão aos executados DD e marido, tendo a quantia de 9.900.000$00, mencionada no requerimento executivo, sido reduzida para 3.841.945$00, correspondente a 19.163,54 euros.


A exequente AA interpôs recurso de agravo desse despacho, mas sem êxito, pois a Relação do Porto, através do seu Acordão de 6-10-05, negou provimento ao agravo e confirmou o despacho recorrido.

Continuando inconformada, a exequente agravou para este Supremo Tribunal de Justiça, onde conclui:
1- Inexiste litisconsórcio necessário entre os agravados e os compartes.
2- O recurso de apelação apresentado pelos agravados foi julgado definitivamente deserto.
3- Os agravados não deram a sua adesão ao recurso interposto pelos compartes.
4 - O interesse dos agravados, relativamente à quantia em causa, não depende essencialmente do interesse dos recorrentes- compartes.
5 - O fundamento do recurso dos compartes respeita unicamente às pessoas destes, pelo que o Acordão recorrido deve ser revogado.

A recorrida não contra-alegou.

Corridos os vistos , cumpre decidir:


Os factos a considerar são os que atrás se mostram relatados.


A única questão a decidir consiste em saber se o recurso interposto pelos réus BB e marido, nos autos principais, aproveita aos réus DD e marido EE.


O acordão recorrido decidiu no sentido afirmativo, com fundamento no art. 683, nº2, al. c), do C.P.C., por todos os réus terem sido condenados como devedores solidários no pagamento da aludida quantia de 3.841.945$00, correspondente a 19.163, 64 euros, e não se vislumbrar que o recurso interposto pelos réus BB e marido, nos autos principais, radique em qualquer facto que só a eles diga respeito.

E com inteira razão.

Efectivamente, o art. 683, nº2, al. c) do C.P.C., dispõe que, fora do caso de litisconsórcio necessário, o recurso interposto aproveita aos respectivos compartes se todos tiverem sido condenados como devedores solidários, a não ser que o recurso, pelos seus fundamentos, respeite unicamente à pessoa do recorrente.
Comentando este preceito, escreve Alberto dos Reis (Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 300):
"A frase se tiverem sido condenados refere-se ao recorrente e aos não recorrentes, aos quais se estende o efeito do recurso.
A hipótese é esta: propôs-se acção contra vários devedores, ligados pelo nexo de solidariedade passiva; a sentença julgou procedente a acção e condenou todos os réus; apelou somente um deles.
O recurso aproveita, em princípio, aos restantes vencidos.
Mas o princípio sofre uma limitação: a não ser que o recurso, pelos seus fundamentos, respeite unicamente à pessoa do devedor.
Que quer isto dizer?
Quer dizer que a expansão do recurso não se produz, os seus efeitos não aproveitam aos não recorrentes, se o recorrente funda o seu recurso em causa que lhe seja pessoal ".
Como exemplos de recurso com fundamento em facto pessoal, a doutrina cita a invocação da incapacidade do recorrente para contrair a obrigação, o dolo ou a coacção (Alberto dos Reis, Obra e local citados; Rodrigues Bastos, Notas ao Código do Processo Civil, vol. III, 1972, pág. 284; Amâncio Ferreira, Manual do Recursos em Processo Civil, 2ª ed., pág. 122).
Ora, não se mostra que o recurso apresentado pelos réus BB e marido se funde em qualquer causa que respeite unicamente à pessoa desses recorrentes, como já foi suficientemente explicitado no Acordão recorrido.
Daí que tal recurso aproveite aos demais réus DD e marido, por estes terem sido solidariamente condenados, com os réus recorrentes, no pagamento daquele montante de 3.841.945$00 - art. 683, nº2, al. c), do C.P.C.
Os ora agravados DD e marido não precisavam de dar a sua adesão àquele recurso dos comparte recorrentes, para tal recurso lhes aproveitar, nesta parte.

Termos em que, sem necessidade de outras considerações, negam provimento ao agravo e confirmam o Acordão recorrido.
Custas pela agravante.

Lisboa, 14 de Março de 2006
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Afonso Correia